Senhores mestiços, mobilidade e ascensão sociais

Sertões da Bahia do século XIX

Resumo

O artigo investiga os mecanismos de mobilidade e ascensão social de famílias mestiças nos sertões da Bahia entre os séculos XVIII e XIX, com foco na trajetória da família Gonçalves da Costa. O tema central é a constituição de elites locais de origem escrava e mestiça em sociedades escravistas, a partir da articulação entre mestiçagem, poder político, propriedade e apagamento das marcas de ancestralidade. O objeto de estudo são os processos de distinção social e as estratégias de legitimação das qualidades senhoriais adotadas por indivíduos e grupos egressos do cativeiro. A hipótese defendida é que essas famílias mestiças atuaram ativamente na construção de sua inserção social e política, mobilizando redes de alianças matrimoniais, apropriações simbólicas das categorias de “qualidade” e o controle de escravizados, o que lhes permitiu projetar-se como membros das elites locais, frequentemente “branqueados” nas fontes. O corpus documental reúne registros de casamento, inventários post-mortem, testamentos, cartas de dote, atas de câmaras e correspondência administrativa, com destaque para os documentos do Sertão da Ressaca e da Imperial Vila da Victória. A autora demonstra como a mestiçagem foi um componente estruturante — e não residual — das hierarquias sociais dos sertões, sendo as categorias de identificação (como pardo, crioulo, cabra, mulato) mobilizadas conforme interesses específicos de distinção, silenciamento ou afirmação de pertencimentos.