Julgo serem pardas as ditas avós
mestiçagens avoengas, paternas e maternas (Freguesia de N. S. da Piedade de Inhomirim, Rio de Janeiro, c. 1770-1808)
DOI:
https://doi.org/10.1590/2236-463339ed10325Palavras-chave:
mestiçagem geracional, avós, Rio de JaneiroResumo
O artigo investiga o fenômeno da mestiçagem geracional na freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim, na capitania do Rio de Janeiro, entre os anos de 1770 e 1808. Tendo como objeto de estudo as relações de parentesco reveladas nos registros paroquiais de batismo de crianças livres, o texto analisa como as naturalidades e qualidades atribuídas a pais, mães, avós e bisavós configuram padrões de mestiçagem estrutural à sociedade local. O corpus documental consiste nos assentos de batismo do livro de pessoas livres e forras da paróquia de Inhomirim, com especial atenção às informações sobre ascendência e condição jurídica dos ascendentes. A hipótese central sustenta que a mestiçagem não foi um processo episódico nem conjuntural, mas um fenômeno contínuo, familiar e silenciosamente integrado à ordem social e simbólica de uma sociedade escravista de Antigo Regime. A análise evidencia como a informação — ou sua omissão — sobre a ascendência escrava nos registros era mobilizada para forjar linhagens e redes de pertencimento, nas quais o casamento católico e a legitimação dos costados desempenhavam papel central na construção de uma aparência de “brancura” e respeitabilidade social.
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