v. 9 n. 17 (2022): Correspondências ao longo da História: comunicações, sociabilidades e memórias

imagem: Ilustração de Belmonte em Monteiro Lobato, O Circo de Escavalinho, 1929.

Este dossiê da Revista de fontes, intitulado “Correspondências ao longo da História: comunicações, sociabilidades e memórias”, apresenta estudos sobre as conexões interpessoais por meio de cartas, em variadas formas e suportes, ao longo da História. Foram aceitos textos que metodologicamente abordam questões relacionadas a diferentes suportes, lugares de preservação e meios de divulgação e uso dessas correspondências.

A correspondência não representa apenas uma simples troca de informações entre dois interlocutores, pois apresenta-se inserida em redes de sociabilidades que refletem vivências ideológicas coletivas, movimentos intelectuais e projetos artísticos. Para se compreender a carta como lugar da configuração da subjetividade, é preciso analisar os procedimentos retóricos e discursivos do gênero epistolar, suas relações com o memorialismo, a existência de redes de sociabilidades e os testemunhos da criação da correspondência.

O artigo de Sheila Adriana Von Graffen e André Leme, intitulado “Comunicação filosófica e imagem pública nas correspondências de Sinésio de Cirene para o seu círculo neoplatônico (395-413 d.C.)”, apresenta uma análise de algumas cartas que Sinésio (373-414), personalidade que viveu no período de transição entre os séculos IV e V em Cirene, região norte do continente africano, enviou a dois destinatários, Herculiano e Hipátia, membros de seu círculo filosófico neoplatônico. Von Graffen e Leme partem da compreensão das características do gênero epistolar na Antiguidade. De acordo com os autores, Sinésio, por meio de suas correspondências, praticou uma “escrita de si”, construindo e projetando para ele a imagem e a memória de um filósofo de grande saber e competência.

O artigo de Patrícia Raffaini, intitulado “Epistolografia, Materialidade e História Digital”, apresenta uma reflexão sobre como a análise da materialidade das fontes documentais, em específico da correspondência em arquivos pessoais, contribui para uma compreensão mais acurada das fontes, como demonstrado pelas cartas de leitores a Monteiro Lobato. Patrícia Raffaini ainda discorre sobre o impacto que os processos de digitalização de acervos e a consulta às fontes por meio digital trazem para a construção historiográfica e quais seriam as transformações teórico-metodológicas que essa prática instaura.

Mayra Coan Lago é outra pesquisadora que participa deste dossiê, com o artigo intitulado “Imaginários populares sobre a família no Varguismo e no Peronismo”. Sua pesquisa contempla a análise do período compreendido entre 1937 e 1955, o Estado Novo (1937-1945) e o Primeiro Peronismo (1946-1955). Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón receberam milhares de cartas de “pessoas comuns”. As mensagens foram lidas, encaminhadas e respondidas. Mayra Lago analisou e comparou a construção dos imaginários populares sobre a família durante estes regimes utilizando como fontes principais as cartas que foram enviadas aos governantes.

Para fechar o dossiê, o artigo de Eduardo K. de Medeiros, intitulado “Com destino à saudade: escrita de si em Oswaldo Lamartine de Faria (1989-1994)”, aborda práticas de produção de si do escritor Oswaldo Lamartine de Faria a partir de uma análise sobre um conjunto de dezessete cartas enviadas do Rio de Janeiro/RJ a Serra Negra do Norte/RN, durante o período de 1989 a 1994, tendo como destinatário o sertanejo, seu parente e amigo, Ramiro Monteiro Dantas. Eduardo de Medeiros analisou o papel da tópica da saudade na produção do discurso deste sertanista sobre os sertões do Seridó.

Finalmente, este número retoma as notícias de publicações sobre fontes, recebidas em fluxo contínuo. A Revista de fontes deseja a todos uma excelente leitura!

 

Dirceu Marchini Neto

Departamento de História, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

Publicado: 2023-02-08