Chamada para dossiê Ensino de Filosofia
Pensamento e ação, via de regra, caminham juntos. O modo pelo qual se opera esse enlace, todavia, é deveras variável. Interessa-nos aqui aludir a uma experiência de pensar que reverbera nos atos humanos, na existência, na configuração do mundo, mas cujo enlace com o agir exige uma tônica outra, com graus variáveis de dissonância e reverberação. Essa experiência é filosófica. A saber, um pensamento que, orientado por uma perplexidade originária, transtorna os esquemas que normalmente orientam os quadros a partir dos quais damos como certas as significações e o sentido das palavras, das condutas, das coisas todas que existem e compõem nosso universo. Lançar-se na direção de tal experiência, que ousa transtornar nossa paisagem interna, exige uma desconexão, um desvio em relação aos imperativos pragmáticos, à lógica operatória e eficaz que norteia nossos intuitos de sobrevivência e de perenidade. Numa palavra, a filosofia enquanto experiência de pensamento por sua própria natureza, ainda que faça do real e de tudo que ele envolve seu objeto, requer uma distância do envolvimento técnico com a coisalidade e um desvio do puro desejo de conformidade.
Em vista disto, a questão que para nós se impõe, assim se configura: essa experiência pode de fato ser ensinada? Ao sermos assim interpelados, são várias as vertentes de reflexão que se descortinam. Mencionemos algumas delas.
Primeiramente, o fato de que este pensamento tem tradição e história, os quais se constituiriam em registros pautados pelo rigor, pela sistematicidade, pelo compromisso com a clareza. Numa palavra, ensinar a pensar filosoficamente implica estudar a história desse pensamento, processo que impõe o mergulho na leitura estrutural dos autores, o trânsito pelo interior das obras clássicas, o conhecimento das escolas que se delinearam em 25 séculos de produção e criação, bem como a aprendizagem mesma do pensar conceitual e teórico. Como proceder nas salas de aula, sobretudo nos cursos que antecedem a entrada na universidade, para que o horizonte deste pensar revele o seu fascínio e a sua potência libertadora? Quais os desafios que se apresentam para este ensino numa sociedade que desvaloriza cada vez mais a formação humanística e o pensamento que não esteja conectado utilmente à ação?
A outra problemática que se abre concerne à questão da viabilidade prática e efetiva deste ensino tendo em vista os obstáculos que se cristalizam para além da sala de aula. Como legitimar o ensino de um pensamento numa sociedade que privilegia cada vez mais as formas de existência conformadas aos esquemas operatórios e técnicos, de modo que a dissonância, o gosto pelas margens e a recusa das formas de conduta e dos modos de existir dominantes não se tornem mais objeto de repúdio? Há lugar para o ensino dessa experiência do pensar numa sociedade que se reconhece apenas nas instâncias do “como” e do “saber fazer”?
Outra vertente de reflexão é aquela que se debruça mais propriamente sobre as formas metodológicas pelas quais este ensino poderia se consumar nas salas de aula. Neste local privilegiado onde o pensamento pode ser exercitado e compartilhado, quais seriam as estratégias possíveis para despertar nos estudantes o desejo e o interesse por um pensamento não coadunado com a lógica da eficácia? Em que medida, uma resposta a essa questão não envolve de antemão a consideração de que aquilo que se propõe a ensinar seja também mobilizado pelo desejo, pela paixão em pesquisar e ensinar, em exercitar o pensamento com método e rigor? Não seria a partir do desejo que se pode promover de modo mais consistente e duradouro o desenvolvimento reflexivo, crítico e autônomo do indivíduo, aquilo que seria um dos objetivos do ensino de Filosofia e do exercício do filosofar?
O próximo dossiê da revista Limiar tem por tema Ensino de Filosofia. Aqueles interessados em refletir e escrever sobre as vertentes acima mencionadas e outras que as ultrapassam, enviem o seu texto para rpaiva@unifesp.br e fapmachado@unifesp.br .
Para conhecer a proposta da revista e as normas de apresentação dos textos a serem enviados, acessem:
https://periodicos.unifesp.br/index.php/limiar
Data limite para envio dos textos: 28.02.26
Organizadores:
Francisco Pinheiro Machado
Sandro Kobol Fornazari
Rita Paiva
