Chamada para dossiê Razão trágica
O trágico remete sempre a uma existência ou a uma ordem que, sob a égide da fatalidade, capitula e naufraga. Passando ao largo da ampla e divergente fundamentação sobre esse tema, deixemo-nos conduzir por Peter Szondi, para quem os heterodoxos registros que visam definir esse termo convergem para um mesmo ponto: a tragicidade se configura exatamente quando o empenho na salvação torna ainda mais determinante o colapso, a perda, o derrame da negatividade. Não é outra a dinâmica inscrita no cerne de uma razão que traz em si essa mácula. Antinomizando com uma tradição que, na história da filosofia, elegeu a razão como potência de revelação, aprimoramento moral e controle da existência, e atingiu seu cume ao declarar que as relações entre o pensamento e o real são de inequívoca identidade, a razão trágica não se furtou a desenhar seu percurso, pleno de subversões.
Em vista disto, seria pertinente sustentar que sob uma multiplicidade de registros, inscreveu-se o esforço de refletir acerca de uma razão que claudica e que se reconhece insuficiente para explicar, justificar, redimir. Tais registros atualizam-se em vertentes distintas. Por um lado, as filosofias que, ao denunciar a impossibilidade de uma razão que possa domar o irracional e o real enigmático que nos circunda ou aquele que nos habita, vislumbra, no oceano da ininteligibilidade, portas de redenção que nos conduzem a um absoluto paradoxal, bem como à possibilidade de uma libertação que a ultrapassa, porque transcendente. Por outro, as filosofias que renunciam a toda e qualquer salvação; atendo-se à imanência e postulando o incontornável abismo que nos sustenta, elas propõem o mergulho no trágico e a sua assunção dolorosa com horizontes de vida digna e bela, a despeito de sua aridez. Kierkgaard e Chestov – entre outros - poderiam emblemar a primeira vertente. Na segunda, poderíamos inscrever toda a tradição aberta pelo pensamento de Schopenhauer e Nietzsche. Com este último, ademais, a reflexão sobre a tragédia ultrapassa em definitivo a estética e adentra a ontologia. Entre os filósofos que seguem a trilha aberta por esses pensadores alemães, poderíamos mencionar Foucault, Derrida, Bataille, Blanchot, Ricoeur, Freud, Camus, Deleuze, Cioran e muitos outros. Em parte dentro desta segunda vertente, em parte extrapolando-a para uma outra abordagem do trágico e da tragédia, que os tensiona, em sua imanência, com o solo histórico e político no qual emergem, podemos lembrar aqui Walter Benjamin em sua pesquisa sobre o drama barroco alemão (Trauerspiel) e os desdobramentos materialistas da mesma. Em todas essas direções, as searas que essa reflexão contempla são igualmente inúmeras: a metafísica, a ontologia, a ética, a arte, a religião, a epistemologia.
Para além da filosofia, é importante lembrar que esse pensamento negativo, digamos assim, se insere na tragédia mesma ( enquanto forma estética) e também na literatura no seu sentido mais largo (começando por Sófocles, e avançando com Shakespeare, Hölderlin, Goethe, Hofmannsthal, Schiller, Strindiberg, Dostoieviski, Lispector... E também aqui os filósofos literatos que, no sentido sustentado por Szondi, inscreveram o trágico na literatura. Entre eles ainda uma vez: Blanchot, Bataille, Camus, e outros mais.
Em seu próximo dossiê , a Revista Limiar terá por tema Razão Trágica. Os interessados em escrever artigos que apresentem consonância com a proposta acima devem enviar seus textos para o endereço eletrônico paiva.rt@terra.com.br ou rpaiva@unifesp.br.
Para além dos artigos destinados ao dossiê, a Revista Limar recebe artigos em fluxo contínuo para serem publicados, desde que pertinentes a sua linha editorial.
Para conhecer a proposta da revista e as normas de apresentação dos textos a serem enviados, acessem:
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Data limite para envio dos textos: 30.05.2026
Organizadores:
Francisco Pinheiro Machado
Contador Borges
Rita Paiva
