Editorial


https://doi.org/10.34024/prometeica.2019.19.9652


EPPUR SI MUOVE

A quantidade de participantes em grupos no Facebook e a enormidade de vídeos no Youtube servem como prova: chegam a centenas de milhares de pessoas no Brasil (e milhões, no mundo) que acreditam que a Terra seja imóvel e plana. Para elas, grande parte do saber que, desde o século XVI, tornou consensual o heliocentrismo e o formato global do nosso planeta, seria fruto de mentiras elaboradas pela NASA, pelos meios de comunicação e pelo mundo acadêmico, mentiras essas formuladas com o propósito de dominar corações e mentes e manter ocultos perigosos e antigos segredos: o homem jamais chegou à Lua. Há sociedades secretas espalhadas pelo mundo que controlam as finanças e que almejam a posse dos recursos naturais mais preciosos. O aquecimento global é uma farsa. As vacinas matam, ao invés de salvar pessoas. Os cientistas estão à serviço de interesses escusos e, por isso, forjam dados e manipulam evidências empíricas.


Muito se tem pesquisado com o propósito de entender a desconfiança e o descrédito que, no século XXI, associaram-se ao discurso científico. Alguns usam como justificativa o fato de a internet ter criado um campo de discussão e difusão no qual mensagens conspiratórias foram incorporadas, e de forma rápida, à cultura de massa. Afinal, bastariam alguns algoritmos nas redes sociais para propagar a presença de alienígenas na Área 51 (base militar americana em Nevada), a invenção da AIDS pela

C.I.A. e a demora na descoberta da cura do câncer como perversa estratégia das indústrias farmacêuticas. Estes seriam enunciados que prescindiriam de provas, exigindo apenas a fé para consagrá-los como legítimos e verdadeiros.

Outros alegam que o conservadorismo político, aliado ao fundamentalismo religioso, teria fomentado um clima de hostilidade às transformações trazidas pelo desenvolvimento tecnológico e pelas formas democráticas de governo. Este solo, ideal para a demonização rancorosa do mundo acadêmico e científico, refletiria, portanto, o descontentamento da humanidade com a ausência de soluções para problemas urgentes e milenares, tais como a pobreza, a miséria, a fome e a cura para as pandemias.


Tal cenário aumenta nossa responsabilidade, tanto como cientistas como quanto divulgadores da ciência. Por isso, nosso trabalho, em conjunto com o trabalho de tantos outros, tem como meta defender a ciência; sem pretender o monopólio da verdade, precisamos proteger a riqueza polissêmica e polifônica do discurso científico. Afinal, eppur si muove (ela, a Terra, se move). E é bela, redonda e azul, como visto há 58 anos por Yuri Gagarin.


Ivy Judensnaider (Universidade Paulista, Universidade Estadual de Campinas)


PROMETEICA - Revista de Filosofia y Ciencias – ISSN: 1852-9488 – nº 19 – 2019 5