https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.30.18870
CHARACTERIZATION OF THE PROFILE OF PSYCHOLOGY PROFESSIONALS IN TELETHERAPY IN THE PANDEMIC
CARACTERIZACIÓN DEL PERFIL DE LOS PROFESIONALES DE LA PSICOLOGÍA EN TELETERAPIA EN LA PANDEMIA
Samanta Benzi Meneghelli
(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental
Universidade Paulista – UNIP, Brasil)
samanta.meg@hotmail.com
Ana Paula Parada
(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental
Universidade Paulista – UNIP, Brasil)
ana.parada@docente.unip.br
Recebido: 14/06/2024
Aprovado: 14/06/2024
RESUMO
A pandemia do COVID-19 promoveu novas formas de pensar o papel da Psicologia e de sua práxis, afetando o campo de atuação. Objetivou-se caracterizar e compreender o perfil dos profissionais de Psicologia atuantes na pandemia em plataforma de atendimento on-line. Participaram 20 profissionais, sendo 17 mulheres e 3 homens, com idade média de 32 anos, graduados em Psicologia, desses 5 eram recém-formados, ao qual foram aplicados questionário sociodemográfico e entrevista semiestruturada. Todos buscaram trabalho institucionalizado em ambiente home office. Nenhum profissional havia formação específica para modalidade de atendimento psicológico on-line e/ou em contextos de crise; eles enfrentaram alta demanda de pacientes graves, metas de número de atendimentos diário, com duração de tempo reduzido. A terceirização do vínculo terapêutico, adveio da busca por estabilidade financeira, evitar o contágio da doença e do desemprego. No entanto, a urgência e o desejo de ingressar no mercado de trabalho, mesmo sem formação específica, é intensificado nos recém-formados, o que os expõe a atender às demandas do mercado, que perversamente reconhecem a vulnerabilidade da profissão e naturaliza relações de trabalho precárias. A capacidade de escolha da área de interesse e competência profissional, pode ser limitada no início da carreira, principalmente em contexto de crise. A compreensão do campo de atuação, dificuldades e dinâmica do mercado de trabalho e o reconhecimento dos limites profissionais e pessoais, possibilita a construção de uma identidade e uma postura ética, como um fator protetivo acerca da práxis, o que fortalece a categoria para transformações mais dialéticas.
Palavras-chave: COVID-19. psicologia. teleterapia. formação profissional. mercado de trabalho.
ABSTRACT
The COVID-19 pandemic promoted new ways of thinking about the role of Psychology and its praxis, affecting the field of activity. The objective was to characterize and understand the profile of Psychology professionals working during the pandemic on an online service platform. 20 professionals participated, 17 women and 3 men, with an average age of 32 years, graduated in Psychology, of which 5 were recent graduates, to whom a sociodemographic questionnaire and semi-structured interview were applied. Everyone sought institutionalized work in a home office environment. No professional had specific training for online psychological care and/or in crisis contexts; they faced high demand from critically ill patients, targets for the number of daily visits, with a short duration. The outsourcing of the therapeutic bond came from the search for financial stability, avoiding the spread of disease and unemployment. However, the urgency and desire to enter the job market, even without specific training, is intensified in recent graduates, which exposes them to meeting market demands, which perversely recognize the vulnerability of the profession and naturalize work relationships. precarious. The ability to choose an area of interest and professional competence may be limited at the beginning of a career, especially in a crisis context. Understanding the field of activity, difficulties and dynamics of the job market, and the recognition of professional and personal limits, enables the construction of an identity and an ethical stance, as a protective factor regarding praxis, which strengthens the category for transformations more dialectical.
Keywords: COVID-19. psychology. Teletherapy. professional qualification. job market.
RESUMEN
La pandemia de la COVID-19 impulsó nuevas formas de pensar sobre el papel de la Psicología y su praxis, afectando el campo de actividad. El objetivo fue caracterizar y comprender el perfil de los profesionales de la Psicología que trabajan durante la pandemia en una plataforma de atención en línea. Participaron 20 profesionales, 17 mujeres y 3 hombres, con una edad promedio de 32 años, licenciados en Psicología, de los cuales 5 eran recién egresados, a quienes se les aplicó un cuestionario sociodemográfico y una entrevista semiestructurada. Todos buscaban trabajo institucionalizado en un ambiente de oficina en casa. Ningún profesional contó con formación específica para la atención psicológica en línea y/o en contextos de crisis; se enfrentaban a una gran demanda de pacientes críticos, objetivos para el número de visitas diarias, de corta duración. La externalización del vínculo terapéutico surgió de la búsqueda de estabilidad financiera, evitando la propagación de enfermedades y el desempleo. Sin embargo, la urgencia y el deseo de incorporarse al mercado laboral, incluso sin una formación específica, se intensifica en los recién titulados, lo que los expone a atender demandas del mercado, que reconocen perversamente la vulnerabilidad de la profesión y naturalizan relaciones laborales precarias. La capacidad de elegir un área de interés y competencia profesional puede verse limitada al inicio de una carrera, especialmente en un contexto de crisis. La comprensión del campo de actividad, las dificultades y dinámicas del mercado de trabajo, y el reconocimiento de los límites profesionales y personales, posibilita la construcción de una identidad y una postura ética, como factor protector de la praxis, que fortalece la categoría para transformaciones más dialécticas.
Palabras-clave: COVID-19. psicología. teleterapia. formación profesional. mercado de trabajo.
Diante da emergência da saúde pública, devido à crise ocasionada pela pandemia do coronavírus, os serviços de saúde foram convidados a se reinventarem com a expansão de ferramentas tecnológicas. Diferentes serviços de saúde passaram a existir e ocuparem um espaço pouco conhecido até o momento.
Pode-se dizer que um novo conhecimento ocorre, quando seu espaço é insuficiente para as novas capacidades e descobertas, rompe-se assim um limite, descortinando novas e múltiplas dimensões, um processo impossível de retornar após a expansão. O ciberespaço tornou-se uma dessas dimensões, o espaço, como um meio de comunicação mundial entre as redes de computadores, em que se pode criar diversos ambientes (alguns exemplos: web, plataforma de atendimento on-line, redes sociais etc.), no qual a internet é a infraestrutura (Lévy, 1999).
Lévy (1998) define como “universo das redes digitais como lugar de encontros e de aventuras, terreno de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural” (p. 104), ao qual origina-se a cibercultura, com a modificação de hábitos, comportamentos e costumes sociais com a vivência desse novo espaço, assim como a formação de comunidades de compartilhamento, acerca dos mesmos interesses, como “tribos”, possibilitando uma inteligência coletiva de múltiplas trocas de informações, provocando uma universalidade no conhecimento em uma sociedade da informação.
A tecnologia inaugura um tempo de comunicação assíncrona no ciberespaço, compondo um tempo multissíncrono, fruto de uma revolução da comunicação, perpassando da oralidade/escrita e ancorando- se na multimídia, que corresponde a diferentes mídias – “meios” simultâneos para transmissão de informação, como vídeos, sons, textos, fotos, cinema, propagandas, delineando o desenvolvimento humano em um mundo globalizado (Ong, 2002).
Em relação a esse aspecto, ao longo do tempo, os avanços tecnológicos e os instrumentos mediadores da conectividade passaram por evoluções significativas, assim como o propósito e o impacto da internet, que se estabeleceu como um poderoso meio de comunicação, influenciando a subjetividade humana (Souza et al., 2020).
Desse modo, ao pensarmos nas práticas psicológicas inseridas no ciberespaço, um marco pode ser encontrado na década de 1960, no qual ocorreram experimentos de psicoterapia, mesmo sem a existência da internet, quando programas de computador começaram a substituir os psicoterapeutas humanos em certos contextos. Em 1966, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts [MIT] desenvolveu um aplicativo de computador chamado "ELIZA", um programa que simulava um terapeuta rogeriano, treinado para responder às perguntas feitas a ele, que foi uma das primeiras incursões no campo da psicoterapia on- line (Green, 2004).
Já em 1969, ocorreu a primeira demonstração da internet entre computadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles [UCLA] e Stanford. Essa demonstração marcou o início do desenvolvimento da internet como a conhecemos hoje, em que após 3 anos, os computadores das mesmas universidades simularam uma sessão de psicoterapia durante a Conferência Internacional sobre Comunicação de Computadores em outubro de 1972, explorando o potencial dessa nova tecnologia no campo da saúde mental (Ainsworth, 2002).
Logo, as primeiras experiências de suporte psicológico on-line no mundo, surgiram com o fórum estudantil anônimo on-line “Dear Uncle Ezra”, criado em 1986 por Jerry Feist e Steve Worona da Universidade de Cornell, da cidade de Ithaca em Nova Iorque. A denominação foi uma homenagem ao fundador da Universidade Ezra Cornell, ao qual os alunos utilizavam para retratar questões pessoais e compartilhar suas experiências frente a relato de outros usuários. Uma das primeiras consultas, foi realizada para um funcionário de um restaurante diagnosticado com AIDS. Esta foi uma proposta, que embasou outros serviços de aconselhamento on-line similares, como “Ask Ralphie” da Universidade do Colorado Boulder e “Go Ask Alice” da Universidade de Columbia, e está desativado desde 2013 (Vernon, 2003; The Cornell Daily Sun, 2012).
No contexto do Brasil, a internet foi inserida de modo restritivo para a comunicação científica e tecnológica, através da criação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa em 1989, (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa [RNP], 2020; Cunha & Mccarthy, 2005). Em 1995, o Núcleo de Pesquisas de Psicologia e Informática [NPPI] da Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo [PUC-SP], n.d), foi pioneiro disponibilizar atendimento psicológico on-line. Além disso, eles ofereciam orientação psicológica via e- mail, que posteriormente foi oficializada como orientação psicológica pelo Conselho Federal de Psicologia [CFP] com a resolução 003/2000 (Fortim & Cosentino, 2007).
Em 2005, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa [RNP] criou a Rede Universitária de Telemedicina [RUTE/RNP], uma iniciativa que promoveu a colaboração entre instituições de ensino, pesquisa e hospitais universitários. Isso marcou a inauguração do conceito de Telessaúde ampliando o recurso tecnológico para além do campus acadêmico e integrando-se às estratégias de políticas de saúde, como os programas de educação permanente regionais do Sistema Único de Saúde [SUS] (Silva & Moraes, 2012) regulamentado inicialmente pela Portaria de nº 35(2007) com foco na ampliação e melhoria da rede de serviços, sobretudo da Atenção Primária à Saúde (APS) na interlocução com os demais níveis de complexidade de saúde, fortalecendo as Redes de Atenção à Saúde (RAS) (Maldonado et al., 2016).
Norris (2002), definiu o conceito de Telessaúde como práticas que utilizam das tecnologias de comunicação e informação na atenção à saúde, abrangendo aspectos clínicos, administrativos e educacionais, distinguindo dos termos Telemedicina ou E-Saúde, frequentemente utilizados como sinônimos para descrever aplicações tecnológicas em saúde à distância (Maldonado et al., 2016). A importância de compreender tais conceitos, permitem fazer uso de modo consciente, em crítica da utilização do termo da Telemedicina que generaliza as práticas do campo da saúde, visto que as atividades nesse setor não se restringem exclusivamente aos profissionais da medicina (Silva & Moraes, 2012). Essa confusão terminológica pode dificultar a compreensão das diferenças entre os serviços, interferindo na adesão ao trabalho, como a frequente confusão dos pacientes em relação às funções do Psicólogo e do Psiquiatra, principalmente no campo on-line.
Assim, houve a criação do Programa Nacional de Telessaúde que foi redefinido, ampliado e renomeado como Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes pela Portaria nº 2.546 (2011), com o propósito de consolidação das diretrizes e avanço da qualidade e disponibilidade dos serviços do SUS da atenção básica, através de seus Núcleos, dispondo de Teleconsultoria: É uma consulta registrada e realizada entre trabalhadores, profissionais e gestores da área de saúde, por meio de instrumentos de telecomunicação bidirecional, com o objetivo de esclarecer dúvidas sobre procedimentos clínicos, ações de saúde e questões relativas ao processo de trabalho. Pode ser síncrona (em tempo real, geralmente por chat, web ou videoconferência) ou assíncrona (por meio de mensagens off-line); Tele-educação: São conferências, aulas e cursos ministrados usando tecnologias de comunicação para formação e educação dos profissionais de saúde; Tele-diagnóstico: Permite aos usuários do SUS a realização de exames com emissão de laudos à distância. Isso reduz os gastos com deslocamento de pacientes, melhora a capacidade de resolução da Atenção Básica e aumenta a disponibilidade de serviços em diversas especialidades e Segunda Opinião Formativa: São respostas às perguntas geradas nas teleconsultorias, estruturada com base em revisão bibliográfica das melhores evidências em pesquisa científica e clínica aos profissionais de saúde (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa [RNP], 2022).
Outra iniciativa importante, como parte da estratégia da saúde digital 2020-2028 no Brasil, trata-se do Conecte SUS, institucionalizado pela Portaria nº 1.434 (2020), que busca integrar as informações de saúde por meio das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), aprimorando serviços de saúde pública. Isso inclui a informatização da atenção à saúde e a integração de estabelecimentos de saúde públicos e privados, bem como dos órgãos de gestão em saúde dos diferentes níveis governamentais, além de fornecer informações sobre a jornada do paciente no SUS, como a computação da vacinação que tomou, atendimentos e exames realizados, internações, medicamentos utilizados entre outros, o que aperfeiçoa a saúde pública por meio da integração e acessibilidade de informações de saúde,
beneficiando cidadãos, profissionais de saúde e gestores, melhorando a qualidade dos serviços e a tomada de decisões.
A prática de atendimento psicológico on-line no Brasil, ainda é incipiente quando comparado com o Canadá, Austrália, Estados Unidos e Reino Unido (Calado et al., 2021). Desde a década de 1990, o Conselho Federal de Psicologia [CFP] vem se dedicando à regulamentação do atendimento psicológico on-line no Brasil. Quatro resoluções foram emitidas antes da atual:
Resolução CFP Nº 003/2000: O atendimento psicológico era de caráter experimental e científico mediado pelo computador, uma vez que não havia conhecimento suficiente sobre os efeitos dessa prática (CFP, 2000). Na época, a remuneração dos profissionais só era permitida em outras práticas pontuais e informativas, como a orientação psicológica on-line.
Resolução CFP N° 012/2005: Foi criada para manter as diretrizes de pesquisa em atendimento psicoterapêutico on-line e exigia o cadastro de site para pesquisa ou que outros serviços psicológicos fossem feitos no site do CFP (CFP, 2005).
Resolução CFP 011/2012: As orientações psicológicas permitidas a partir de então, inclua até 20 encontros, síncronos ou assíncronos, além de outras práticas, como a aplicação de testes regulamentados, processos prévios de seleção de pessoal, supervisão da atuação de Psicólogos e atendimento eventual de pacientes que estavam em trânsito ou impossibilitados de comparecer a um atendimento presencial. A resolução também enfatizava a segurança na internet e recomendava que os profissionais esclarecessem aos clientes sobre a temática e o sigilo, especificando quais recursos tecnológicos seriam utilizados. Para o atendimento de clientes menores de idade, eram considerados os critérios do Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA], Código de Ética e dispositivos legais adequados. Os sites cadastrados deveriam apresentar o nome e o número do registro profissional, informações sobre o número de sessões permitidas e links para o Código de Ética profissional, para a Resolução vigente, o site do CRP e para o site do CFP. O selo de credenciamento do Psicólogo para o atendimento on-line tinha validade de três anos, ao qual podia ser renovado (CFP, 2012).
Resolução CFP 011/2018: Foi um marco importante na regulamentação da atuação dos profissionais da Psicologia por meio das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Essa resolução efetivamente legalizou a prática da Psicologia em qualquer área, desde que os profissionais tivessem registro profissional ativo e cadastro na plataforma e-Psi, tendo representado um avanço com a ampliação e a flexibilidade da prática da Psicologia ao permitir o uso das TICs por tempo indeterminado, apenas com restrição do atendimento em situações de urgência, emergência, desastres e violação de direitos humanos (CFP, 2018).
Porém, o contexto pandêmico e as medidas de isolamento social impuseram uma nova regulamentação para o atendimento psicológico on-line:
Resolução CFP 004/2020: Foi uma resposta à pandemia e medidas de isolamento, o que possibilitou o atendimento psicológico por meio de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) sem prévia aprovação do Conselho Federal de Psicologia, desde que o profissional estivesse registrado no Cadastro Nacional de Psicólogos e aderisse às normas éticas e técnicas estabelecidas pelo conselho como cadastro na plataforma e-Psi (CFP, 2020). Esta resolução vigente, representa um avanço notável na prática da Psicologia on-line no Brasil, ao ampliar o acesso aos serviços de saúde mental, democratizar o cuidado, reconhecendo o atendimento psicológico como um direito fundamental e de interesse público. A utilização das TICs no atendimento psicológico pode desempenhar um papel crucial na promoção da saúde mental, sobretudo em situações de emergência, urgência, desastres e violações de direitos humanos, o que anteriormente era restrito.
Estas informações podem ser obtidas por meio de resoluções, portarias, guias, materiais e orientações profissionais disponibilizados pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), permitindo a avaliação contínua dos riscos e benefícios das intervenções como um todo, e devem ser compreendidas na íntegra. Além disso, tais recursos ajudam a delinear o escopo das práticas da categoria, especialmente no contexto da prestação de serviços via TICs, garantindo a adesão a princípios éticos relevantes.
No entanto, apesar das vantagens em termos de acesso, democratização do serviço e ampliação do campo de atuação com o atendimento on-line, é fundamental refletir criticamente sobre as implicações na práxis, nas esferas éticas e políticas, incluindo também as próprias relações de trabalho e o posicionamento profissional diante dessas mudanças, o que pode ter sido comprometido, em um contexto de crise e incertezas.
O estudo adotou uma abordagem metodológica qualitativa exploratória-descritiva, dado ao objetivo geral de compreender as dimensões do COVID-19 na experiência emocional e na práxis dos profissionais de Psicologia no atendimento on-line. Isso envolveu análise do perfil profissional, conhecer a rotina de trabalho, os cuidados necessários, os desafios, alcances e limites enfrentados na transposição do modelo presencial para o on-line.
Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, registrado sob o número de parecer 5.501.936, foram rigorosamente mantidos os procedimentos de pesquisa, seguidos da coleta dos dados.
Foram recrutados a partir de uma plataforma multiprofissional de saúde remota, através da divulgação interna e da técnica “bola de neve”, tendo como critérios de inclusão, serem profissionais da área da Psicologia Clínica, de ambos os sexos, que trabalham ou trabalharam na prestação de atendimento psicológico on-line na instituição por pelo menos 6 meses durante a pandemia do COVID-19.
Participaram 20 profissionais, sendo 17 mulheres e 3 homens, todos com uma média de idade de 32 anos, em que 5 eram recém-formados. Cada indivíduo foi identificado por um código exclusivo para garantia da confidencialidade, através da abreviação de participante (P) junto ao número da entrevista realizadas de 1 até 20.
Os dados foram coletados através de um questionário sociodemográfico, para estabelecer o perfil sociodemográfico e identificação de suas características psicossociais e aplicação de uma entrevista semiestruturada, como um roteiro facilitador para abertura e ampliação na conversação com o sujeito, através de perguntas preestabelecidas, porém com a possibilidade de se discorrer sobre o assunto, possibilitando um aprofundamento adequado do fenômeno estudado (Minayo, 2014), em que foram explorados três enfoques: 1) Percepção da Trajetória Profissional; 2) Percepção da experiência do COVID-19 e 3) Percepção da prática profissional on-line no contexto do COVID-19, realizadas pelo software Skype em no máximo dois encontros, com duração média de 1h30min cada.
Em seguida, os dados foram analisados, sendo inicialmente o questionário sociodemográfico através do recurso de estatística básica (frequência, média e somatória total) para compreender de forma conjunta os dados quanti e qualitativos obtidos pelo grupo de Psicólogos participantes, e a entrevista semiestruturada pelo método da análise temática (Braun & Clarke, 2006), devido à sua adequação aos objetivos do estudo e seu caráter flexível. Além disso, para garantir a validade e a confiabilidade na análise, foi empregado múltiplos métodos de coleta de dados para cruzamento das informações, a reflexão e registro das interpretações dos dados e a interavaliação com análise individual das pesquisadoras e cruzamento das informações, a fim de garantir a consistência e robustez dos resultados.
Os profissionais foram caracterizados com base em seus dados sociodemográficos, relativos ao sexo 17 (85%) eram femininos e 3 (15%) eram masculinos. A idade variou de 24 anos à 45 anos, sendo a maioria com idade superior a 30 anos, com média de 32 anos. Todos com nacionalidade brasileira e naturalidade diversificada, com destaque para a maior parte serem Ribeirão Pretanos, sendo 7 (35%) e 5 (25%) Paulistas. Em relação a cidade, a maioria está localizado no estado de São Paulo, totalizando 18 (90%), e a renda familiar mensal prevaleceu acima de 5 salários mínimos com 14 participantes (70%), sendo 3 (15%) de 3 a 5 salários mínimos e outros 3 (15%) de 1 a 2 salários mínimos.
No que se refere ao estado civil, 12 (60%) são solteiros e 8 (40%) estão casados. Desses, 17 (85%) não possuem filhos e os 3 (15%) que possuem filhos são casados. O total de filhos são 4 (20%), variando de 1 a 2 filhos, no qual a maioria são do sexo masculino, representando 3 (15%) com variação de 2 anos a 9 anos de idade, com média de 5,6 anos e apenas 1 (5%) do sexo feminino com 2 anos. A maioria reside com o seu parceiro amoroso 12 (60%), mas 5 (25%) moram sozinho(a) e 3 (15%) moram com os pais.
O tipo de residência predominou com 14 (70%) apartamento, 4 (20%) casa em rua, 1 (5%) casa em condomínio e 1 (5%) casa em chácara, não havendo compartilhamento de bairros em comum.
Quanto a escolaridade, os 20 profissionais (100%) são graduados em instituição privada e 19 (95%) possuem pós-graduação, exceto 1 profissional (5%). Dos 19 com pós-graduação, 12 (63,16%) são em instituições privadas, 7 (36,84%) são em instituições públicas e privadas, sendo que nenhum deles se formou exclusivamente em instituições públicas. Em relação à participação do programa social educacional na graduação, a maioria dos 20 profissionais não recebeu nenhuma bolsa de estudos 12 (60%), enquanto 6 (30%) foram contemplados com ProUni e 2 (10%) com o Fundo de Financiamento Estudantil [FIES].
A análise da entrevista semiestruturada, permitiu compreender que todos esses profissionais no período, buscaram trabalho institucionalizado em ambiente home office. A terceirização do vínculo terapêutico, adveio da busca por estabilidade financeira, evitar o contágio da doença e do desemprego, como forma de se protegerem, não havendo menção de contratação por análise de proposta de trabalho terapêutica, apenas consideraram a proposta de trabalho, referente as condições salariais e benefícios do ambiente on-line.
P20 – [...] Pra nós Psicólogos o custo do remoto, do on-line, ele é muito mais tangível, né? Eu não tinha um espaço que era meu, então eu não arco com aluguel, eu não arco, isso me traz uma flexibilidade, uma rentabilidade maior. Segundo a possibilidade de aumentar minha carta de clientes [...].
As condições de estabelecimento financeiro na profissão parece ser uma problemática, antes mesmo diante da instabilidade econômica na pandemia, como evidenciado pelo estudo de Anunciação et al. (2019), acerca do perfil financeiro dos Psicólogos brasileiros.
P6 – [...] antes de começar a pandemia [...] eu tava bem insatisfeita, porque eu nunca soube ganhar dinheiro né? [...] eu juntei uma galera [...] tinha uns dez Psicólogos [...] todo mundo ajudava a pagar e tal, e tinha pouco paciente, mas aí eu tava muito sabe?... Difícil, tava muito difícil...
Porém, no período da pandemia essa perspectiva teve um preço elevado, em que houve a sobrecarga de trabalho, associada às péssimas condições de trabalho, normalizado por um discurso de "heroificação" dos profissionais da saúde, que na realidade os desumanizou, tornando-os incapazes de reivindicar seus direitos ou de expressar suas angústias e dificuldades. Ser considerado um herói pode ser uma forma de reconhecimento, mas não é suficiente para garantir a dignidade e o bem-estar dos trabalhadores da saúde, que precisam de condições adequadas para desempenhar seu trabalho com segurança e qualidade (Ferreira, 2020).
De acordo com as estimativas da International Stress Management Association do Brasil [ISMA-BR], cerca de 72% dos trabalhadores ativos no Brasil sofrem com alguma sequela causada pelo estresse
relacionado ao trabalho. Desse total, 32% sofreriam da síndrome de Burnout (Araújo, 2020), que se caracteriza pelo desgaste físico e emocional decorrente do trabalho (Granato, 2019).
A prevalência da síndrome de Burnout entre profissionais da área da saúde é alarmante e representa um sério problema de saúde ocupacional. O esgotamento físico e emocional decorrente do exercício da profissão é causado por uma série de fatores, incluindo a quebra do ideal de cuidar e a ambivalência entre manter os ideais profissionais e sucumbir às exigências do contexto de trabalho, o que pode resultar em uma desconexão emocional com os pacientes (Campos, 2016).
A alta demanda de pacientes graves, metas de número de atendimentos diário, com duração de tempo reduzido, revelou que a ênfase estava direcionada não à qualidade do serviço prestado, mas sim à prospecção de possíveis clientes, constituindo um modelo de trabalho de cunho mercadológico, com interferência no manejo clínico e psicoterapêutico.
P19 – [...] tinha um tempo x pra atender, evoluir prontuário, mandar mensagem, eu tinha alguma dúvida, mandava no grupo, espera, enfim, isso pra mim era muito complicado, era algo que tinha que acontecer rápido, uma fila de, eu lembro que chegou uma época de 106 pessoas, com várias demandas[...].
A dificuldade na escuta, avaliação da demanda e intervenção sofreu uma influência significativa na experiência emocional dos profissionais, ao qual foram pressionados a desempenharem um papel que se desconsiderava os princípios éticos fundamentais do atendimento, devido às interferências institucionais, mas também dos próprios limites profissionais. Isso frequentemente gerava nos profissionais uma sensação de impotência e despreparo, comprometendo a eficácia de seu trabalho e os vulnerabilizando.
P2 – [...] tinha uma coisa muito de um tempo marcado nos atendimentos né?! Então era isso, tem que ser de quinze, quinze, tinha que ter oito toques, tinha que fazer isso, tinha que fazer aquilo, e eu... eu sou muito de pegar coisa e ir, eu sou meio tratorzão assim, né?! Ah! Mandou fazer, eu faço, também meio, acho que até meio submissa assim (risos), porque eu não questiono muito, eu vou! Né? Tem que fazer eu faço, só que aí chegou um momento que eu tava muito esgotada e aí eu falei, nossa gente, vou enlouquecer! (mãos na face)... porque assim eu ficava o tempo todo, as vezes até eu fechava o trabalho, eu continuava com o telefoninho aqui (indica a orelha), assim, um momento de muita pira... [...]
P3 – [...]passado essa experiência de-de de curiosidade e de e de descoberta, muito rapidamente já veio uma sensação de esgotamento, de tristeza, de vulnerabilidade, de... ah qual que é a palavra?! É... impotência, né?! Porque aí beleza (risos), tudo isso existe, eu estou aqui ouvindo tudo isso, quinze minutos e... aí me veio uma grande sensação de eu-eu não estou fazendo nada, né?! Essa foi a minha experiência do plantão. [...] Quando eu fui pro agendado, aí apareceram outras questões pra mim [...] de novo essa curiosidade, né?! [...] Nesse modelo de atendimento remoto, e aí no agendado eu falei, não, agora é clínica, né?! Só que não (risos)... porque é uma clínica com vários outros é-é percalços até que se torne uma clínica, né? Então tem o marketing do aplicativo, que oferece algo que eu não sentia que a gente tava entregando, aí você tem um modelo institucional que caminha pra um lado que não é o que a gente está caminhando, e aí criam-se pacotes de oferta, de desenhos de uma clínica que não era o que a gente oferecia. E aí esse paciente que chegava ele chegava contaminado com muitas informações, que não o motivo dele procurar a psicoterapia [...].
Diante dessa realidade enfrentada, é cada vez mais enfatizada a importância de prover algum tipo de apoio ou cuidado, a fim de ajudá-los a lidar com as tensões da prática profissional e preservar sua saúde e bem-estar. Nesse contexto, surge a importante questão: Quem cuida do cuidador? (Campos, 2016). A pandemia nos força a reconhecer a nossa própria vulnerabilidade e a importância de cuidar e ser cuidado, é um lembrete inquietante de que, mesmo como indivíduos, somos interdependentes e precisamos uns dos outros para sobreviver e existir plenamente, no entanto, limitações nessa articulação foram encontradas.
P20 – [...] eu preciso dessa rede, né? Que essa rede precisa estar presente, que ela precisa e que o paciente precisa entender também dessa, da importância dessa rede, que eu não sou milagreira, que eu sozinha não faço milagre (risos) [...].
A literatura corrobora a essas afirmações, evidenciando o quanto a efetividade no campo da saúde mental é maximizada quando as atividades dos profissionais são integradas em equipes multiprofissionais, com serviços e ações em saúde organizados em uma rede de atenção à saúde (Rotoli et al., 2019).
P20 – [...] a prática on-line [...] me coloca é muito mais atenta com cuidado multiprofissional, muito mais alerta pras outras necessidades do paciente.
No entanto, na prática, constatou-se uma falta de integração significativa, em que os serviços de saúde disponibilizados apresentaram uma estrutura segmentada, com ênfase no tratamento de doenças e caracterizados por encaminhamentos.
A vigência do paradigma biomédico no contexto das práticas de saúde e em saúde mental, com enfoque no indivíduo, resultaram na exclusão das dimensões subjetivas e sociais, o que impediu a prestação de cuidados integrais e articulados (Ministério da Saúde, 2011). Nesse contexto, o controle do corpo funcionou como um dispositivo de poder, no qual ocorreu a disciplina, normalização e objetificação dos indivíduos, no caso da análise os profissionais. Aqueles que se desviassem das normas estabelecidas seriam moldados e corrigidos, visando torná-los produtivos e inofensivos, ou seja, "corpos dóceis”, ao mesmo tempo que submetem a nova maneira de existir através do capitalismo (Foucault, 2017).
P6 – [...] o que eu senti é que foi, que a instituição enlouqueceu [...] bateu ali um ano, já tava, já era uma outra instituição, já tinha uma outra formatação [...] não tinha mais como essa comunicação, nem esse clima, pelo menos eu senti isso assim, verdadeiramente, uma coisa de produtividade [...].
Além disso, nenhum profissional tinha formação específica para modalidade de atendimento psicológico on-line e/ou em contextos de crise.
P7 – [...] A prática veio com a pandemia mesmo. Antes da pandemia eu não realizava. Eu atendia presencial.
P1 – Eu iniciei minha prática clínica no período da pandemia [...] Para mim, foi um começo mais difícil, né?! Tanto por ser já um começo da prática clínica... [...].
A escassez de disciplinas que abordam a Psicologia em interface com as TICs é evidente na formação acadêmica. Em uma pesquisa não sistemática, realizada por Faria (2019) em sites de universidades brasileiras até maio de 2018, apenas 4 instituições foram identificadas como ofertando tais disciplinas. A fim de obter novas informações regionais, investigamos a grade curricular das seis principais universidades que oferecem o curso de Psicologia na região de Ribeirão Preto/SP, e surpreendentemente, não encontramos nenhuma disciplina que abordasse explicitamente esse tema.
P9 – [...] nossa geração não foi formada para trabalhar cliente on-line, e é isso que falta na verdade, é a formação [...].
O processo de ensino está desatualizado quanto as diretrizes para o atendimento psicológico on-line e em situações de emergência e desastres, alinhados a uma formação generalista com enfoque teórico que tende a constituição de um olhar clínico rígido.
Há uma falha na construção do campo de atuação da Psicologia que inicia na faculdade, onde um dos fatores protetivos, como bolsas de estudo para enfoque exclusivo a formação é limitada.
P10 – [...] os meus amigos próximos hoje, por exemplo, ninguém atua na, com Psicologia, mesmo tendo ser formado [...] Todo mundo tinha que trabalhar para pagar o curso. [...] Como eu tinha isso, acho
que foi uma vantagem [...] pra eu poder me formar, teoricamente, mas também tecnicamente né? [...] Foi muito legal, foi sorte.
O próprio processo de avaliação de ensino dos estudantes, tem foco na mensuração cognitiva, mas a nível emocional, não os preparam para lidar com a dimensão emocional, a dor do outro, e tampouco constituem espaços nas universidades que promovam o autocuidado ou laços com a categoria, resultando em dificuldades que se expandem até a inserção no mercado de trabalho.
P15 – [...] Eu acho que isso faz muito sentido, e é algo que a gente não entende. Talvez quando a gente tá na graduação, né? A gente vai entender na prática o quanto é fundamental a gente se cuidar, pra cuidar do outro é... [...] eu tive professores, né? Que, “ah, você não pode demonstrar sentimento, né? Não pode demonstrar suas expressão, se expressar” [...] Eu passei a me questionar, mas por quê? [...] tem um limite né? Mas pera aí, não é bem, assim né? A-a prática ela é muito menos engessada do que a gente aprendia lá [...] que depois eu fui vendo que, não era bem assim, né? [...].
Há uma dificuldade em estabelecer uma formação de graduação suficiente para a atuação profissional, conforme evidenciado pelos dados do Censo da Psicologia Brasileira de 2022.
P10 – [...] eu não sei se é da, da profissão ou da, da minha, da minha exigência, mas acho Psicologia um trabalho muito difícil assim, a gente tem que estudar, estudar, estudar, estudar, estudar. E não existe uma possibilidade de se esgotar [...] às vezes assim, muito despreparada mesmo. [...] E agora a pandemia, eu me sinto menos ainda, porque tem conhecimento que parece que nem existe ainda, né? Coisas que tão chegando agora [...].
O aprimoramento não é apenas uma decisão de formação, mas quase uma necessidade imperativa para ingressar no mercado de trabalho, ao qual está diretamente ligada à insuficiência da formação básica, devido à complexidade e ao alto nível de competência exigidos para a prática da Psicologia. Além disso, as condições do mercado, caracterizadas por uma oferta maior do que a demanda e uma competição acirrada pelas escassas oportunidades de trabalho, assim como pela qualidade dessas oportunidades, levam os profissionais formados a buscarem melhorias em sua formação. No entanto, essa busca por aperfeiçoamento não é suficiente para eliminar a precariedade, seja na inserção no mercado de trabalho ou na atuação profissional após a graduação. Simultaneamente, enfrentam o desafio de garantir que os programas de pós-graduação, tanto os lato sensu quanto os stricto sensu, atendam às demandas da prática profissional das psicólogas e dos psicólogos brasileiros, como destacado por Mourão & Bastos (2022) e Bentivi (2022).
A precariedade na inserção dos Psicólogos no mercado de trabalho, é uma realidade que se revela tanto nas condições de trabalho disponíveis quanto nos mecanismos de sobrevivência capitalista, que somados a urgência e o desejo de ingresso dos profissionais no mercado de trabalho, mesmo sem formação específica é intensificado nos recém-formados.
P8 – [...] (refere-se ao período da pandemia) e eu me sinto assim totalmente sem chão do que que eu vou fazer (ris), e eu falo "bom, então eu acho que eu quero começar a clinicar", é... primeiro que era pra não ficar parada, eu queria, não queria fugir da Psicologia, não queria fugir da minha área de formação, e eu, a única possibilidade de-de atendimento clínico naquele momento de 2020 era on-line, né? Então, seguindo as orientações lá e se inscrever no E-PSI, ter um lugar silencioso, conversar com amigos que já tavam ali de alguma forma atendendo on-line e foi me ambientando nessa, nesse novo cenário. Mas era algo muito estranho assim, num primeiro momento, porque todas as minhas experiências anteriores que haviam sido na verdade de estágio, é... haviam sido presenciais, então eu só fui com o as minhas únicas orientações por assim dizer, tinham sido de colegas, né? Amigos, enfim, de profissão, que já tinham começado a atender, já estavam desde o início do ano atendendo, e inclusive alguns que pegaram essa transição do presencial pro on-line né? E falando, e aí como é que vocês estão fazendo? Me ajuda, me dá uma orientada aí porque eu quero clinicar, eu quero trabalhar mais, nesse modelo, a gente não aprendeu na faculdade, como é que faz?
O que aponta para vulnerabilidades no processo de formação, que contribuem para a fragilização e geração de insegurança na atuação.
P3 – [...] os últimos anos me mostraram que... tem algum erro na nossa formação, [...] nós não chegamo nem perto de uma graduação de Psicologia, é... as discussões de poder, de-de-de de estrutura, de autonomia, elas são muito rasas né? Eu me lembro que na minha graduação, eu tive uma disciplina que era de ética, [...] Eu acho que tem que ser fundamental, todo semestre você falar um pouquinho de ética e-e-e de... de impacto do Psicólogo no mundo, porque a gente, os Psicólogos eles não, não tem noção do que eles podem fazer assim [...]
Assim, esses profissionais são expostos a atender às demandas do mercado, que perversamente reconhecem a fragilidade da profissão, disponibilizando e naturalizando através de mecanismos capitalistas, relações e condições precárias de trabalho (Durães et al., 2021), o que os torna propensos a insatisfação, desmotivação, angústia e, em casos extremos, ao adoecimento emocional e à desistência da carreira, principalmente em um contexto de crises e incertezas como a pandemia, somados aos impactos emocionais do profissionais.
P6 – [...] eu fiquei doente né? Porque a instituição fez uma mudança de paradigma, colocou a e, aí é isso né? É a coisa do-do poder e tal, do capital, é tão desgraçado!
P17 – [...] eu adoeci emocionalmente assim, por conta do trabalho. Porque a gente trabalhou muito. A gente acolheu muita gente [...] Eu cheguei a ficar até com Burnout [...] cheguei a ficar com dor no braço, na mão, de tanto digitar naquelas épocas de plantão [...] porque eu tinha que sobreviver [...] O trabalho, ele, como a gente tava no contexto de incerteza em relação a saúde, ao futuro, social mesmo, a gente tava num, num governo que também não dava tanto, tanta segurança pra população, pra nós enquanto profissionais de saúde. O trabalho era aquele lugar que a gente tinha pra garantir a sobrevivência. Então eu percebi e também tem muito a ver com a relação que eu construí com o trabalho. Então eu fui com todas as minhas forças assim, vou segurar pra manter o meu trabalho. [...]. Desse adoecimento, 64 então, a queda na produtividade, desânimo, não tinha ânimo pras coisas, um cansaço, eu me senti incompetente com o trabalho, frustrada, já cheguei a repensar, nossa é isso mesmo? Eu tô, eu estudei pra cuidar dos outros, pra cuidar das emoções, tem valido a pena? Porque eu tô assim, entendeu? Então eu cheguei até a repensar as escolhas que eu fiz profissionais [...].
P19 – [...] me formei termina a faculdade em 2019. Que que aconteceu, enfrentei vários tipos de luto, o luto do, da fim da faculdade, o luto da rede de apoio que eram as minhas amizades e o luto também dessa ideia de ter um movimento, porque isso, a pandemia estourou e tudo mais, de ter esse movimento de conseguir trabalhar que era até então que me motivava [...] tive que me reinventar [...] me deparei com quadro de é, um transtorno de ansiedade generalizada, insônia.
Portanto, a capacidade de escolha da área de interesse e competência profissional pode ser limitada no início da carreira, somente se manifestando com o amadurecimento profissional, o que requer tempo e reconhecimento dos limites não apenas profissionais, mas também pessoais.
P11 – [...] no início de carreira a gente acaba tentando abraçar tudo, para fazer tudo dar certo, funcionar (risos), é... pela questão mais profissional de querer crescer. Hoje em dia eu já não me forço a estar numa relação terapêutica que eu não dou conta, ou que eu não consigo ou que não seja minha área de interesse, especialidades.
Nesse sentido, a constituição de um olhar crítico macrossocial do profissional, permite apropriação de uma realidade ampliada, que o implica no cerne da problemática.
P3 – [...] ó, eu entendo o cenário político, eu entendo que o Psicólogo ele está entrando num lugar de adoecimento, eu entendo que o Psicólogo num atendimento on-line, num contexto de aplicativo, ele tá sendo é... usado, né? E aí ele tá sendo usado porque ele precisa pôr dinheiro em casa pra comprar as coisas de casa, né? Tá tudo isso tá acontecendo... [...] por essas discussões macro, a gente tá falando
sim no-no-no individual, no singular, porque tem uma política macro que tá acontecendo que tá sufocando a nossa área. E aí que que a gente faz? A gente abaixa a cabeça pra política macro? É aí que eu acho que a gente tá numa zona de conforto sabe? Ah! Mas é um trabalho subjetivo e eu só falo com subjetivo, ah! Muito bem! Então você vai continuar aí (risos), se subjetivando né? E sendo sujeito aí desse estado que tá fazendo o que tá fazendo. Eu acho que o Psicólogo precisa olhar pro macro [...]
Dessa forma, compreender a dinâmica do mercado de trabalho, campo de atuação e as dificuldades profissionais, possibilita a construção de uma identidade e postura profissional mais ética, sendo um fator protetivo acerca da práxis (Falcão & Hazin, 2022).
A venda da própria força de trabalho como uma forma de garantir a subsistência durante o período pandêmico, no qual as oportunidades de emprego eram particularmente escassas, serviu como um impulsionador para a submissão frente a oportunidade de trabalho remota, que sem uma avaliação profunda das condições de trabalho, foi potencializada por incentivos atraentes e uma idealização da estabilidade financeira por meio de estruturas institucionais, não considerando as implicações no trabalho terapêutico.
Dessa forma, o atendimento psicológico on-line, sofreu atravessamentos técnicos como a terceirização da relação terapêutica entre profissional-paciente, e a alienação dos meios de produção pela relação profissional-instituição, favorecendo adoecimento emocional devido a incapacidade de reconhecimento da liberdade de escolha, refém das inseguranças pandêmicas e profissionais, como obstáculos para o exercício de outras possibilidades de atuação.
Nessa perspectiva, a criação de um Minicurso sobre atendimento psicológico on-line, dirigido para estudantes em formação e profissionais da área de Psicologia, será disponibilizado no canal das pesquisadores“@FalaPsicologo”, hospedado na plataforma YouTube de forma gratuita. O intuito é constituir um espaço de fala, interação e compartilhamento, através da formação de uma comunidade acadêmica, a servir como uma rede de suporte e de atualização profissional, promovendo discussões, análises e capacitação acerca da área psicológica.
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