https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.30.18863
PERCEPÇÃO E ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE FRENTE A CASOS DE PERDA GESTACIONAL
PERCEPTION AND ACTIONS OF HEALTHCARE PROFESSIONALS IN RESPONSE TO CASES OF GESTATIONAL LOSS
PERCEPCIÓN Y ACTUACIÓN DE LOS PROFESIONALES DE LA SALUD FRENTE A CASOS DE PÉRDIDA GESTACIONAL
(Universidade Paulista – UNIP, Brasil)
(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental
Universidade Paulista – UNIP, Brasil) selma.benzoni@docente.unip.br
Recibido: 14/06/2024
Aprobado: 14/062024
RESUMO
No Brasil, o grande número de perdas gestacionais constitui um grave problema de saúde pública, já que o luto vivenciado por mães e famílias não são validados. A perda gestacional pode contribuir para o desenvolvimento de problemas emocionais que são banalizados pelos profissionais de saúde, que não oferecem suporte adequado e empático. Assim, o objetivo desta pesquisa foi compreender a atuação dos profissionais de saúde, frente à perda gestacional, identificando seus próprios sentimentos, os sentimentos das mulheres e dos familiares, além de atitudes e recursos empregados nessa situação. A pesquisa qualitativa teve caráter descritivo e exploratório, utilizando-se entrevista semiestruturada com dez profissionais da área da saúde que atuam em Ribeirão Preto: cinco enfermeiras, duas psicólogas, duas médicas e uma técnica em enfermagem, todas mulheres; três trabalham em hospitais, uma em domicílio e seis em clínica particular. Agrupou-se os resultados da pesquisa em três categorias: a) Percepção dos sentimentos: profissionais reconhecem a
complexidade emocional, abarcando seus próprios sentimentos, os das mulheres e reações familiares. b) Condutas: mesmo enfrentando dificuldades emocionais, buscam um atendimento empático e humanizado. c) Recursos institucionais: há uma notável carência de recursos institucionais, levando os profissionais a preencherem essa lacuna com projetos isolados, porém não institucionalizados. Portanto, é essencial aprimorar a formação dos profissionais de saúde, tanto em termos teóricos quanto práticos, para melhor lidar com desafios emocionais e aprimorar seus atendimentos. Além disso, exige-se maior disponibilidade de recursos institucionais e protocolos que garantam o cuidado humanizado às mães e famílias que enfrentam a perda gestacional.
Palavras-chave: profissionais de saúde. acolhimento. morte fetal.
ABSTRACT
In Brazil, the high number of annual gestational losses constitutes a serious public health issue. Gestational loss can cause emotional trauma for mothers and their families due to society's lack of validation and the inadequate and unsympathetic support often provided by healthcare professionals. Thus, the objective of this research was to understand the role of healthcare professionals in cases of gestational loss, identifying their own feelings, those of women and their families, as well as the attitudes and resources used in these cases. A qualitative descriptive exploratory research was conducted using semi-structured interviews with 10 healthcare professionals in Ribeirão Preto: 9 with degrees (5 nurses, 2 psychologists, and 2 doctors) and 1 nursing technician, all women. Three work in hospitals, 1 in domiciliary care, and 6 in private clinics. The research results were grouped into 3 categories: a) Perception of feelings: Professionals recognize the emotional complexity, encompassing their own feelings, those of women, and family reactions. b) Conducts: Despite facing emotional challenges, professionals strive for empathetic and humane care. c) Institutional resources: There is a notable lack of institutional resources, leading professionals to fill this gap with isolated projects, but these are not institutionalized. Therefore, it is essential to enhance the training of healthcare professionals, both theoretically and practically, to better handle emotional challenges and improve their services. Furthermore, greater availability of institutional resources and protocols ensuring empathetic care for mothers and families facing gestational loss is necessary.
Keywords: health personnel. user embracement. fetal death.
RESUMEN
En Brasil, la alta incidencia de pérdidas gestacionales plantea un grave problema de salud pública, causando traumas emocionales a las madres y sus familias debido a la falta de aceptación de la sociedad y la falta de apoyo empático por parte de los profesionales de la salud. El propósito de esta investigación fue comprender la actuación de los profesionales de la salud en casos de pérdida gestacional, identificando sus propios sentimientos, los de las mujeres y sus familias, así como las actitudes y recursos utilizados. Se llevó a cabo una investigación cualitativa con 10 profesionales de la salud en Ribeirão Preto, incluyendo enfermeras, psicólogas y médicas. Los resultados se dividieron en tres categorías: percepción de los sentimientos, donde los profesionales reconocen la complejidad emocional; conductas, donde a pesar de las dificultades emocionales, ofrecen una atención empática; y recursos institucionales, que son insuficientes, llevando a los profesionales a emprender proyectos aislados no institucionalizados. Por lo tanto, es crucial mejorar la formación de los profesionales de la salud, tanto en aspectos teóricos como prácticos, para abordar de manera más efectiva los desafíos emocionales y mejorar la atención. Además, se requiere una mayor disponibilidad de recursos institucionales y protocolos que garanticen un cuidado humanizado para las madres y sus familias que enfrentan una pérdida gestacional.
Palabras clave: profesionales de la salud. soporte. muerte fetal.
O presente trabalho tem como objetivo compreender a percepção e atuação dos profissionais de saúde frente à perda gestacional. Para tal, é preciso se envolver com as especificidades desse tipo de perda e consequente luto, abarcando, ainda, o cenário atual de políticas públicas em saúde para essa situação, tendo em mente que as mães que sofrem uma perda ainda na gestação - independentemente do período
- necessitam de um cuidado especial que muitas vezes é falho por parte dos profissionais de saúde.
Sun et al. (2019), nos Protocolos da Comissão Nacional Especializada em Gestação de Alto Risco, trazem importantes conceitos relativos à perda gestacional com base nas definições da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Classificação Internacional de Doenças 10ª edição (CID-10). A perda gestacional é caracterizada pelo Óbito Fetal (OF) que pode ser definido como a morte do produto da concepção, antes da expulsão ou extração completa do corpo da mãe e é constatada pela ausência de respiração e outros sinais vitais como batimentos cardíacos, pulsações do cordão umbilical ou movimentos efetivos dos músculos de contração voluntária.
A perda gestacional recebe nomeação diferente em função da idade gestação. O aborto ocorre antes de 22 semanas de gestação; o óbito fetal precoce ocorre com 22 semanas completas de gestação ou quando o feto possui 500 g ou mais e mede 25 cm ou mais; já o óbito fetal tardio ocorre com 28 semanas ou mais de gravidez ou em fetos com 1000 g ou mais e que medem 25 cm ou mais. Existe ainda, o óbito fetal intraparto, caracterizado como a morte ocorrida após o início do trabalho de parto e antes do nascimento propriamente dito.
O DataSUS (Brasil, 2008) baseado em resoluções da OMS, classifica como período perinatal a partir de 22 semanas completas de gestação que se estende até 7 dias completos de vida do bebê.
Serafim et al. (2021) destacam que a estimativa é que, anualmente, ocorram 2,6 milhões de óbitos fetais intrauterinos em todo o mundo, sendo que 98% desses casos ocorrem em países de baixa e média renda e, em regra, estão relacionados a causas evitáveis.
Conforme dados do DataSUS (Brasil, 2021) foram registrados 29.325 óbitos fetais em todo o território nacional, o que desperta preocupação, inclusive da OMS que, de acordo com Sun et al. (2019) tem como meta reduzir a taxa para 12 ou menos natimortos por 1.000 nascimentos em todos os países do mundo até 2030. No Brasil, ao longo dos anos, tem sido adotadas ações no sentido de identificar fatores determinantes desses óbitos, tanto para preveni-los quanto para a conscientização sobre a necessidade de um atendimento humanizado, inclusive em relação ao reconhecimento do luto decorrente destas perdas.
O Ministério da Saúde, através da Portaria nº 72, de 11 de janeiro de 2010, estabelece a obrigatoriedade da vigilância do óbito infantil e fetal nos serviços de saúde públicos e privados que integram o SUS (Sistema Único de Saúde), tendo como objetivo identificar fatores determinantes para adoção de medidas preventivas em relação às ocorrências de óbitos evitáveis (Brasil, 2010).
Faz-se necessária a compreensão acerca do luto, para entender os sentimentos de quem sofre uma perda, seja ela concreta ou secundária. Ramos (2016) traz que o luto é um processo que se inicia após perdas
significativas, seja pela morte de um ente querido ou pela perda de algo que estava presente na vida da pessoa. Nestes casos, podem aparecer várias formas de reagir perante a perda.
Freud (1917/2010) em seu texto “Luto e Melancolia” diz que “o luto é a reação a uma perda de uma pessoa amada ou de uma abstração que ocupa o seu lugar, como pátria, liberdade, um ideal etc.” (p. 171- 172) e continua dizendo que o processo de luto não é visto como patológico e que precisa de tratamento médico, apesar de causar um afastamento normal da vida e do interesse pelo mundo externo.
Neste sentido, Aguiar e Zorning (2016) destacam que a relação entre os pais e o bebê na gestação é marcada pela virtualidade, isto é, projeções, sonhos e expectativas. Quando esse bebê morre, a mãe entra em grande conflito, pois não consegue afirmar sua capacidade de manter o filho vivo, ou seja, ela não poderá investir sua libido no objeto. Na ocorrência do óbito fetal, faltam dados para comprovar não apenas a realidade, mas a própria existência do objeto, o bebê que nem chegou a nascer. Isso porque, o objeto perdido ainda não era um objeto real. Esse estado de confusão deixa o trabalho do luto, mais complexo, podendo contribuir para a melancolia que é a perda do eu.
No luto existe um processo de ressignificação, enquanto que na melancolia, a pessoa fica presa em uma fantasia que não permite que a perda seja ressignificada. No processo de luto a pessoa compreende que ela e o objeto são distintos; já a melancolia faz a pessoa acreditar que ela e o objeto são um só. No óbito gestacional, o luto é mais complexo, pois ocorre no início da relação entre mãe e bebê e o objeto de amor perdido ainda não está estabelecido como um objeto real (Aguiar & Zornig, 2016). Assim este luto é denominado como luto invisível. Embora desde a descoberta da gravidez a mulher sinta-se mãe, muitas pessoas não compreendem a dor da perda e nem mesmo percebem como a perda leva ao luto, visto não ter um objeto real – o bebê.
Casellato (2005, 2015, 2020) se aprofunda na compreensão do luto não validado socialmente. Ou seja, aqueles que não têm espaço na sociedade para tal sentimento, não são reconhecidos. Eles são considerados um fator de risco para sua elaboração, visto que, por serem banalizados e negligenciados, caracterizam-se com mais intensidade e duração, provocando um profundo isolamento social que pode comprometer o processo de luto (Casellato, 2020).
Rando (1987 apud Casellato, 2020) refere-se ao luto não reconhecido e diz que para que o enlutado possa seguir em frente, faz-se necessário que haja reconhecimento e aceitação de seu luto, isso porque ele se sentirá genuinamente inserido em seu grupo social e assim, haverá organização na narrativa do luto, dando um sentido agregador para esse processo.
O luto gestacional não é reconhecido socialmente porque se configura como uma perda ambígua. Segundo Casellato (2005 citado por Silva et al., 2020) perdas ambíguas são:
Aquelas que se caracterizam pela falta de clareza com relação ao que foi perdido, sobre quem perdeu, ou ainda se houve a perda ou não. Com a incerteza sobre como reagir nessas situações, as pessoas frequentemente não fazem nada, ou melhor, não expressam nenhum tipo de reação. Nesse sentido, a perda que envolve ambiguidade gera o luto não reconhecido uma vez que passa a ser considerada ‘pequena e superável’, principalmente quando comparada às perdas por morte após determinada convivência e vinculação com a pessoa amada (p. 222).
Com a perda gestacional, Silva et al. (2020) diz que “com o filho que não vem, não vem a mãe que se sonhou ser, não vem o pai que se sonhou ser, não vem a família que se sonhou ter, não vem o roteiro que se planejou viver” (p. 227).
Segundo Iaconelli (2007), o luto gestacional é visto pela sociedade como algo a ser evitado, destruindo assim, as possibilidades de sua elaboração. “Estas mães por vezes ouvem: ‘Calma. Você é jovem e poderá ter outros filhos’; ‘Volte para casa e desmanche o quartinho’; ‘Foi melhor assim[...]’” (p. 615).
Tais relatos demonstram a dificuldade de os profissionais da saúde manejarem a morte. Laguna et al. (2021) desenvolvem um trabalho em que demonstram o despreparo dos profissionais de saúde para
atuarem diante do luto gestacional e que o psicólogo seria o profissional mais preparado para lidar com a angústia e a dor dos pacientes, em virtude de sua formação específica.
Conforme Lemos e Cunha (2015), os profissionais de saúde são diretamente afetados pela situação do luto e utilizam estratégias de manejo diferentes para cada contexto; porém, predominam as ações de cunho pessoal balizada por crenças e valores pessoais. Diante da impotência em lidar com a morte, questionam-se como profissionais da saúde precisam se proteger psiquicamente frente ao sofrimento dos familiares da pessoa que faleceu.
Ainda neste sentido, o Ministério da Saúde (Brasil, 2001; 2011) também tem elaborado manuais, cartilhas e normas técnicas ressaltando a importância da atenção humanizada às situações de perda gestacional, como é o exemplo do Manual “Parto, aborto e puerpério: Assistência Humanizada à Mulher” (Brasil, 2001) e da Norma Técnica “Atenção Humanizada ao abortamento” (Brasil, 2011), ambas no sentido de orientar os profissionais de saúde a prestarem suporte, não apenas físico, mas social e psicológico.
Considerando este cenário, existem providências para oferecer um atendimento mais humanizado, contudo, ainda estamos distantes de uma conscientização social ampla, de uma formação adequada dos profissionais de saúde e principalmente de uma atuação firme do Poder Público. Ter uma psicólogo na equipe hospitalar que possa desenvolver um trabalho com os demais profissionais da saúde, pode contribuir para a aceitação em relação à perda e suportar a impotência frente a algumas situações.
O objetivo do presente trabalho é compreender a atuação dos profissionais de saúde, frente à perda gestacional, identificando seus próprios sentimentos, os sentimentos das mulheres e dos familiares, além de atitudes e recursos empregados nessa situação; as condutas dos profissionais de saúde diante das mulheres que enfrentaram uma perda gestacional; e identificar os recursos institucionais disponíveis para que os profissionais de saúde ofereçam acolhimento humanizado às mães e às famílias que vivenciam a dor da perda gestacional.
De acordo com as pretensões da presente pesquisa a abordagem qualitativa foi a que melhor se adequou. Conforme Minayo (2012), a pesquisa qualitativa visa tornar possível a produção de um conhecimento que tem como “matéria prima opiniões, crenças, valores, representações, relações e ações humanas e sociais sob a perspectiva dos atores em intersubjetividade” (p. 626).
Segundo Minayo (2012) esse processo de análise envolve compreender, interpretar e dialetizar, ou seja, colocar-se no lugar do outro, levando em consideração a singularidade de cada indivíduo contextualizado pelo momento histórico e cultural em que vive, a fim de interpretar as informações obtidas, elaborando, assim, novas possibilidades.
Neste sentido, Zanatta e Costa (2012) concluem:
Percebe-se então, que os estudos que utilizam como base o método qualitativo são os que se desenvolvem numa situação natural rica em dados descritivos e que conseguem compreender a realidade de forma complexa, contextualizada e não meramente, como um processo natural e matemático (p. 350).
Importante destacar ainda, que conforme orientações de Gil (2006), a presente pesquisa pode ser classificada como descritiva e exploratória, pois através da descrição de características de uma determinada população ou fenômeno (no caso os profissionais de saúde que lidam com a perda gestacional), familiariza-se com o problema, buscando aprimoramento de ideias e melhor entendimento sobre o tema.
As participantes desta pesquisa foram dez profissionais da área da saúde, maiores de 18 anos, todas do sexo feminino, com idades entre 26 e 51 anos, que em sua maioria, atuam em clínicas particulares e/ou
hospitais com foco no atendimento de gestantes e especialmente à pacientes que sofreram perda gestacional. Na Tabela 1 está apresentada a caracterização geral das participantes da pesquisa.
IDENTIFICAÇÃO* | IDADE | SEXO | FILHOS | ESCOLARIDADE | PROFISSÃO | LOCAL DE TRABALHO |
E1 | 37 | Feminino | 2 | Ensino superior | Enfermeira Obstetra | Domicílio |
E2 | 26 | Feminino | 0 | Ensino superior | Enfermeira | Maternidade |
E3 | 37 | Feminino | 0 | Ensino superior | Enfermeira Obstetra | Clínica particular |
P1 | 46 | Feminino | 2 | Ensino superior | Psicóloga | Clínica particular |
E4 | 38 | Feminino | 1 | Ensino superior | Enfermeira Obstetra | Clínica particular/ Domicílio |
E5 | 35 | Feminino | 2 | Ensino superior | Enfermeira Obstetra | Clínica particular |
P2 | 51 | Feminino | 1 | Ensino superior | Psicóloga | Clínica particular |
TE | 49 | Feminino | 2 | Curso técnico | Técnica em enfermagem | Hospital |
M1 | 47 | Feminino | 1 | Ensino superior | Médica | Clínica particular |
M2 | 39 | Feminino | 2 | Ensino superior | Médica | Hospital |
*E - Enfermeira; P - Psicóloga; M – Médica; TE – Técnica em Enfermagem
Para a coleta de dados foi utilizada a entrevista semiestruturada, que permite flexibilidade para os entrevistados partilharem suas experiências e para os entrevistadores realizarem improvisações, tudo no sentido de que o assunto fosse amplamente abrangido. Assim, Toledo e Gonzaga (2011) explicam:
Esse é um tipo de entrevista que atende muito bem às necessidades de pesquisas exploratórias, trazendo elementos para o detalhamento de questões e para a formulação mais precisa de conceitos relacionados ao tema estudado. Trata-se de uma entrevista ordenada de maneira simples: o pesquisador introduz o tema e o entrevistado tem a liberdade para discorrer livremente sobre o assunto sugerido (p. 192).
A coleta de dados foi realizada após a aprovação do projeto de pesquisa pelo do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Para encontrar os participantes voluntários, os pesquisadores realizaram buscas em redes sociais e contatos pessoais, principalmente através da indicação de outros profissionais. Ao serem contatados, foram devidamente informados dos objetivos da pesquisa e de todos os detalhes e garantias de sua participação. Quando concordaram em participar, assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Ao participante também foi requerida permissão para gravação da entrevista para coleta e proteção de dados.
As entrevistas foram realizadas preferencialmente de forma presencial, e eventualmente foram realizadas de maneira online de acordo com a necessidade da participante, através de videoconferência, com duração aproximada de 40 minutos.
Após a transcrição das entrevistas, deu-se início ao processo de análise de dados que teve como base os escritos de Minayo (2012): foram analisadas as partes internas do texto, ou seja, aquilo que o texto diz propriamente. Em seguida, foi realizada a compreensão do texto, buscando seus significados e sua integralidade em relação às partes ditas.
Feita a categorização a posteriori, procedeu-se a busca de significados fazendo relação com suas partes e complementando com as mesmas categorias das transcrições dos outros participantes. Dessa forma, realizou-se a interpretação dos dados coletados, ultrapassando a linha da explicação e alcançando a apropriação da compreensão acerca das experiências dos participantes da pesquisa.
Com a análise das entrevistas, as falas puderam ser agrupadas em categorias, conforme apresentado na Figura 1.
Figura 1. Categorias e subcategorias com o agrupamento de dados com as falas das participantes

Fonte: Autoras da pesquisa, 2023.
A primeira categoria de análise refere-se aos sentimentos dos profissionais da saúde associados à perda gestacional, como uma autopercepção, o que percebem sobre as mulheres (mães) e os familiares da mulher. Nota-se a importância de compreender os sentimentos dos profissionais da saúde, visto que esse sentimento irá inferir na atuação desses profissionais.
Através das entrevistas notou-se que a maioria dos profissionais relata intensa dificuldade em atender casos de perda gestacional, considerando essa situação complexa tanto para a mulher, quanto para os próprios profissionais. Salgado e Polido (2018) afirmam
A maior parte dos profissionais de assistência à saúde (entre os quais nos incluímos) foi treinada para prover cuidados qualificados para os seus pacientes. No entanto, a maioria de nós recebemos pouco ou nenhum treinamento de como lidar com a morte, em especial a morte perinatal (p. 27).
Algumas profissionais relatam sentir dor e tristeza em sua atuação e por isso consideram fundamental a presença do psicólogo nesse contexto, como pode ser visto na fala da enfermeira E3 “[...] quando a gente se sentia aliviada é quando a gente tava num horário que a psicóloga até tava lá pra ir com a gente lá conversar com aquela paciente, né [...]”. Todas as entrevistadas ressaltaram a importância do psicólogo, tanto nas instituições, quanto em clínicas particulares, considerando que os profissionais da psicologia têm a função de acolher, orientar e dar suporte para a mãe e os familiares que vivenciam uma perda gestacional, contribuindo para o enfrentamento da morte e início do processo de luto.
Ademais, os psicólogos também podem contribuir no atendimento aos próprios profissionais da equipe que são afetados ao atuarem em casos de intenso sofrimento como são os casos de perdas gestacionais. A enfermeira E2 relata que, apesar de sentir muita dificuldade, é importante se permitir sentir, pois não deseja que seu trabalho seja “frio” ou que sinta que já se acostumou com essas situações. No entanto, relatou anteriormente que “[...] acaba que mesmo que a gente se ‘acos’... não se acostuma, essa é uma palavra feia, mas acaba, é, vendo muito [...]” (E2). A enfermeira E1, por outro lado, relatou que profissionalmente sabe lidar melhor com casos de morte, pois sente a necessidade de cuidar dos pacientes, de fornecer acolhimento e atenção. Porém, quando se trata de uma perda pessoal, possui dificuldade em lidar com a morte.
Foi observado que, para a maioria das profissionais, é mais difícil lidar com casos de perda no último trimestre da gestação, ou seja, quando o bebê já está formado, especialmente nas situações em que a mãe
precisa dar à luz a um bebê morto. A médica M1 comentou: “acho que traz mais questionamento e sentimentos mais intensos nesse sentido… do que... Já tinha vivido uma trajetória maior, né, até chegar naquele processo da perda” (M1) e acrescentou um pensamento comum: “[...] Será que não foi vista alguma coisa que podia ser vista?” (M1). Outra enfermeira comenta “A gente sente uma impotência, acho que essa é a palavra. [...]” (E2).
Duas enfermeiras afirmam que possuem maior facilidade para lidar com casos de perdas no início da gestação: “Então, no início é... igual o que eu falei, parece que é mais compreensível, não é que seja normal né, mas é mais compreensível” (E4) e “Casos de aborto como é muito comum, acaba que eu já sei lidar melhor [...]” (E2).
Desta forma, a maioria dos profissionais entrevistados entendem que os casos de perdas gestacionais tardias são mais difíceis de lidar do que as ocorridas no primeiro trimestre de gestação, que são considerados por eles mais “comuns” e mais “compreensíveis”.
Somente duas profissionais, uma enfermeira e uma psicóloga, não mencionam diferença entre perdas gestacionais iniciais ou tardias. Sobre esta situação, Salgado e Polido (2018) orientam que:
Para os profissionais, um bebê que nasce com menos de 20 semanas ou menos de 500g pode ser considerado o produto de um abortamento; para os pais, trata-se de um filho ou uma filha. Trata-se do bebê que já tem um nome, talvez um quarto, algumas roupas, irmãos e para o qual já existem sonhos, planos e expectativas. (p. 87)
E continuam: “O fato de o aborto ter acontecido no primeiro trimestre, com poucas semanas de gestação ou até mesmo alguns dias de atraso menstrual, não significa que a perda será mais facilmente vivida e elaborada pela mulher ou pelo casal” (Salgado & Polido, 2018, p. 89).
Essa diferenciação se dá porque, culturalmente, o produto da gestação no primeiro trimestre, talvez (ainda) não seja considerado um bebê, ao menos desse ponto de vista. Embora os profissionais de saúde afirmem não fazer distinção em seus atendimentos com mulheres que passaram por perdas gestacionais em diferentes estágios, é evidente que as perdas tardias afetam mais profundamente esses profissionais, o que, por sua vez, pode indiretamente influenciar sua compreensão da dor enfrentada por uma mulher que sofreu uma perda gestacional no início da gestação. No entanto, Salgado e Polido (2018) afirmam que não existe diferença entre perdas gestacionais ou neonatais, e completam “[...] deve-se sempre fornecer uma escuta qualificada e empática; realizar exames de forma respeitosa, digna e sigilosa [...]” (p. 89).
A experiência pessoal dos profissionais de saúde também interfere seus sentimentos, como relatado pela psicóloga P1 que sofreu uma perda gestacional, e após esse ocorrido ela sente que tem maior compreensão do que as mulheres estão vivenciando e isso influencia diretamente em sua atuação.
As duas médicas participantes, citam que o tempo de experiência profissional no atendimento desses casos também pode auxiliar no manejo. No entanto, enquanto a médica M1 relata:
[...] a gente muitas vezes se emociona no processo, a gente sente junto aquela perda né, mas a gente já vai vivendo aquilo né profissionalmente então a gente vai tendo um traquejo maior né, de, de vivência mesmo né, aquela coisa que a gente já passou muitas vezes né então... [...] (M1).
A médica M2 diz:
Mesmo com muitos anos assim, pra mim como médica também é uma situação muito, muito difícil! A gente vai acostumando o jeito de informar né, mas eu ainda tenho a tristeza real assim, eu tenho a, às vezes até um pouco de dificuldade de lidar em algumas situações (M2).
Assim, a experiência profissional ajuda, mas não retira o sentimento de tristeza. Salgado e Polido (2018) concluem:
Mesmo os profissionais especialistas em cuidados paliativos ou em emergências, ainda que convivam com perdas diárias, podem ser tomados pelo desconforto inerente à comunicação de más notícias. Embora existam técnicas específicas para o enfrentamento dessas situações, falar sobre a morte é sempre difícil [...] (p. 27).
Percebe-se que essa dificuldade sentida pelas participantes envolve o sentimento de empatia. Desta forma, é relevante compreender como essas profissionais percebem os sentimentos das mulheres que enfrentam uma perda gestacional. Algumas profissionais relatam que o fato de serem mães, e até já terem vivenciado uma perda gestacional, contribui para melhor compreensão da vulnerabilidade em que a mulher se encontra. São sentimentos que atravessam a barreira profissional e muitas vezes se misturam com sentimentos e experiências pessoais.
Assim como relatado anteriormente sobre seus próprios sentimentos, os profissionais de saúde têm a percepção de que para a mulher é “mais tranquilo” (E5) ou “menos difícil” (TE) quando a perda ocorre no primeiro trimestre da gestação em comparação a uma perda tardia, em que o bebê já está praticamente formado, uma vez que os procedimentos médicos são mais complexos, o corpo da mulher fica mais fragilizado e já se construíram expectativas em relação à criança.
Uma das participantes acredita ser pior quando a mulher perde o primeiro filho, dizendo implicitamente que quando a mulher já possui outros filhos, a perda não é tão sofrida. Contudo, em percepção diferente, outra profissional afirma que cada bebê é insubstituível: “aquele bebê era único, nenhum vai substituir” (E2).
Neste sentido, Iaconelli (2007) destaca:
Vejamos o que se passa no referente à mãe e percebemos que se trata de uma verdadeira ‘confusão de língua’ entre mães de bebês natimortos e pessoas que não tenham passado pelo mesmo evento, ou que, havendo passado, param de reconhecê-lo como tal (p. 616).
As profissionais de saúde também apontam que em um momento tão difícil onde a presença da rede de apoio é fundamental, percebem que muitas mulheres se sentem sozinhas e desamparadas, principalmente aquelas com recursos financeiros escassos. Foi relatado que vários casos de perdas gestacionais atendidos através do SUS são de mulheres jovens que comparecem para o atendimento desacompanhadas, porque não podem contar com o apoio da família ou do pai da criança, confirmando que nosso país é marcado pela desigualdade social.
Outro sentimento da mulher que passa por uma perda gestacional na percepção dessas profissionais diz respeito ao luto e sua elaboração. Essa percepção pode ser encontrada na fala da técnica em enfermagem:
[...] eu penso que seja muito lembrança, lembrança, pensamentos de como ele seria quando nascesse, das coisinhas que elas já tinham comprado [...] do que já tinha planejado com aquela criança, né, acho que isso é o luto... acho que é a tristeza né, a tristeza de não ter [...] de não poder realizar tudo que ela sonhou com a criança [...]. (TE)
Aliás, a experiência tem mostrado a importância de se materializar a perda, conforme se observa através do relato de uma das profissionais em relação a sua percepção quanto aos sentimentos de uma mãe que foi amparada emocionalmente para realização de um parto humanizado após notícia da morte do bebê ainda em seu ventre:
Então dela falar que, o parto foi muito legal de que ela não sentiu tristeza, ela não sentiu nenhum peso em nenhum momento... as lembranças foram muito boas, que a hora que o neném nasceu ela só sentiu amor, só sentiu aconchego, só sentiu sensações boas, mesmo não tendo aquele bebê vivo nos braços (E3).
Iaconelli (2007) relembra que ninguém se surpreende nem considera patológico o ato de depositar flores no túmulo de uma pessoa querida, mesmo sabendo que ela não está lá, nem mesmo os rituais com o cadáver, como o velório, e esclarece que precisamos deste prolongamento da existência do outro para a elaboração do luto.
Assim, aliado a estes rituais para materialização da perda, também foi relatada a percepção dessas profissionais no sentido de que a mulher que não conta com uma forte rede de apoio, inclusive com suporte de psicólogo, seja por escolha própria ou por situações alheias à sua vontade, experimenta intenso sentimento de angústia, o que pode ser considerado um fator de risco para o luto patológico.
Cabe destacar a percepção de uma das psicólogas ouvidas quanto ao sentimento de dor dessas mulheres quando não devidamente amparadas, sujeitas às insensibilidades de alguns profissionais e à falta de preparo de algumas instituições:
E me chamava muita atenção o sofrimento sabe, assim, parecia que tinha, tinha relato que eu não sabia o que era pior, se era a notícia da perda do bebê ou se era a assistência que tinha recebido né, uma coisa muito trágica assim, muito horrível (P1).
O sentimento de medo e preocupação também pode ultrapassar uma perda gestacional para atingir uma gravidez subsequente, ou seja, uma mulher que passou por uma perda, principalmente em casos de má elaboração do luto, costuma experimentar alto grau de ansiedade numa próxima gestação. Vejamos:
[...] às vezes a pessoa, ela deixa de viver o presente, deixa de se conectar com a gestação atual e com o bebê por qual ela está grávida atualmente, para estar conectada com o passado, com uma gestação que não foi, com um bebê que não... não... né, não sobreviveu [...] (M1).
Assim, verifica-se que os profissionais ouvidos percebem a multiplicidade de sentimentos que uma mulher pode experimentar ao enfrentar uma perda gestacional. O que permite essas percepções pode ser a estreita relação entre o profissional de saúde e a paciente, que se torna essencial para a sensibilização e qualidade do acolhimento; contudo, também pode ser uma via de mão dupla, tendo em vista o grande envolvimento emocional do profissional que muitas vezes, tal qual a mulher, não pode contar com uma rede de apoio.
Na perda gestacional, não se pode desconsiderar os sentimentos da família envolvida nesse contexto. Desta forma, igualmente importante conhecer a percepção dos profissionais de saúde quanto aos sentimentos dessas famílias.
A partir das entrevistas, verificamos que, muitas vezes, os sentimentos da família são negligenciados, já que alguns profissionais veem a família apenas como uma rede de apoio para fornecer segurança e acolhimento à mulher que vivencia a dor da perda.
Segundo a participante TE, é essencial que a mãe esteja acompanhada por um familiar durante o processo de perda gestacional. A entrevistada M2 também compartilha uma percepção semelhante à da TE, afirmando que as pacientes que chegam desacompanhadas enfrentam maiores dificuldades ao passar por esse processo. Vejamos o que diz Rosa (2020):
O apoio do parceiro e da família é imprescindível para essas mulheres que estão passando pelo luto da perda de seu filho, pois, quando este não ocorre de uma forma funcional, pode gerar problemas psiquiátricos, como a ansiedade patológica e depressão, os quais já são comuns durante a gravidez (p. 90).
A participante M2 vai além, quando discorre sobre o vínculo que toda a família estabelece ao descobrir a gestação e como todos sofrem com a perda. O acompanhante, seja o pai ou outro membro da família presente no momento do diagnóstico, assume um papel de apoio crucial, mas também necessita de força nesse momento difícil.
[...] O marido mais comum, mas eu nem acho que é tanto a figura do marido, acho que é a figura do acompanhante, naquele momento ele fala “meu Deus, preciso segurar a onda, porque se... né, alguém tem que segurar aqui” [...] provavelmente quando sai daqui, muda o cenário né, a pessoa vai ter essa fase do luto dela também [...] (M2).
Assim, os familiares também necessitam de cuidado e acolhimento, já que compartilham a dor da perda. A psicóloga P1 comenta sobre o papel do pai nesses casos:
Então em geral, o homem é colocado nesse, no lugar de “agora você tem que ser forte, agora você tem que dar conta” então, é muito sofrido pra alguns homens, porque se a gente já não valida o luto da mulher, imagina do homem né, então ele não tem esse espaço de sofrimento e de falar e elaborar (P1).
Demonstrando que o pai também é fortemente afetado pela perda, a participante E3 relata um caso em que a mãe opta por não ver o bebê morto, porém, o pai solicita a oportunidade de ter esse contato, demonstrando o desejo de se conectar com a criança. Esse tipo de relato reforça a ideia de que o pai não pode ser visto apenas como aquele que deve oferecer força para a mulher e cuidar de questões burocráticas, mas como aquele também necessita de amparo para elaborar o seu luto.
As participantes E2, E4 e M1 não chegaram a comentar percepções em relação aos sentimentos da família, podendo levar ao entendimento de que o foco de suas atuações profissionais é voltado somente ao acolhimento da mulher. Considerando-se essa discussão, observa-se a importância da presença da família, especialmente dos pais nos casos de perda gestacional, visto que fazem parte da rede de apoio. Por outro lado, estar somente na posição de rede de apoio, pode contribuir para que sua dor seja negligenciada. Assim, é fundamental que os sentimentos da família também recebam a devida atenção.
Diante deste complexo cenário, vimos que o profissional de saúde deve estar atento não apenas aos sentimentos alheios, mas deve ter consciência de seus próprios sentimentos e de sua capacidade de lidar com essas situações. Essa consciência pode ser essencial para que o profissional torne aquele momento, que já é doloroso, menos angustiante.
Visando exatamente minimizar esse sofrimento, as profissionais entrevistadas descrevem algumas condutas que adotam em seus atendimentos. Tais condutas nem sempre exigem orientações sofisticadas e complexas, ao contrário, são baseadas em ações empáticas e humanas, tal qual uma simples escuta, como afirma a profissional E1: “Então assim, é, às vezes eu acho que é só ouvir: ‘Então, eu te entendo, eu sinto muito’”.
Neste sentido, E2 reflete sua inquietação diante do sofrimento alheio que faz com que repense sua atuação profissional “[...], mas ainda fica, é, aí o que eu falo, será que eu falo isso, será que isso é, cabe nesse momento, entendeu, então a gente ficava muito nessa, o que que eu posso fazer pra ajudar”, e ainda, “[...] a gente precisa se atualizar e tentar prestar a melhor assistência possível assim, mas parte muito da gente”.
Conforme o local de trabalho das entrevistadas, existe a possibilidade de uma atuação mais ampla, que pode abranger desde a acomodação da mulher em quarto reservado e distante de outras mães que tiveram seus filhos com vida, até a garantia de privacidade para que possam ter o momento de despedida.
Certas profissionais mencionaram que ofertam à mãe e à família, a possibilidade de um tempo com o bebê para que possam segurar, dar banho, trocar e registrar momentos. E cabe à equipe de saúde proporcionar alguma normalidade, caso os pais desejem ver o bebê para se despedirem (Salgado & Polido, 2018). A enfermeira E2 relata esse tipo de conduta: “[...] a gente dá um tempo, né, faz o preparo do corpinho e tudo, e aí a gente deixa livre para elas, a gente fala ‘se você quiser, se você mudar de ideia é só avisar’” (E2).
Também foi enfatizada a importância de as mulheres estarem acompanhadas, se possível durante todo processo, o que mobiliza a equipe; segundo uma das enfermeiras [...] a gente até pergunta ‘está sozinha? quer acompanhante?’, porque a gente sempre deixou entrar o acompanhante né, mesmo que tem vez que umas normas que não podia, a gente sempre autorizava para deixar e nunca deixava sozinha (E4).
Outro tipo de conduta é trazido por uma das entrevistadas:
O que muita gente faz que eu vejo, é história de escrever uma carta, fazer o carimbo do pé e da placenta né, então isso é uma coisa que que eu tenho visto acontecer com uma certa frequência, e também de estimular que os pais fiquem com o bebê, mas assim, às vezes esse tempo é um tempo muito curto, sabe? Mas não é por protocolo, é por iniciativa pessoal mesmo (P1).
Assim, essas profissionais têm buscado uma forma de atuação pautada no respeito às escolhas e preferências da família, afinal, cada um vivencia o luto de forma única e suas decisões devem ser respeitadas, seja em relação à participação em rituais de despedida, à visualização do bebê ou a outras questões relacionadas (Salgado & Polido, 2018).
Quando essas práticas atingem certo nível de aceitação, podem evoluir para a formulação de protocolos específicos e, ao serem institucionalizados como protocolos a serem seguidos, garantem às mães e às famílias o atendimento humanizado indispensável em situações de perda gestacional.
Neste sentido, é de extrema importância que existam recursos institucionais à disposição destes profissionais, indicando condutas a serem seguidas e garantindo a uniformização de procedimentos que, embora citados em normas e recomendações, muitas vezes deixam de ser observados. Vejamos: “Mas isso deve ser instituído pela instituição, a equipe deve fazer um protocolo para que o hospital siga daquela forma. Então cada hospital faz seu protocolo” (E1), e ainda, “[...] esse treinamento do time, ele não é obrigatório para todos os profissionais, ele é voluntário, então é... acaba que pode ser que algumas pessoas fiquem sem fazer né” (E2). Considerando esses recursos, a psicóloga P2 relata, com base em sua experiência, que um dos pontos mais importantes é a comunicação desse óbito, que se ocorrer inadequadamente, pode prejudicar todo o processo elaboração do luto.
Segundo Salgado e Polido (2018) o ato de comunicar uma perda gestacional deve ser o mais claro e compassivo possível, sem utilizar chavões e consolações como “a natureza é sábia, o bebê tinha má formação e assim não sofrerá”, pois essas falas são insensíveis e invalidam a dor da mãe.
A psicóloga P1 destaca que a equipe deve orientar a mulher com o intuito de ajudá-la a compreender que o fato ocorrido não é culpa dela, além de permitir que essa mulher possa se abster do contexto burocrático que esta situação envolve e se permitir viver o momento de dor pela perda.
Assim, o primeiro passo deste acolhimento começa no hospital, com as equipes de saúde que desempenham um papel crucial no apoio à mãe e à família diante da perda gestacional (Salgado & Polido, 2018).
Outra questão delicada é a ineficiência de muitos cursos superiores e profissionalizantes, pois as profissionais relataram que não tiveram, em suas formações, acesso a conteúdo especificamente relacionados ao acolhimento em casos de perda gestacional, sendo necessário buscar esse conhecimento de forma autônoma em cursos, palestras, leituras e pesquisas.
Percebendo lacunas por parte das instituições, algumas profissionais entrevistadas já relatam situações de união para a mudança desse contexto, como o “Time do Luto”, grupo que discute formas mais humanizadas de lidar com casos de perdas gestacionais. Além disso, E2 relatou que existe um modelo muito interessante de comunicação interna entre a equipe da instituição em que trabalha, como a colagem do desenho de uma borboleta azul na porta do quarto, como código utilizado para comunicar casos de perda gestacional entre os profissionais e funcionários, visando preservar a mulher de situações que possam ser desconfortáveis.
Ainda neste sentido de comunicação, embora não seja específico para perdas gestacionais, uma das médicas alertou sobre um protocolo denominado “Spikes”, utilizado para a comunicação de más notícias. Tal protocolo se tornou amplamente aceito devido a criação de um procedimento estruturado para a comunicação de más notícias, como óbitos, má formação fetal, diagnóstico de câncer, entre outros. Este protocolo é reconhecido por sua utilidade como um guia norteador nessas situações delicadas. No entanto, é importante ressaltar que os protocolos não devem ser vistos como 'receitas de bolo de caixa', mas sim como recurso que auxiliam os profissionais de saúde a abordarem questões delicadas com empatia e clareza com os pacientes (Braz, 2010).
Assim, após a ocorrência de uma perda gestacional, é um direito da mulher escolher se deseja ou não ver seu filho sem vida. Tal escolha é marcada pela complexidade emocional de cada mulher diante da
sua perda e por isso o profissional deve atentar-se a promover um espaço de acolhimento e respeito independente de sua decisão. Neste sentido ensina Iaconelli (2007):
No luto perinatal, nem sempre é escutado o desejo dos pais de realizarem procedimentos ritualísticos que fazem parte das demais perdas por morte e, quando são realizados, não deixamos de criar certo constrangimento. Estas diferenças no tratamento destes casos revelam uma impossibilidade de atribuir à morte de um bebê (pré ou pós-termo) o status de morte de filho. Não nos cabe avaliar os procedimentos recomendáveis em cada ocasião, mas sim ressaltar que o que convém ao entorno e o que é desejável pelos pais nem sempre coincide e que só uma escuta sensível poderá revelar estas diferenças (p. 616).
Embora existam entendimentos de que, na ocorrência de uma perda gestacional, essa ideia do contato com o filho morto seja algo desnecessário e até mesmo muito doloroso, as profissionais entrevistadas têm percebido que isso contribui para a elaboração do luto gerado pela perda.
Não apenas o contato dessa mãe com seu filho, mas também recursos materiais como caixas de lembrança, fotos, carimbos dos pés entre outros, no sentido de marcar esse momento permeado por um misto de sentimentos, têm sido utilizados cada vez com mais frequência. As profissionais têm percebido que essa mudança de atitude e a observação de protocolos, inclusive já instituídos em alguns hospitais, tem proporcionado melhor elaboração do luto, além da indiscutível sensibilização e humanização diante da dor dessa mulher.
Neste entendimento, a participante TE destacou que em alguns casos de perda gestacional, o próprio médico determina o encaminhamento da mulher para atendimento psicológico, mas que muitas vezes isso não acontece. Nesses casos, os técnicos e os enfermeiros precisam ter sensibilidade e perceber que a mulher não está bem emocionalmente, solicitando que a psicóloga venha atendê-la.
Outra importante questão levantada pela profissional TE é que, nos hospitais em que trabalhou, as mulheres que vivenciavam uma perda gestacional eram encaminhadas para a sala de pré-parto, onde ficavam juntas com mulheres que estavam em trabalho de parto para terem seus bebês saudáveis; “não tem local separado. [...] maternidade é maternidade, vai pra sala de pré-parto, e chegou na sala de pré- parto se tiver outra lá vai ficar junto [...] não tem assim, uma exclusividade” (ET), inclusive pelo fato da falta de espaço físico desses hospitais.
Este tipo de conduta está na contramão de um atendimento humanizado para casos de perdas gestacionais, pois conforme orientam Salgado e Polido (2018), o acolhimento adequado nesse momento difícil visa oferecer suporte emocional, compreensão e empatia para aqueles que sofrem a dor de uma perda.
Com isso, vimos a necessidade de que as instituições estejam preparadas tanto em relação ao espaço físico, como em relação ao corpo de profissionais que nelas atuam, além de repensar burocracias que atravancam o acolhimento empático.
Outra importante forma de oferecer esse amparo é a elaboração, do que as profissionais entrevistadas chamaram de “caixinha de lembrança”. Esta caixa é composta por fotos, carimbo da placenta, do pezinho, da mão, a pulseira de identificação do bebê, a primeira roupinha, uma mecha de cabelo e tudo o que uma mulher teria se saísse com o filho vivo. Isso faz parte de um modelo humanizado de atendimento que valida a dor da mulher e demonstra empatia no momento de luto (Salgado & Polido, 2018).
Assim, as profissionais partilham a opinião sobre a necessidade de a instituição fornecer recursos no sentido de um atendimento humanizado, que englobe cuidados específicos para que a mulher e a família possam vivenciar essa situação da maneira menos traumática possível.
Os profissionais da saúde apresentam grandes dificuldades emocionais para atenderem casos de perda gestacional e a maioria deles considera que as perdas tardias são mais traumáticas, tanto para eles que prestam atendimento, quanto para as mulheres que a vivenciam. Independentemente da idade gestacional, todas as mulheres devem receber um acolhimento empático e humanizado, validando a dor da perda e contribuindo para a elaboração do luto.
Neste estudo, observamos que as profissionais da saúde, apesar de se sentirem inseguras em como realizar sua atuação, tentam oferecer acolhida às mães, considerando os aspectos emocionais da mulher e dos familiares diante de uma perda gestacional. Este fato refuta a hipótese inicial de que os profissionais de saúde, não psicólogos, poderiam não se atentar aos aspectos emocionais das pacientes.
Entretanto, o fato das participantes da pesquisa serem do sexo feminino, e algumas já terem vivenciado perdas gestacionais pessoais ou conhecerem mulheres próximas que já passaram por essa situação, pode ter contribuído para melhor compreensão dos sentimentos da mulher e seus familiares em luto. Assim, entende-se que pesquisas cujas amostras abarquem profissionais do sexo masculino, podem ser úteis na compreensão da possibilidade da influência, ou não, do gênero na capacidade de empatia e nas práticas de acolhimento.
Observou-se ainda que, as dificuldades emocionais, aliadas à falta de conhecimento teórico e prático em decorrência de suas formações acadêmicas, levam os profissionais de saúde a buscarem de forma autônoma treinamentos, cursos e especializações que possam embasar sua prática para atitudes mais humanizadas. Esse fato aponta para a relevância de futuras pesquisas quanto à necessidade da inclusão do tema luto perinatal na grade curricular de graduação desses profissionais, pois é essencial reconhecer que esse tipo de luto é complexo e afeta a todos, inclusive os próprios profissionais de saúde.
A atuação da equipe frente à perda gestacional foi discutida, evidenciando a importância da colaboração entre diferentes especialidades para proporcionar um atendimento mais completo e sensível. No entanto, nem sempre essa integração ocorre de maneira eficaz e o psicólogo emerge como um elemento fundamental, não somente para o apoio emocional das mães e de suas famílias, mas para suporte dos próprios profissionais. Esta percepção também corrobora a hipótese inicial de que as mães e famílias que vivenciam uma perda gestacional, mas obtém atendimento mais humanizado da equipe de saúde, inclusive com atendimento psicológico, podem lidar com a dor da perda de forma mais segura e talvez menos traumática.
Entretanto, faz-se necessário sugerir pesquisas que contemplem a perspectiva de mães e famílias que passaram pela experiência de perda gestacional pois, compreender seus reais sentimentos diante da dor e suas percepções quanto ao atendimento recebido, pode ajudar a identificar áreas em que as práticas profissionais precisam ser aprimoradas.
Também foi possível inferir que apesar de grandes avanços no sentido de um atendimento mais empático em casos de perdas gestacionais, ainda existe carência de protocolos norteadores de condutas nessas situações, e que incluam desde treinamento da equipe até disponibilização de locais específicos e reservados dentro da própria instituição para realização de rituais de despedida. Essa falta de recursos institucionais, seja em relação a protocolos, equipe profissional ou até mesmo quanto à estrutura física dos hospitais, envolve questões complexas que podem levar ao entendimento de consideráveis diferenças entre atendimentos prestados pelo SUS, pelas clínicas particulares e pelos planos de saúde.
A presente pesquisa abrangeu, em sua maioria, profissionais atuantes em clínicas particulares dirigidas exclusivamente ao atendimento de gestantes, onde se confirmou a observância de um atendimento humanizado. No entanto, por meio de duas profissionais, foram apresentadas considerações significativas sobre as práticas e os serviços oferecidos nas instituições de saúde públicas, através do SUS. Essa perspectiva suscitou novas questões e aspirações para futuras pesquisas, visando compreender a atuação dos profissionais de saúde diante dos casos de perda gestacional no contexto público.
Assim, em termos de limitações, é importante mencionar que este estudo se baseou nas experiências e percepções de um grupo específico de profissionais de saúde, o que limita a generalização dos resultados para outras populações. Além disso, as respostas dos entrevistados se deram a partir de suas experiências, na grande maioria no âmbito clínico particular, sendo pertinente pesquisas que ampliem os estudos dos contextos de atuação dos profissionais de saúde para um número maior de instituições públicas e particulares, principalmente aquelas onde o atendimento é realizado através de convênios médicos, com o objetivo de compreender se tais resultados também se aplicam nestes contextos.
É igualmente importante explorar a fundo a eficácia das práticas adotadas pelos profissionais de saúde no atendimento a casos de perdas gestacionais. Investigações sobre a implementação de protocolos específicos de atendimento humanizado e a avaliação de seu impacto nas experiências dessas mães podem fornecer resultados valiosos que contribuam para a universalização de práticas, inclusive, incentivando estudos em relação ao luto dos parceiros e dos familiares, visto que, em alguns momentos, esses indivíduos são negligenciados e necessitam de maior atenção por parte da equipe profissional.
Assim, continua sendo essencial aprimorar a preparação dos profissionais de saúde, com o objetivo de assegurar que atuem com base em princípios éticos e humanizados em todas as fases desse processo. Por fim, pode-se concluir que ao longo dos anos surgiram avanços na compreensão das necessidades das mães e famílias que enfrentam perdas gestacionais, mas ainda existem muitos aspectos a serem investigados para que situações tão sensíveis como esta não passem despercebidas aos devidos cuidados.
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