https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.31.16460
ACERCA DA INTERPRETAÇÃO PRESENTE NA DESCRIÇÃO OBSERVACIONAL A PARTIR DA EXPERIÊNCIA VISUAL
NORWOOD RUSSELL HANSON’S THEORY
About the interpretation present in observational description from the visual experience
LA TEORÍA DE NORWOOD RUSSELL HANSON
Sobre la interpretación presente en la descripción observacional de la experiencia visual
Keli de Assumpção
(Universidade de São Paulo, Brasil)
kelideassumpcao@usp.br
Recibido: 18/03/2024
Aprobado: 30/10/2024
RESUMO
Na história da filosofia, diferentes abordagens teóricas e autores discutem a relação entre percepção, interpretação e linguagem, cada um atribuindo diferentes funções interpretativas à observação e à descrição observacional. Um desses autores é N. R. Hanson, cujo enfoque dos processos perceptivo e descritivo se dá de forma interpretativa e subjetiva, reconhecendo o contexto de observação como interpretativamente influente na experiência visual. Embora sua perspectiva tenha sido alvo de muitas críticas, ela tem sido mais amplamente aceita nas últimas décadas, sendo constantemente refinada por teóricos atuais da filosofia da percepção, psicologia e neurociência. Diante da relevância desse tema e autor, meu objetivo é investigar o modo pelo qual Hanson defende que a descrição observacional linguística é moldada tanto pela escolha de palavras quanto pela maneira como percebemos e experimentamos visualmente o mundo. Isto é, buscaremos apresentar como o autor se destaca dos demais ao usar a descrição observacional como uma ferramenta que manifesta tanto a interpretação interna do sujeito e da observação quanto a relacionada à própria construção do enunciado linguístico. Nesse sentido, examinaremos a presença de interpretação na observação através da descrição observacional, detalhando dois grupos interconectados: um que diz respeito à interpretação durante a observação e outro à escolha de palavras para representar a experiência visual. Com isso em mente, consideraremos um experimento mental envolvendo dois personagens da história da filosofia da ciência, Kepler e Tycho Brahe. No experimento mental serão supostas duas descrições observacionais distintas e contraditórias de um mesmo amanhecer, uma de cada personagem. E, a partir desse experimento, exemplificamos como a interpretação se conecta à observação e descrição observacional de acordo com o autor.
Palavras-chave: Norwood Russell Hanson. observação. interpretação. descrição observacional. linguagem.
ABSTRACT
In the history of philosophy, different theoretical approaches and authors discuss the relationship between perception, interpretation, and language, each assigning different interpretative functions to observation and observational description. One of those authors is N. R. Hanson, whose focus on perceptual and descriptive processes is interpretative and subjective, recognizing the context of observation as interpretatively influential in visual experience. Although his perspective has been subjected to many criticisms, it has been more widely accepted in recent decades, constantly refined by current theorists in the philosophy of perception, psychology, and neuroscience. Given the relevance of this theme and author, my objective is to investigate how Hanson argues that linguistic observational description is shaped both by the choice of words and by the way we perceive and visually experience the world. That is, we will seek to present how the author stands out from others by using observational description as a tool that expresses both the internal interpretation of the subject and observation, as well as the interpretation related to the construction of linguistic utterance itself. In this sense, we will examine the presence of interpretation in observation through observational description, detailing two interconnected groups: one related to interpretation during observation and the other to the choice of words to represent visual experience. With this in mind, we will consider a thought experiment involving two characters from the history of the philosophy of science, Kepler and Tycho Brahe. In the thought experiment, there will be supposed two distinct and contradictory observational descriptions of the same sunrise, one from each character. And, based on this experiment, we will exemplify how interpretation connects to observation and observational description according to the author.
Keywords: Norwood Russell Hanson. observation. interpretation. observational description. language.
RESUMEN
En la historia de la filosofía, diversas corrientes teóricas y autores debaten la relación entre percepción, interpretación y lenguaje, atribuyendo diferentes funciones interpretativas a la observación y descripción observacional. Uno de estos autores es N. R. Hanson, cuyo enfoque en los procesos perceptivos y descriptivos es interpretativo y subjetivo, reconociendo el contexto de observación como influyente en la experiencia visual. Aunque su perspectiva ha sido objeto de críticas, ha sido más ampliamente aceptada en las últimas décadas y constantemente refinada por teóricos actuales de la filosofía de la percepción, psicología y neurociencia. Ante la relevancia de este tema y autor, mi objetivo es investigar cómo Hanson sostiene que la descripción observacional lingüística está moldeada tanto por la elección de palabras como por la forma en que percibimos y experimentamos visualmente el mundo. Es decir, buscaremos mostrar cómo el autor se distingue al utilizar la descripción observacional como una herramienta que manifiesta tanto la interpretación interna del sujeto y la observación como la relacionada con la construcción del enunciado lingüístico. En este sentido, examinaremos la presencia de interpretación en la observación a través de la descripción observacional, detallando dos grupos interconectados: uno relacionado con la interpretación durante la observación y otro con la elección de palabras para representar la experiencia visual. Con esto en mente, consideraremos un experimento mental que involucra a dos personajes de la historia de la filosofía de la ciencia, Kepler y Tycho Brahe. En el experimento mental se supondrán dos descripciones observacionales distintas y contradictorias de un mismo amanecer, una de cada personaje. Y, a partir de este experimento, ejemplificamos cómo la interpretación se conecta con la observación y descripción observacional según el autor.
Palabras clave: Norwood Russell Hanson. observación. interpretación. descripción observacional. lenguaje.
A questão da presença de interpretação na observação e na descrição observacional permeia não só a filosofia como também grande parte das ciências humanas, exatas e biológicas. Indagações sobre o real contato do ser humano com o mundo empírico e a possibilidade de produção de conhecimento descritivo com vínculo forte ao mundo real também traz consigo as históricas divergências dicotômicas entre realismo e antirrealismo e entre empirismo e idealismo. Assim, tendo em vista a abrangência e as diferentes possibilidades de posicionamento em relação a esse tema, a pesquisa filosófica desse assunto merece ainda mais atenção (Milone, 2010, p. 518-519).
Diante desse contexto, veremos que as concepções relacionadas à percepção visual e à descrição observacional, presente nos textos de Norwood Russell Hanson, estão posicionadas a favor da interpretação e da junção dos contextos de descoberta e justificação9F1. De modo que o contexto de observação se mostre como um intrincado de descoberta interpretativa, mas sem que isso desmereça as ciências. Sendo assim, a posição do autor, em conformidade com alguns filósofos da ciência mais recentes, aspira normalizar a ideia de interpretação nas percepções, sejam elas científicas ou não. Mas isso de modo que entendamos que as ciências, enquanto construções humanas, não precisam, necessariamente, purificar o conhecimento científico de quaisquer elementos interpretativos intrínsecos, mas alocá-los de modo sensato e sem extremos (Hanson, 1977, p. 11).
Somada à questão da interpretação inerente à observação, estão as possibilidades linguísticas de enunciação do que é observado. Essas possibilidades também estão relacionadas à interpretação que influencia a observação; somadas ao fato de que, no processo de enunciação, há uma segunda etapa interpretativa, na qual a experiência visual, rica em detalhes, deve ser linguisticamente resumida em alguns aspectos simples e gerais para a comunicação usual eficaz. Assim, da imensidão de detalhes visualmente experienciados, deve haver uma escolha por termos que melhor representem, de forma simbólica, o que foi observado. Além disso, há, também, a estruturação conceitual dos termos, em que a escolha por essa ou aquela palavra, implica, em muitos casos, em uma escolha teórica, logo, uma interpretação.
Assim, a análise da descrição observacional feita por Hanson expõe não só o caráter interpretativo da própria observação, como também o pulo interpretativo que a experiência visual interna precisa fazer para comunicar externamente o que é observado. Tudo isso ressalta a influência das crenças, expectativas e arcabouço teórico na forma com que experienciamos e descrevemos visualmente o mundo. Também dá importância ao fato de que o mundo é experienciado de formas distintas e, consequentemente, o conhecimento nas ciências deve levar em conta o papel dessas interpretações, a fim de não estabelecer verdades que não condizem com a experiência visual ou ainda que tirem o papel de verdade das descrições visuais genuínas, associando-as a meras extrapolações. Nesse sentido, a teoria de Hanson parece dar valor ao caráter epistêmico da experiência e descrição observacional fiel ao sujeito, assim como ao próprio modo como processamos a percepção e formulamos verbalmente seu conteúdo: como algo subjetivo, conhecido e processado internamente.
A teoria de Hanson (1975, p. 129-130; 1977, p. 14, 20-21, 101) defende que toda observação ou percepção visual, seja ela científica ou não, é altamente influenciada pelo aprendizado e pelo foco de atenção dado a alguns elementos em detrimento de outros. Isso porque, ao perceber visualmente algo, o sujeito tem sua visão guiada pela sua gama de conceitos teóricos, experiências, interesses e expectativas,
1 A partir dessa divisão em dois contextos, era associado ao “contexto de descoberta” as ciências puramente empíricas, de modo que as descobertas dos fatos fossem entendidas como constatações neutras e objetivas. E, por outro lado, associou-se ao “contexto de justificação” as ciências teóricas, uma vez que, esse contexto seria posterior ao contexto de descoberta e nele passaria a serem acrescentados aos fatos puros tanto as induções de explicação quanto as justificativas, ambas a partir da racionalidade e teorização. Essa divisão garantiria pureza e neutralidade das ciências empíricas e aceitaria a possibilidade de falseamento apenas para as ciências teóricas (Reichenbach, 1938, p. 7- 8; Suppe, 1979, p. 155-156).
e — a partir de uma interpretação concomitante ao ato de observar — ele interpreta aquilo que vê, de modo que entrelaceie os fatores internos e externos do contexto de observação. Dessa forma, a própria imagem mental do mundo é afetada pelos conhecimentos, fazendo com que o observador observe e descreva os eventos e objetos do mundo como isso ou como aquilo. Em outras palavras, o autor promove a concepção de que a percepção visual é um processo complexo, ativo e interpretativo; de modo que a aparência do mundo seja captada pela percepção visual conforme os aspectos físicos e psicológicos, internos e externos do contexto da observação.
Essas particularidades interpretativas, internas e externas ao observador, podem ser melhor entendidas a partir da análise das diferenças presentes nas descrições observacionais resultantes de um mesmo campo visual. Porém, antes de analisar e comparar as descrições observacionais, cabe melhor explicar as causas das interpretações relativas à observação e à experiência observacional.
Na teoria de Hanson, há dois termos chave relacionados à percepção visual e que separam o processo visual em dois escopos: primeiro, o “estado físico”, relativo apenas às reações causais e composição fisiológica do observador; e em segundo lugar, a “experiência visual”, relativa à totalidade da visão e ao modo como as sensações são internamente experienciadas (Hanson, 1975, p. 129-130; 1977, p. 81-82).
Dito isso, podemos associar o “estado físico” a o ato de “ver”; dado que o termo “ver” se refere à percepção visual entendida a partir do processo de interação entre a luz, retina, nervos ópticos e córtices visuais. Nesse sentido, dizer que dois sujeitos veem a mesma coisa significa afirmar que ambos possuem estados físicos semelhantes. Contudo, como Hanson (1977, p. 81-82,113) e Chalmers (1993, p. 47) alertam, o “estado físico”, ou o simples ato de “ver”, não consegue explicar a imagem visual final apresentada e experienciada na mente. Com essa concepção, ambos os autores se inserem o problema da visão na relação entre mente e corpo. Afinal, se os estados físicos dos observadores não equivalem ou explicam a experiência visual final, de que esta seria composta? Ou melhor, como os estados físicos se relacionam com o produto da experiência visual?10F2 (Fodor, 1981). Discussões a esse respeito estão em aberto ainda hoje, seja por limitações tecnológicas ou pela presença de fortes teorias rivais.
Tendo em vista a limitação do simples “ver” no processo visual, surge o contra conceito de “observação”, que, diferentemente do conceito de “ver”, leva em consideração a “experiência visual”, em toda sua dimensão qualitativa e psicológica. Segundo Hanson, o ato de “observar” carrega um intrínseco foco de atenção e interpretação, oriundos da carga teórica, das experiências, das expectativas, do contexto e de aspectos psicológicos do observador. Sendo assim, a “observação” compreenderia a totalidade da visão, bem como o produto dela, tal como o conhecemos: como uma experiência interna e interpretativa (Hanson, 1975, p. 129-130; 1977, p. 81-82, 101).
Segundo Chalmers (1993, p. 47, 52), a grande diferença entre o mero “ver” e o “observar” reside na forma com que a imagem final e o processo de formação dela é registrada no processo da visão. Enquanto para o “ver” as relações causais e estados físicos compreendem a totalidade da visão, o “observar” exige uma imagem final na experiência visual, em toda sua dimensão subjetiva.
Se tomarmos a explicação dos estados físicos, o “ver”, perceberemos que há, em algum sentido, certa similaridade entre as relações causais, materiais, físicas, químicas e fisiológicas em observadores com circuitos neurossensoriais normais e que têm o mesmo objeto em seus campos visuais. Em linhas gerais, ocorrem as mesmas reações físicas e químicas na absorção e conversão da luz em impulsos nervosos para quaisquer observadores que observem um mesmo objeto. Desse modo, seus estados físicos são parecidos sob os mesmos estímulos. Portanto, se esses observadores têm os mesmos conteúdos em seus campos visuais, suas experiências visuais serão muito semelhantes, quase idênticas (Hanson, 1977, p. 81-83).
2 Na perspectiva de ambos os autores parece haver uma valorização da ligação entre mente e corpo, de modo a torná-la menos dicotômica. Ou seja, os autores parecem indicar uma ação de junção desses elementos, não de rivalidade entre contextos separados.
Na concepção neutra de interpretação –– que corresponde, na teoria de Hanson, àqueles que recorrem ao termo “ver” e à explicação baseada apenas no estado físico –– as descrições conflitantes entre si seriam resultado de extrapolações linguísticas posteriores à percepção visual. Logo, os dois observadores estariam vendo o mesmo e posteriormente descrevendo de forma diferente. Por outro lado, segundo a perspectiva interpretativa –– que corresponde àquelas teorias que recorrerem ao termo “observação” e que valorizam a experiência visual –– as diferenças descritivas sobre um mesmo objeto podem ocorrer porque os observadores descrevem diferentes “experiências visuais”, ainda que ambos tenham o mesmo conteúdo observacional em seus campos visuais. A partir dessas duas posições — por um lado, a que compreende a percepção visual como objetiva, e por outro, a que compreende a percepção visual como um processo interpretativo do sujeito — percebemos que a posição de Hanson (1977, p. 81-83) sobre o processo perceptivo e descritivo claramente se encontra na segunda posição.
Hanson também atribui um alto valor ao contexto em que algo é observado: em determinados contextos, algumas informações são mais relevantes e mais nítidas do que outras. Isso se intensifica com a presença de texto verbal: o autor mostra como uma legenda ou descrição de objetos de perspectiva ambígua pode modificar a aparência destes; dado que a descrição da imagem fornece o sentido pelo qual a imagem deve ser entendida e observada11F3. Assim, por exemplo, ao chamar determinado objeto de "cubo", a expectativa e atenção do observador poderá ser guiada pela ideia de comprovação de que aquilo é, de fato, um cubo (Hanson, 1977, p. 93-94). Isso se reflete nas ciências práticas, quando, por exemplo, espera-se que o sujeito saiba como ver adequadamente o conteúdo sob as lâminas de um microscópio, e, a partir delas, saiba identificar padrões no que é observado, através de um ‘olhar treinado’ (Chalmers, 1993, p. 48-50). Dito de outro modo, na observação se concentram expectativas sobre o que será visto. E, quando essas expectativas são minimamente articuladas, elas determinam o foco de atenção e o julgamento sobre o que é observado. Nesse sentido, é possível falar de “expectativas teóricas” que se inserem na observação (Pessoa, 2015, p. 143). Por exemplo, se há o conhecimento de formas geométricas, não só a descrição como também a observação e detecção instantânea de padrões na imagem diferirão daquele que não conhece nada de geometria.
Assim, a própria experiência visual, enquanto imagem mental, é afetada pelos conhecimentos prévios que direcionam o olhar e a atenção, fazendo com que o observador veja e descreva de forma naturalmente interpretativa. Logo, ainda que haja algo nas experiências visuais que possam ser idênticas –– como é o caso de dois ou mais observadores olhando para um mesmo objeto –– cada um dos observadores irá seletivamente agregar importância a um conjunto particular de detalhes da imagem; o que acarretará diferentes imagens mentais e experiências visuais (Hanson, 1977, p. 14, 85, 108).
Sendo assim, a dotação de sentido aos dados visuais, a formulação da imagem mental e a construção linguística que compreendem o processo e comunicação do observar exige muito mais do que mais sinais sensoriais: há em questão uma complexa cadeia de conhecimentos, associações e direcionamentos. Em especial, quando analisamos a observação científica, o ato perceptivo se mostra ainda mais carregado teoricamente. Isso porque é necessário dar sentido aos sinais sensoriais para que eles possam ser compreensíveis e articulados ao conhecimento científico (Hanson, 1977, p. 13-14).
Somada à questão da observação e experiência observacional está a possibilidade de comunicar o que foi observado. Isso porque, se desejamos expor para outros o conteúdo interno da nossa experiência visual, devemos recorrer a mecanismos comunicativos. Um mecanismo útil e que fornece representação simbólica relativamente detalhada da experiência visual é a descrição observacional linguística. Ferramenta essa que permite expressar de forma eficiente e detalhada a experiência visual através das palavras, de modo que elas representam exteriormente aquilo que foi internamente experienciado. Nesse sentido, podemos analisar as experiências visuais a partir dos relatos linguísticos dos observadores. Dado
3 Contudo, o contexto não precisa estar verbalmente estabelecido, ele também se manifesta de forma inerente a como figuramos e imaginamos o que vemos (Hanson, 1977, p. 93-94).
que ainda não temos acesso direto ao mundo interno das representações visuais, as descrições observacionais possibilitam um acesso indireto a alguns aspectos da experiência visual e do processo de observação. Assim, a presença de interpretação na observação, e, consequentemente, diferentes experiências visuais, podem ser refletidas e analisadas a partir da descrição observacional de cada um dos observadores (Hanson, 1975, p. 128; 1977, p. 83, 101).
Além disso, e posterior à observação, a expressão linguística da experiência visual também impele aos observadores o uso de seus conhecimentos prévios para escolher definições teóricas e fazer associações de palavras que exprimem, ainda que de forma geral, o que o indivíduo observou. Dessa forma, o contexto histórico e social de formação do sujeito, bem como as diferenças regionais e temporais da língua, determinam o uso e a escolha das palavras (Hanson, 1975, p. 127; 1977, p. 83). É válido reafirmar que a carga linguística e teórica usada posteriormente para descrever e associar signos representacionais àquilo que é experienciado já exerce influência logo na observação. Mas, em comparação à influência da carga interpretativa durante a observação, essa segunda etapa interpretativa, presente na elaboração e enunciação da descrição observacional, é ainda mais arbitrária e passível de interpretações, seja pelo caráter significativo e convencional das palavras, pela sua estrutura e articulação com o mundo ou ainda pela limitação em descrever de forma eficiente a totalidade das imagens através das palavras.
Nesse sentido, percebemos que a linguagem que servirá para comunicar e representar, simbolicamente a imagem e experiência mental, é, por si só, carregada de acordos e significações que requerem entendimento e aceitação de seus significados para que a usemos. Assim, por exemplo, se alguém descreve estar vendo um “cubo”, não basta que o termo seja suficientemente preciso para designar a experiência visual de um cubo, é necessário que o sujeito com o qual pretende-se comunicar saiba o que é um cubo, e, portanto, é necessário que o sujeito tenha um mínimo conhecimento de geometria para representar para si mesmo o formato e o significado do que é um cubo. Diante disso percebemos que o processo de comunicação está tão intrinsecamente apoiado nesses pressupostos convencionais que quase toda forma linguística descritiva acarretaria uma escolha por essa ou outra convenção, segundo essa ou aquela teoria (Hanson, 1977, p. 81-82).
Assim, para que possamos descrever nossas experiências visuais, devemos articulá-las em proposições observacionais –– ou seja, sentenças declarativas –– que devem, por sua vez, estar ancoradas por uma língua comum entre os sujeitos do processo comunicativo. Tal construção simbólica deve ser feita a partir da escolha entre diferentes signos linguísticos que melhor representem o significado desejado. Logo, dado o entrelaçamento com um certo grau de crença e aceitação do funcionamento e das características do mundo, a articulação em proposições observacionais irá pressupor variados graus de teoria e conhecimento. Em outras palavras, a própria significação das palavras requer um entendimento sobre ao que elas se referem: os termos linguísticos só possuem significado na comunicação quando os sujeitos possuem um acordo sobre sua significação. Sendo tais acordos fortemente influenciados pelos conhecimentos e concepções da comunidade sobre aquilo a que o termo se refere. Dessa forma, toda proposição observacional será naturalmente expressada a partir da linguagem de alguma teoria, de modo que a precisão dessa proposição será relativa à estrutura teórica e conceitual utilizada e ao consenso dos membros da comunicação (Chalmers, 1993, p. 53-54).
Vimos que determinadas bagagens experienciais e teóricas influenciam na determinação do que e como algo é observado e descrito. Levando isso em consideração, ao pensarmos na determinação e conceitualização do que é, ou não, um “fato”, tais aspectos interpretativos ganham ainda mais peso. Assim, se o “fato” é constituído por “enunciados factuais” que simbolizam linguisticamente o conteúdo da experiência visual, o fato entre duas descrições observacionais distintas sobre um mesmo objeto parece ser aquele que corresponde à experiência visual genuína de cada observador.
Por exemplo, supomos duas descrições observacionais conflitantes sobre um mesmo objeto: uma descreve algo com X e a outra como Y. O critério de determinação do que é ou não fato deve ser a
própria experiência visual de cada observador, ou seja, se um observador viu como X e se o outro viu como Y (Hanson, 1977, p. 113-114). Visto que se trata de diferenças descritivas em virtude da experiência visual, não de desvios do campo linguístico e expressivo, não parece válido negar o status de “fato” às experiências e descrições visuais genuínas dos dois observadores (Hanson, 1975, p. 128). Logo, tanto X quanto Y seriam válidos como descrições observacionais.
Em outras palavras, a teoria do autor se contrapõe à metodologia tradicional do cientista realista, que aplica critérios de verdade e falsidade apenas às descrições observacionais a partir da suposta referência, neutra e objetiva, do mundo empírico. Segundo Hanson (1977), a descrição observacional estaria também ligada à interpretação concomitantemente ao ato perceptivo, de modo que a percepção seja traduzida — a partir das descrições observacionais — de formas diferentes, mas coerentes à própria experiência observacional.
Além disso, a maneira como o enunciado factual é linguisticamente construído também determinará o modo pelo qual ele é pensado e experienciado. Pois, diferentes modos de descrever um mesmo objeto ou fenômeno têm o potencial de determinar alguns aspectos da experiência visual dele. Logo, diferentes linguagens também influenciam na determinação do fato científico (Hanson, 1977, p. 115-116).
Assim, por exemplo, supõe-se 2 diferentes tipos de linguagem:
- Uma língua na qual há 10 classes gramaticais, entre as quais encontram-se os adjetivos, verbos e advérbios.
- Uma língua verbal, na qual os adjetivos são expressos como verbos ou advérbios.
Caso seja solicitado que os sujeitos de cada comunidade linguística descrevam um fato sobre, por exemplo, a cor do sol, como poderíamos formular tais fatos? Supõe-se que os sujeitos da língua 1 formulem algo como “o sol é amarelo”, enquanto os sujeitos da língua 2 declarem algo como “o sol amarela” ou ainda, “o sol brilha amareladamente”. No primeiro caso, há o uso de um adjetivo para se referir à cor do sol, já no segundo, há, respectivamente, o uso de um verbo e um advérbio para se referir à cor (Hanson, 1977, p. 115-116).
É possível que haja diferença no modo como os sujeitos pertencentes à língua 1 experienciam a cor amarela em relação aos sujeitos da língua 2? Segundo o autor, os sujeitos que apenas expressam linguisticamente as cores através de verbos, pensarão e experienciarão o amarelo do sol como uma ação, uma atividade, em que as coisas — objetos e fenômenos do mundo — são vistas como passíveis de colorir. Nesse sentido, é como se o amarelo do sol percorresse o céu como uma onda de cor que envolve o horizonte e os objetos. Por outro lado, aqueles que veem o sol a partir do conceito de amarelo, enquanto adjetivo, observarão o amarelo como uma característica intrínseca ao sol, como uma qualidade deste (Hanson, 1977, p. 115-116).
Ou seja, o modo pelo qual se pensa o amarelo do sol será diferente entre os sujeitos das línguas 1 e 2. Logo, o fato “o sol é amarelo” é válido para os observadores da língua 1, mas não será, necessariamente, fato para os da língua 2. Pelo contrário, eles poderão não compreender ou não aceitar esse fato, pois eles não veem o amarelo do sol como qualidade, mas como uma atividade deste. Sendo assim, para ambas as línguas, os fatos são diferentes, mas logicamente aceitáveis em seus próprios contextos.
Prevendo possíveis objeções, Hanson argumenta: não é como se a linguagem cegasse totalmente para as diferenças presentes na observação. Contudo, a forma de experienciar naturalmente tais elementos do campo visual também é relativa à linguagem, portanto, os objetos são estruturados na experiência visual conforme as convenções de cada língua (Hanson, 1977, p. 117). Sendo assim, para que haja abertura
para o caráter interpretativo da observação, a noção de verdade e falsidade, quando oriunda da percepção visual, deve ser associada à experiência visual e à totalidade da observação.
Além de impactar a forma com que experienciamos o mundo, a linguagem também impacta a descrição observacional deste. Como vimos, a escolha de termos linguísticos acarreta escolhas e arbitrariedades, necessárias para uma comunicação bem-sucedida e eficiente.
Para entendermos melhor esses conceitos, veremos a aplicação da teoria de Hanson ao experimento mental de descrição observacional do nascer do sol por Kepler e Tycho. No exemplo, supõe-se que Kepler e Tycho Brahe estejam observando o amanhecer em uma colina. Kepler descreveria estar vendo “a Terra se mover”, e Brahe, por sua vez, descreveria ver “os corpos celestes, incluindo o sol, se moverem”. Hanson (1977, p. 79-81) usa esse exemplo para explicar sua tese e pormenorizar os elementos observacionais e teóricos que levam a tais conflitos descritivos.
4
Se aceitarmos a distinção entre “ver” e “observar” proposta pelo autor, teremos que, em algum sentido, Kepler e Tycho veem o mesmo, mas não observam a mesma coisa, e que isso ocorre concomitantemente. No sentido físico-químico geral, Kepler e Tycho sofreram semelhantes fenômenos físicos, químicos e fisiológicos, e, portanto, viram a mesma coisa. Assim, ambos veem a mesma coisa, porque ambos têm o mesmo objeto em seus campos visuais e seus estados físicos relativos à visão foram excitados de forma muito semelhante (Hanson, 1977, p. 80). Por outro lado, no que diz respeito à experiência visual de ambos, podemos afirmar que eles não observam a mesma coisa ao olharem o amanhecer. É certo que tanto Kepler quanto Tycho veem o mesmo fenômeno físico; porém, a experiência visual do que é observado é interna e psicológica, e por isso eles podem relatar de forma semelhante12F ou não o que observam, sem que seja, necessariamente, uma interpretação posterior à observação, uma discrepância relativa apenas à linguagem (Hanson, 1977, p. 81-82, 85-86, 101).
Em relação à essa questão, Chalmers (1993, p. 47-49) fornece um excelente resumo que explica o funcionamento e o limite do processo de visão em relação ao ato de “ver”:
Os seres humanos vêem usando seus olhos. Os componentes mais importantes do olho humano são as lentes e a retina, está funcionando como uma tela sobre a qual se formam para o olho as imagens de objetos externos. Raios de luz a partir de um objeto visto passam deste para a lente via o meio intermediário. Esses raios são refratados pelo material da lente e, portanto, postos em foco na retina, formando assim uma imagem do objeto visto. Assim, o funcionamento do olho é muito semelhante ao de uma câmera. Uma grande diferença está na maneira como a imagem final é registrada. Os nervos óticos passam da retina para o córtex central do cérebro. Eles transportam a informação relativa à luz que incide sobre as várias regiões da retina. É o registro dessa informação pelo cérebro humano que corresponde à visão do objeto pelo observador humano. Muitos detalhes poderiam ser acrescentados a esta descrição simples, mas o relato oferecido capta a ideia geral (Chalmers, 1993, p. 47. Grifo meu).
Essa diferença na maneira como a imagem final é registrada é causada pela incapacidade de determinar e descrever a experiência visual em determinada parte dessa cadeia de processos fisiológicos comuns. É nessa limitação que reside a diferença entre o “ver” e o “observar”. Pois, para além da limitação dessa cadeia de processos constituintes do “ver”, na “observação” há outros fatores determinantes que particularizam as experiências e imagens mentais (Chalmers, 1993, p. 47). Afinal, o que a visão normal capta ao receber a luz? Será que a visão de Kepler e Tycho captam as mesmas coisas? Segundo o autor, a imagem observada ou experienciada mentalmente por uma pessoa com ‘visão normal’ não pode ser considerada como a mesma imagem daquela que se forma na retina ao receber estímulo luminoso. Sendo assim, ainda que o estado físico e a imagem da retina sejam iguais entre os observadores, isso não significa que a posterior experiência visual será igual (Hanson, 1977, p. 81-82).
4 São semelhantes, não iguais. Afinal, nenhuma formulação mental do que é observado jamais se apresenta como uma descrição fotográfica do referente, mas como uma representação hipotética, incompleta e simbólica deste Bunge (2017, p. 160).
Logo, vemos que o que está presente no campo visual dos dois observadores possui diferentes formas de ser observada. Além disso, a maneira como o conteúdo é experienciado não corresponde à excitação físico-química ou à imagem formada na retina. Hanson aceita haver algo nas experiências visuais desses dois observadores acerca do amanhecer que é idêntico: a presença de um disco branco amarelado entre manchas verdes e azuis. Mas destacada que isso não quer dizer logicamente que eles observem de maneira igual, ou tenham uma mesma experiência visual (Hanson, 1977, 81-85). Em relação a isso, Chalmers (1993, p. 52-54) esclarece que diferentes experiências visuais derivadas das mesmas informações exteriores ao observador, não discordam da influência da imagem formada na retina sobre a experiência mental, muito menos possibilitam observar apenas aquilo que agrada. O que ocorre, por outro lado, é que, ainda que as informações externas do mundo sejam extremamente importantes, o estado interior do observador — sua mente ou cérebro — também participa da experiência visual. Logo, pensá-la como uma cópia objetiva da realidade seria suprimir esse papel interno e interpretativo do sujeito na observação.
Nesse contexto, alguns “fenomenalistas” poderiam contestar que algo simples como o nascer do sol não teria uma margem tão grande para extrapolações teóricas e observacionais. Para eles, se houvesse descrições observacionais conflitantes de algo tão simples, elas seriam resultadas de interpretações posteriores à observação: ambos estariam observando a mesma coisa, mas descrevendo a partir de extrapolações teóricas posteriores (Hanson, 1977, p. 102). Nesse sentido fenomenalista, se Kepler possui uma visão heliocêntrica, ele dirá que o que vê é a Terra se movendo, não porque observa isso, mas porque interpretou posteriormente ao ato perceptivo e a descreveu conforme tal interpretação. Por outro lado, Tycho Brahe, que possui convicções geocêntricas, observará o mesmo que Kepler, mas dirá que são os corpos celestes que se movem (Hanson, 1977, p. 36, 84, 100).
Contudo, poderíamos argumentar que, de fato, as concepções teóricas de cada um interferem na descrição, mas que a influência ocorre também na observação, não apenas posteriormente. Ou seja, se Kepler acredita que é a Terra que se move, sua perspectiva, expectativa e foco de atenção será voltada para os aspectos que condizem com isso. Kepler poderá focar sua atenção na unidade imóvel que os corpos celestes parecem formar, e a partir dessa unidade imóvel perceber o movimento. Nesse sentido, a Terra pareceria se mover13F5. Em virtude disso, sua descrição diferirá, pois diz respeito a uma experiência visual diferente da que Brahe experimentou. (Hanson, 1977, p. 82).
Para além disso, há mais alguns detalhes: por mais óbvio que possa parecer, o chão é interpretado e descrito como “planeta Terra” por ambos, ao passo que nenhum deles descreve observar o movimento do “chão”, mas do “planeta Terra”. Até mesmo o uso do termo “sol” levaria consigo alguma aceitação e convenção teórica e linguística. Uma vez que, em linguagem mais simples, o que eles chamam de “sol” estaria, na verdade, mais próximo de um “disco amarelado” que, após algum tempo, se apresenta como um “círculo luminoso”. Desse modo, percebemos que a linguagem usada para representar linguisticamente a imagem e experiência mental é também carregada de acordos e significações que requerem entendimento e aceitação de seus significados pressupostos para serem usados. Logo, o processo de associação e comunicação linguística está tão intrinsecamente apoiado nesses pressupostos que quase toda forma descritiva linguística acarretaria uma escolha por alguma teoria (Hanson, 1977, p. 82).
Uma descrição menos dotada de pressupostos teóricos, poderia ser, por exemplo, a de que Kepler e Brahe olham para um “disco brilhante de cor amarela esbranquiçada, que está localizado em um espaço azul sobre uma área verde”. Contudo, supomos que ambos não descrevem suas observações a partir de termos da geometria e de cores. Afinal, Tycho Brahe e Kepler estão observando o amanhecer, a movimentação de corpos celestes ou estão vendo linhas e cores? (Hanson, 1977, p. 81-83).
5 É válido lembrar que essas diferenças — entre descrições de um mesmo fenômeno ou conjunto de objetos — possuem determinado limite: ao passo que o foco de atenção e a carga teórica influenciam a interpretação instantânea da observação, esta não muda, obviamente, o que está sendo observado. N. R. Hanson (1977, p. 83) aceita que, ainda que sejam experiências visuais distintas, as observações e descrições podem ter algo em comum; afinal, se trata de um mesmo conjunto de objetos e fenômenos, e eles também podem partilhar alguns pressupostos e conhecimentos (Chalmers, 1993, p. 51-52).
Novamente, devemos nos atentar ao fato de que não se trata só de uma tomada de posição linguística: tal como vimos, a linguagem usada faz parte da carga teórica já presente na observação. Trata-se de diferentes posturas teóricas do próprio observador, de seus interesses e de sua bagagem teórica e experiencial, das quais carrega a mesma linguagem usada para descrever o fenômeno com uma ‘proto- explicação’ oriunda de seus próprios conhecimentos.
Se pedirmos para um especialista em física ser o mais neutro possível na descrição, ele poderá, de fato, prestar atenção nas formas, cores, sombras e aparências para descrever aquilo que está observando. Sua perspectiva será direcionada para esses detalhes; ou seja, ao invés de analisar a totalidade, ele perceberá a imagem conforme o comando pede: em suas linhas mais simples, diferenças de cores, presença de texturas etc., conforme o padrão e detalhes exigidos pelo comando. Contudo, sem o comando e experiência especializada, dois observadores eventuais podem não ser tão cuidadosos na definição simplificada como um físico poderia, podem não prestar atenção nos mesmos detalhes e padrões. Do mesmo modo que pode estar além da linguagem e bagagem subjetiva do físico determinados aspectos importantes da observação e descrição que é solicitada (Hanson, 1977, p. 83).
Hanson (1977, p. 38-39,100-101) explica que pode haver uma padronização básica dos conhecimentos e experiências em uma mesma cultura, de modo que as observações, e, consequentemente, as descrições observacionais, sejam semelhantes ao ponto de pensarmos que ambos os observadores tenham a mesma experiência visual de determinado objeto ou fenômeno.
Porém, para que haja essa padronização na forma de observar e descrever, é necessário aprendizado, ou um certo “treinamento”, seja no modo de observar (Hanson, 1975, p. 134-136) ou de associar as palavras aos objetos do mundo, tal como propõe Wittgenstein (2009, p. 18-19; 26-27, 36, 42-43, 88-89, 195-196). Consequentemente, as diferentes descrições do nascer do sol de Kepler e Tycho Brahe não só revelam alguns aspectos psicológicos da observação de cada um como também revelam a influência do cenário cultural, social e teórico de cada um desses observadores (Hanson, 1977, p. 80, 101).
Dessa forma, podemos entender o aspecto social que une as observações e descrições observacionais cotidianas. Uma vez que os mesmos fenômenos, explicações, objetos etc., estão em contato e contextos semelhantes aos indivíduos, estes observam e possuem descrições muito semelhantes porque compartilham muitos conhecimentos e experiências adquiridas sobre aquele mesmo objeto ou fenômeno (Hanson, 1975, p. 82). Por outro lado, Kepler e Tycho Brahe observam e descrevem coisas diferentes porque, ainda que ambos partilhem de muitos pressupostos teóricos e linguísticos, nessa observação há forte influência teórica do que cada um tem como verdade sobre o movimento e a mecânica dos corpos celestes. Em outras palavras, há forte influência de diferentes conceitos científicos e fatos socialmente aceitos (Hanson, 1977, p. 80).
Diante do exposto, percebemos que a postura de N. R. Hanson a respeito do caráter interpretativo da descrição observacional é voltada para o diagnóstico da interpretação presente nos atos perceptivo e comunicativo da experiência visual. Em outras palavras, o autor destaca a totalidade do processo interpretativo na construção da descrição. Em que, inicialmente, a experiência visual é carregada interpretativamente através das expectativas, foco de atenção e bagagens teóricas, experienciais e sociais. E, somado a isso, estão as limitações da linguagem e comunicação linguística: seja a necessidade de estruturar a experiência visual em termos gerais e simples, a fim de garantir eficiência da comunicação, ou o conjunto de convenções linguísticas necessárias para que o significado do que é enunciado seja entendido entre quem fala e quem ouve. Tais processos e limitações são responsáveis por carregar interpretativamente a descrição observacional, tornando possíveis as descrições conflitantes sobre um mesmo objeto ou fenômeno.
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