https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15900

# 29

ISSN 1852-9488


 

image

 

 

 

Equipo editorial


Editor en jefe - Filosofía

Emiliano Aldegani (Universidad Nacional de Mar del Plata, Argentina)

Editor en jefe - Ciencias

Flaminio de Oliveira Rangel (Universidade Federal de São Paulo, Brasil)

Editores Invitados

Prof. Dr. Paulo Eduardo Benzoni (Universidade Paulista, Brasil)

Editores Adjuntos

Ivy Judensnaider (Universidade Paulista, Universidade Estadual de Campinas, Brasil)
Renato Marcone José de Souza (Universidade Federal de São Paulo, Brasil)

Estevão Salvador Langa (Instituto Superior de Gestão de Negócios, Moçambique)

Xavier Pedrol Rovira (Universidade de Barcelona, Espanha)

Denilson Soares Cordeiro (Universidade Federal de São Paulo, Brasil)

Comité editorial

Agustin Adúriz Bravo (Universidad de Buenos Aires, Argentina), Alberto Clemente De La Torre (Universidad Nacional de Mar del Plata, Argentina), Ana Paula Bispo (Universidade Estadual da Paraíba, Brasil), Arindam Bose (Tata Institute of Social Sciences (TISS), India), Charbel El-Hani (Universidade Federal da Bahia, Brasil), Fernando Santiago dos Santos (Instituto Federal de São Paulo, Brasil), Xavier Ruiz Collantes (Universitat Pompeu Fabra de Barcelona, España), Jimena Yisel Caballero Contreras (Universidad Nacional Autónoma de México, México), Lucas Emmanuel Misseri (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas, Argentina), Maria Elice Brzezinski Prestes (Universidade de São Paulo, Brasil), Mariano Nicolás Hochman (Universidad de Buenos Aires, Argentina), Renato Marcone José de Souza (Universidade Federal de São Paulo, Brasil), Silvia Dotta (Universidade Federal do ABC, Brasil), Thais Cyrino de Mello Forato (Universidade Federal de São Paulo, Brasil), Vasil Gluchman (University of Prešov, Eslováquia), Waldmir Nascimento de Araujo Neto (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil).

Asesores académicos externos

image

Abigail Vital – Centro Federal de Educação Tecnológica – RJ, Brasil, Alexandre Bagdonas – Universidade Federal de Lavras, Brasil, André Noronha – Instituto Federal de São Paulo, Brasil, Boniek Venceslau da Cruz Silva – Universidade Federal do Piauí, Brasil, Breno Arsioli Moura – Universidade Federal do ABC, Brasil, Carlos Eduardo Ribeiro – Universidade Federal do ABC, Brasil, Carlos Roberto Senise Júnior – Universidade Federal de São Paulo, Brasil, Daniel Quaresma Figueira Soares – Universidade de São Paulo, Brasil, Danilo Cardoso – Universidade de São Paulo, Brasil, Denilson Cordeiro – Universidade Federal de São Paulo, Brasil, Esdras Viggiano – Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Brasil, Evaldo Araujo de Oliveira Filho – Universidade Federal de São Paulo, Francisco Ângelo Coutinho – Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, Guilherme Brockington – Universidade Federal do ABC, Brasil, Helio Elael Bonini Viana – Universidade Federal de São Paulo, Brasil, Isabelle Priscila Carneiro de Lima – Instituto Federal da Bahia, Brasil, Ivã Gurgel – Universidade de São Paulo, Brasil, Jose Antonio Ferreira Pinto – Universidade Estadual da Paraíba, Brasil, Leonardo André Testoni – Universidade Federal de São Paulo, Brasil, Luciana Caixeta Barboza – Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Brasil, Luciana Monteiro de Moura – Universidade Federal de São Paulo, Brasil, Luciana Zaterka – Universidade Federal do ABC, Brasil, Lúcio Costa – Universidade Federal do ABC, Brasil, Marco Braga – Centro Federal de Educação Tecnológica – Rio de Janeiro, Brasil, Maria

Inês Ribas Rodrigues – Universidade Federal do ABC, Brasil, Maria Luiza Ledesma Rodrigues – Universidade Estadual Paulista, Brasil, Marlon Cesar de Alcântara – Instituto Federal Sudeste de Minas Gerais, Brasil, Nadja Magalhães – Universidade Federal de São Paulo, Brasil, Nei de Freitas Nunes Neto – Universidade Federal da Grandes Dourados, Brasil, Renato Kinouchi – Universidade Federal do ABC, Brasil, Renato Marcone José de Souza – Universidade Federal de São Paulo, Brasil, Simone Alves de Assis Martorano – Universidade Federal de São Paulo , Simone Nakaguma – Universidade Federal de São Paulo, Winston Schmiedecke – Instituto Federal de São Paulo, Brasil.

Formato de la publicación

Digital: Portable Document Format (PDF), Hyper Text Markup Language (HTML), Extensible Markup Language (XML).

Idiomas aceptados

Castellano, portugués e inglés (lenguas de la publicación).

Normas de publicación https://periodicos.unifesp.br/index.php/prometeica/about/submissions Contacto

prometeica@unifesp.br

Responsables

Emiliano Aldegani (Universidad Nacional de Mar del Plata, Argentina) Flaminio de Oliveira Rangel (Universidade Federal de São Paulo, Brasil)

Diseño de isologo

Victoria Reyes (http://www.victoriareyes.com.ar)

Imagen de portada

Símbolo de la Psicología y Logo del 2º Encuentro Internacional de Prácticas Psicosociales en Salud Mental

Contenidos #29

Equipo editorial 2

Contenidos #29 4

Editorial 6

Crescendo passo a passo 6

Artículos 8

Libertad material republicana y libertad liberal 8

Reflexiones y disyuntivas sobre la cuestión socioambiental en tiempos fragmentados 21

O desenvolvimento regional como eixo estruturante dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia 41

El desarrollo regional como eje estructural de los institutos federales de educación, ciencia y tecnología 62

Utilitarianism of Claude Adrian Helvetius as one of the philosophical origins of urbanism 83

Fundamentos filosóficos en la economía ecológica de Manfred Max-Neef 91

Horizontes fragmentados 108

Pinturas parietais, narrativa e imaginação 123

Método científico e os paradigmas da pós-modernidade 138

Del pequeño Albert a la situación extraña 149

Phenomenal realism and subjective-objective dichotomy 164

Calabozos ideológicos y dragones cognitivos 177

El problema de la libertad desde la propuesta spinoziana 193

La sociedad enferma 204

¿Comunismo sin comunistas? 219

Reseñas 227

Pasión por la ignorancia 227

Editorial Dosier 230

A luz de prometeu, a saúde mental e a justiça social 230

Artículos Dosier 232

A percepção das mulheres sobre a maternidade na contemporaneidade 232

Caracterização da demanda de atendimento psicológico na pandemia 244

Estresse ocupacional e bem-estar 262

Saúde mental de escolares e a convivência com a depressão materna recorrente e grave com e sem comorbidade com transtorno de personalidade borderline 273

A apresentação do mundo do trabalho aos adolescentes em um programa do SENAC 285

Da orientação especializada a professores que lecionam em casos de tea 294

Relato de experiência através de vivências profissionais e a inserção da espiritualidade nos cuidados paliativos 307

Identidade corporal na prostituição 320

A interação homem-máquina na psicoterapia 335

Afeto familiar e desempenho escolar de crianças no ensino fundamental I 348

Violência contra a mulher no ambiente laboral 365

Normas para los autores 379

Editorial

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.16348


CRESCENDO PASSO A PASSO GROWING STEP BY STEP CRECIENDO PASO A PASO

É com grande alegria que anunciamos três passos importantes dados pela Prometeica no último período. O primeiro é a inclusão dos melhores artigos, selecionados por uma equipe de pareceristas externos, do 2º Encontro Internacional de Práticas Psicossociais em Saúde Mental, realizado em 2023 na Universidade Paulista – UNIP de Ribeirão Preto. Sobre o tema “Saúde Mental com Justiça Social”, os artigos que apresentamos representam as reflexões epistemológicas, filosóficas, científicas e práticas do encontro de cientistas internacionais em prol de uma sociedade mais saudável. Agradecemos ao Programa de Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental, e ao prof. Dr. Paulo Eduardo Benzoni, pela confiança e pela parceria em trazer a público esse importante resultado de pesquisa.

O segundo passo foi a indexação da Prometeica na Redalyc, importante indexador internacional, sediado no México. Do total de 50 critérios de qualidade estipulados na avaliação, nossa revista atendeu plenamente a 93,8% deles; das três recomendações de ajuste, já atendemos duas. Ao lado das indexações Scopus, Web of Science, Latindex, Malena-Conicet, DOAJ, CAPES-Qualis, a indexação na Redalyc vem reforçar a nossa trajetória de credibilidade e reconhecimento perante a comunidade científica internacional.

O terceiro passo foi a ampliação da equipe de editores para reforçarmos a área de Filosofia. Agregamos dois filósofos como Editores Adjuntos, o prof. Dr. Xavier Pedrol Rovira, da Universidade de Barcelona, autor dos livros La Filosofía política de Cornelius Castoriadis, La Constitución furtiva, La “Constitución” europea y sus mitos, e o prof. Dr. Denilson Soares Cordeiro, da Universidade Federal de São Paulo, autor do livro Arte da aula. Além do significativo reforço à área de filosofia, a revista Prometeica passa a ter uma equipe formada por editores de três continentes: América (Argentina e Brasil), África (Moçambique) e Europa (Espanha). Neste sentido, apresentamos, orgulhosamente, a nova composição da equipe editorial da Prometeica:


Editor Chefe – Filosofia

Emiliano Aldegani - Universidade Nacional de Mar del Plata, Conselho Nacional de Investigações Científicas, Argentina


Editor Chefe - Ciências

image

Flaminio de Oliveira Rangel - Universidade Federal de São Paulo, Brasil

Editores Adjuntos

Ivy Judensnaider - Universidade Paulista, Universidade Estadual de Campinas, Brasil. Renato Marcone José de Souza - Universidade Federal de São Paulo, Brasil.

Estevão Salvador Langa - Instituto Superior de Gestão de Negócios, Moçambique. Xavier Pedrol Rovira – Universidade de Barcelona, Espanha.

Denilson Soares Cordeiro - Universidade Federal de São Paulo, Brasil.


Flaminio de Oliveira Rangel

(Universidade Federal de São Paulo, Brasil)

image

flaminio.rangel@unifesp.br

Artículos

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15879


LIBERTAD MATERIAL REPUBLICANA Y LIBERTAD LIBERAL

NOTAS SOBRE EL DISEÑO INSTITUCIONAL CHILENO ESCRITAS DESDE EL REPUBLICANISMO DEMOCRÁTICO DE ANTONI DOMÈNECH


MATERIAL REPUBLICAN FREEDOM AND LIBERAL FREEDOM

Notes on Chilean institutional design written from Antoni Domènech´s democratic republicanism


LIBERDADE MATERIAL REPUBLICANA E LIBERDADE LIBERAL

Notas sobre o desenho institucional chileno partir do republicanismo democrático de Antoni Domènech


Francisco Baez Urbina

(Universidad de Playa Ancha, Chile)

francisco.baez@upla.cl

Recibido: 07/11/2023 Aprobado: 14/01/2024


RESUMEN

El presente documento se estructura a partir de dos ideas fuerza y una propuesta. Por un lado, que el modelo chileno se conforma a partir de una versión específica del concepto de libertad, esto es, de una versión específicamente liberal y conservadora de esta; y por otro, que en la teoría política podemos encontrar una amplia gama de acepciones distintas sobre el concepto de libertad, lo que se relaciona con el pluralismo conceptual, semántico y doctrinario propio de la filosofía política moderna. Seguidamente, entrega una revisión panorámica tanto de la libertad liberal y sus derivados, como de la comunitarista y la republicana estándar, centrándose en la idea republicana democrática de libertad material que propone Antoni Domènech, que es la perspectiva de diseño institucional que el autor del texto suscribe.

Palabras clave: diseño institucional. republicanismo democrático. democracia.


ABSTRACT

image

Two main ideas and one proposal structure this article. First, a version of the concept of freedom, specifically liberal, forms the Chilean model. This version of freedom is conservative and is naturalized as the only and unique sense of freedom. Second, and in opposition to the naturalization of the liberal freedom, modern political philosophy is characterized by conceptual, semantic and doctrinal pluralism and, consequently, a number of plausible concepts of freedom do exist. The article assesses the liberal freedom and its derivatives, as well as the communitarian and standard republican freedom. Based on the

latter, the proposal develops further Antoni Domènech’s republican democratic idea of material freedom.

Keywords: institutional design. democratic republicanism. democracy.


RESUMO

Este documento está estruturado em torno de duas ideias fortes e de uma proposta. Por um lado, o modelo chileno baseia-se numa versão específica do conceito de liberdade, isto é, numa versão especificamente liberal e conservadora; e por outro lado, que na teoria política podemos encontrar um amplo leque de significados diferentes sobre o conceito de liberdade, que está relacionado com o pluralismo conceitual, semântico e doutrinário típico da filosofia política moderna. A seguir, faz uma revisão panorâmica tanto da liberdade liberal e seus derivados, como da liberdade comunitária e republicana padrão, com foco na ideia republicana democrática de liberdade material proposta por Antoni Domènech, que é a perspectiva do desenho institucional que o autor do texto subscrever.

Palavras-chave: desenho institucional. republicanismo democrático. democracia.


  1. Introducción: La libertad en el diseño de la transición a la democracia y de la modernización capitalista en Chile

    Si existe un concepto central en la definición tanto los modelos de transición a la democracia en el país, como en los cimientos del modelo de la modernización capitalista chilena contemporánea, es el concepto de libertad. En efecto, la idea de libertad –así, en genérico y en abstracto- permea, como viga conceptual maestra, tanto los aspectos políticos como los económicos del diseño institucional contemporáneo del país. Según la cultura liberal vigente desde los años 90, este constituye el núcleo central, el argumento constitutivo de cualquier discurso o relato que proponga -en el debate público- alguna alternativa política o económica viable, razonable, e incluso justa (es decir, que apele a la vida buena). Así, se sobreentiende que una sociedad democrática es una sociedad plural, una sociedad tolerante, una sociedad abierta, una sociedad, por tanto, libre. ¿Pero de qué libertad estamos hablando?

    Hablar del modelo chileno es sinónimo de hablar de un tipo de modernización económico/técnica asociada a la idea de la privatización, de la apropiación privada de bienes comunes, de la concentración oligopólica del poder económico, político y mediático, de la desregulación completa de los intercambios económicos, de la des-institucionalización completa de las reglas del juego de la sociedad del trabajo y de la seguridad (fordismo y keynesianismo en Robert Castel, 1995, por ejemplo), de la destrucción del modelo centrado en los derechos colectivos, de la institucionalización completa de las reglas del juego propias de la sociedad del consumo (Bauman, 2002), y de la instauración autoritaria y tecnocrática de un modelo centrado restrictivamente en las libertades individuales en un sentido liberal doctrinario. Es decir, la instauración de un modelo de intercambio sin política y sin sociedad, y donde sólo la esfera de la economía -la economía como esfera de la reproducción de la racionalidad instrumental ampliada de base utilitarista-, es relevante. Un modelo centrado en libertades individuales, en derechos individuales pre políticos de carácter abstracto, en la idea de la libertad isonómica (igualdad ante la ley), y completamente alejado de cualquier consideración que gire en torno a la idea de derechos colectivos de carácter social.1 De esta manera, el libre emprendimiento viene a reemplazar a cualquier idea centrada en la organización política y democrática de la vida, esto es, a cualquier esquema que intente anteponer la idea de derecho colectivo a la idea pre política y abstracta de libertad individual (Harvey, 2007). En este sentido, el liberalismo vincula la soberanía a la ley, es decir, busca constitucionalizar una idea de libertad individual apelando a un set de derechos pre políticos.


    image

    1 Demoniza tanto la palabra social como las palabras colectivo, público, político, común, sindical.

    En Chile, desde 1990 que se ha venido construyendo un mercado político sobre un diseño institucional neoliberal autoritario delineado una década antes, y desde donde se conminó e incentivó a la población a aceptar y a exigir la idea de libertad a la medida de un liberalismo doctrinario radical. O si se quiere, de un neoconservadurismo radical; esto es, la mezcla entre libertad económica extrema y conservadurismo valórico extremo. De esta manera, el meta diseño institucional es para nosotros un conjunto de meta reglas de juego (reglas constitucionales, jurídicas, socioeconómicas, políticas, psico- políticas) que promueven cierto tipo de orientaciones en los intercambios entre agentes. Contiene la cuestión constitucional (norma fundamental), la cuestión organizacional estatal (forma y cantidad de burocracia estatal) y la institucional propiamente tal (estructura de incentivos, la psicología política). Y ahí, las nociones de libertad, justicia, ciudadanía, Estado, comunidad política, son esenciales (Báez, 2017, 2017b).

    En esa dirección, sostenemos que la modernización capitalista chilena se ha venido configurado a partir de las lógicas propias de la modernización capitalista global construidas sobre una versión específica de la idea de libertad; idea que, en definitiva, ha venido hegemonizando las lógicas constitutivas de la esfera pública democrática contemporánea y las disputas discursivas y político culturales desplegadas en el país desde hace por lo menos cuatro décadas. Creemos, que el uso generalizado y semántica e ideológicamente acotado y sesgado del concepto de libertad se corresponde necesariamente con la última embestida de los sectores conservadores acaecida a partir de los años 80; y que este, ha venido hegemonizando el debate sobre la gestión entre lo público y lo privado desarrollado en las últimas décadas en las democracias capitalistas occidentales (fin de la historia, globalización liberal, post modernidad, post fordismo, patrón de acumulación flexible) (Harvey, 2003). De esta manera, creemos que la versión generalizada de la idea de libertad que hoy se difunde por los medios es parte de los fundamentos del edificio político neoliberal y, por tanto, parte esencial de todo el diseño y la cultura del despojo y la apropiación propiciada en estas últimas décadas por los grandes capitales globales y en contra de las comunidades y los pueblos del occidente democrático. De este modo, es fácil constatar que tanto el debate periodístico como el debate de coyuntura política actual se ha venido dando considerando la versión liberal de libertad como la única versión disponible lo que, en cierto sentido, ha minado o eclipsado la posibilidad real o cierta de sostener al interior de la opinión pública proyectos políticos y culturales alternativos al neoliberal o al de la democracia financiera global. En palabras de Domènech:

    Chile y Argentina se configuraron políticamente en la era de la seguridad de un modo muy similar a los países europeos, con izquierdas políticas y movimientos sindicales homologables. Incluso después de la Gran Guerra, en los años veinte, Chile se dotó de una constitución republicana nueva, semejante en espíritu a las de la mayoría de los países europeo-continentales post monárquicos (…) Sin embargo, en la medida en que esos países quedaron intocados por la catástrofe europea de 1940-45 (…) no modificaron sus constituciones de anteguerra. Chile es un caso particularmente ejemplar: es en cierta medida el mantenimiento de su Constitución de 1925 lo que explica cosas como la particular vitalidad de su vida parlamentaria en los años 50 y 60, o el mantenimiento de una interesante y poderosa (…) ala izquierda en el partido socialista chileno (Altamirano), o, finalmente, la posibilidad de que se repitiera en Chile, como en la Europa de entreguerras, un experimento político de gobierno frente populista como el de la Unidad Popular de Salvador Allende en 1971. El golpe de Pinochet (…) abortó ese experimento (…) En lo que tal vez se insiste menos es en el hecho de que la vuelta de las libertades políticas en Chile no vino de la mano de una restauración de la Constitución de 1925, sino de otra Constitución nueva (...) Y esa nueva Constitución (…) no se inspiraba ya para nada en el consenso de 1945, sino que, rompiendo con él, anticipaba el venidero “consenso de Washington”: consagraba prácticamente la re absolutización de la empresa capitalista, blindando constitucionalmente (…) los esquemas neoliberales (…) algo pionero en el mundo (Domènech, en López, 2003, sin página).


    El presente documento está estructurado desde los siguientes vértices a) el argumento que señala que el modelo chileno se conforma a partir de una versión específica del concepto de libertad, esto es, de una versión específicamente liberal de este (libertad como mera norma isonómica); b) que en contraposición a ello, la idea de que en la teoría política podemos encontrar una amplia gama de acepciones distintas sobre el concepto de libertad moderna, lo que dice relación con un pluralismo conceptual, semántico y doctrinario bastante marcado; y c) sobre la idea republicana democrática de libertad material, que en definitiva, es la perspectiva de diseño institucional que suscribimos. Concretamente, el texto se redacta

    desde la perspectiva del republicanismo democrático; particularmente, desde la escuela republicana democrática catalana contemporánea liderada por el filósofo político recientemente fallecido Antoni Domènech,2 escuela nucleada en torno al equipo editorial y de redacción de la revista barcelonesa Sin Permiso. El trabajo de Domènech consistió, fundamentalmente, en el intento historiográfico, filosófico, erudito, por recuperar la tradición política republicana democrática y plebeya desde sus orígenes en el mediterráneo clásico. Metodológicamente, el autor realiza un sesudo trabajo de historización de los conceptos3 que alimentan la reflexión socio política moderna y contemporánea, descartando enfoques macro - estructurales y sincrónico sociológicos; cuestión que motiva la relectura de los clásicos, pero desde la filosofía política, la filosofía del derecho, la historia de las ideas, el republicanismo democrático, y las cuestiones de la libertad material y de la democracia como gobierno de los pobres libres. Aborda la fraternidad como metáfora central que promueve la pretensión ético - política de universalizar la libertad republicana al conjunto de la población, esto es, a la canalla, a la ciudadanía de a pie, a los no propietarios, incluidas las mujeres. Y esto, mediante no cualquier concepto de libertad, sino mediante el viejo concepto de la libertad plebeyo - republicana de la libertad como no dominación, esto es, la libertad material; la libertad que gozan quienes, disfrutando de un cierto derecho a la existencia, no dependen de la voluntad arbitraria de otro para poder vivir dignamente. Libre, republicanamente hablando, será entonces quien, mediante el goce de un conjunto de derechos inalienables, pueda desarrollar una existencia autónoma -material y jurídica- garantizada por la comunidad política, sin la amenaza de ser interferido arbitrariamente por otros. Lo interesante, además, es, por un lado, que bajo el republicanismo democrático “la igualdad y la libertad no compiten, porque la igualdad es la reciprocidad en la libertad y porque (…) la igualdad republicana requiere la elevación de todas las clases civilmente subalternas a una sociedad civil de personas libres, todo lo cual supone el allanamiento de las barreras entre propietarios y desposeídos” (Erazun, 2019, sin página). Y, por otro, que

    “el socialismo no hizo sino continuar esa vieja tradición democrático-revolucionaria al considerar que el mejor modo de garantizar la existencia social de los pobres libres, de asegurar su libertad e independencia, era hacerles propietarios a todos en las condiciones en las que, según Marx, eso era posible en una economía industrializada y tecnológicamente avanzada: haciendo que los productores, libremente asociados, se apropiaran en común de los medios de producción” (Mundó, 2018, sin página).


  2. Algunos apuntes sobre el concepto de libertad en la teoría política liberal

    1. La libertad liberal o “libertad negativa” en términos de la taxonomía de Isaiah Berlin4

      En términos gruesos, el liberalismo sostiene que la forma en que se organiza tanto la esfera de la política, la esfera de la economía, la educación, la sanidad colectiva, entre otros campos relevantes de la sociedad, deben ser compatibles con las preferencias (deseos, intereses, creencias sobre oportunidades) de los sujetos que componen dicha sociedad; es decir, dicha forma o conjunto de esquemas institucionales diseñados e implementados deben ser compatibles con los modelos de virtud personal que los integrantes de dicha sociedad evalúen como adecuados para si mismos. En ese sentido, las instituciones deben ser compatibles con las preferencias y los patrones morales individuales del grupo. En esa dirección, el liberalismo sostendría entonces que las instituciones deben ser orientadas en función de que estas hagan posible que los agentes individuales puedan optar o desarrollar el modo o estilo de vida que ellos estimen covenientes, dadas ciertas preferencias. Deben propender a fomentar la motivación humana y la sensación de que el sistema de reglas no restringe mis preferencias individuales, esto es, fomenta mi libertad. Al liberalismo le interesa de sobre manera la distinción tajante y férrea entre el mundo de los ámbitos privado y público, entre las esferas personal y la de la política. Desde esa perspectiva, defiende


      image

      2 Antoni Domènech Figueras (Barcelona, 1952 - 2017), fue un filósofo político español dedicado fundamentalmente al estudio de la economía política del derecho. Recibió influencias de Emilio Lledó, Jesús Mosterín, Manuel Sacristán, Wolfgang Harich y Ernst Tugendhat. Fue introductor y traductor de importantes filósofos contemporáneos como John Rawls, Jurgen Habermas, Jon Elster, John Searle, Robert Nozick, E. P. Thompson, Mike Davis, Philippe van Parijs, entre otros. Invitado como conferenciante a numerosas universidades europeas y latinoamericas, fue cofundador, redactor y editor de las revistas Materiales, Mientras tanto y Sin permiso.

      3 Un trabajo muy en la línea o el estilo propio de la historia de los conceptos propuesta y desarrollada por Reinhart Koselleck; una suerte de intento de asociación de los fundamentos de los sistemas conceptuales modernos y su relación con la historia social.

      4 Como sabemos, la idea de la libertad negativa de Isaiah Berlin representa perfectamente el eje central de la tradición política liberal que iría desde Hobbes a Nozick. Ver “Dos conceptos de libertad” escrito originalmente en 1958.

      de sobre manera la autonomía individual, el individualismo y el atomismo sociales. Para ellos, el carácter moral de los ciudadanos es un tema de interés privado, no público; los valores y preferencias humanas individuales son un tema de privacidad y no de modelización o interferencia pública. En ese sentido, la libertad de conciencia, libertad económica, libertad de expresión, libertad para contribuir o no a bienes de orden público, etc., preexisten al orden político y deben mantenerse intocadas por los esquemas institucionales más básicos. Para el liberalismo estándar, los sujetos preexisten a cualquier arreglo institucional, preexisten a la política, al orden político, al Estado, y poseen un estatuto de jerarquía mucho mayor que cualquiera de los esquemas de coordinación institucionales que utilicen para maximizar beneficios. Su cosmovisión es la de un conjunto de entidades ontologicamente separadas, autónomas, independientes, que deben ser protegidas de cualquier intento externo y artificialmente agregado de preferencias que los obligue a actuar de tal o cual modo, o a pensar de tal o cual modo. De esta manera, “merecen ser protegidos de cualquier sacrificio que se les pretenda imponer en nombre de los demás” (Gargarella, 1999, p. 174). Así, el Estado no debe interferir en la moral privada, asumiendo este una disposición neutral que sólo sirva para sólo ciertas funcionalidades mínimas como la defensa de la estructura de propiedad privada.

      Como vemos, al liberalismo le interesa blindarla de las interferencias de una comunidad política activa (la ciudadanía activa republicana), de un Estado activo e interventor (apoya la neutralidad estatal: el Estado se debe mantener neutral respecto de las preferencias morales de los miembros que intenta coordinar, se debe mantener al margen de las concepciones del bien que sus integrantes elijan), y de las preferencias circunstanciales propias de las dinámicas del mercado electoral (desconfía siempre de la política). En ese sentido, le interesa blindar a los derechos individuales de lo que llaman la tiranía de la mayoría, esto es, la agregación de preferencias externas hecha a través del proceso político corriente y que, en cierta medida, interpreta a mayorías conformadas circunstancialmente. Según el liberalismo, la libertad de los agentes se vería restringida frente a los colectivos de referencia en los cuales éstos tienen cabida, desarrollo y participación. Así, existe un conjunto de derechos individuales inviolables (y que desde posiciones extremas, tendrían origen divino) que deben blindarse de la voluntad democrática y de la soberanía popular. Las preferencias individuales, entonces, deben blindarse de las presiones colectivas de la democracia en un sentido sustantivo, no formal, cuestión que pone en el tapete la tensión permanente entre lo individual y lo colectivo. Con todo, para el liberalismo (Domènech, 2002; Mundó, 2018; Casassas, 2015), se es libre cuando el colectivo no logra restringir mis preferencias individuales. Soy libre en la medida en que no hay interferencia externa a mi condición individual por parte de las mayorías, cuestión que pone sobre el tapete la idea de un esencialismo atomista y autointeresado. A decir de Gargarella, “la posición del liberalismo en materia de derechos tiene su origen (…) en la amenaza más temida por dicha concepción: la tiranía de la mayoría” (1999, p. 175). En definitiva, pareciera que desde la perspectiva liberal estándar, pesarían más los derechos individuales e inalienables frente a los deberes de contribución a lo público - colectivo. Así, todo arreglo institucional de inspiración liberal, debe respetar las preferencias (deseos e intereses) de los sujetos propios de una comunidad determinada; y esto debe ser blindado constitucionalmente.


      Los excesos del pensamiento liberal: el libertarismo

      Contrario al utilitarismo, el libertarismo se inspira -en parte- en pensamientos liberales clásicos como los de Locke, von Humbolt, von Mises, von Hayek, y ha sido impulsado por filósofos y economistas norteamericanos como Hospers, Rothbard, Friedman, Nozick o Steiner. El libertarismo no pretende proponer una teoría moral completa sino sólo una teoría de la sociedad justa. En ese sentido, arranca del supuesto de la libertad oponiéndose por fundamento ante cualquier intento de imponer algún tipo de esquema colectivo a las libertades individuales, ni siquiera un esquema comprometido con la producción de felicidad colectiva. Así, el imperativo central es la dignidad de cada persona, dignidad que no puede ser burlada en nombre de ningún tipo de institución inspirada en algún tipo de bienestar colectivo (Arnsperger y van Parijs, 2002). Su esquema normativo respecto de la sociedad justa arranca de sus consideraciones respecto de la estructura de propiedad, esto es, de un sistema coherente de derechos de propiedad; y esto evidentemente toca con el problema de la simultaneidad de la libertad de todos. Pero

      vamos por parte. El principio fundamental del libertarismo es el de la autopropiedad y este se expresa en los siguientes conceptos: 1) Cada persona es dueña de si misma y tiene pleno derecho de propiedad sobre si misma, por tanto, puede hacer lo que quiera consigo misma. Incluso vender sus órganos o auto eliminarse, aunque no venderse como esclavo. 2) La aceptación de paternalismo por parte de los adultos al mundo infantil. En todo caso, de un paternalismo temporal que los ubique lo antes posible en un grado de plena autonomía. Y 3) aceptan, pese a su precepto central de la libertad individual, minar o violar legítimamente la propiedad de si mismo de terceros que amenacen la propiedad de sí mismo de los demás (violadores, asesinos, pedófilos). Como complemento a la idea de la auto propiedad, tenemos que mencionar el principio de la transferencia justa. Con él, el libertarismo pretende añadir algunos principios que regulen la propiedad de los entes externos a la propiedad de si mismo.

      El primero de ellos regula la transferencia de los derechos de propiedad, el cual señala que se puede ser dueño legítimo de algo sólo mediante una transacción voluntaria5 entre privados o mediante un proceso creativo fundado en lo anterior más la acción de las propias facultades, potencialidades y capacidades. De todas maneras, el principio de auto propiedad prima sobre este último. Complementario a aquello, un tercer principio, el de apropiación originaria viene a cerrar el cuadro. Con él, se atañe a los recursos naturales pero también a las ideas. De este modo, cualquier bien material o inmaterial que no tenga dueño legítimo puede ser reclamado como propio. No obstante, hay algunas cláusulas que restringen su puesta en práctica. La cláusula de Locke es una de ellas.6 Dicho todo esto, sólo resta decir que la idea de justicia libertarista no tiene que ver ni con una cuestión de consecuencias o de configuración de resultados distributivos. Sólo se atiene a la idea del examen histórico o procedimental para evaluar la rectitud o la justicia de los procedimientos de apropiación; todo ello, obviamente basado en los tres principios rectores antes señalados, situación que –como vemos- nos da sólo una idea procedimental de la justicia. Así, evaluar un conjunto de instituciones no involucra intentar anticipar las consecuencias para el bienestar de una comunidad, sino sólo de “saber si estas instituciones respetan y protegen los derechos fundamentales de los individuos: el derecho de cada persona a la plena propiedad sobre sí misma, sobre las cosas que ha creado y sobre las que se ha convertido en legítima propietaria por apropiación originaria, por compra o por donación” (Arnsperger y van Parijs, 2002, p. 52). No habrá cabida entonces ni para un análisis económico de tipo pareteano (ordenación de aspectos relacionados con una variable en términos de frecuencia) ni para agregar preferencias o niveles de utilidad (y claro, como el acento esta puesto en el respeto institucional de los derechos naturales contados individualmente, no interesa que este hecho irrespete el derecho de algunos o de todos contados colectivamente. Recordemos que la dimensión de lo individual y de lo colectivo son sólo dos lados de la misma moneda). Para esta escuela, la justicia no es ni consecuencialista (orientada al resultado) ni configuracional (de diseño o estructura), sino que es un asunto de carácter histórico, retrospectivo o procedimental. Para un examen de lo justa o no de cualquier situación sólo basta con una evaluación de lo justo o no del proceso de producción o apropiación de dicho bien; todo esto, evidentemente dentro del respeto pleno y cabal de los tres principios señalados precedentemente.

      Pues bien, más allá de la idea de que este tipo de concepción se asienta sobre un resultado histórico absolutamente injusto en cuanto a la distribución de bienes u oportunidades, ¿qué se necesita para que esta mirada respecto de la justicia pueda implementarse? De un Estado mínimo que asegure el respeto del derecho de propiedad individual y que cautele que el control de los medios de producción esté en manos de privados y no del Estado. Es decir, un anarco capitalismo absolutamente compatible con el estado de cosas global actual, es decir, un esquema institucional descentralizado en donde la producción social está en manos de privados y donde éstos controlan monopólicamente el proceso de toma de decisiones económicas y políticas, privadas y públicas: el llamado capitalismo de oferta. Así, los derechos de propiedad individuales estarán sobre cualquier consideración de justicia, sobre cualquier principio de eficiencia, o sobre cualquier precepto de carácter político y sobre todo social. Un mundo donde la única igualdad permitida o posible es la igualdad de derechos (como ellos los conciben), donde ocurre espontáneamente –a sugerencia de sus defensores- un proceso virtuoso de difusión descendente


      image

      5 La idea de transacción voluntaria implica ausencia de coerción, excluye el fraude, pero no exige información completa.

      6 Dicha cláusula plantea que todo sujeto –habiéndose apropiado de algún bien-, debe dejar a los demás (presentes y futuros), una cantidad suficiente del bien en cuestión, y de la misma calidad. Ver Mundó, 2005, p. 194.

      (trickle down) de beneficios económicos al universo de la población, y donde se trabaja desde una idea formal de libertad anclada en la fetichización de los derechos naturales de unos pocos por sobre los derechos efectivos de muchos o de todos (Arnsperger y van Parijs, 2002).


      La identidad, la pertenencia y la libertad comunitarista

      En este pequeño acápite describiremos brevemente algunas ideas en torno al comunitarismo, perspectiva de la filosofía política bastante más reciente, y según algunos, de menor estatura teórico política (Domènech, 2002), pero bastante bien apreciada y recibida por las actuales miradas de una izquierda académica autonomista, menos estructural y más tribal, como la izquierda centrada en el paradigma identitario (ver trabajos de Charles Taylor, de Michael Walzer o de Alasdair MacIntyre, por ejemplo. En menor medida, los de Michael Sandel). El sentido central de esta mirada sobre los deberes y los derechos, el núcleo central de esta mirada sobre la vida buena tiene que ver con la idea de la libertad situada. Esto significa que se es libre en la medida en que se reconozca participación e identidad en una comunidad de referencia anclada o bien en el pasado, o en la tradición, o en la memoria, o en la identidad compartida de base común. Esto es, se es libre descubriendo quien se es junto a los demás, no en base a la posibilidad de elegir individualmente sin interferencias dentro de un menú de alternativas disponibles. En otras palabras, la pertenencia y las preferencias situadas o ancladas en un psicofacto de carácter abstracto como la identidad, es causalmente más relevante que la elección individual. Así, el descubrimiento de la identidad, las tradiciones definitorias de lo que define la comunidad, el sentido culturalista de lo que configura lo común, darán sentido y contenido de la buena vida para un comunitarista (para Dardot, 2016, por ejemplo, común significa co-obligación). En ese sentido, un Estado activo debería intervenir normativamente para que los agentes se identifiquen con los valores y prescripciones propias de sus comunidades políticas, las que le confieren sostén valorativo e intersubjetivo a la acción, a la agencia. Existiría un relato, entonces, una narración identitaria centrada en el bien común que, desde una hipótesis social y culturalista, y con la ayuda de instituciones sociales y políticas adecuadas y centradas en la herencia del reconocimiento identitario y en el fomento de la cooperación social, se pueda desarrollar una vida social y política que haga que los valores de base cultural generen una buena vida en sociedad. Sólo esto hará compatible, tanto preferencias individuales, como percepción del bien común, respeto identitario y diseño institucional.


  3. La idea de la libertad en el pensamiento republicano

    1. La libertad republicana democrática estándar (“libertad positiva” en Isaiah Berlin)

      El republicanismo democrático estándar se sostiene sobre una mirada completamente diferente de la libertad. Este, sostiene que la idea de la libertad estaría anclada, o bien en una noción anti tiránica genérica de ausencia de dominio (Pettit o Skinner, según Gargarella, 1999). Desde la primera perspectiva, más bien política que económica, pareciera central y primordial la visión de la libertad del colectivo frente a la libertad del individuo. Sería la libertad del colectivo como una totalidad lo que permitiría la libertad individual. La comunidad política libre es lo que posibilita la libertad de acción de los individuos que la componen; sólo la libertad del colectivo institucionalmente constituido permite que los ciudadanos puedan elegir libremente sus propios fines e intereses. De ahí que sólo se pueda ser libre de manera colectiva, no individual. Visión bastante exigente de la democracia y bastante perfectible de la condición humana y de la ciudadanía, por cierto (Gargarella, 1999). Según el republicanismo democrático estándar, entonces, se debe intervenir lo social para conformar o potenciar virtudes cívicas que alimenten la comunidad política, y se puede o debe intervenir lo social para lograr individuos con actitudes o pre disposiciones favorables a la provisión de bienes públicos, como la democracia o la polis. Dichos ciudadanos virtuosos y activos deben servir de contraloría ciudadana al proceso de toma de decisiones públicas bajo el sentido de controlar procesos de corrupción o de miopía institucional; en definitiva, una ciudadanía activa que ejerza procesos de control sobre sus representantes en el sentido de una relación fiduciaria (asimétricas respecto de la información) en donde el fideicomitente o principal

      -el pueblo- delega por un tiempo determinado su soberanía al fideicomisario –el agente o representante- para que éste gestione por él los asuntos del Estado.

      En esa dirección, el republicanismo democrático estándar tiende a defender diseños institucionales que fomenten discusiones públicas que giren en torno a la producción del bien común. El republicanismo no hace una separación entre lo público y lo privado. Para este, el carácter o las intuiciones morales de los integrantes de una sociedad son una cuestión de interés público y no privado como en el liberalismo. De esta manera, el modo en que se organice la política y la economía debe recaer en ciudadanos activos dispuestos a sacrificar porciones de intereses individuales en pos de la consecución de objetivos colectivos. Así, si para el liberalismo las personas deben ser protegidas de cualquier sacrificio que se les quiera imponer externamente en nombre de los intereses colectivos, el republicanismo propende -desde instituciones centrales- a fomentar preferencias pro sociales que alimenten el sentido colectivo de la producción social. Entonces, el Estado no se mantendrá neutral frente a las opciones, intuiciones o preferencias morales que tengan los ciudadanos, no se mantendrá neutral frente a las concepciones del bien o de la sociedad buena que estos tengan. Intervendrá activamente fomentando comportamientos virtuosos en el ámbito público y privado, incluso obligándolos a ser libres: la libertad colectiva. A diferencia del liberalismo y su temor por los efectos supuestamente perniciosos de la tiranía de la mayoría, el republicanismo busca apoyarse en las voluntades mayoritarias. En ese sentido, desde esta mirada, el peligro democrático parecería provenir del poderío de minorías opresoras que desvirtúen los objetivos sociales propios de la República, anteponiendo sus propios intereses a los de la comunidad política y el bien común.

      En definitiva, desde el republicanismo democrático estándar soy libre en la medida en que participo activamente del autogobierno de la comunidad política. A diferencia del liberalismo, que antepone derechos individuales inalienables -o naturales- frente a los deberes con el colectivo, el republicanismo democrático estándar, propone y fomenta el uso de diseños institucionales que antepongan los deberes frente a los derechos; y esto, como forma de propender siempre a subordinar intereses individuales a lógicas más de orden colectivo o asociativo. Como hemos señalado antes, se es libre entonces participando de una comunidad con capacidades de auto gobierno y no sólo como entidad individual frente al colectivo. Así, se propenderá siempre a fomentar los derechos colectivos frente a las libertades individuales. En síntesis, pareciera que desde la perspectiva republicana, pesarían más los deberes que los derechos. Aunque una vez instalado un arreglo institucional de inspiración republicana, los derechos económicos y sociales deberán ser instaurados y blindados constitucionalmente (Arnsperger y van Parijs, 2002; Gargarella, 1999; Ovejero et al., 2004).


    2. La noción republicana democrático plebeya de la libertad material o incondicional de Domènech

      Para la tradición filosófica occidental republicana, para Aristóteles, para el derecho romano -y también para Marx-, para todo el ordenamiento jurídico público occidental, una persona es libre si no es posible de ser interferida de una manera arbitraria por un tercero, incluído el Estado. Para el republicanismo, la libertad es inalienable y representa un conjunto de derechos constitutivos que conforman nuestra personalidad jurídica dentro del Estado de derecho, más una serie de derechos alienables de carácter material. Ello se contrapone a una lectura actual –hegemónica, liberal, de menor peso teórico, pero de mayor sensibilidad con el sentido común individualista actual- que sostiene simplemente que alguien es libre en la medida o cuanto menos interferido esté en sus planes de vida (Domènech, 2014). En efecto, para la tradición republicana democrática, que en su versión moderna recoge a autores como Marsiglio de Padua, Maquiavelo, Montesquieu, Locke, Rousseau, Kant, Adam Smith, Jefferson, Paine, Madison, Robespierre y Marx (Raventós, 2018), ser libre simplemente es no estar sujeto al poder de otro (Skinner, 2005). De acuerdo con la teoría política republicana, ahí donde hay dependencia no puede haber libertad, por mucho que no haya interferencia arbitraria efectiva de agentes externos ya sea en formato individual o corporado. Gira en torno a la idea de que los agentes no pueden ser libres si su existencia material (digna) no esté garantizada políticamente. Pero libertad no como simple ausencia de interferencia, sino como ausencia de dependencia, como ausencia de dominación; libertad como capacidad para poder tomar decisiones autonómas sin tener que depender del poder de otro para vivir. Para Smith, como para el conjunto de la tradición republicana democrática moderna, no hay libertad real si no hay

      independencia socioeconómica efectiva, es decir, si no hay un conjunto de bienes materiales que garanticen cierta autonomía respecto de la facticidad del poder acumulado por el rentismo históricamente configurado. En ese contexto, la idea genuina de la libertad republicana no incluye la visión psicologizante, a histórica y a institucional de la libertad. La libertad republicana, es decir, la libertad como no dominación -o ausencia de interferencia arbitraria del dominador sobre el dominado-, e independientemente de las estructuras histórico-institucionales de propiedad, es más robusta y exigente que la psicologizante, a histórica y a institucional “libertad liberal”, es decir, la libertad considerada simplemente como ausencia de interferencia. Según Domènech,

      Libre es, en la noción republicana clásica, quien puede vivir por sus propios medios, quien no necesita pedir permiso a otro particular para poder vivir. En la visión tradicional de la política republicana antigua, los esclavos no son políticamente libres, porque dependen de su amo para vivir. Los niños no son libres políticamente, porque dependen del pater familias para vivir. Las mujeres (salvo las viudas o las huérfanas mayores de edad) no son libres políticamente, porque dependen de un pater familias para vivir (el padre, luego el marido). Los clientes no son plenamente libres, porque, aún emancipados de la esclavitud, siguen dependiendo en buena medida del pater familias para vivir. Los trabajadores asalariados –los que, en Atenas, carentes de medios propios de subsistencia, trabajan para otro a cambio de un misthón, de un salario; los que, en Roma, se someten a contratos indignos de un hombre libre, a contratos no de obras (…), sino de servicios (…)—, son, como genialmente los calificó Aristóteles, “esclavos a tiempo parcial”, y por lo mismo, no plenamente libres civil o políticamente” (…) “La República o comunidad política (koinonía politiké en Atenas, res publica en Roma, societas civilis en el latín renacentista) es una asociación de personas libres e iguales (en tanto que recíprocamente libres). Quedan excluidas de ella, en principio, todos los no libres, todos los que dependen de otro para vivir. Que alguien dependa de otro para vivir presupone, a su vez, la cristalización institucional de distintas formas de propiedad privada, la formación, esto es, de grupos o clases o estratos sociales con poder para excluir a otros del uso de recursos naturales y medios de vida. Por eso: “El hombre que no posea otra propiedad que su propia fuerza de trabajo, en cualesquiera situaciones sociales y culturales, tiene que ser el esclavo de los otros hombres, de los que se han hecho con la propiedad de las condiciones objetivas del trabajo. Sólo puede trabajar con el permiso de éstos, es decir: sólo puede vivir con su permiso (Marx, Crítica del Programa de Gotha)” (Domènech, 2010, sin página).


      En ese sentido, la preocupación fundamental de la teoría y la cultura política e intelectual republicana es entonces: “dadas las motivaciones plurales de los agentes, cómo diseñar las mejores instituciones sociales (incluidas las instituciones básicas que influyen causalmente en la distribución de la propiedad de y el acceso a los medios de existencia social)” (Bertomeu y Domènech, 2005, p. 66). Pero lo que hay debajo, entiéndase bien, no necesariamente se refiere a un título de propiedad jurídicamente sellado que tengamos en el bolsillo, es un concepto de propiedad bastante amplio (Casassas, 2015). Lo que hay detrás es una idea de la propiedad como control individual y/o colectivo de un conjunto de recursos materiales e inmateriales (simbólicos) que nos conviertan en agentes capaces de superar lo que Pettit llama el test de la mirada: ¿tengo la capacidad de aguantar la mirada frente a otro sin tener que agachar la cerviz? ¿tengo la capacidad de aguantar la mirada frente a ese otro respecto del cual dependo material o simbólicamente? ¿Puedo, a partir de ahí, decir y decidir qué mundo aspiro y aspiramos colectivamente a construir? Como podemos constatar, el concepto de libertad que acá hemos expuesto es absolutamente diferente al concepto de libertad liberal. En efecto, para la actual tradición liberal, la libertad total es imposible, la libertad es alienable e implica una cuestión de grados. Soy más o menos libre en la medida en que el grado de interferencia arbitraria externa es mayor o menor respecto de X (Domènech, 2014). A decir de Raventós: “El liberalismo debe entenderse como opuesto a esta concepción en un sentido muy preciso: la libertad es independiente de las condiciones materiales de existencia” (2018).

      En ese sentido, el liberalismo señala que hay que olvidarse de las condiciones materiales de existencia, y que sólo hay que contentarse con un escenario institucional que gire en torno a la idea de isonomía o igualdad ante la ley.7 En ese sentido, y respecto de la libertad y el control de recursos, el liberalismo asume que somos libres con independencia de las condiciones materiales y simbólicas de existencia de


      image

      7 En el mundo manufacturero y comercial del siglo XVIII -que es diferente al gran capitalismo de los siglos XIX y XX-, Smith, pese a la interesada apropiación por parte del liberalismo ortodoxo, es uno de los valedores del fundamento de las condiciones materiales de la libertad y de las condiciones republicanas de la no dominación. Para que haya juego primero debemos construir un campo de juego.

      la gente. Desde esta perspectiva, entonces, el grueso de su cuerpo doctrinal se basa en una gran ficción jurídica. Para el republicanismo, en cambio, la distribución justa del producto social sería un resultado de la extensión social de la libertad republicana. Este, “tiene una comprensión histórica e institucional de las «circunstancias de la justicia» y de la vida civil y política en general” (Bertomeu y Domènech, 2005, p. 66). Entiende “indexación histórica de sus juicios normativos sobre las instituciones político- sociales” (Bertomeu y Domènech, 2005, p. 66). En tal sentido, y según Pettit, somos libres cuando no se es objeto de interferencias arbitrarias y se vive en un escenario que garantiza que no existe posibilidad futura (potencial) de interferencia arbitraria; es decir: soy libre en la medida en que no soy ni interferido ni interferible. Como vemos, se es libre cuando existe un determinado estatus de invulnerabilidad social que te permita vivir dignamente. Somos libres cuando no somos interferidos arbitrariamente por un tercero individual o colectivo. Ni interferido ni interferible. Pero para no depender de la buena suerte de tener un amo bondadoso o de ser trabajador bien tratado por el patrón de turno, se necesita de un esquema institucional que asegure que no seré interferido. La idea, entonces, es estar protegido de las interferencias arbitrarias y ello nos lleva a las condiciones materiales que aseguran y blindan la libertad. Por tanto, en el republicanismo hay una condición histórica -que no está en Pettit- y que dice que se es libre cuando eres propietario de un conjunto de recursos que te hace socio económicamente independiente que te dota de un poder de negociación crucial para aguantarle la mirada a quien sea: Autonomía, propiedad. Y esto, claro, nos lleva a la idea del vivir sin permiso que recoje el republicanismo democrático expuesta en la Crítica del Programa de Gotha de Marx. La idea de no tener que pedir permiso a los otros para poder vivir dignamente; de tener un sustento material suficiente como para sostener la mirada frente a otro sin caer en la sensación de obediencia, de dominación, de disciplinamiento. De ahí, por ejemplo, la idea republicana democrática de la renta básica de ciudadanía.

      De acuerdo a todo lo dicho, es libre quien tiene un conjunto de recursos que lo dotan de poder de negociación, pulso negociador que está detrás de la firma de contratos. Si dependo económicamente de alguien, este alguien puede obligarme -si quiere- a tomar ciertos cursos de acción que puede que no prefiera; agacho la mirada, asiento, e incluso, a veces, me acostumbro. Por el contrario, si no dependo económicamente de alguien, este alguien teóricamente no puede gobernar ni mis preferencias ni mis creencias; le puedo mantener la mirada. Las condiciones materiales –controladas monopólicamente por unos cuantos- son condiciones necesarias y suficientes para asegurar la libertad. Y esto, seas hombre o mujer. Independencia material es condición necesaria pero insuficiente. Pero eso hay que sumarlos a cuestiones inmateriales y vinculadas a la idea de identidad, como el género, por ejemplo.

      Es el concepto de libertad como capacidad para no tener que pedir permiso a ningún particular para vivir. Ese es el viejo concepto de libertad republicana. No es libre quien necesita pedir permiso a otro particular para vivir, quien no es materialmente independiente de otro particular: no es libre el esclavo, no es libre el trabajador asalariado (esclavo a tiempo parcial, según la genial definición de Aristóteles, luego retomada por Adam Smith y por Marx), no es libre la mujer sometida al pater familias. La democracia republicana revolucionaria y el moderno socialismo industrial lo que hicieron fue tratar de universalizar ese concepto: la democracia revolucionaria, mediante la distribución de la tierra a todos y la fundación de una república de pequeños propietarios agrarios (Jefferson), o mediante garantía republicana de un derecho universal e incondicional de existencia material (Robespierre, Tom Paine); la democracia socialista posterior a la revolución industrial, mediante una asociación republicana de productores libres e iguales que se apropian en común de los medios e instrumentos de producir (Marx). La idea era que no sólo unos pocos tuvieran libertad para vivir sin necesidad de tener que pedir permiso a otros; que todos tuvieran esa libertad (Domènech, 2008, sin página).


      Por último, y en términos de diseño institucional, todo ello tiene como corolario ilustrativo bastante potente teórica y políticamente: Aparte de la idea de que quien no posee una cantidad mínima de recursos materiales de vida (economía) vive necesariamente bajo el dominio de otros (política), la concentración de riqueza también presiona sobre la existencia de la población no propietaria (no libre), en el sentido de que la población propietaria va acumulando capacidades institucionales de definición de las reglas institucionales que rigen el juego y el intercambio entre particulares, instaurando sistemas de dominación oligopólicos estructurales e históricamente naturalizados. En palabras de Raventós y Buster, y sobre el dominio y la condición material:

      El dominio lo ejercen los ricos propietarios sobre las personas que no tienen la existencia material garantizada y dependen del permiso de los primeros para vivir. Dominio que ejercen directamente en algunos casos e indirectamente en muchos otros. Lo que equivale a decir que esta relación de dominación la viven la mayor parte de las personas no ricas. Esta dominación es un impedimento a la libertad. Los grandes ricos, debido a una configuración política a su medida de los mercados que este dominio les posibilita, inciden directamente en la degeneración despótica de las instituciones públicas que podrían ser una contención de la anterior dominación. (…) “el mundo moderno ha sido el resultado de vastos procesos de expropiación de las bases materiales y simbólicas para la existencia libre del grueso de las clases populares (2018, sin página).


  4. Conclusiones

El objetivo de las instituciones liberalizadoras en el país fue, entonces, el de la reorganización de la economía y de la sociedad con base en los supuestos del pensamiento económico monetarista propagado desde la Universidad de Chicago y que provenían desde el enfoque teórico de la Escuela Austríaca (von Mises o von Hayek). A partir de la imposición de un diseño institucional centrado en la idea liberal de libertad (libertad negativa), revirtieron los procesos de nacionalización y estatización, privatizaron los activos públicos como los recursos de asistencia social básica (salud, educación y pensiones) y los recursos naturales (industria pesquera, maderera y minera), y abrieron la economía a la libre circulación de capitales globales y a la inversión extranjera favoreciendo una libertad de comercio total. El mercado de trabajo fue liberado de las restricciones institucionales de los modelos desarrollistas, y el poder político de clase de los trabajadores -acumulado en décadas de luchas sociales distributivas- fue cruentamente destruido. Esto implicó destruir el poder sindical, atacar todos los esquemas de cooperación de clase y solidaridad que frenaban la libre competencia, desmantelar los compromisos sociales del (proto) Estado de bienestar, privatizar empresas públicas estratégicas, reducir impuestos directos al capital, incentivar la iniciativa individual, y crear un clima favorable al emprendimiento privado eliminando toda reglamentación que reprimiera las fuerzas supuestamente espontáneas de los mercados privados. De esta manera, todas las formas de solidaridad existentes en las clases medias y bajas fueron disueltas en favor de esquemas de intercambio basados en el egoísmo, la propiedad privada, la responsabilidad personal y los (conservadores) valores familiares. En ese sentido, neoliberalización es sinónimo de des-democratización, de des-institucionalización, de financiarización general de la esfera económica, y de la subordinación completa de la economía real a la especulación financiera (Báez, 2020).

Ahora bien, sobre la polisémica noción de libertad, el liberalismo estándar nos propone el derecho natural, la no interferencia arbitraria en abstracto, la agencia irrestricta, la no interferencia institucional y el monismo motivacional. De acuerdo con ello, seríamos maximizadores excluyentes (egoístas sin considerar las decisiones de los demás) o incluyentes (egoístas, aunque podemos llegar a ser altruistas considerando las decisiones de los demás), cuestión que nos lleva a recordar cierto pesimismo antropológico: somos corruptos por naturaleza según Hobbes. La idea de libertad que plantean señala que somos libres cuando nadie interfiere con nuestros planes de vida o nuestras preferencias personales, es decir, soy libre cuando puedo fijar individualmente mis fines y nadie -menos el Estado- puede interferir en ellos. Por su parte, el comunitarismo nos plantea como fundamentos la idea de la identidad, el pasado, lo local, la protección, la constitución social y moral comunitaria del individuo. De acuerdo con el comunitarismo, somos buenos por naturaleza lo que nos ubica en cierto optimismo antropológico abstracto. La idea de libertad comunitaria dice relación con la condición de pertenencia o de cierta libertad situada: soy libre cuando pertenezco a una comunidad de iguales. No elijo, sino que descubro quien soy, y descubro quien soy y de dónde vengo mirando hacia el pasado. En este sentido, el yo antecede a los fines. Por último, el republicanismo nos plantea como fundamentos la ciudadanía, la autonomía, la libertad como bien inalienable, la libertad material, la existencia política universal, la deliberación, el pluralismo motivacional (actuamos con diferentes motivos -con diferentes módulos-, no sólo egoístas), somos corruptibles (tradición que va de Aristóteles a Marx pasando por Maquiavelo, Locke, Smith, Kant, Robespierre y Jefferson). La idea de libertad republicana democrática es disposicional y material: soy libre cuando nadie interfiere arbitrariamente con mis planes de vida o mis preferencias, pero junto a los demás, es decir, en una relación social de parigualdad. Soy libre junto al

resto y cuando tengo existencia política deliberada para hacer frente a la tiranía. Soy libre cuando dispongo de una cantidad determinada de bienes materiales que garantizan mi existencia digna y autónoma de los caprichos o imposiciones del resto; esto es, libertad como no dominación. Respecto de los principios de justicia, y dejando fuera el principio de autoridad (a cada uno y de cada uno, según estipule la autoridad competente), mientras el liberalismo propone la proporcionalidad como principio distributivo (a cada quien según su contribución), y mientras el comunitarismo plantea el principio de la equivalencia, principio desarrollado por Saint Simon y retomado por Marx y toda la cultura socialista del siglo XX (de cada cual según sus capacidades, a cada quien según sus necesidades), el republicanismo plantea el de la parigualdad (a todos y a cada uno lo mismo). Por último, y respecto de la idea de ciudadanía que presentan estas tres perspectivas teórico - políticas, mientras el liberalismo nos plantea una ciudadanía instrumental, cívica y en cierto sentido a política y basada en la igualdad isonómica, el comunitarismo y el republicanismo nos plantean una ciudadanía activa, promovida desde un Estado social y económicamente activo.


Referencias bibliográficas

Arnsperger, C. y Van Parijs, P. (2002). Ética económica y social. Teorías de la sociedad justa. Barcelona: Paidós.

Báez, F. (2017). Diseño institucional y neoliberalismo: El modelo chileno como resultado del quiebre unilateral del contrato social. Papers 102 (3). 449-476.

Báez, F. (2017b). Diseño institucional y des-colectivización en Chile: del Estado Social al Estado Neoliberal. Izquierdas. 34. 50-79.

Báez, F. (2020). El modelo neoliberal chileno: una lectura sobre sus contenidos institucionales y sus consecuencias sociales. Pensamiento y Acción Interdisciplinaria. Vol. 6, Nº 1. 8-35.

Bauman, Z. (2002). Modernidad líquida. Buenos Aires: FCE.

Berlin, I. (2005). Dos conceptos de libertad y otros escritos. Madrid: Alianza.

Bertomeu, J. y Doménech, A. (2005). El republicanismo y la crisis del rawlsismo metodológico.

Isegoría. 33. 51-75.

Casassas, D. (2015). La constitución política de los mercados: Reflexiones desde el republicanismo. Conferencia UPLA. Valparaíso, Chile.

Castel, R. (1995). La metamorfosis de la cuestión social. Una crónica del salariado. Buenos Aires: Paidós.

Dardot, P. (2016). “Filósofo Pierre Dardot: El término 'común' supone una crítica a la democracia representativa". Recuperado de https://filosofia.uchile.cl/noticias/126917/pierre-dardot-el-termino- comun-supone-una-critica-a-la-democracia-

Domènech, A. (2002). Individuo, comunidad, ciudadanía. En José Rubio-Carracedo (ed.), Retos pendientes en ética y política (pp. 29-45). Madrid: Trotta.

Domènech, A. (2008). Una izquierda desorientada y desorganizada ante la crisis capitalista más grave desde los años 30. Entrevista. Sin Permiso. Recuperado de http://www.sinpermiso.info/textos/una- izquierda-desorientada-y-desorganizada-ante-la-crisis-capitalista-ms-grave-desde-los-aos-30

Domènech, A. (2010). Economía política y tradición histórica republicana: el caso de Adam Smith. Sin Permiso. Recuperado de http://old.sinpermiso.info/articulos/ficheros/smithrepublicano.pdf

Domènech, A. (2014). La tradición socialista, la herencia republicana y la critica al neoliberalismo. Curso UPLA. Valparaíso, Chile.

Erazun, F. (2019). A propósito de la reedición de "El eclipse de la fraternidad" de Antoni Domènech. Sin Permiso. Recuperado de http://www.sinpermiso.info/textos/a-proposito-de-la-reedicion-de-el- eclipse-de-la-fraternidad-de-antoni-domenech

Gargarella, R. (1999). Las teorías de la justicia después de Rawls.Paidós: Barcelona. Harvey, D. (2003). El nuevo imperialismo. Madrid: Akal.

Harvey, D. (2007). Breve historia del neoliberalismo. Madrid: Akal.

López, S. (2003). Entrevista político - filosófica a Antoni Domènech. Nodo 50. Recuperado de http://www.nodo50.org/redrentabasica/descargas/Entrevista_TD_def.pdf

Mundó, J. (2005). Autopropiedad, derechos y libertad (¿debería estar permitido que uno pudiera tratarse a sí mismo como a un esclavo?). Recuperado de https://www.researchgate.net/publication/340686804_Autopropiedad_derechos_y_libertad_deberia_es tar_permitido_que_uno_pudiera_tratarse_a_si_mismo_como_a_un_esclavo

Mundó, J. (2018). In memoriam. Antoni Domènech, la afirmación de la tradición republicano - democrática: epistemología, historia, ética y política. Sin Permiso. Recuperado de http://www.sinpermiso.info/textos/in-memoriam-antoni-domenech-la-afirmacion-de-la-tradicion- republicano-democratica-epistemologia

Ovejero, F. et al (2004). Nuevas ideas republicanas. Autogobierno y libertad. Barcelona: Paidós.

Raventós, D. (2018). La concepción histórica de la libertad republicana para entender el mundo actual. Y una propuesta inmediata. Sin Permiso. Recuperado de http://www.sinpermiso.info/textos/la- concepcion-historica-de-la-libertad-republicana-para-entender-el-mundo-actual-y-una-propuesta

Raventós, D. y Buster, G. (2018). Reino de España: las grandes riquezas son un problema para la libertad. Sin Permiso. Recuperado de http://www.sinpermiso.info/textos/reino-de-espana-las-grandes- riquezas-son-un-problema-para-la-libertad

Skinner, Q. (2005). La libertad de las repúblicas: ¿Un tercer concepto de libertad? Isegoría 33. 19-49.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15499


REFLEXIONES Y DISYUNTIVAS SOBRE LA CUESTIÓN SOCIOAMBIENTAL EN TIEMPOS FRAGMENTADOS


REFLECTIONS AND DILEMMAS ON THE SOCIO-ENVIRONMENTAL QUESTION IN FRAGMENTED TIMES


REFLEXÕES E DILEMAS SOBRE A QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL EM TEMPOS DE FRAGMENTAÇÃO


Ofelia Agoglia

(Grupo de estudios en CTS - ICB - UNCUYO CONICET, Argentina)

ofeagoglia@gmail.com


Mariela Gelman

(Facultad de Ciencias Exactas y Naturales, UNCUYO, Argentina)

marielagelman@gmail.com


Gustavo Maure

(Facultad de Ciencias Exactas y Naturales, UNCUYO, Argentina)

gustavoernestom@yahoo.com.ar

Recibido: 07/08/2023 Aprobado: 17/11/2023


RESUMEN

El presente artículo se estructura en torno al debate conceptual sobre la cuestión socioambiental. La discusión propuesta, se articula a partir del análisis de las respuestas que surgen de la comunidad científica, sobre las diferentes etapas en que transcurre la emergencia y desarrollo de la crisis ambiental. El hilo argumental se estructura sobre la identificación de los mecanismos de reproducción que operan en el proceso globalizador y que, desde la perspectiva de esta investigación, se visualizan cómo impedimentos para la resolución de la crisis ambiental, a pesar de las evidencias científicas de sus posibles consecuencias, anticipadas desde mitad del siglo XX. Situación que podría considerarse como “la crónica de una crisis anunciada”. Para dar cuenta de ello, se ponen a discusión, algunas de las principales contradicciones y dimensiones que caracterizan el contexto moderno tardío, en el cual, lejos de mitigarse, los efectos de la ruptura ambiental se profundizan. Finalmente, se presentan posibles disyuntivas que emergen del proceso pandémico, delineadas en los márgenes de un futuro de configuración incierta.

Palabras clave: ruptura socioambiental. contradicciones. disyuntivas. construcción de sentido.


ABSTRACT

image

This article is structured in the conceptual debate of the socio-environmental question. The proposed discussion is based on the analysis of the responses that emerge from the scientific

community on the different emergency and development stages of the environmental crisis. The argumentative thread is structured on the identification of the reproduction mechanisms that operate in the globalizing process and which, from the perspective of this research, are seen as impediments to the resolution of the environmental crisis, despite the scientific evidence of its possible consequences, anticipated since the middle of the 20th century. This situation could be considered "chronicle of a crisis foretold". Considering this, some of the main contradictions and dimensions that characterize the late modern context are discussed, in which, far from being mitigated, the effects of the environmental rupture are deepening. In conclusion, possible dilemmas emerging from the pandemic process are presented with uncertain configurations.


Keywords: socio-environmental crisis. dilemmas. contradictions. construction of meaning.


RESUMO

Este artigo está estruturado em torno do debate conceitual sobre a questão socioambiental. A discussão proposta baseia-se na análise das respostas que emergem da comunidade científica sobre os diferentes estágios de surgimento e desenvolvimento da crise ambiental. O fio argumentativo está estruturado na identificação dos mecanismos de reprodução que operam no processo de globalização e que, na perspectiva desta pesquisa, são vistos como impedimentos para a resolução da crise ambiental, apesar das evidências científicas de suas possíveis consequências, previstas desde meados do século XX. Essa situação poderia ser considerada "a crônica de uma crise anunciada". Para explicar isso, são discutidas algumas das principais contradições e dimensões que caracterizam o contexto da modernidade tardia, no qual, longe de serem atenuados, os efeitos da ruptura ambiental estão se aprofundando. Por fim, são apresentados os possíveis dilemas que emergem do processo pandêmico, delineados à margem de um futuro de configuração incerta.


Palavras-chave: ruptura socioambiental. contradições. disjunções. construção de sentido.


Introducción:

El presente artículo se enmarca en el abordaje conceptual de la corriente ambiental crítica, y la posición de algunos de sus exponentes principales, provenientes de la sociología, la filosofía y le ética ambiental y, en menor medida de la ecología política y la economía ambiental, tales como: Alimonda (2016), Caride y Meira (2001, 2009), Dobson (2001, 2007), Kapp (1995), Leff, (2006, 2008), Naredo (2015),

O’Connor (2001) y Riechmann (2005, 2009, 2014, 2017) entre otros. Los cuales más allá de las diferencias de los enfoques disciplinares del que provienen, coinciden en señalar el agotamiento del sistema económico vigente, el cual lejos de configurarse como un escenario idóneo para superar la crisis socioambiental, reproduce las condiciones para la capitalización de la naturaleza y la reducción del ambiente a la razón instrumental (Agoglia, 2018).

La perspectiva analítica de base, que da cuerpo a las tesis propuestas, confronta con la concepción del ambientalismo hegemónico, para el cual la resolución de la cuestión ambiental podría resolverse dentro de los márgenes del sistema productivo de acumulación vigente. Ya sea a través del desarrollo de nuevas tecnologías, tendientes a generar cambios en la matriz energética, o de la implementación de estrategias de mercado controladas por el Estado a través de un sistema fiscal e impositivo de premios y castigos, que regulen las actividades productivas que impactan en el ambiente (D’Amico y Agoglia, 2019).

Desde este enfoque, la cuestión ambiental se define en términos económicos, afirmando que, mediante la aplicación de instrumentos impositivos, tales como incentivos a las inversiones verdes, permisos de emisiones, canje de bonos de carbono, etc., se puede atenuar el impacto o daño ambiental. Siendo su consecuencia directa la integración subordinada de la naturaleza al mercado (O´Connor, 2001).

En contraposición, la corriente ambiental crítica, propone un cambio radical en las condiciones de producción, sobre las que se estructura el origen causal de la ruptura ambiental. Desde esta perspectiva es fundamental visibilizar las relaciones de poder, materiales y simbólicas, que perpetúan condiciones de distribución inequitativas, de la renta que genera la explotación de bienes naturales. Poniendo el foco en cómo impactan las consecuencias de la distribución desigual de los bienes y males ecológicos, en los países y sectores de la población más vulnerados, cuyas economías dependen de la extracción y comercialización externa de sus materias primas (Riechmann, 2005; Agoglia, 2018).

Desde la posición de la economía ambiental crítica, la destrucción ambiental es el resultado del intercambio metabólico entre naturaleza y sociedad inherente al sistema de producción capitalista (O´Connor, 2001). Situación que se complejiza, en la etapa del capitalismo tecnológico financiero, centrado en la demanda intensiva de recursos naturales orientados al desarrollo de las grandes corporaciones de la tecnología digital, profundizando la ruptura entre tecnosfera y biosfera (Riechmann, 2017).

Bajo esta perspectiva, desde el presente trabajo, la crisis ambiental se contempla como una realidad que trasciende la sumatoria de problemas de orden biofísico o natural, representándose como un fenómeno complejo de evolución incierta producto de un proceso socio histórico, cuyos orígenes se remontan a los albores del proyecto moderno y deben rastrearse en un cúmulo de circunstancias, a través de las cuales, se expresan las contradicciones de un modelo socioeconómico identificado con el crecimiento sostenido de la producción y las magnitudes económicas (Agoglia, 2012, p. 26).

En este sentido, la interpretación de la crisis ambiental, además de manifestarse en el ámbito natural remite a un conflicto esencialmente social, resultado de la organización sociopolítica, el sistema normativo y la estructura económica que adoptan las sociedades a lo largo del tiempo, generando diferentes impactos sobre el ambiente, dependiendo del grado de desarrollo de las tecnologías productivas, de la cantidad, uso, explotación y distribución de sus recursos naturales y el modo adoptado para satisfacer un nivel creciente de necesidades (Riechmann, 2014).

Estructura del debate conceptual propuesto

El eje argumental del trabajo, se estructura en tres partes, articuladas sobe la concatenación entre: el pasado como anticipación del presente, el presente como proyecto inacabado y el futuro como configuración incierta. Dicho proceso se toma como hilo conductor para analizar el debate conceptual, sobre la cuestión ambiental, desarrollado por diferentes ramas de la ciencia, desde su anticipación y emergencia, hasta la constatación de los límites ecológicos y la profundización de sus consecuencias.

Al tratarse de un trabajo de reflexión analítica, centrado en aspectos de orden teórico, la estrategia metodológica se enfoca principalmente en la revisión bibliográfica, cuyo recorte epistemológico se concentra en diferentes obras de la teoria social y la corriente ambiental crítica. Esta decisión, otorga solidez conceptual a la posición adoptada.

El debate propuesto gira en torno a dos interrogantes centrales orientados a reflexionar sobre las contradicciones sobre las que se articula el presente, en el cual se agudizan las condiciones críticas de la biosfera. Situación ante la cual cabe preguntarse, ¿se pueden encontrar claves en el pasado para entender las condiciones actuales de las crisis socioambiental?; de lo cual se deriva el segundo interrogante, orientado a comprender, ¿cuáles son los mecanismos de reproducción que operan en el presente, para neutralizar las posibles soluciones de la crisis ambiental, a pesar de la constatación científica de sus diferentes dimensiones?

Para dar cuenta del ello, inicialmente, se propone un recorrido por tres etapas del pasado reciente. La primera, enfocada en la anticipación de las consecuencias del proceso de instrumentalización de la razón sobre la emergencia de la crisis ambiental, desarrollada por la teoría social crítica a mediados del siglo

XX. La segunda, articulada sobre los principales estudios e informes prospectivos provenientes de las ciencias físico naturales, que explicitan los diferentes procesos de degradación de la biosfera y sus

diferentes impactos, así como sus posibles consecuencias a futuro. La tercera, sobre diversos enfoques provenientes de las ciencias sociales y humanas, que ponen en evidencia las características principales del proceso globalizador y sus impactos directos o indirectos sobre la agudización de la problemática socioambiental y sus efectos sobre las condiciones de vida en el planeta en el corto y mediano plazo.

La segunda parte del trabajo, se enfoca en el análisis del contexto de profundización de la problemática socioambiental. En particular se identifican cuatro contradicciones, las cuales, desde la posición con conceptual del presente trabajo, operan como mecanismos de neutralización de las alternativas de resolución de la problemática ambiental y contribuyen a su profundización.

En la última parte del trabajo, centrada en la percepción del futuro como configuración incierta, se ponen a discusión una serie de disyuntivas, que emanan de reflexiones conceptuales desarrolladas mayoritariamente desde las ciencias sociales, pero también de las ciencias físico naturales. Dichas reflexiones debaten sobre el entramado material y simbólico del modelo tecnológico financiero, augurando diversos escenarios sobre el futuro, como respuesta a la irrupción del proceso pandémico, considerado como la fractura social más importante del Siglo XXI.

Las reflexiones propuestas, dejan abierta la discusión sobre un contexto social global, en cuyo marco la cuestión ambiental se presenta como uno de los principales desafíos de la humanidad.

  1. El pasado como anticipación del presente

    A partir del abordaje de algunos antecedentes teóricos del pasado reciente, se distinguen tres momentos históricos que de algún modo anticipan las condiciones que adoptará la cuestión ambiental a futuro y que vale la pena rescatar, para entender las dimensiones en que discurre su acontecer en el presente.

    En la primera mitad del siglo XX, algunos de los referentes teóricos de la Escuela de Frankfurt, en particular Theodor Adorno y Max Horkheimer y, en menor medida Walter Benjamin, proporcionan claves interesantes para problematizar y entender las implicancias del proceso de instrumentalización de la razón occidental sobre la emergencia de la crisis ambiental y sus posibles consecuencias en un futuro cercano, especialmente en “Critica de la razón instrumental” (Horkheimer, 1947) y “Dialéctica del iluminismo” (Adorno y Horkheimer, 1944). En esta misma línea argumentativa, se destacan los debates que surgen de la concepción de Heidegger, en particular, en “La pregunta por la técnica” (Heidegger, 1954).

    Todas ellas, obras en las que se profundiza sobre la instrumentalización de la razón, a partir de la reconfiguración de la técnica y la innovación como imperativos del mercado, lo cual sintetiza las características del capitalismo industrial de mediados del Siglo XX, cuya aceleración en los ritmos de producción y sobre la irrupción de la sociedad de consumo, incidirán de forma directa en la devastación de la naturaleza (Agoglia, 2011).

    Para la razón instrumental, la naturaleza es concebida como mera herramienta del hombre.

    “La naturaleza es objeto de una explotación total, que no conoce límites, el imperialismo sin límites del hombre no encuentra jamás satisfacción, el dominio de la especie humana sobre la tierra no tiene parangón con otras épocas en que otras especies de animales representaban las formas más altas de la evolución orgánica, en que sus deseos encontraban su límite en las necesidades de su existencia física” (Horkheimer, 1947, p.118).


    La profundidad del análisis desarrollado desde la teoría social crítica, desde mitad del siglo XX, sobre la problematización de un contexto histórico reciente, se erige como un marco referencial sólido para una lectura de anticipación del presente. Dan cuenta de ello, las obras de diversos referentes de la ecología política, la historia y la filosofía ambiental, tales como: Alimonda (2016), Caride y Meira (2001), Dobson (2007), Mayorga (2006), Porto Gonçalvez (2007) y Riechmann (2005, 2009, 2017), entre otros, en cuyos trabajos se hace referencia explícita a los aportes de la teoría social crítica sobre la cuestión ambiental, poniendo en evidencia los efectos nocivos de la racionalidad instrumental sobre la relación sociedad-naturaleza (Agoglia, 2011).

    En un segundo momento, desde mediados de la década del ‘60 y en particular en los primeros años de la década del ‘70, numerosos informes científicos de carácter prospectivo, alertan sobre el desarrollo y profundización de la ruptura ambiental, entendida como:

    “el resultado de la acción humana, la cual, aunque resulte aparentemente racional dentro de un marco institucional de relaciones socioeconómicas, motiva una irracionalidad social particularmente destructiva porque sus repercusiones sobre el medio ambiente físico, biológico y social son ignoradas y descuidadas” (Kapp, 1995, p.134).


    Desde diversos ámbitos de las ciencias físico naturales, se plantea la necesidad imperiosa de revertir el ritmo de crecimiento devastador de la tecnosfera sobre la biosfera, augurando escenarios irreversibles para la segunda mitad del siglo XXI (Agoglia, 2011; D´Amico y Agoglia, 2019).

    Bajo esta lógica, se destacan obras tales como: la “Primavera silenciosa” de Rachel Carson (1962), que plantea la necesidad de sostenerse frente al avance y los riesgos de diferentes sustancias inorgánicas en particular, pesticidas y plaguicidas; el “Informe Founex” (1971) que debate sobre la relación entre políticas de desarrollo y crisis ambiental; la obra de Georgescu Rougen (1971) sobre “La ley de la entropía y el proceso económico”, que relaciona el impacto de las leyes de la termodinámica en la economía, y “El Circulo que se cierra” de por Barry Commoner (1973), que desde el ámbito de la biología define los cuatro ejes claves sobre los que se estructuran los límites de un crecimiento indefinido.

    De forma particular se rescatan los resultados del informe “Los límites del crecimiento” de Meadows y Meadows, presentado en la Cumbre de Estocolmo de 1972, que recurre a una simulación prospectiva, en que se combina el crecimiento exponencial de cinco variables asociadas al sistema productivo y el modo de vida occidental de fines del siglo XX, para predecir un colapso civilizatorio a mediados del siglo XXI. El informe concluye que:

    “si el actual incremento de la población mundial, la industrialización, la contaminación la producción de alimentos y la explotación de recursos naturales se mantiene sin variación, alcanzará los límites absolutos de crecimiento durante los próximos cien años” (Meadows y Meadows, 1972 en: Dobson, 2001, p. 22).


    Desde otra perspectiva, los debates emergentes de la “Declaración de Cocoyoc” de 1974, redefinen el análisis de la cuestión socioambiental desde una mirada contra-hegemónica, ponderando el papel que le cabe a los países periféricos para su resolución.

    (…) el fracaso de proporcionar "una vida segura y feliz" para todos no se debe a ninguna falta de recursos en la actualidad, el problema de nuestros días no es de escasez sino de mala distribución económica y social y de inadecuada utilización. El predicamento ante el que se encuentra la humanidad se deriva esencialmente de las estructuras económicas y sociales y del comportamiento que se sigue tanto dentro de los países, como en las relaciones entre unos y otros (Declaración de Cocoyoc, 1974 en: Estenssoro, 2014, p, 140).


    Por último, hacia fines del siglo XX y principios del siglo XXI, diferentes corrientes sociológicas, coinciden en diversos aspectos que caracterizan la etapa histórica definida como capitalismo tardío, modernidad avanzada o líquida, como un sistema agotado erigido sobre categorías como el riesgo y la incertidumbre, cuya envergadura remite a una situación de crisis civilizatoria.

    Entre ellas se destacan, la obra de Urlich Beck, sobre “La sociedad del riego” (1992), la propuesta de Immanuel Wallerstein sobe “El futuro de la sociedad capitalista” (1997), la mirada de Franz Hinkelammert sobre la necesidad de orientar el rumbo “Hacia una economía para la vida” (2005) y la profunda obra de Zigmunt Bauman sobre las características de la “Modernidad líquida” (2000), en la que profundiza en el análisis de sus dimensiones principales.

    En esta misma línea, en lo que respecta al origen causal de la crisis socioambiental, se enfatiza en el vastísimo análisis realizado por Jorge Riechmann, desde 1998 a la actualidad, desde su trilogía de “Un mundo vulnerable” (2005), hasta sus últimas obras sobre una “Ética extramuros” (2017), el “Ecosocialismo descalzo” (2020) o “Simbioética: homo sapiens en el entramado de la vida” (2022),

    entre otras, en las que pone de manifiesto exhaustivamente, la irreversibilidad de los avances de la tecnosfera sobre la biosfera y la caracterización de lo que él denomina como “mundo lleno” (Riechmann, 2009).

    (…) como Barry Commoner ha señalado en más de una ocasión, los humanos somos habitantes de dos mundos: en primer lugar, habitamos un mundo natural llamado biosfera, surgido durante los casi cinco mil millones de años de historia de la Tierra y moldeado por los procesos geológicos, químicos y biológicos. Pero simultáneamente también vivimos dentro de una tecnosfera creada por nosotros, un sistema de estructuras y útiles inserto en la biosfera, y del que forman parte los asentamientos rurales y urbanos, las fábricas, las redes de transporte y comunicación, las fuentes de energía, los cultivos, etc. La tecnosfera, en suma, sería el lado material de los sistemas socioeconómicos humanos. A cada vez más gente, en estos años trágicos con que arranca el siglo XXI, nos parece que nos pierden nuestras peligrosas ilusiones sobre la tecnosfera humana: nuestros sueños de omnipotencia y de control total... Los principios y conductas que (a veces) resultaban adecuados para el “mundo vacío” y para la tecnosfera pequeña no lo son para el “mundo lleno” y la tecnosfera sobredimensionada. Y no deberíamos olvidar nunca que la sostenibilidad es fundamentalmente una cuestión de escala (con más precisión: del tamaño excesivo de la tecnosfera respecto de la biosfera). En nuestro “mundo lleno”, el sobreconsumo de territorio, energía, materiales y agua nos está llevando al colapso (Riechmann, 2009, p.3).


    Interface gráfica do usuário  Descrição gerada automaticamente com confiança média


    Fuente: Elaboración propia para el Ciclo de seminarios: “Ciencia y Tecnología en contexto” UNCUYO-TEC de Monterrey, 2020.


  2. El presente como proyecto inacabado: contradicciones y dimensiones

    El proyecto moderno no arroja los resultados que se proponía alcanzar a partir de sus principios prescriptivos. Por el contrario, si se realiza una lectura sobre la profundización de la desigualdad, la concentración de la riqueza a niveles obscenos (en un porcentaje cada vez menor de población) y la profundización de la devastación ambiental, como los indicadores centrales de la segunda década del siglo XXI, resulta imprescindible intentar comprender sobre qué contradicciones se estructura el actual sistema productivo de carácter predominantemente tecnológico financiero, de cuyo funcionamiento aparentemente exitoso, derivan las condiciones mencionadas.

    Tal como se señala en el informe: Las desigualdades matan” (2022) y, en el último Informe del IPCC (2023):

    “Los diez hombres más ricos del mundo han duplicado su fortuna, mientras que los ingresos del 99 % de la población mundial se han deteriorado a causa del COVID-19. Las crecientes desigualdades económicas, raciales y de género, así como la desigualdad entre países, están fracturando nuestro mundo” (OXFAM, 2022, p. 2).

    “Se identifica la actividad humana como la principal causa del calentamiento global, en particular por las emisiones de gases de efecto invernadero (CO2, CH4 y N2O). Las emisiones actuales son incompatibles con el Acuerdo de Paris, por lo que es absolutamente obligatorio reducirlas de una forma inmediata y contundente” (IPCC, 2023 en: García, 2023, p. 104).


    Para profundizar en este aspecto, en el presente apartado se identifican aquellos elementos que, desde la posición teórica asumida desde este trabajo, se consideran fundamentales para abordar los mecanismos de reproducción que operan en el presente, para neutralizar las alternativas de resolución de la crisis ambiental. Los cuales, por sus efectos materiales, pero esencialmente simbólicos, contribuyen a la profundización del problema, a pesar de las evidencias científicas de sus posibles consecuencias, anticipadas desde mitad del siglo XX (Agoglia, 2020a).

    Dichos elementos son puestos a debate, a partir de la identificación de cuatro contradicciones, que emergen en el seno del capitalismo tardío como respuesta a la constatación de los límites de la biosfera.

    1. La finitud de la biosfera como límite material de las prácticas sociales

      Desde el enfoque clásico de la teoría social, las prácticas sociales se desarrollan en un universo percibido como socialmente configurado. Bajo esta concepción la especie humana se ubica por fuera de los límites biofísicos en que se desarrolla su existencia, destacando el carácter social de la construcción de la realidad (Berguer y Luckman, 1968).

      La crisis socioambiental, la constatación de los límites naturales y la superación de la capacidad de carga de la tierra, llevan a definir esta concepción como una primera contradicción estructural, que remite a la redefinición de la relación espacio/tiempo (Bauman, 2000 en: Agoglia, 2018).

      Límites que más allá de las evidencias presentadas por numerosos informes científicos, desde hace cinco décadas, no dejan de superarse. Tal como se advierte en el informe: Safe and just Earth system boundaries (2023, p.104), “siete de los ocho límites del sistema terrestre, cuantificados a nivel mundial, se han cruzado y, al menos dos, se han superado en gran parte del planeta”. Este escenario pone en riesgo los medios de vida humana para las generaciones actuales y futuras. 1


      Gráfico, Gráfico de radar, Gráfico de explosão solar

Descrição gerada automaticamente



      image

      image

      Límites seguros y justos del sistema Tierra. Fuente: Rockström, J., Gupta, J., Qin, D. et al. Safe and just Earth system boundaries. Nature 619, 102–111 (2023)

      1 Según esta investigación, “la evidencia sugiere que este no será un viaje lineal; requiere un salto en nuestra comprensión de cómo la justicia, la economía, la tecnología y la cooperación global pueden promoverse al servicio de un futuro seguro y justo” (Rockström, J., Gupta, J., Qin, D. et al., 2023).

      La percepción del espacio como ilimitado y, del tiempo como unidireccional, sustentada por el ideal del progreso moderno, se contradice con la superación de la capacidad de carga de la biosfera, y con los ritmos cíclicos de la vida y los procesos naturales (Riechmann, 2014).

      Por su parte, la aceleración del tiempo a su máxima velocidad, fruto del desarrollo tecno-científico, complejiza los términos en que se manifiesta esta contradicción, adquiriendo nuevos ribetes. Desde la concepción de Bauman (2000), en tiempos de modernidad líquida, el espacio y el tiempo se interpretan como categorías independientes, dejando de considerarse como aspectos entrelazados, a través de una relación de correspondencia estable.

      En el universo líquido el espacio puede recorrerse en una fracción de tiempo, dejando de constituir una traba y un límite, perdiendo su valor estratégico, en el sentido que, si todos los espacios pueden alcanzarse al mismo tiempo, ningún espacio tiene un valor especial (Agoglia, 2012). En este contexto, la durabilidad pierde su atractivo, pasando de ser un logro a una desventaja, el corto plazo remplaza al largo plazo, convirtiendo a la instantaneidad en ideal último (Bauman 2002 en: Agoglia, 2018).

      En este marco, Riechmann sostiene que la crisis ecológica es producto de dos características de la modernidad tardía: la velocidad y la globalización, en el sentido que un sistema se vuelve insostenible, “tanto si se acelera demasiado y no tiene tiempo de seleccionar las adaptaciones más viables, como si se globaliza demasiado, es decir, se vuelve incapaz de fracasar en algunas de sus partes sobreviviendo en otras” (Riechmann, 2009 en: Barzola Elizagaray et al., 2023).

      Bajo estas condiciones, los procesos de degradación ecológica y social aceleran su ritmo de destrucción en la medida que, se imponen y generalizan las tesis del neoliberalismo, se desregulan las actividades económicas del mercado global y los Estados pierden progresivamente su capacidad de control. Lo cual conduce a poner el énfasis en dos principios básicos: a) la Tierra tiene una limitada capacidad de carga,

      b) es imposible un crecimiento económico indefinido en el marco de una biosfera físicamente acotada (Riechmann, 2021).

      Situación que se complejiza fruto de la oposición dicotómica, entre la cultura de la inmediatez y la cultura ecológica, sustentada en la lentitud y acompasada con los ritmos naturales. La instantaneidad del usar y el tirar de la cultura desechable, se contrapone con la idea de sostenibilidad, estrechamente relacionada con el tiempo y su proyección a futuro (Agoglia, 2012).

    2. La esfera de las relaciones de producción

      Una segunda contradicción se ubica en la esfera de las relaciones de producción. La cuestión socioambiental, pone en debate la dicotomía clásica entre trabajo y capital, desde un enfoque que percibe esa relación como incompleta, ampliando la esfera a la relación entre trabajo, capital (material y simbólico) y capital natural. Las relaciones entre capital y trabajo no se desarrollan de manera abstracta en un universo simbólico, sino que tienen lugar en una materialidad concreta y dependen de algún tipo de capital natural para llevarse a cabo (O´Connor, 2001).

      En este sentido, la relación de dominio entre capital y trabajo, reproduce las condiciones de dominio entre sociedad-naturaleza, y refuerza la situación de desigualdad que opera entre las elites globales y los países periféricos (Wallerstein, 1997).

      Una de las maneras en que el capitalismo y las grandes multinacionales han resuelto el problema, es a través de la compra de tiempo, que consiste en desplazar los residuos hacia la periferia, ganando tiempo para los países productores de desechos, sin afectar su nivel de acumulación de capital. Otra alternativa ha sido sugerir (y en muchos casos imponer) que los países periféricos pospongan su desarrollo sin resignar su propio crecimiento, lo cual se ha llevado a cabo a partir de imponer severas limitaciones a la producción industrial o proponiendo la utilización de formas de producción ecológicamente saludables, pero más costosas y dependientes del desarrollo tecnológico del centro (Wallerstein, 1997 en: Agoglia, 2011, p. 273).

      Complementariamente con los argumentos planteados en el punto anterior, esta situación conlleva que, los precios bajos de los bienes naturales con relación al de los productos manufacturados, permite a los países industrializados apropiarse de grandes cantidades de recursos naturales desde una posición de intercambio desigual en términos biofísicos, que obliga a los más débiles a explotar o sobre explotar sus recursos, mientras que los países ricos mantienen una mayor calidad ambiental (Wallerstein 2006, Riechmann, 2017).

      Este escenario invierte la relación entre capital humano, material y natural, convirtiéndose el capital natural en el factor limitante.

      En las relaciones tradicionales de producción, la preocupación por las materias primas y la energía es meramente marginal, en el mundo lleno esto se invierte, lo escaso es el factor natural, no el trabajo que se reproduce si existen alimentos y recursos naturales, ni el capital que se reproduce si hay trabajo y recursos naturales, pero la naturaleza no es reproducible cuando los recursos se acaban (Riechmann, 2009, p 105).


      Situación que supone cambios profundos en las relaciones de producción, en cuanto a la inversión que debe destinarse a protección y restauración de capital natural, así como en la orientación de la planificación hacia el diseño de estrategias de demanda, en temas centrales como: energía, agua, transporte y alimentos, entre otros, que tiendan a la gestión pública de las necesidades sociales (Arenas, Naredo y Riechmann, 2022).

    3. La indiferenciación entre lo público y lo privado

      La tercera contradicción remite a la relación entre lo público y lo privado, y la indefinición de sus límites. La revolución tecnológica y cultural de fines de siglo XX y principios del XXI, sobre todo a partir de las nuevas formas de comunicación, pone en el centro del debate el carácter público de los actos privados.

      Situación que responde a lo que Bauman (2001), define como soledad interconectada y deviene de las características que adquiere el proceso de individualización de la modernidad líquida. El proceso de individualización, característico de la modernidad en su etapa sólida, deja de ser lo que era para convertirse en algo diferente, consistente en transformar la conformación de la identidad humana, de un rasgo adquirido socialmente a una tarea individual, cuya responsabilidad recae sobre el propio individuo (Bauman, 2000, 2005; Castoriadis, 2008).

      Esta nueva faceta del proceso de individualización, en la cual, el interés general no es más que una junta de egoísmos, emociones colectivas y miedo al prójimo, implica una lenta y progresiva desintegración del concepto de ciudadanía, convirtiendo al individuo en su principal enemigo. Lo cual se relaciona en forma directa con la colonización de lo público por lo privado, en cuyo marco, “el arte de la vida pública queda reducido a la exhibición pública de los asuntos privados, al tiempo que los temas públicos que se resisten a esta reducción se transforman en algo incomprensible” (Bauman, 2000, p. 42).

      Según los parámetros de la nueva individualización, lo que anima a los individuos a entrar en la escena pública, no es la búsqueda de causas comunes, sino más bien una desesperada necesidad de interconectarse.

      Dichas prácticas refuerzan la contradicción, a partir de la instauración de conductas individuales desde las cuales se reclaman los derechos del Estado de bienestar, desde una forma de vida competitiva, estructurada sobre aspectos meritocráticos. Configurándose una nueva paradoja que involucra a ciudadanos en diferentes partes del globo, que reclaman por un bienestar individual, que se sostenga en los pilares de los derechos obtenidos colectivamente (Agoglia, 2020a).

    4. La naturalización de los procesos sociales y la socialización de los procesos naturales

      Por último, esta contradicción se relaciona con la conciencia de los límites y capacidades de la especie humana, que resulta del proceso de racionalización de la sociedad occidental. En este devenir, en particular a partir de la adopción de los principios de la selección natural por parte de la sociedad del

      siglo XIX, se van naturalizando los fenómenos sociales y socializando los fenómenos naturales (Agoglia, 2011).

      La percepción de los hechos sociales, no como producto de construcciones sociales, sino como resultado de procesos naturales, nos lleva a considerar dichos procesos como irreversibles. Esto genera una situación de angustia y de poca creatividad, que inmoviliza la acción, desde la resignación a que nada puede cambiarse, a la vez que agudiza comportamientos hedonistas y competitivos, en la mayoría de los casos en nombre de una libertad ficticia, desde la cual solo algunos tendrían derecho, naturalizando la desigualdad como un proceso irreversible (Ibídem).

      Por otro lado, la exacerbación de la racionalidad antropocéntrica, estructurada sobre una concepción de factibilidad prometeica, implica considerar a la especie humana por encima de sus propias capacidades, fruto de lo cual se socializan los procesos naturales, según las necesidades sociales, sin respetar ningún tipo de límites y sin entender que, no solo somos parte de la biosfera como una especia más, sino que nuestra existencia depende de ella (Riechmann, 2017, Agoglia, 2020a).

      Los argumentos sobre los que se sostienen estas relaciones, entran en profunda contradicción en el contexto pandémico, que pone de manifiesto la fragilidad y vulnerabilidad de la especie humana ante los riesgos provocados por un agente externo.

      A estas alturas, ya nadie ignora que la pandemia no es sólo una crisis sanitaria. Es lo que las ciencias sociales califican de «hecho social total», en el sentido de que convulsa el conjunto de las relaciones sociales, y conmociona a la totalidad de los actores, de las instituciones y de los valores. La humanidad está viviendo --con miedo, sufrimiento y perplejidad-- una experiencia inaugural. Verificando concretamente que aquella teoría del «fin de la historia» es una falacia… Descubriendo que la historia es, en realidad, impredecible. Nos hallamos ante una situación enigmática. Sin precedentes. Nadie sabe interpretar y clarificar este extraño momento de tanta opacidad, cuando nuestras sociedades siguen temblando sobre sus bases como frente a un cataclismo cósmico. Y no existen señales que nos ayuden a orientarnos. (Ramonet, 2020, p.2)


    5. Las dimensiones de un proyecto inacabado, en términos socioambientales

      Del análisis desarrollado, emergen algunas de las principales dimensiones sobre las que se erige el presente y que dan cuenta de su consideración como proyecto inacabado, entre las cuales destacan cuatro procesos concatenados: a) los efectos de la razón instrumental; b) la reconfiguración del mundo del trabajo; c) la conformación del sentido común hegemónico y, d) la construcción de los procesos identitarios, como las más representativas.

      Como resultado de los avances de la razón instrumental, el desarrollo científico tecnológico, si bien por un lado influye en el alargamiento de la vida, por otro implica una fuerte paradoja asociada al descarte no solo de los artefactos, a través de la obsolescencia programada, sino de la exclusión de los sujetos sociales que el sistema no reconoce como productivos (Agoglia, 2013, 2020a).

      El trabajo deja de ser el eje estructural sobre el que se organiza la vida social y se construye identidad. En el capitalismo tardío, el mundo del trabajo ingresa en un creciente proceso de automatización y de prevalencia del capital financiero sobre el capital industrial, lo cual lleva a una profunda concentración de la riqueza, en manos de un poder global extraterritorial que se fortalece a través de estrategias de nomadismo y huida de la responsabilidad, moviéndose y ubicándose en aquellos países o regiones donde la legislación resulta más laxa y la mano de obra más barata.

      Solamente el capitalismo ha llegado a ser una amenaza para la posibilidad de una existencia futura viable de la humanidad, por haber sido el primer sistema histórico que ha englobado toda la Tierra y que ha expandido la producción y la población más allá de todo lo previamente imaginable” (Wallerstein, 1997, p. 5).


      El sentido común dominante, instaurado a partir de la globalización, impone un patrón global, dejando fuera todas aquellas prácticas que no se asocien al consumo como fuente de felicidad. La imposibilidad

      del acceso a bienes materiales y simbólicos, según los parámetros hegemónicos, genera frustración y violencia de grandes porciones de la población mundial, históricamente despojadas de sus condiciones materiales básicas. Al tiempo que, una porción cada vez más restringida de la sociedad que cuenta con posibilidades sobradas de acceso a todo tipo de bienes, se refugia en entornos cerrados, estructurados simbólicamente sobre la xenofobia y el miedo al otro.

      Dicha imposición, conduce a que, un proceso social como la construcción de identidad, se perciba como un proceso individual, asociado a prácticas hedonistas y ambivalentes promovidas desde la comunicación globalizada. El lenguaje de las redes sociales instaurado sobre las posibilidades de la revolución tecnológica de fines del siglo XX, esgrime a la empatía y la positividad como categorías dominantes, diluyendo el valor de la crítica y el debate conceptual como prácticas argumentativas, promoviendo la cancelación de lo diferente, la violencia en el discurso y la polarización extrema como conductas hegemónicas (Bauman, 2010; Han, 2018; Agoglia 2020a).

      A partir de la conjunción de estas dimensiones, la desigualdad se naturaliza como un proceso irreversible, producto de acciones y decisiones de carácter individual. Esta naturalización lleva implícita una concepción de la existencia de un único mundo posible, que imposibilita pensar alternativas, y más aún, llevar adelante procesos de transformación social.

      Este patrón de consumo globalizado, refuerza la ruptura entre las condiciones materiales y subjetivas, ya que, si bien propone al consumo como único camino a la felicidad, operando desde el universo simbólico, los límites fácticos de las condiciones materiales de gran parte de la población global, profundizan la brecha entre ambas condiciones, a la vez que, la imposibilidad de seguir los mandatos del sistema, genera frustración y violencia (Bauman, 2000; Han, 2018).

      La ausencia de valores sólidos a los cuales aferrarse, característica de la modernidad en su etapa líquida, promueve que las personas se refugien en grupos estructurados sobre valores fluidos o pre-modernos tales como los movimientos anti-vacunas, terraplanistas, anti cuarentena, o de orden político o religioso de carácter conservador, con tintes xenófobos o mesiánicos, cuya radicalidad se recrudece a través del uso de las redes sociales (Agoglia, 2011; 2020a).


      Diagrama, Texto  Descrição gerada automaticamente com confiança média


      Fuente: Elaboración propia para el Ciclo de seminarios: “Ciencia y Tecnología en contexto” UNCUYO- TEC de Monterey, 2020.

      En términos ambientales, la profundización de la desigualdad como resultado de las posibilidades de acceso a los bienes naturales, el incremento del poder extraterritorial y sus implicancias sobre la concentración de la riqueza, la capitalización del Estado y las dificultades que esto trae aparejado para la definición de políticas públicas sobre la apropiación, el uso y distribución de los recursos naturales, destacan como algunas de las dimensiones más relevantes del contexto de profundización de la crisis socioambiental en el siglo XXI, sobre las cuales resulta necesario enfocar el debate teórico (Alimonda, 2016; Agoglia, 2020b, Barzola Elizagaray et al., 2023).

      Según Bauman, en la modernidad líquida, la aceleración del tiempo alcanza la máxima velocidad posible llegando a su límite natural. Al reducir el tiempo a la instantaneidad y al lograr desplazarse con la velocidad de la señal electrónica, el poder se vuelve extraterritorial, en la medida que ya no se encuentra atado a la resistencia del espacio (Bauman, 2000, 2010).

      El objetivo no es la conquista del territorio, sino la demolición de los muros que impiden el flujo de los nuevos poderes globales, “la guerra de hoy se parece cada vez más a la promoción del libre comercio mundial por otros medios” (Bauman, 2000, p.17).

      Los procesos de degradación ecológica y social aceleran su ritmo de destrucción en la medida que, se imponen y generalizan las tesis del neoliberalismo, se desregulan las actividades económicas del mercado global y los Estados pierden progresivamente su capacidad de control.

      Las nuevas estrategias de poder se identifican con las fuentes de incertidumbre, representadas por aquellos que consiguen mantener sus actos libres e impredecibles. El capital se convierte en algo volátil e inconstante, su extraterritorialidad le permite desplazarse libremente, constituyendo su liviandad la mayor fuente de dominación y el factor principal de división social (Bauman, 2000, p.130).

      Bajo estas nuevas condiciones, las pérdidas económicas y ambientales, son asumidas por los Estados nacionales, cuyas prácticas se ven condicionadas por los límites jurídico administrativos de cada territorio, configurándose una nueva distribución del poder de carácter extraterritorial (Agoglia, 2018).

      El poder extraterritorial, refiere a las formas de poder adoptadas por las corporaciones transnacionales, que operan en el contexto global por fuera de las trabas jurídico administrativas de los Estados, cuyo poder de acción sigue siendo territorialmente localizado (Bauman, 2000, Wallerstein, 1997).

      De forme particular, estas formas de poder aluden a las grandes corporaciones digitales y las transnacionales cuya actividad productiva opera sobre la explotación intensiva de recursos naturales, metalíferos, energéticos y alimenticios. Sus efectos sobre la agudización de la problemática ambiental, radica entre otros factores, en que las consecuencias ambientales de las acciones del poder extraterritorial, permanecen en el territorio donde impactan, debiendo los Estados asumir sus costos, desde una situación de fuerte desequilibrio, en beneficio de las grandes corporaciones transnacionales (Barzola Elizegaray et. al, 2023).

      Las consecuencias del poder extraterritorial global, impactan en los países cuyas economías dependen de modelos económicos de carácter extractivitas. En particular en los países latinoamericanos, históricamente estructurados sobre sistemas de acumulación caracterizados por el despojo material y simbólico, donde el poder extraterritorial, acrecienta el poder las burguesías locales, como consecuencia de la re-primarización de las economías, sostenidas por el monocultivo y la sobre explotación de los recursos naturales desde fines del Siglo XX.

      (…) a lo largo de la historia de Latinoamérica, los procesos de explotación social y apropiación ambiental se erigen sobre la interrelación de dominio de los hombres entre sí y de la sociedad sobre la naturaleza, pero fundamentalmente sobre la construcción del sentido común. (Agoglia, 2020b, p.159).


      El poder de los grupos concentrados locales, se sostiene a partir de los mecanismos institucionales y jurídicos, que el propio sistema forja para mantener y reproducir su situación. La concentración desmesurada de la riqueza en un porcentaje pequeño de la población, influye sobre la precarización de

      vastos sectores de la población imposibilitados de acceso a los bienes naturales y sobre las posibilidades de acción de los Estados nacionales cuya autoridad se debilita frente a las condiciones desiguales de intercambio impuestas por el poder extraterritorial de las corporaciones globales (Ídem).

      Este debilitamiento se traduce en dificultades para establecer modelos de organización social, cuyas bases se despojen de una actitud de dependencia colonial, en particular en lo referido a la implementación de políticas públicas que tracen el camino en cuanto a la definición del uso, explotación y distribución de sus recursos naturales (Alimonda, 2016; Agoglia, 2020b).


      Diagrama  Descrição gerada automaticamente


      Fuente: Elaboración propia para el Ciclo de seminarios: “Ciencia y Tecnología en contexto” UNCUYO- TEC de Monterey, 2020.


  3. El futuro como configuración incierta

Para profundizar en el último nivel de análisis, enfocado en la percepción del futuro como configuración incierta y, sobre las disyuntivas que se vislumbran como posibles alternativas. El debate se centra en torno al siguiente interrogante: ¿todavía somos capaces de imaginar nuevos escenarios, o hemos perdido la capacidad de vislumbrar un futuro diferente de un presente de inestabilidad, precarización e incertidumbre?

Conscientes de que reflexionar sobre las diferentes configuraciones que podría adoptar el futuro, resulta de mayor complejidad que debatir en clave histórica. Más aún si de lo que se trata es de imaginar alternativas con algún grado de viabilidad, considerando los estrechos márgenes de acción que se perciben en un presente articulado sobre el acrecentamiento de la desigualdad, el despojo material en términos socioambientales y una profunda devastación simbólica.

No obstante, a fin de conjeturar algunas respuestas, este apartado retoma algunas reflexiones realizadas por diferentes autores provenientes de las ciencias sociales y humanas, pero también de las ciencias físico naturales, tales como: Berardi (2016, 2019, 2020); Han (2018, 2020 y 2021); Haraway (2014, 2021) y; Harvey (2020), sobre el entramado material y simbólico del modelo tecnológico financiero, que dan cuenta de las condiciones de precariedad sobre las que se estructura el tiempo presente:

En este sentido, y con el objeto de complementar el análisis, a continuación, se presentan diversas posiciones que emergen de la teoría social y reflexionan sobre el derrotero pandémico, de cuyo análisis comparado se obtienen algunas claves interesantes para orientar el debate en términos globales, considerando el contexto de marcada incertidumbre que marca el inicio de la segunda década del siglo XXI.

Disyuntivas frente al proceso pandémico

La irrupción del contexto pandémico, más allá de su anticipación señalada en diversos estudios científicos2 que alertan sobre el aumento de virus de origen zoonótico, puso en jaque a la humanidad por más de un año y medio.

Tal como se observa en “Sopa de Wuhan” (2020), la fractura social producida por la emergencia de una pandemia de orden global, promueve el debate teórico en torno a diferentes miradas sobre el presente y diversas hipótesis sobre el futuro, así como sobre sus posibles disyuntivas.

Del análisis desarrollado, a continuación, se realiza una síntesis organizada sobre la base de cuatro posibles escenarios: uno de corte catastrofista, otro de carácter rupturista, uno de tendencia optimista y otro de enfoque neutral.

Las posiciones catastrofistas, avizoran un futuro de exclusión, de negación del otro y la conformación o la reafirmación de Estados totalitarios, estructurados sobre el miedo y la ciber-vigilancia como herramienta de dominio.

(…) hay una tendencia creciente a utilizar el estado de excepción como paradigma normal de gobierno…parecería que, habiendo agotado el terrorismo como causa de las medidas excepcionales, la invención de una epidemia puede ofrecer el pretexto ideal para extenderlas más allá de todos los límites…la limitación de la libertad impuesta por los gobiernos es aceptada en nombre de un deseo de seguridad que ha sido inducido por los mismos gobiernos que ahora intervienen para satisfacerla. (Agamben, 2020, p.7)


Por su parte desde el enfoque rupturista, la pandemia se plantea como el camino hacia el final de capitalismo, la instauración de una nueva racionalidad y la emergencia de relaciones sociales y ambientales más equitativas y de mayor equilibrio.


image

2 Entre otros, se destacan uno de 2007, de la revista Clinical Microbiology Reviews titulado 'Sars como un agente de infección emergente y reemergente' que describe cómo antes de la aparición del Sars, se conocían 12 coronavirus humanos o animales, como los mencionados NL63 y HKU1. Otro publicado en el año 2015 en Nature Medicine, titulado: ‘Un grupo de coronavirus de murciélago circulante similar al Sars muestra potencial para su aparición en humanos’, cinco años antes de la pandemia.

Desde esta perspectiva, el coronavirus perturba el buen funcionamiento del mercado mundial poniendo en evidencia la necesidad urgente de una reorganización de la economía global que ya no estará a merced de los mecanismos del mercado (Zizek, 2020).

(…) quizás otro virus ideológico, y mucho más beneficioso, se propagará y con suerte nos infectará: el virus de pensar en una sociedad alternativa, una sociedad más allá del estado-nación, una sociedad que se actualiza a sí misma en las formas de solidaridad y cooperación global. (p.22).


El coronavirus también nos obligará a reinventar el comunismo basado en la confianza en las personas y en la ciencia… la epidemia es una especie de ataque de la “técnica del corazón explosivo de la palma de cinco puntos” contra el sistema capitalista global, una señal de que no podemos seguir el camino hasta ahora, que un cambio radical es necesario (Zizek, 2020, p.p.22 y23).


Desde un enfoque similar, la pandemia se visibiliza como una posibilidad de relantizar la maquinara frenética de la economía mundial y el tránsito al estancamiento como una condición a largo plazo.

Las convulsiones recientes del cuerpo planetario quizás estén provocando un colapso que obligue al organismo a detenerse, a ralentizar sus movimientos, a abandonar los lugares abarrotados y las frenéticas negociaciones cotidianas. ¿Y si esta fuera la vía de salida que no conseguíamos encontrar, y que ahora se nos presenta en forma de una epidemia psíquica, de un virus lingüístico generado por un biovirus? (Berardi, 2020, p.37).


El efecto del virus radica en la parálisis relacional que propaga. Hace tiempo que la economía mundial ha concluido su parábola expansiva, pero no conseguíamos aceptar la idea del estancamiento como un nuevo régimen de largo plazo. Ahora el virus semiótico nos está ayudando a la transición hacia la inmovilidad” (Ibídem, p. 38).


Las posiciones optimistas, por su parte, proponen el rescate de lo común, el retorno de la solidaridad como valor y la posibilidad de un futuro diferente sustentado en un nosotros, que deviene de la certeza de que en un contexto de extrema gravedad nadie se salva solo. Desde una mirada que fluctúa entre el rupturismo y el optimismo, Berardi (2020) sostiene:

No podemos saber cómo saldremos de la pandemia cuyas condiciones fueron creadas por el neoliberalismo, por los recortes a la salud pública, por la hiperexplotación nerviosa. Podríamos salir de ella definitivamente solos, agresivos, competitivos. Pero, por el contrario, podríamos salir de ella con un gran deseo de abrazar: solidaridad social, contacto, igualdad. El virus es la condición de un salto mental que ninguna prédica política habría podido producir. La igualdad ha vuelto al centro de la escena. Imaginémosla como el punto de partida para el tiempo que vendrá. (p.54)


La imaginación es la energía renovable y desprejuiciada. No utopía, sino recombinación de los posibles. Existe una divergencia en el tiempo que viene: podríamos salir de esta situación imaginando una posibilidad que hasta ayer parecía impensable: redistribución del ingreso, reducción del tiempo de trabajo. Igualdad, frugalidad, abandono del paradigma del crecimiento, inversión de energías sociales en investigación, en educación, en salud. (Berardi, 2020, p. 54)


Por último, desde la perspectiva neutral, se plantea que la salida de la pandemia significará un refuerzo del statu quo, la profundización de la desigualdad y las condiciones actuales de vigilancia impuestas desde el mercado y las corporaciones digitales, con una descomunal ganancia de las elites globales concentradas. En esta línea, tal como señalan Buttler (2020) y Han (2020):

El virus por sí solo no discrimina, pero los humanos seguramente lo hacemos, modelados como estamos por los poderes entrelazados del nacionalismo, el racismo, la xenofobia y el capitalismo” (Buttler, 2020, p. 62).


El virus no vencerá al capitalismo. La revolución viral no llegará a producirse. Ningún virus es capaz de hacer la revolución. El virus nos aísla e individualiza. No genera ningún sentimiento colectivo fuerte. De algún modo, cada uno se preocupa solo de su propia supervivencia” (Han, 2020, p.110).

Paradójicamente, ni los avances científicos tecnológicos, ni los augurosos escenarios promovidos desde las corrientes del utopismo tecnológico3, pudieron evitar una situación de enorme vulnerabilidad social. Lo cual puso en evidencia que ni los Estados ni las corporaciones tecno-financieras globales contaban con herramientas suficientes para afrontar una crisis sanitara de tal envergadura.


Gráfico, Gráfico de pizza

Descrição gerada automaticamente


Fuente: Elaboración propia para el Ciclo de seminarios: “Ciencia y Tecnología en contexto” UNCUYO-TEC de Monterey, 2020.


A modo de síntesis

A partir del recorrido realizado, se esbozan algunas propuestas orientadas a disputar la construcción del sentido común dominante, identificado como el elemento fundamental sobre el cual orientar el camino hacia la conformación de una nueva organización social, estructurada sobre un equilibrio dinámico de las relaciones sociedad-naturaleza.

En tiempos de oscuridad conceptual, quizás de lo que se trata es de reconfigurar los interrogantes centrales sobre los que estructurar el debate, cabe entonces preguntarse: ¿de qué estrategias valerse para disputar la batalla del universo simbólico, considerando los recursos con que cuenta el poder global para lograr imponerse por sobre procesos de organización política de matriz inclusiva? (Agoglia, 2020b).

En primer lugar, se destaca la necesidad de desnaturalizar los procesos sociales, tomando conciencia de que la realidad se construye socialmente, y por tanto se puede rediseñar y volver a construir. En esta misma dirección, se propone recuperar la ética de lo colectivo, sobre la base de los principios de responsabilidad y precaución, conscientes de que la crisis socioambiental requiere una opción ética de largo alcance, que ubica al prójimo lejano en tiempo y espacio, en cuyo proceso la responsabilidad del conocer y no hacer, tiene mayores consecuencias que el hacer (Agoglia, 2012).


image

3 Entre ellas, el posthumanismo o transhumanismo, “supone un paso de la evolución natural a la evolución artificial, es decir, una mejora dirigida del proceso evolutivo natural. Frente al lenguaje simbólico natural, el lenguaje científico y sus aplicaciones tecnológicas permitirán mejorar al ser humano. En consecuencia, aparecerá un sujeto posthumano, más perfecto y feliz. El mundo artificial del posthumanismo tecnológico promete el bienestar y la superación de los límites impuestos por la naturaleza. (Fernández Mateo, 2021, en: Maure: 2021).

Redefinir los términos de una nueva organización social, estructurada según los principios del humanismo, no desde un carácter antropocéntrico, sino desde una concepción de respeto a la alteridad y de reconocimiento de la dependencia ecológica y los límites biofísicos.

Ser capaces de disputar el terreno y el discurso sobre el futuro, a aquellas posiciones que ven al progreso tecnológico unilineal como la única salida posible.

Proponer acciones tendientes a la revolución del uso del tiempo, revalorizando el uso lúdico sobe el productivo y rediseñar el espacio público como lugar de encuentro y debate sobre las necesidades colectivas, a partir de la reconfiguración del concepto de libertad como encuentro con el otro, y no como exacerbación de la individualidad (Han, 2018, 2020).

Resignificar la noción de placer como deseo satisfecho, la necesidad de recuperar los rituales y los procesos simbólicos, de manera de revertir los parámetros de una comunicación sin comunidad, característicos de las prácticas sociales mediadas por la digitalidad, definiendo a la comunidad como base de la felicidad (Han, 2021; Berardi, 2019).

Reinsertar los sistemas humanos en los sistemas naturales, o lo que es lo mismo, ajustar la interacción armónica entre tecnosfera y biosfera. lo que en un sentido amplio hace referencia a comprender los principios de funcionamiento eco-sistémicos y adoptarlos en el funcionamiento de los sistemas humanos de forma armónica con los sistemas naturales (Riechmann, 2016).

Reconfigurar el espacio público como lugar de encuentro y debate, reconectando las necesidades individuales con los intereses colectivos, recuperando el rol de la ciudadanía, “a partir del accionar del pensamiento crítico, cuyo principal objeto es hacer visibles aquellos dispositivos que dificultan la conformación de una sociedad en la que los individuos se perciban como parte de un objetivo común” (Agoglia, 2012, p.38).

De modo tal, de recuperar y revalorizar las claves que nos ofrece el pasado para entender el presente y anticiparnos al futuro, poniendo el acento en la imaginación como elemento clave para la implementación de estrategias de transición hacia relaciones de mayor justicia social y ecológica ya que, si bien el futuro no puede predecirse, si se puede configurar el futuro al que se quiere llegar (Agoglia, 2020 a, Riechmann, 2019).


Bibliografía

Adorno, T. y Horkheimer, M. (1944) Dialéctica del Iluminismo. Buenos Aires: Sudamérica.

Agamben, G. (2020) La invención de una epidemia. En P. Amadeo (ed.) Sopa de Wuhan. (1a. ed., pp. 17-21). s.l.: Editorial ASPO.

Agoglia, O. (2011) La crisis ambiental como proceso: un análisis reflexivo sobre su emergencia desarrollo y profundización desde la perspectiva de la teoría crítica. Saarbrucken: Lap Lambert Academic.

Agoglia, O. (2012) El Marco Categorial de la Crisis Ambiental en un Contexto Globalizado. Desbordes, 3, 25- 40. https://doi.org/10.22490/25394150.1190

Agoglia, O. (2013) La incidencia de la instrumentalización de la razón sobre la emergencia de la crisis ambiental. Anais VII Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental. Rio Claro: Universidade Nacional Estadual Paulista. http://www.epea.tmp.br/epea2013_anais/plenary/

Agoglia, O. (2018) Contribuciones de la teoría social crítica al análisis de la problemática ambiental y sus posibles alternativas de resolución en clave latinoamericana. Actas Primer Foro mundial de Pensamiento Crítico. Buenos Aires: CLACSO.

Agoglia, O. (2020a) Repensando la Crisis Socioambiental en Tiempos Fragmentados…el futuro llegó hace rato. Ciclo de seminarios virtuales Ciencia y Tecnología en Contexto Instituto Tecnológico de Monterrey - Grupo CTS ICB. https://www.youtube.com/c/TecdeMonterrey

Agoglia, O. (2020) ¿Civilización sin barbarie? Crónica de un eterno retorno. Reflexiones desde la corriente crítica latinoamericana. PAPELES, 150, 131-162. https://www.fuhem.es/2021/09/22/

Arenas, L.; Naredo, J. y Riechmann, J. (2022) Bioeconomía para el Siglo XXI. Madrid: Los libros de la catarata.

Alimonda, H. (2016) Notas sobre la ecología política latinoamericana: arraigo, herencias, diálogos. Ecología Política, 51, 36–42. http://www.jstor.org/stable/24894069

Barzola Elizagaray, P., Agoglia, O., Arcos, C., & Gelman, M. (2023). Autocontención y humanidad fronteriza: La propuesta de Riechmann contra el consumo desmedido y una humanidad en fuga. Prometeica - Revista De Filosofía Y Ciencias, (27), 71–87.

Bauman, Z. (2000) Modernidad Líquida. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica.

Bauman, Z. (2001) La globalización consecuencias humanas. México: Fondo de Cultura Económica. Bauman, Z. (2005) Ética posmoderna. Buenos Aires: Siglo XXI editores Argentina.

Bauman, Z. (2010) Mundo consumo: Ética del individuo en la aldea global. Buenos Aires: Paidós Contextos.

Beck, U. (1992) La sociedad del riesgo. Madrid: Siglo XXI editores España.

Berardi, B. (2016) Fenomenología del fin. Sensibilidad y mutación conectiva. Buenos Aires: Caja Negra. Berardi, B (2019) Futurabilidad. Buenos Aires: Caja Negra.

Berardi, B (2020) Crónica de la psicodeflación. En Amadeo, P. (ed.) Sopa de Wuhan. (1a. ed., pp. 35- 55). s.l.: Editorial ASPO.

Berguer, P. y Luckman, T. (1968). La construcción social de la realidad. Buenos Aires: Amorrortu.

Buttler, J (2020) El capitalismo tiene sus límites. En Amadeo, P. (ed.) Sopa de Wuhan. (1a. ed., pp. 59- 67). s.l.: Editorial ASPO.

Caride, J.A. y Meira, P. (2001) Educación ambiental y desarrollo humano. Madrid: Ariel.

Carson, R. (1962) Primavera Silenciosa. En Dobson, A. (ed). Pensamiento Verde. Una antología. Madrid: Trotta

Castoriadis, C. (2008) El mundo fragmentado. La Plata: Terramar. Commoner, B. (1973) El círculo que se cierra. Barcelona: Plaza y Janés.

Cheng, V., Lau, S. Woo, P. y Yung Yuen, K. (2007). Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus as an Agent of Emerging and Reemerging Infection. Clinical Microbiology Reviews, 660–694 doi:10.1128/CMR.00023-07

D’amico, P. y Agoglia, O. (2019) La cuestión ambiental en disputa. El ambientalismo hegemónico y la corriente ambiental crítica. Lecturas desde y para América Latina. Revista colombiana de sociología, 42(1), 97–116. https://doi.org/10.15446/rcs.v42n1.73247

Dobson, A. (2001) Pensamiento Verde. Una antología. Madrid: Trotta

Dobson, A. (2007) Environmental Citizenship: Towards Sustainable Development. Sustainable Development, 15, 276-285.

Estenssoro, F. (2014) Historia del debate ambiental en la política mundial 1945-1992. La perspectiva latinoamericana. Santiago de Chile: Instituto de Estudios Avanzados, Universidad Santiago de Chile.

Fernández Mateo, J. (2021) La técnica es el nuevo sujeto de la historia. Posthumanismo tecnológico y el crepúsculo de lo humano. Revista Iberoamericana de Bioética, DOI:10.14422/rib.i16.y2021.004.

García, C. (2023). Análisis curricular del plan de estudios de la carrera de Ingeniería en Recursos Naturales de la UNCUYO. bdigital.uncu.edu.ar

Han, B.C. (2018) Hiperculturalidad. Barcelona: Herder.

Han, B.C. (2020) La emergencia viral y el mundo de mañana. En Amadeo, P. (ed.) Sopa de Wuhan. (1a. ed., pp. 97-113). s.l.: Editorial ASPO.

Han, B.C. (2021) La expulsión de lo distinto. Barcelona: Herder

Haraway, D.J. (2014) Manifiesto para cyborgs. Buenos Aires: Puente aéreo.

Haraway, D.J. (2021) La pandemia reveló que es imposible separar naturaleza y sociedad. Diario La Jornada. Ciudad de México. https://Jornada.com.mx/notas/2021/02/05/cultura

Harvey, D. (2020) Política anticapitalista en tiempos de coronavirus. En Amadeo, P. (ed.) Sopa de Wuhan. (1a. ed., pp. 79-97). s.l.: Editorial ASPO.

Heidegger, M (1954) La pregunta por la Técnica. Espacio. 3(1), México: U. Autónoma de Puebla.

Hinkelammert, F. (2005) Hacia una Economía para la Vida. Costa Rica: Editorial Tecnológica de Costa Rica.

Horkheimer, M. (1947) Crítica de la Razón Instrumental. Buenos Aires: Ser. Informe IPCC (2023) https://www.ipcc.ch/languages-2/spanish/

Kapp, K. (1995) La ruptura ambiental, un desafío para las Ciencias Sociales. En Aguilera, F. Economía de los recursos naturales: un enfoque institucional. Madrid: Visor-Fundación Argentaria.

Leff, E. (2006) La ecología política en América Latina. Un campo en construcción. En Alimonda, H.

Los tormentos de la materia. Aportes para una ecología política latinoamericana. Buenos Aires: Clacso.

Leff, E. (2008) Ecología y capital. Racionalidad ambiental, democracia participativa y desarrollo sustentable. Ciudad de México: Siglo XXI.

Marcuse, H. (1964) El Hombre Unidimensional. Barcelona: Ariel.

Maure, G. (2021) Tecnociencia: ¿nuevos criterios de validación de verdad? Seminario abierto CTS Instituto Tecnológico de Monterrey/UNCUYO. https://youtu.be/bIlDHrUdx9g.

Mayorga, E. (2006) Teoría crítica y crítica política en la cuestión ambiental: problemas y perspectivas. En Alimonda, H. (Ed). Los tormentos de la materia. Aportes para una ecología política latinoamericana. Buenos Aires: CLACSO.

Meadows y Meadows (1972) Los Límites del crecimiento. México: Fondo de Cultura Económica.

Menachery, V., Yount, B. y Debbink, K. (2015) A SARS-like cluster of circulating bat coronaviruses shows potential for human emergence. Nat Med 21, 1508–1513 https://doi.org/10.1038/nm.3985

Naredo, J. (2015) Raices economicas del deterioro ecológico y social, Madrid: Siglo XXI O´Connor, J (2001). Causas naturales. Ensayos de marxismo ecológico. Buenos Aires: Siglo XXI.

OXFAM (2022) Índice de compromiso con la reducción de la desigualdad. https://www.oxfam.org/es/informes/el-indice-de-compromiso-con-la-reduccion-de-la-desigualdad

Porto Gonçalvez, C. (2007) Educação, meio ambiente e globalização. En Perspectivas de Educação Ambiental na Região Ibero-americana. Río de Janeiro.

Ramonet, I. (2020) Un hecho social total. Le monde diplomatique. https://www.eldiplo.org/wp- content/uploads/2020/04

Riechmann, J. (2005) ¿Cómo cambiar hacia sociedades sostenibles? Reflexiones sobre biomímesis y autolimitación. Isegoría, 32, 95-118. | DOI: 10.3989/isegoria.2005.i32.459

Riechmann, J. (2009) Tres principios básicos de justicia ambiental. Barcelona: Universidad de Barcelona.

Riechmann, J. (2014) Un buen encaje en los ecosistemas. Segunda edición (revisada) de Biomímesis. Madrid: Libros de la Catarata.

Riechmann, J. (2017) Ética extramuros. Madrid: Universidad Autónoma de Madrid.

Riechmann, J. (2019) Otro fin del mundo es posible, decían los compañeros. Sobre transiciones ecosociales, colapsos y la imposibilidad de lo necesario. Barcelona: MRA.

Riechmann, J. (2020) Ecosocialismo descalzo. Madrid: Los libros de la Catarata.

Riechmann, J. (2022) Simbioética: homo sapiens en el entramado de la vida. Madrid: Los libros de la Catarata.

Rougen, G. (1971) The Entropy Law and the Economic Process. Cambridge: Harvard University Press.

Rockström, J., Gupta, J., Qin, D. et al. (2023) Safe and just Earth system boundaries. Nature, 619, 102- 111.

Wallerstein, I. (1997) El futuro de la civilización capitalista. Barcelona: Icaria

Wallerstein, I. (2006) Después del desarrollismo y la globalización, ¿qué? Polis, 13. http://journals.openedition.org/polis

Zizek, S. (2020). El coronavirus es un golpe al capitalismo a lo Kill Bill. En Amadeo, P. (ed.) Sopa de Wuhan. (1a. ed., pp. 21-29). s.l.: Editorial ASPO.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15280


O DESENVOLVIMENTO REGIONAL COMO EIXO ESTRUTURANTE DOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA


REGIONAL DEVELOPMENT AS A STRUCTURING AXIS OF THE FEDERAL INSTITUTES OF EDUCATION, SCIENCE, AND TECHNOLOGY


EL DESARROLLO REGIONAL COMO EJE ESTRUCTURAL DE LOS INSTITUTOS FEDERALES DE EDUCACIÓN, CIENCIA Y TECNOLOGÍA


Márcio Rogério Olivato Pozzer

(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil)

márcio.pozzer@osorio.ifrs.edu.br


Roberta dos Reis Neuhold

(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil)

roberta.neuhold@alumni.usp.br

Recibido: 30/06/2023 Aprobado: 23/11/2023


RESUMO

Este trabalho discute o projeto de desenvolvimento presente na política federal de educação profissional e tecnológica brasileira, inscrito na lei de criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia de 2008. Parte da hipótese de que o desenvolvimento regional se tornou a coluna vertebral dessa política pública, que destacou a importância dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais no processo de expansão e interiorização da educação profissional. A partir de pesquisa documental sobre os processos legislativos, o estudo mapeia a construção do projeto de desenvolvimento durante a formulação, a tomada de decisão e a implementação da política pública. Com o uso de técnicas associadas à análise de conteúdo e o cruzamento de dados referentes à população dos municípios-sede dos novos campi, confirma a hipótese inicial ao reunir evidências sobre o enfoque comunitário e sustentável alinhado ao desenvolvimento regional endógeno inerente ao projeto que deu origem aos Institutos Federais. Conclui que, por um lado, a intersetorialidade da política driblou a cultura bacharelesca e o desprestígio que a educação profissional ocupa no país. Também ampliou a capilaridade para os pequenos municípios, sendo que 58,8% dos 483 novos campi foram instalados em localidades com menos de 100 mil habitantes. Por outro lado, a cultura organizacional preexistente e a carência de espaços institucionais de governança resultaram em baixa interação dos campi com o território, estabelecendo um frágil e descontínuo elo com o desenvolvimento regional.

Palavras-chave: desenvolvimento regional. desenvolvimento sustentável. pequenas cidades. educação profissional e tecnológica. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia.


ABSTRACT

image

This article discusses the development project present in the federal policy for professional and technological education in Brazil, inscribed in the law creating the Federal Institutes.

The central hypothesis was that regional development became the backbone of that public policy, which highlighted the importance of local productive, social, and cultural arrangements in the process of expansion and internalization of professional education. It concluded that, on the one hand, the intersectionality of the policy circumvented the baccalaureate culture and the discredit that professional education occupies in the country. It also expanded its reach to small municipalities, with 58.8% of the 483 new campi being installed in locations with less than 100,000 inhabitants. On the other hand, the pre-existing organizational culture and the lack of institutional spaces for governance resulted in low interaction between the campi and the territory, still establishing a fragile and discontinuous link with regional development.

Keywords: regional development. sustainable development. small cities. vocational education and training. Federal Institute of Education, Science and Technology.


RESUMEM

Este artículo discute el proyecto de desarrollo presente en la constitución de la política federal para la educación profesional y tecnológica en Brasil, inscrita en la ley de creación de los Institutos Federais. La hipótesis central fue que el desarrollo regional se convirtió en la columna vertebral de esa política pública, que destacó la importancia de los arreglos productivos, sociales y culturales locales en el proceso de expansión e interiorización de la formación profesional. Concluyó que, por un lado, la interseccionalidad de la política soslayó la cultura del bachillerato y el desprestigio que ocupa la formación profesional en el país. También amplió su alcance a municipios pequeños, instalándose el 58,8% de los 483 nuevos campi en localidades de menos de 100.000 habitantes. Por otro lado, la cultura organizacional preexistente y la falta de espacios institucionales de gobernabilidad resultaron en una baja interacción entre los campi y el territorio, estableciéndose aún un vínculo frágil y discontinuo con el desarrollo regional.

Palabras clave: desarrollo regional. desarrollo sostenible. educación y formación técnica y profesional. ciudades pequeñas. Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología.


Introdução

Em 2008, a Lei nº 11.892 instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e, atrelados a ela, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Aquele marco legal constituiu uma política intersetorial complexa, engendrando uma expansão e interiorização da educação profissional e tecnológica brasileira inédita até então: se em quase um século de história a educação profissional federal havia se estruturado em 140 unidades (Exposição de Motivo Interministerial nº 00118/2008/MP/MEC, 2008), em 2020 já ultrapassava 654 campi (Plataforma Nilo Peçanha, 2021), além de ter diversificado a oferta educativa (abarcando cursos técnicos de nível médio, tecnológicos, bacharelados, licenciaturas e pós-graduações) e ampliado suas finalidades e objetivos (articulando ensino, pesquisa e extensão ao desenvolvimento regional).

Qual era o projeto inscrito naquela política de educação profissional que arquitetou uma ambiciosa expansão e interiorização? Esta é a questão central que permeia o presente trabalho e que se articula a um conjunto de quatro perguntas auxiliares com suas respectivas hipóteses enunciadas a seguir.

A primeira pergunta diz respeito ao caráter inovador da política pública, com atenção especial direcionada, neste artigo, aos Institutos Federais. O que estava em curso com o processo de expansão? Trabalhou-se com a hipótese de que o caráter inovador dos Institutos Federais se assentou na centralidade do desenvolvimento regional perpassando suas finalidades e objetivos. Daqui se desdobrou a segunda pergunta: qual foi o projeto de desenvolvimento regional inscrito no processo de criação dos

Institutos Federais? A hipótese era que o processo que deu origem aos Institutos Federais representou a mudança de perspectiva da educação profissional brasileira, pautada historicamente por demandas de mercado (Santos et al., 2020), para uma concepção centrada no desenvolvimento regional endógeno.

Em terceiro lugar, questionava-se qual foi o perfil de cidades atendidas na expansão da Rede Federal. Cabe esclarecer que as unidades da rede federal1 de educação profissional instaladas no Brasil entre 1909 e 2002 atendiam, predominantemente, duas configurações territoriais: de um lado, centros urbanos constituídos por capitais (centros administrativos) e/ou polos industriais ou econômicos de grande porte, sendo que essas duas características coincidiam na maior parte dos casos; de outro lado, áreas rurais, em pequenos municípios, berço das escolas técnicas agrícolas instaladas em fazendas-modelo, incorporadas à rede de escolas profissionais federais a partir de maio de 1967 (Decreto nº 60.731, 1967). Houve, portanto, ao longo da história da educação profissional brasileira, uma cisão entre campo e cidade, sendo essa última associada a regiões metropolitanas de perfil industrial. Formulou-se a hipótese de que o projeto, gestado a partir de 2003, inaugurou uma política de educação profissional que passou a contemplar pequenos e médios municípios sem, necessariamente, perfil industrial.

Por fim, indagava-se em que medida a proposta inscrita na lei de criação dos Institutos Federais vem se traduzindo em ações e resultados. A hipótese era a de que, a despeito do novo desenho institucional, os Institutos Federais tenham sido estruturados, na fase de implementação, nas bases de instituições preexistentes, seguindo atrelados, quase que exclusivamente, à cultura de uma escola técnica.

O artigo inicia com uma breve introdução aos termos e metodologias de análise para, então, sintetizar o referencial teórico empregado. Na seção seguinte, apresenta e discute os resultados, contemplando desde a formulação da política pública e a lei de criação dos Institutos Federais até a implementação da política. Nesse último caso, aborda o alcance dos Institutos Federais nas pequenas cidades, bem como suas dificuldades e potencialidades. Finalmente, nas considerações finais, elenca algumas alternativas com potencial de transformar as intenções gerais inscritas na arquitetura dos Institutos Federais em ações e resultados.


Termos e metodologias de análise

Os paradigmas do desenvolvimento endógeno e exógeno e a noção de ciclo deliberativo das políticas públicas compuseram o roteiro analítico deste estudo. No primeiro caso, foram reunidas referências que permitiram associar a proposta inscrita na lei de criação dos Institutos Federais a um projeto de desenvolvimento regional ou local endógeno. Quanto ao ciclo deliberativo das políticas públicas, orientou a delimitação do escopo de análise aos quatro estágios iniciais, percorrendo a formação da agenda, a identificação e a avaliação de alternativas, a tomada de decisão e a implementação.

A pesquisa de caráter documental possibilitou a ampliação do entendimento das questões de formulação, tomada de decisão e implementação dos Institutos Federais. Remetendo às três variáveis da pesquisa documental identificadas por Marconi e Lakatos (2015), fez-se uso de fontes primárias (documentos oficiais), escritas (na forma de leis, decretos, portarias, planos, anais de conferências e dados estatísticos) e contemporâneas (convergindo para a primeira década dos anos 2000). Os documentos foram recolhidos em acervos públicos digitais, com destaque para a página eletrônica da Presidência da República (que reúne a legislação brasileira), para a Plataforma Nilo Peçanha (ambiente virtual com estatísticas oficiais da Rede Federal) e para os sítios eletrônicos de cada um dos Institutos Federais.

Atenção especial foi direcionada à lei de criação dos Institutos Federais com vistas a extrair a concepção de desenvolvimento regional nela presente e sua recorrência. Para tanto, destacaram-se dois trechos da Lei nº 11.892/2008, que versam diretamente sobre as finalidades e características (Art. 6º) e os objetivos


image

1 Neste trabalho, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia são nomeados, abreviadamente, como “Institutos Federais”. No mesmo sentido, refere-se à Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica como “Rede Federal”. Cabe esclarecer que, antes de 2008, já havia um conjunto de instituições federais de educação profissional, ao qual se faz alusão eventualmente com o termo “rede federal”, em letras minúsculas.

(Art. 7º). Para constituir uma matriz analítica, procedeu-se com o uso de técnicas associadas à análise de conteúdo (Bardin, 2022): a pré-análise permitiu estabelecer categorias associadas ao desenvolvimento regional e formular as hipóteses iniciais; a fase de exploração do material possibilitou a identificação de unidades de análise e o seu agrupamento em categorias específicas associadas tanto com o desenvolvimento regional quanto com o tripé do ensino, da pesquisa e da extensão; já a fase de tratamento e interpretação envolveu a formulação de sínteses (algumas na forma de quadros e figuras2) e a própria apresentação e discussão dos resultados em seções específicas deste artigo. Cabe ainda mencionar que essa última fase recorreu à contextualização histórica e sociocultural para elucidar as concepções de desenvolvimento impressas na arquitetura da referida política pública.

Por fim, procedeu-se com o levantamento de dados históricos sobre a origem de todos os campi dos Institutos Federais. Partiu-se de uma listagem organizada pelo Ministério da Educação (MEC), consultada em abril de 2023, distribuindo os 38 Institutos Federais por estados e inventariando cada um dos seus campi. A lista foi atualizada tendo como base os dados da Plataforma Nilo Peçanha (2021), computando ao final 589 campi3. Dali se produziu um banco de dados com todos os Institutos Federais e seus respectivos campi, especificando ano de inauguração e cidade-sede. Com relação a essa última variável, procedeu-se com o cruzamento de dados oriundos da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essencialmente no que diz respeito à população de cada município-sede dos campi dos Institutos Federais. Para os fins deste estudo, os municípios foram classificados a partir da população, sendo divididos entre pequenos (com até 100 mil habitantes), médios (entre 100 e 500 mil habitantes) e grandes (com mais de 500 mil habitantes).


Referencial teórico

As teorias do desenvolvimento regional exógeno marcaram as políticas públicas keynesianas do pós- Segunda Guerra Mundial. Trouxeram como prerrogativa a potencialidade exógena de uma ou mais atividade econômica principal a ser instalada em determinada região e com capacidade de difundir certo dinamismo para outros setores da economia, engendrando o crescimento socioeconômico. Abordadas a partir de diferentes modelos, aquelas teorias associaram as atividades exportadoras de uma região à produtividade e aos níveis de emprego regional (North, 1977). Também redirecionaram o desenvolvimento à presença de uma indústria motriz que dinamiza certa região e atrai outras atividades econômicas (Boudeville, 1973; Perroux, 1978), à capacidade de investimento e à cultura empreendedora (Hirschman, 1984) ou à existência de processos circulares e cumulativos resultantes de ciclos virtuosos (Myrdal, 1968).

Aqueles diferentes modelos das teorias do desenvolvimento exógeno dividiram atenção, a partir dos anos 1980, com o paradigma do desenvolvimento endógeno. Para esse, o desenvolvimento não seria determinado pelo funcionamento das livres forças do mercado ou, exclusivamente, pelas políticas de planejamento territorial oriundas do poder central. Antes, aspectos intrínsecos ao território ou à capacidade de fazer uso de suas potencialidades para inseri-lo em uma dinâmica econômica mais global criariam condições para a implementação de políticas ativas de desenvolvimento (Amaral, 2001), provenientes de diferentes estratégias.

Entre as variadas abordagens (Krugman, 1992; Piore & Sabel, 1990; Maillat, 1995; Perroux, 1978; Porter, 1993), interessa recuperar a contribuição de Putnam (2006) ao sublinhar aspectos políticos, sociais e culturais envolvidos na formação de comunidades cívicas. Para ele, tais comunidades seriam o próprio substrato para o desenvolvimento regional na medida em que assegurariam a existência de valores éticos, de capacidade de associação, de grau de confiança e de consciência cívica dos indivíduos para com os problemas comunitários. Quanto às teorias dos campos de Pierre Bourdieu (1983, 2004) que identificaram as forças divergentes que disputam a imposição de visões de mundo em variados


image

2 Ver Quadro 1 e Figura 2, que registram o esforço de síntese a partir da matriz analítica.

3 Excluiu-se da contagem os dez centros de referência listados como campi do Instituto Federal do Amapá (IFAP), Baiano (IF Baiano), do Espírito Santo (IFES), do Maranhão (IFMA), do Norte de Minas Gerais (IFNMG), do Sul de Minas Gerais (IF Sul de Minas), Fluminense (IFF), Sul Rio-Grandense (IFSul), de Santa Catarina (IFSC) e de Tocantins (IFTO).

campos de ação (como o cultural, o científico, o econômico, o social, o político etc.), elas inspiraram abordagens como a de Fligstein (2001), que atribuiu protagonismo à natureza da cooperação dos coletivos sociais no território.

Merece ainda ser ressaltada a perspectiva do desenvolvimento sustentável que ganhou destaque a partir do final do século XX. Ao inserir a preocupação em não comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades, Ignacy Sachs (1993) adotou um paradigma holístico dos problemas da sociedade, sem focar apenas na gestão dos recursos naturais. Para ele, o alcance da sustentabilidade pressupunha o protagonismo do território, exigindo o desenvolvimento de novas institucionalidades que contemplassem cinco dimensões do desenvolvimento sustentável: ambiental, cultural, econômica, social e territorial.

No caso brasileiro, o processo de redemocratização – que culminou na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 –, o avanço na estabilidade macroeconômica na década de 1990 e, sobretudo, a intensificação do protagonismo estatal nas políticas sociais a partir dos anos 2000 encontraram nas teorias do desenvolvimento endógeno as bases conceituais para a formulação e a implementação de políticas públicas que objetivam o desenvolvimento regional.

Abramovay (2011) localizou, no início da década de 1980, a proeminência, no Brasil, das perspectivas endógenas, nomeadas pelo autor como “abordagem territorial do processo de desenvolvimento”. Segundo o autor, a natureza da cooperação entre os diferentes atores sociais de um determinado território e o seu vínculo com os sistemas produtivos passaram à época a importar na compreensão da dinâmica de desenvolvimento regional. Ainda sob o olhar de Abramovay (2011), convém pontuar algumas virtudes do uso da noção de território, a começar por extrapolar a análise puramente setorial (por exemplo, estudar as regiões rurais exclusivamente a partir da agricultura e dos agricultores) e, consequentemente, redefinir as dimensões do território (compreendendo-o pelas interações sociais e não pelos limites físicos). Outra vantagem reside em considerar a multidimensionalidade dos fenômenos e evitar o reducionismo do processo de desenvolvimento ao crescimento econômico (Webster, 2004). O uso da noção de território permite, ainda, o estudo empírico dos diversos atores (dada a variedade cultural, política, social e econômica) e dos próprios mecanismos de governança pública estruturados, por exemplo, em conselhos de desenvolvimento.

Com relação aos mecanismos de governança, Abramovay (2011, p. 2) indaga se são “[...] capazes de oferecer oportunidades de inovação organizacional que estimule o empreendedorismo privado, público e associativo em suas regiões respectivas”. Para ele, se aliados à noção de território, tais mecanismos possibilitam interpretar a relação entre sistemas sociais e ecológicos como potencial lócus de cooperação entre Ciências Sociais e Naturais (Abramovay, 2011), introduzindo novas estruturas e novos processos de gestão, a partir de uma democracia mais inclusiva (Nabatchi, Sancino & Sicilia, 2017).

Essas concepções de governança territorial interessam particularmente a este trabalho. Associadas a mudanças nas dimensões sociopolítica, econômico-financeira e institucional-administrativa, elas facilitam a promoção de processos democráticos, articulando Estado, iniciativa privada e sociedade civil na coprodução e cogestão de soluções e no incremento de espaços públicos de participação e controle social (Dagnino, Olivera & Panfichi, 2006). É, portanto, a elas e ao paradigma endógeno de desenvolvimento que o presente estudo se remete para discutir concepções de desenvolvimento e de governança territorial inscritas no processo de fundação e interiorização dos Institutos Federais.


Resultados e discussão

A criação de uma rede de escolas técnicas no Brasil em 1909 (Santos, 2016; Cunha, 2005; Pozzer & Neuhold, 2019) esteve predominantemente vinculada a centros urbanos ou administrativos, no geral (potenciais) núcleos da atividade industrial. Não à toa, as escolas foram distribuídas pelos 19 estados então existentes, mais especificamente pelas 18 capitais, tendo ainda uma unidade na cidade fluminense de Campos, no Rio de Janeiro. Aquela iniciativa alinhava-se à expectativa de industrializar e urbanizar

o país, ainda predominantemente agrário. Daí os esforços para educar a população residente nas capitais, mais restritamente a massa de homens brancos e pobres, à qual foi direcionada à educação profissional (Santos, 2016; Cunha, 2005).

Quase 60 anos depois, o Decreto nº 60.731 transferiu para o Ministério da Educação os órgãos de ensino profissional agrícola do Ministério da Agricultura, integrando-os ao conjunto de instituições voltadas à educação profissional formadas, até então, por escolas técnicas industriais. A rede de escolas federais passou a totalizar 60 das unidades que iriam, mais tarde, fazer parte dos Institutos Federais. É necessário pontuar que aquele lento processo de expansão das unidades foi interrompido pela promulgação da Lei nº 8.948, de 1994, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira), quando a União foi proibida de criar novas instituições de educação profissional, a não ser que houvesse parceria com outras instituições (Lei nº 8.948, 1994).

No início dos anos 2000, a política implementada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores) representou um divisor de águas na história da educação profissional. Além de ter revertido o papel da União no que diz respeito à oferta da educação profissional (ao dar nova redação ao Art. 3 da Lei nº 8.948/1994, e admitir o protagonismo do Governo Federal na criação de novas unidades), também implementou um processo amplo de expansão e de interiorização por meio dos Institutos Federais. Outro aspecto a ressaltar diz respeito à ruptura com a dualidade urbano rural que fizera parte da estruturação da rede desde a década de 1970: de um lado, escolas técnicas industriais nos grandes centros urbanos; de outro, as escolas técnicas agrícolas no campo. Ao se expandirem para pequenos e médios municípios, incluindo zonas urbanas sem perfil industrial, os Institutos Federais romperam com a dualidade “urbano ou rural”.

Convém pontuar que a construção dos Institutos Federais se deu em um contexto de disputas em torno da hegemonia do campo da educação profissional e tecnológica (Frigotto, Ciavatta & Ramos, 2005). Não é pretensão deste trabalho esmiuçar tais disputas, mas interessa particularmente mapear as perspectivas ao redor do desenvolvimento regional que permearam o debate público e impactaram a formulação das propostas e a tomada de decisão por parte de gestores e legisladores.


A formulação da política pública

A centralidade do desenvolvimento regional endógeno na arquitetura legislativa dos Institutos Federais pode ser recuperada em um conjunto de documentos produzidos a partir de 2004 que culminaram na Lei nº 11.892, de 2008. Esses documentos são sintetizados na Figura 1 e detalhados ao longo desta seção.

Figura 1: Principais documentos que inseriram a preocupação com o desenvolvimento regional endógeno na política federal de educação profissional e tecnológica – Brasil, 2004 a 2008


C:\Users\Usuario\Downloads\Linha do tempo.pptx.jpg


Fonte: Elaborado pelos autores.


A Portaria Interministerial nº 200, de agosto de 2004, criou o Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais (APL), cuja atribuição era “[...] elaborar e propor diretrizes gerais para a atuação coordenada do governo no apoio a arranjos produtivos locais em todo o território nacional” (Portaria Interministerial nº 200, 2004). Aquele grupo contou desde o início com a participação do Ministério da Educação.

No ano seguinte, o Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica (Fase 1) manifestava a preocupação com a formação integral dos estudantes. Apontava, timidamente, para uma perspectiva de redução das desigualdades, desenvolvimento sustentável, certo comprometimento com os arranjos produtivos locais e integração com outras políticas voltadas para o desenvolvimento do país. Todavia, o documento deixa explícito que o seu objetivo específico era “[...] implantar Escolas Federais de Formação Profissional e Tecnológica [...] cujos cursos estejam articulados com as potencialidades locais de mercado de trabalho” (Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica, 2005), o que transparece que a perspectiva do desenvolvimento endógeno ainda estava sendo gestada.

A incorporação da pauta do desenvolvimento regional ganhou relevo a partir da realização da Segunda Conferência Brasileira de APLs, ocorrida no segundo semestre de 2005. Organizada pelo Grupo de Trabalho Permanente para APLs, o objetivo principal da conferência era aprimorar as políticas públicas e estimular o desenvolvimento local, definindo como dois de seus eixos estruturantes as questões envolvidas na formação e capacitação dos trabalhadores e na geração de tecnologias e inovações (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia [Inmetro], 2023).

Os primeiros registros da convergência entre a expansão da educação profissional e a perspectiva do desenvolvimento regional remetem à Primeira Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica (realizada em novembro de 2006, em Brasília), precedida pelas Conferências Estaduais (nos 26 estados e no Distrito Federal, entre os meses de maio e junho de 2006). À época, a Primeira Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica contou com a participação de mais de dez mil pessoas, representando redes de ensino (estaduais, municipais, federais e privadas), sindicatos, educadores e estudantes (Ministério da Educação [MEC], 2007). Cerca de 900 delegados participaram da Conferência Nacional, cujo tema geral foi “Educação profissional como estratégia para o desenvolvimento e a inclusão social”. Um dos objetivos definidos pelo regimento da conferência era

“[...] discutir o papel da Educação Profissional e Tecnológica no desenvolvimento nacional e nas políticas de inclusão social, observando as realidades regionais” (MEC, 2007).

A centralidade do desenvolvimento regional na política de educação profissional e tecnológica começou a ganhar institucionalidade com o Decreto nº 6.095, de 24 de abril de 2007, que objetivava estabelecer diretrizes para o processo de integração de instituições federais de educação tecnológica, para fins de constituição dos Institutos Federais. No primeiro parágrafo do Art. 4º, o referido decreto determinou a vocação das novas instituições e o que deveria estar contemplado no Plano de Desenvolvimento Institucional. Dos sete incisos, cinco contemplam tais termos:

  1. ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades, formando e qualificando profissionais para os diversos setores da economia, em estreita articulação com os setores produtivos e a sociedade;


  2. desenvolver a educação profissional e tecnológica, como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais;


  3. orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico no âmbito de atuação do IFET [Instituto Federal];


  4. constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica;


  5. qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino;


  6. oferecer programas de extensão, dando prioridade à divulgação científica; e


  7. estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico (Decreto nº 6.095/2007, grifo nosso).


A Chamada Pública de Propostas para Apoio ao Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica (Fase 2) já incorporou e deu projeção à perspectiva do desenvolvimento regional endógeno. Definiu que um dos critérios para a instalação das novas unidades seria a proximidade aos arranjos produtivos locais instalados e em desenvolvimento. Caberia a elas dar “[...] suporte ao desenvolvimento da atividade produtiva, oportunidades de geração e disseminação de conhecimentos científicos e tecnológicos e estímulo ao desenvolvimento socioeconômico em níveis local e regional” (Chamada pública MEC/SETEC nº 001, 2007, p. 1). O objetivo específico da política pública seria a “[...] conjugação de esforços no sentido de promover o desenvolvimento regional, os arranjos produtivos locais, a responsabilidade social e a interação com os setores produtivos do país” (Chamada pública MEC/SETEC nº 001, 2007, p. 2). Havia ainda toda a preocupação em reduzir as desigualdades regionais, prevendo a “[...] distribuição territorial equilibrada das novas unidades de ensino” e a “[...] cobertura do maior número possível de mesorregiões em cada Unidade da Federação” (Chamada pública MEC/SETEC nº 001, 2007, p. 1).

O compromisso dos Institutos Federais com o desenvolvimento regional fica mais evidente na Exposição de Motivo nº 00118/2008/MP/MEC, encaminhada em 19 de junho de 2008 ao presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Nele, os signatários – o ministro da Educação, Fernando Haddad, e do Planejamento, Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo – submeteram o projeto de lei acerca da criação dos Institutos Federais à apreciação do presidente. O texto justifica a importância das novas instituições a partir do compromisso político assumido pelo chefe do Executivo de implantar escolas técnicas em cidades-polos do país vinculadas às estratégias de desenvolvimento socioeconômico sustentável:

[...] Ao inaugurar seu segundo mandato, Vossa Excelência [presidente da República] assume publicamente o compromisso de implantar uma escola técnica em cada cidade pólo do país, vinculando a oferta pública de educação profissional às estratégias de desenvolvimento socioeconômico sustentável. Neste contexto,

se propõe a implantação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Exposição de Motivo Interministerial nº 00118/2008/MP/MEC, 2008).


O documento do MEC e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão atribuiu um papel estratégico a ser cumprido pelos Institutos Federais em um projeto de desenvolvimento que estaria em curso. Poderiam “[...] dotar o país das condições estruturais necessárias a um desenvolvimento socioeconômico com justiça social, equidade, competitividade econômica e geração de novas tecnologias” (Exposição de Motivo Interministerial nº 00118/2008/MP/MEC, 2008).

Vale apontar que a concepção presente no documento não compreende o desenvolvimento regional como a consequência indireta de uma política educacional a ser implementada pelos Institutos Federais, mas sim como resultado de esforços institucionalizados e conjugados coordenados pelas novas instituições e em consonância com os arranjos produtivos locais:

[...] A conjugação de esforços e de capacidades institucionais propiciará as condições para a consecução dos objetivos traçados para o novo ente, em cuja missão estão destacadas as seguintes ações: ofertar educação profissional e tecnológica, como processo educativo e investigativo, em todos os seus níveis e modalidades, sobretudo de nível médio; orientar a oferta de cursos em sintonia com a consolidação e o fortalecimento dos arranjos produtivos locais; estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo e o cooperativismo (Exposição de Motivo Interministerial nº 00118/2008/MP/MEC, 2008).


A ideia de conjugar esforços e capacidades institucionais visava enfrentar problemas políticos, econômicos, sociais e culturais complexos, que iam muito além do já difícil objetivo do crescimento econômico. É verdade que tal política se inseria em uma dinâmica político-governamental que não se propunha a enfrentar o conflito capital/trabalho, ou seja, não priorizava ações que compreendessem os problemas de desenvolvimento como produtos de processos que se desenrolam, objetivamente, a partir das relações de produção capitalista. Veio do entendimento das questões do desenvolvimento a partir da expansão de liberdades substantivas (Sen, 2010). Assim, a concepção de desenvolvimento que permeou o processo de criação dos Institutos Federais integrou questões políticas, sociais e culturais às econômicas, estabelecidas na perspectiva de remover fontes de privação de liberdade, como a pobreza, a carência de oportunidades econômicas e a negligência dos serviços públicos, mas não a de mudar as relações de produção.


A lei de criação dos Institutos Federais

As preocupações com o desenvolvimento regional foram impressas na Lei nº 11.892/2008 e constam de maneira explícita nas duas seções que abordam, primeiramente, as finalidades e as características e, em seguida, os objetivos dos Institutos Federais. O Art. 6º detalhou em nove incisos tais finalidades e características. Desses, seis mencionam diretamente aspectos que incidem sobre o desenvolvimento regional atrelado ao tripé do ensino, da pesquisa e/ou da extensão (Figura 2).

Figura 2: Recorrência de termos associados ao desenvolvimento regional presentes nas finalidades e características dos Institutos Federais


Tabela  Descrição gerada automaticamente


Fonte: Elaborado pelos autores a partir da Lei nº 11.892/2008.


Com relação ao ensino, o desenvolvimento regional vincula-se, na lei de criação dos Institutos Federais, à atuação profissional (inciso I), à geração e à adaptação de soluções técnicas e tecnológicas (inciso II), aos eixos tecnológicos convergentes com a realidade local (inciso IV) e à formação de professores (inciso VI). Já a transferência de tecnologia (inciso VI), a capacitação pedagógica (inciso VI), o estímulo ao cooperativismo, ao empreendedorismo e à produção cultural (inciso VIII) relacionam a extensão ao desenvolvimento regional. Por fim, a pesquisa denota processos de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas (inciso II), pesquisa aplicada (inciso VIII), de desenvolvimento científico e tecnológico (inciso VIII) e de desenvolvimento de tecnologias sociais (inciso IX).

A perspectiva de desenvolvimento impressa na lei de criação dos Institutos Federais também pode ser lida na chave da abordagem do desenvolvimento sustentável de Sachs (1993), conforme sistematizado no Quadro 1.

Quadro 1: Desenvolvimento regional segundo as dimensões do desenvolvimento sustentável de Ignacy Sachs (e os termos presentes na lei de criação dos Institutos Federais)

Dimensão do desenvolvimento sustentável (Sachs, 1993)

Lei nº 11.892/2008 (Brasil)

Inciso

Termos presentes no detalhamento dos objetivos dos Institutos Federais (Art. 6º)

Ambiental

IX

Preservação do meio ambiente

Cultural

VI

Arranjos culturais locais

Desenvolvimento cultural


Econômica

I

Setores da economia

I e IV

Socioeconômico

IV

Arranjos produtivos

VIII

Empreendedorismo

Cooperativismo


Social

II

Demandas sociais

IV

Arranjos sociais locais

I e IV

Socioeconômico

IX

Transferência de tecnologias sociais


Territorial

I

Desenvolvimento [...] local, regional e nacional

II

Peculiaridades regionais

IV

Arranjos [...] locais

Fonte: Elaborado pelos autores.


Quanto aos objetivos dos Institutos Federais inscritos em seis incisos do Art. 7º da Lei nº 11.892/2008, três abordam questões relacionadas ao desenvolvimento regional. Remetem à realização de pesquisas aplicadas com seus resultados se estendendo à comunidade (inciso III), ao estímulo a processos que levem à geração de trabalho e renda com vistas a alcançar o desenvolvimento local e regional (inciso V), além da formação de profissionais para atuarem em diferentes setores da economia, na educação básica e/ou no desenvolvimento científico e tecnológico (inciso VI).

Aqui é possível responder algumas das perguntas que orientaram o presente estudo. Qual foi o caráter inovador da política pública, em especial no que se refere aos Institutos Federais? O que estava em curso com o processo de expansão? Nota-se que, com suas variações e peculiaridades, a educação profissional e tecnológica comumente é associada a aspectos como a diminuição do desemprego entre a população jovem, a redução da pobreza, a qualificação de trabalhadores de determinados setores e o crescimento econômico (Wiriadidjaja, Andriasanti & Jane, 2019; Stockmann, 2019). Já a concepção e o desenho institucional dos Institutos Federais avançaram para além dessas questões que tradicionalmente orbitam a educação profissional e tecnológica. Isso porque propôs-se a dar respostas a múltiplas demandas sociais presentes na agenda brasileira, tais como a ampliação da qualidade e da escolaridade média da população (Frigotto, Ciavatta & Ramos, 2005), a redução de desigualdades de gênero e étnico-raciais (Nascimento, Cavalcanti & Ostermann, 2020), o incremento da empregabilidade de jovens e adultos, a formação de professores, a dinamização da produção, da circulação e da fruição de bens e serviços artísticos e culturais, a promoção do cooperativismo e a preservação do meio ambiente (Lei nº 11.892, 2008). Tais questões giraram em torno do que, neste artigo, vem sendo considerado como um dos eixos estruturantes dos Institutos Federais: o desenvolvimento regional.

Neste ponto responde-se à segunda indagação sobre o projeto de desenvolvimento em curso. Considerando que são variados os paradigmas de desenvolvimento regional, cabe sublinhar que a política que deu origem aos Institutos Federais esteve atrelada ao desenvolvimento regional endógeno. Ao privilegiar um enfoque comunitário e sustentável que se organiza, recuperando os termos de Sachs (1993), em torno da dimensão social, cultural, ambiental, territorial e econômica, transcendeu a visão mercadocêntrica de crescimento econômico. Respaldou-se, também, em relações democráticas entre forças de variados campos de ação que, mesmo divergentes, atuam no território: agentes sociais, agentes públicos e agentes econômicos (Fligstein, 2001).


A implementação

Com a promulgação da Lei nº 11.892, em dezembro de 2008, a educação profissional e tecnológica federal ganhou uma estrutura institucional, alcance e capilaridade sem precedentes, além de qualificação técnica e científica para oferecer cursos (técnicos, tecnológicos, de bacharelado e de licenciatura etc.) e desenvolver pesquisas com relevância e aplicabilidade nas comunidades.

Vale enfatizar o destaque dado, no inciso IV do Art. 6º, à finalidade atribuída às novas instituições de consolidar e fortalecer os arranjos produtivos, sociais e culturais locais, “[...] identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do Instituto Federal” (Lei nº 11.892, 2008). Na etapa de criação dos novos campi, o vínculo dos Institutos Federais com os territórios em que se instalaram estabeleceu-se por meio de diálogos institucionais com as organizações locais, fazendo uso, sobretudo, de audiências públicas. Daqueles processos participativos, complementados por pesquisas de diagnóstico, foram elencadas demandas e prioridades

regionais. Tal metodologia articulou os eixos tecnológicos4 prioritários de cada campus com o desenvolvimento regional a partir da interação do ensino, da pesquisa e da extensão com os arranjos produtivos locais (APLs), os arranjos culturais e os demais arranjos sociais, dentre eles os educacionais, nos termos da Lei nº 11.892/2008 (Figura 3).

Figura 3: Fluxo da política pública de criação de um campus do Instituto Federal


Diagrama  Descrição gerada automaticamente


Fonte: Elaborado pelos autores.


Em um arranjo produtivo local, um conjunto de organizações compartilha e desenvolve vantagens coletivas, em decorrência da presença de instituições de apoio (como de educação e inovação), das políticas regionais e setoriais, da estrutura produtiva e da infraestrutura local especializada (Buitelaar, 2000). No caso dos Institutos Federais, é possível inferir que os cursos e os estudantes egressos tivessem aderência às necessidades políticas, econômicas e sociais locais; que as pesquisas (coordenadas por docentes com mestrado e doutorado) fossem aplicadas, prioritariamente, às demandas daquelas comunidades; e que as ações extensionistas democratizassem e popularizassem as tecnologias e os conhecimentos produzidos.

A implementação dessa nova institucionalidade encontrou sustentação política no processo de expansão de novos campi dos Institutos Federais, priorizando, além da articulação com os arranjos produtivos, sociais e culturais locais, a sua interiorização e, consequentemente, a chegada às pequenas e médias cidades brasileiras.

Respondendo por 91,7% das 654 unidades da Rede Federal existentes até 2020, e por 92,9% de

1.507.476 milhão de matrículas (Plataforma Nilo Peçanha, 2021), os Institutos Federais foram desenhados como uma estrutura multicampi, tendo uma reitoria sintetizando a identidade organizacional e uma série de unidades descentralizadas com gestão administrativa e acadêmica próprias, efetivadas por meio de autarquias federais vinculadas ao Ministério da Educação (Neuhold & Pozzer, 2023). Parte dos Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefet) existentes antes do plano de expansão de 2005,


image

4 Segundo o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos do Ministério da Educação (n.d.), o eixo tecnológico facilita a organização curricular da educação profissional e tecnológica ao agrupar vários cursos, de acordo com suas características científicas e tecnológicas. Nos Institutos Federais, orienta a oferta de cursos nos diferentes níveis (médio e superior) em cada campus, possibilitando a verticalização. Por exemplo, um campus estruturado sob o eixo tecnológico de Gestão e Negócios pode ofertar um curso técnico integrado com o ensino médio de Administração, um curso tecnológico de nível superior de Processos Gerenciais e uma pós-graduação em Gestão e Negócios. Essa estrutura possibilita que tanto o corpo docente atue em diferentes níveis de ensino quanto os estudantes prossigam seus estudos até a pós-graduação, sem necessidade de migrarem do território.

a maioria localizada nas capitais dos estados brasileiros, transformou-se na sede administrativa dos Institutos Federais. Ao mesmo tempo, foram construídas novas unidades, prioritariamente em cidades do interior ou em regiões periféricas de grandes centros urbanos. Essa, aliás, foi uma das novidades da expansão da Rede Federal: levar a educação profissional e tecnológica para áreas com escassa e/ou precária oferta educativa e interiorizá-la, distribuindo-a de forma relativamente equitativa pelo território (Neuhold & Pozzer, 2023).

Os investimentos na Rede Federal passaram de cerca de dois bilhões de reais, em 2003, para mais de nove bilhões, uma década depois. A partir de 2007, já no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2007 a 2010), a educação profissional e tecnológica se articulou com o projeto desenvolvimentista evidenciado no Plano Plurianual (2007 a 2010), dirigindo a expansão dos novos campi dos Institutos Federais para o interior do país e buscando a redução das desigualdades regionais (Santos, 2015).

Segundo os dados do censo de 2010, os municípios brasileiros com menos de 100 mil habitantes representavam 94,91% da totalidade, absorvendo 86,3 milhões de habitantes em um país com população de cerca de 190 milhões de pessoas. Isso quer dizer que 45,25% da população vivia em municípios de pequeno porte. Em 2002, ano anterior ao início do processo de reorganização da educação profissional e tecnológica federal, os municípios com até 100 mil habitantes possuíam 40,57% das unidades do que se tornaria o Instituto Federal. Já em 2020, após o processo de expansão e interiorização, os pequenos municípios contavam com mais de 55% dos campi, como se pode verificar na Tabela 1.


Tabela 1: Perfil dos municípios (por habitantes) que contavam com campus dos Institutos Federais (2020) e/ou de seus antecessores – Brasil, 2002

Perfil dos municípios

2002


2020



Quantidade

Percentual

Quantidade

Percentual

Até 100 mil habitantes

43

40,57%

327

55,52%

100 a 500 mil habitantes

39

36,79%

199

33,79%

Mais de 500 mil habitantes

24

22,64%

63

10,70%

Fonte: Elaborado pelos autores.


Ao se observar a distribuição territorial dos Institutos Federais fica mais evidente a mudança de prioridade da política de educação profissional e tecnológica a partir de 2003: dos 483 novos campi, mais da metade foi instalada em municípios com menos de 100 mil habitantes, frente a 8% em municípios com mais de 500 mil.


Tabela 2: Criação de novos campi dos Institutos Federais de acordo com o tamanho dos municípios a partir de 2003

Perfil dos municípios

Campi criados a partir de 2003

Até 100 mil

284

58,80%

100 a 500 mil

160

33,13%

Mais de 500 mil

39

8,07%

Total

483

100,00%

Fonte: Elaborado pelos autores.


A mudança no perfil dos municípios atendidos pelos Institutos Federais resultou de uma política governamental concertada e estruturada sob a égide do desenvolvimento regional endógeno. Acenou com a possibilidade de reverter uma lógica histórica em que “[...] os papéis econômicos das pequenas cidades não dizem respeito estritamente aos interesses de seus habitantes. Ao contrário, são espaços capturados, em vários aspectos, por interesses que lhes são alheios” (Endlich, 2009, p. 286). Ou seja, a partir dos arranjos produtivos, sociais e culturais de pequenas localidades, as novas institucionalidades

teriam condições de “[...] extrair e problematizar o conhecido, investigar o não conhecido para poder compreendê-lo e influenciar a trajetória dos destinos de seu lócus” (Pacheco, 2011, p. 21).

Assim, a partir do reconhecimento do potencial desses pequenos municípios e da instalação dos campi dos Institutos Federais constitui-se um novo incentivo para o fortalecimento dos vínculos entre o espaço e seus cidadãos. As novas institucionalidades atuariam para modificar as forças socioeconômicas e político-culturais, revertendo processos que tendem a transformar tais localidades em espaços transitórios. Favoreceriam, dessa maneira, o que Pacheco (2011, p. 21) nomeia como a “[...] sedimentação do sentimento de pertencimento territorial”, subvertendo a “[...] submissão de identidades locais a uma global” e estruturando alternativas para que os egressos dos Institutos Federais, sobretudo os jovens estudantes, não sejam forçados a migrar.

Cabe destacar que, historicamente, o desenvolvimento de inovações técnicas e tecnológicas esteve centrado nas universidades que, por sua vez, também se localizam, no geral, em regiões metropolitanas (Souza, 2019). O olhar para o local, especialmente para os problemas locais, era dificultado pelo próprio distanciamento geográfico em relação aos centros de produção de conhecimento. A capilaridade dos Institutos Federais, em tese, enfrentaria esse desafio. Enquanto instituição erguida sobre o tripé do ensino, da pesquisa e da extensão, focada (como o seu próprio nome indica) na articulação entre a educação, a ciência e a tecnologia, os Institutos Federais teriam a potencialidade de formar profissionais, de diagnosticar problemas e desenvolver inovações científicas, técnicas e tecnológicas capazes de fortalecer arranjos produtivos locais, gerar riqueza e renda (Souza, 2019). Não seriam, portanto, como anteriormente, apenas escolas técnicas federais.

A proeminência política desse projeto foi validada, em 2014, após aprovação da Lei nº 13.005, que instituiu o Plano Nacional de Educação (2014-2024): em sua 11ª meta vislumbrava triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, tendo como primeira estratégia a interiorização dos campi. Tal estratégia reconheceu, ainda, a responsabilidade dos Institutos Federais na ordenação territorial e a importância de suas vinculações com os arranjos produtivos, sociais e culturais locais e regionais. Assim, o Plano Nacional de Educação (2014-2024) explicitou a percepção de que os Institutos Federais deveriam ocupar um papel estratégico em suas regiões: o de terem responsabilidade na ordenação territorial.

Em 2002, o Brasil contava com 5.329 municípios com até 100 mil habitantes. Daqueles municípios, apenas 43 (ou 0,8% do total) possuíam unidades da rede de escolas profissionais federais. Vale enfatizar que muitas daquelas 43 unidades eram escolas agrícolas. Já em 2020, o Brasil computava 5.244 municípios com até 100 mil habitantes, dos quais 327 (6,24% do total) com campi dos Institutos Federais.

No mais, como destaca Souza (2019), a expansão dos Institutos Federais também reforçou a atuação da União no sistema educativo, para além das competências comuns entre os entes federados. Se outrora a educação federal estava presente em algumas escolas técnicas e universidades federais, conheceu grande expansão, tanto por meio dos Institutos Federais quanto por intermédio das próprias universidades, que também vivenciaram, no mesmo período, um processo de interiorização.

Em suma, respondendo à terceira pergunta orientadora deste estudo sobre o perfil de cidades atendidas na expansão da Rede Federal, confirmou-se a hipótese de que se projetou o papel dos Institutos Federais enquanto centralidade potencializadora do desenvolvimento regional de pequenos e médios municípios. Tais municípios, incluindo aqueles sem perfil industrial, foram reconhecidos como espaços com múltiplas realidades que congregam sistemas socioecológicos e tecnológicos em escala, responsáveis pela governança dos diversos estoques de recursos, fluxos e serviços ecossistêmicos nos quais as variadas questões públicas, privadas e comunitárias podem ser resolvidas ou potencializadas (Wolfram & Frantzeskaki, 2016).


Dificuldades e potencialidades

A produção legislativa brasileira sofre, em geral, com carências que resultam em legislação com reduzida qualidade e eficácia, dando respostas, por vezes, inadequadas às demandas que legitimaram o seu surgimento (Urbano, 2014). Usualmente, deixa-se uma série de lacunas para disposições infralegais, assegurando maior flexibilidade e autonomia para as tomadas de decisão dos gestores. Contudo, a Lei nº 11.892/2008 contrariou tal prática e detalhou as diversas vertentes que a política buscou incidir. Essa característica da lei permite uma avaliação pormenorizada dos resultados alcançados, na medida em que estabelece, de antemão, dois parâmetros analíticos para o monitoramento da política pública: as finalidades e características (definida no Art. 6º) e os objetivos (fixados no Art. 7º) dos Institutos Federais.

Por um lado, a intersetorialidade da política driblou a cultura bacharelesca e o desprestígio que, em geral, a educação profissional ocupa no país. Também superou a falsa dicotomia entre educação básica e educação técnica, não se pautando por necessidades imediatas do mercado. No mais, ampliou a capilaridade para os pequenos municípios, sendo que 58,80% dos novos campi foram instalados em localidades com menos de 100 mil habitantes. Por outro lado, houve dificuldades na implementação da política, entre as quais a disparidade entre a situação legal e a situação real oriunda de lacunas no processo de constituição dos Institutos Federais. Sem sustentação real para embasar a prática efetiva dos campi, os Institutos Federais passaram a atuar de forma distorcida (Costa & Marinho, 2018) ou aquém de suas potencialidades, realizando parcialmente seus objetivos.

Convém sublinhar que, apesar de os Institutos Federais serem uma instituição relativamente nova, fundada em dezembro de 2008, está atrelada a uma série de organizações preexistentes, em alguns casos instituições centenárias. Se esse desenho organizacional deu agilidade à implementação da política, reduziu custos e aproveitou certo prestígio e legitimidade de antigas instituições perante suas comunidades. Também submeteu-a a certa resistência, o que dificultou a criação e o desenvolvimento de uma cultura organizacional comprometida, desde o início, com os ideais e os valores planejados. Esse problema foi reforçado pelo fato de as antigas estruturas terem sido transformadas nos órgãos centrais de gestão, principalmente suas reitorias (Frigotto, 2018).

Em estudo sobre a perspectiva de gestores de unidades do Instituto Federal do Rio de Janeiro a respeito do compromisso da instituição com o desenvolvimento regional, Souza (2019) entrevistou, em 2016, 11 gestores (diretores gerais e, na ausência deles, diretores de ensino de cada campus). Conforme sugerido pelo autor, os diretores gerais possuem papel de destaque, visto que “[...] são a interface mais importante entre a realidade e as demandas localmente existentes e o conjunto da instituição, em especial em relação ao alto escalão representado pela reitoria e os grupos de decisão da instituição” (Souza, 2019, p. 3). O estudo apontou que havia unanimidade, entre os gestores, quanto à relevância do campus para o desenvolvimento local. Porém, a leitura dos fragmentos selecionados pelo autor para traduzir essa percepção evidenciam que a visão sobre o desenvolvimento regional praticamente restringia-se à oferta formativa associada às demandas do território: oito anos depois de criados os Institutos Federais não havia, ainda, uma reflexão aprofundada sobre a relevância da instituição no desenvolvimento de inovações científicas, técnicas e tecnológicas em consonância com os desafios locais e regionais, mesmo por parte dos diretores gerais. Nesse sentido, a pesquisa e a extensão ocupariam posição marginal, sendo vistas, no máximo, como um desdobramento e não como atividades acadêmico-científicas que reconhecessem seu papel enquanto vetor de desenvolvimento regional.

Tais dificuldades culturais não se restringem à herança das antigas instituições. Perpassam outras duas questões, talvez ainda mais arraigadas, que se relacionam com a cultura escolar-acadêmica dos professores e demais servidores públicos envolvidos na implementação da política. A primeira reporta à centralidade do ensino médio integrado aos cursos técnicos: quando praticada de maneira apartada dos campos de força apontados por Bourdieu (Fligstein, 2001) e, portanto, da preocupação com o desenvolvimento regional, limita a percepção acerca das novas instituições a escolas de ensino médio de excelente qualidade, que reconhecem no ingresso dos seus estudantes em outras instituições de ensino superior, geralmente localizadas nos grandes centros urbanos (ou até mesmo em outros países), o alcance de seus objetivos institucionais. Abrem mão, assim, de refletir acerca do papel da educação profissional

e tecnológica ofertada nos Institutos Federais no fortalecimento do vínculo dos egressos com o território e de seu protagonismo nos processos que levam ao desenvolvimento regional.

A segunda questão está relacionada às práticas extensionistas e às pesquisas: para avançarem no cumprimento da função social dos Institutos Federais, requerem comprometimento com as demandas comunitárias, o que não ocorre, efetivamente, em ações voluntaristas, dispersas, descontinuadas ou departamentalizadas. O que se tem observado é uma baixa relação entre os arranjos produtivos, sociais e culturais locais e os projetos de pesquisa e extensão, bem como com os poderes públicos locais, parceiros, em geral, de ações pontuais (Marinho & Costa, 2013).

Convém, aqui, recuperar mais uma das perguntas orientadoras deste estudo: em que medida a proposta inscrita na lei de criação dos Institutos Federais traduziu-se em ações e resultados? Apesar das centenas de novas unidades, os órgãos centrais de gestão, ou seja, as reitorias, ficaram atrelados àquelas antigas instituições que construíram sua história como escolas técnicas industriais ou agrícolas. Seguiram, portanto, focados no projeto de outrora, incorporando, timidamente, a missão de articular educação, ciência e tecnologia ao desenvolvimento regional. Os esforços institucionais mantiveram-se canalizados na formação, prioritariamente, de estudantes do ensino médio integrado com o técnico. Ao mesmo tempo, relegaram os demais níveis de ensino, a formação de professores, a pesquisa e a extensão, bem como o envolvimento com o território a iniciativas marginais.

Nesse sentido, retoma-se a necessidade de constituição de novas estruturas (Nabatchi, Sancino & Sicilia, 2017), introduzindo novos processos de gestão respaldados em uma governança democrática. Recuperando a análise de Abramovay (2011) sobre a criação de conselhos de desenvolvimento, cabe avaliar a relevância de diferentes atores políticos, econômicos e sociais do território estarem representados e interagirem institucional e democraticamente com os campi. Constituiriam, assim, espaços orgânicos e de governança que auxiliariam no desenvolvimento de diagnósticos, na definição de estratégias e de prioridades para fomentar o desenvolvimento regional e o efetivo controle social.

Nota-se que o êxito institucional costuma estar associado, primordialmente, a padrões e sistemas dinâmicos de engajamento cívico, com cidadãos atuantes e orientados pelo espírito público, mantendo relações políticas igualitárias e estruturas sociais firmadas em relações de confiança e colaboração (Putnam, 2006). Esses espaços de governança também constituem ambientes educadores, nos quais os participantes se formam, desenvolvendo suas naturezas cívicas e seu senso de pertencimento àquela comunidade. Portanto, nada têm a ver com estruturas pautadas por relações políticas verticalmente estruturadas, dinâmicas sociais fragmentadas e caracterizadas pelo isolamento. Tais espaços de governança poderiam assumir o espírito do que Eliezer Pacheco (2011, p. 14) denominou “[...] observatórios de políticas públicas, tornando-as objeto de sua intervenção através das ações de ensino, pesquisa e extensão articuladas com as forças sociais da região”.

Por fim, outro aspecto central para a implementação dos Institutos Federais diz respeito à realização de diagnósticos fidedignos da região em que os campi estão instalados. Esse quesito relaciona-se diretamente com a contratação dos professores: atrelada aos eixos tecnológicos e às licenciaturas ofertadas em cada campus, a formação do quadro de servidores que irá atuar não apenas no ensino, mas também na pesquisa e na extensão, demanda consonância entre os recursos humanos e as demandas comunitárias efetivas. Pacheco (2011) denominou tal perspectiva como um dos “fundamentos da proposta político pedagógica dos Institutos Federais”, conforme transcrito a seguir:

[...] A estrutura multicampi e a clara definição do território de abrangência das ações dos Institutos Federais afirmam, na missão dessas instituições, o compromisso de intervenção em suas respectivas regiões, identificando problemas e criando soluções técnicas e tecnológicas para o desenvolvimento sustentável com inclusão social. Na busca de sintonia com as potencialidades de desenvolvimento regional, os cursos nas novas unidades deverão ser definidos por meio de audiências públicas e da escuta às representações da sociedade (Pacheco, 2011, p. 14).


Vale apontar que a realização desses diagnósticos não se restringe ao momento de implantação de um

campus. Uma vez que a vida comunitária é dinâmica, a configuração da região tende a mudar com o

passar do tempo, inclusive pela própria atuação dos Institutos Federais, que auxiliam na resolução dos problemas. Assim, tais análises territoriais não se encerram no momento de instalação de um campus: “[...] o monitoramento permanente do perfil socioeconômico-político-cultural de sua região de abrangência é de suma importância” (Pacheco, 2011, p. 22) e poderia ser coordenado pelos espaços de governança institucionalizados, em que diferentes setores da comunidade estejam representados.

Sem uma análise rigorosa e participativa que considere os arranjos produtivos, sociais e culturais locais, os diversos atores políticos, sociais e econômicos que atuam na região, a presença dos ativos regionais e as instituições e institucionalidades que compõem o território, incorre-se no risco de contratar servidores públicos sem a formação demandada. Por exemplo, realiza-se um concurso público para contratar professores de Engenharia Civil e, no momento da implementação do campus, o eixo tecnológico de infraestrutura não se concretiza ou rapidamente se torna obsoleto; os professores seguirão atrelados ao campus sem haver espaço para sua atuação.


Considerações finais

A formulação e a implementação da política pública que deu origem aos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia ancoraram-se no paradigma do desenvolvimento regional endógeno. A partir desse prisma, o território e suas potencialidades originais foram compreendidos como ativos catalisadores de processos que gerariam desenvolvimento por meio do protagonismo de atores políticos, econômicos e sociais locais. Caberia aos campi dos Institutos Federais o papel de agentes dinamizadores dos processos, por meio de vivências orgânicas junto às comunidades. Com isso, a busca pelo desenvolvimento deixaria de se dar apenas pela capacidade do território em atrair atividades econômicas dinâmicas e exógenas, como tradicionalmente se pensou o desenvolvimento. Também se concretizaria por meio da educação profissional entendida de forma alargada e vinculada ao desenvolvimento de inovações científicas, técnicas e tecnológicas.

Essa perspectiva, a partir da interiorização dos novos campi dos Institutos Federais, representou uma alteração histórica na política federal de educação profissional e tecnológica, centrada por décadas nas grandes cidades (predominantemente na forma do ensino técnico industrial) ou no campo (na modalidade do ensino técnico agrícola). A partir de 2003, o Governo Federal passou a reconhecer e a priorizar as dinâmicas socioespaciais das pequenas cidades e o potencial em se estabelecerem como vetores do desenvolvimento regional, por meio dos cursos ofertados e das atividades de pesquisa e de extensão. Por isso, as novas unidades dos Institutos Federais deixaram de estar localizadas, prioritariamente, em grandes e médias cidades, figurando, em sua maioria, nos municípios com menos de 100 mil habitantes.

Não é exagero afirmar que os Institutos Federais representam uma política educacional complexa e sofisticada. O seu potencial de impactar positivamente o desenvolvimento regional é incontestável, uma vez que parte significativa das condições para tanto estão estabelecidas. Exemplo disso reside: na existência de uma legislação robusta, com finalidades e objetivos transparentes; em um corpo de servidores públicos altamente qualificado, atuando como docentes ou técnicos; e infraestrutura que, embora careça de ajustes e/ou ampliações, possui consistência e capilaridade territorial.

No entanto, os desafios postos foram ambiciosos e sujeitos a fragilidades, como são os casos da ausência de uma cultura organizacional que compreenda e esteja comprometida com as finalidades e os objetivos dos Institutos Federais; da precariedade dos diagnósticos e análises das regiões em que os campi estão inseridos; e da carência de espaços institucionalizados efetivos em que a interação social do campus com o restante da comunidade ocorra de forma reflexiva para pautar suas práticas pelos interesses públicos e não sirva para tratar exclusivamente de questões administrativas da instituição.

Assim, para equacionar as discrepâncias entre os aspectos reais e os aspectos legais e constituir uma nova cultura organizacional, os campi dos Institutos Federais precisam avançar na integração com os territórios, passando a fazer parte, efetivamente, de seus tecidos orgânicos. Dessa forma, as atividades

acadêmico-científicas estariam mais abertas a serem influenciadas e a influenciarem, de maneira dialética, as dimensões políticas, econômicas, culturais, sociais e ambientais de suas regiões.


Referências bibliográficas

Abramovay, R. (2011). Para uma teoria do desenvolvimento territorial. Florianópolis, SC: UFSC.

Amaral, J. F. (2001). A endogeneização no desenvolvimento econômico regional e local. Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, nº 23, p. 261-286.

Bardin, L. (2022). Análise de conteúdo. Lisboa, PT: Edições 70.

Boudeville, J. (1973). Os espaços econômicos. São Paulo, SP: Difusão Europeia do Livro.

Bourdieu, P. (1983). O campo científico. In R. Ortiz (Org.). Pierre Bourdieu: Sociologia (Grandes cientistas sociais, 39, pp. 122-155). São Paulo, SP: Ática.

Bourdieu, P. (2004). Os usos sociais da ciência. São Paulo, SP: Unesp. Buitelaar, R. (2000). Cómo crear competitividad colectiva? Santiago: Cepal.

Catálogo Nacional de Cursos Técnicos da Rede Federal. (n. d.). Ministério da Educação. Recuperado de http://cnct.mec.gov.br/lista-de-termos

Chamada pública MEC/SETEC nº 001 (2007). Chamada pública de propostas para apoio ao Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica (Fase 2). Brasília, DF: SETEC/MEC.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (1988). Brasília, DF. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

Costa, P. & Marinho, R. (2018). Educação profissional e tecnológica brasileira reinstitucionalizada: uma revisão geral dos embates sobre a aprovação dos Institutos Federais. In G. Frigotto (Org.), Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: relação com o ensino médio integrado e o projeto societário de desenvolvimento (pp. 63-81). Rio de Janeiro, RJ: UERJ, LPP.

Cunha, L. A. (2005). O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização. São Paulo, SP: Unesp.

Dagnino, E., Oliveira, A. J., & Panfichi, A. (2006). Para uma outra leitura da disputa pela construção democrática na América Latina. In E. Dagnino, A. Oliveira, A. Panfichi, A. (Orgs.), A disputa pela construção democrática na América Latina. São Paulo, SP: Paz e Terra.

Decreto nº 6.095 de 24 de abril de 2007 (2007). Estabelece diretrizes para o processo de integração de instituições federais de educação tecnológica, para fins de constituição dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFET, no âmbito da Rede Federal de Educação Tecnológica. Brasília, DF. Recuperado de https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2007/decreto-6095-24-abril-2007- 553446-publicacaooriginal-71368-pe.html

Decreto nº 60.731, de 19 de maio de 1967. Transfere para o Ministério da Educação e Cultura os órgãos de ensino do Ministério da Agricultura e dá outras providências.

Endlich, A. M. (2009). Pensando os papéis e significados das pequenas cidades. São Paulo, SP: Unesp.

Exposição de Motivo Interministerial nº 00118/2008/MP/MEC, de 19 de junho de 2008 (2008). Brasília, DF. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/EMI/2008/118%20-

%20MP%20MEC.htm

Fligstein, N. (2001). Social skill and the theory of fields. Sociological Theory, 19(2), 105-125. Recuperado de https://doi.org/10.1111/0735-2751.00

Frigotto, G. (2018). Indeterminação de identidade e reflexos nas políticas institucionais formativas dos Institutos Federais. In G. Frigotto (Org.), Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: relação com o ensino médio integrado e o projeto societário de desenvolvimento (pp. 125-150). Rio de Janeiro, RJ: UERJ, LPP.

Frigotto, G., Ciavatta, M., & Ramos, M. (2005). A política de educação profissional no governo Lula: um percurso histórico controvertido. Educação e Sociedade, Campinas, 26(92), 1087-1113. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0101-73302005000300017

Hirscman, A. (1984). A dissenters confession: the strategy of economic development revisited. In G. Meier, D. Seers (Ed.), Pioneers in development. Oxford: Oxford University Press.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Censos 2010. População no último censo de 2010, Brasil. Recuperado de https://censo2010.ibge.gov.br/

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (n. d.) Munic: Pesquisa de informações básicas municipais. Recuperado de https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/10586-pesquisa-de- informacoes-basicas-municipais.html

Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). (1992). Arranjos produtivos locais. http://www.inmetro.gov.br/apls/eventos/conferencias-apl.asp

Krugman, P. (1992). Geografia y comercio. Barcelona: Antonio Bosch.

Legislação (n.d.). Brasília: Presidência da República. Brasília, DF. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/

Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. (2008). Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Brasília, DF. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2008/lei/l11892.htm

Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. (2014). Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Brasília, DF.

Lei nº 8.948, de 8 de dezembro de 1994. (1994). Dispõe sobre a instituição do Sistema Nacional de Educação Tecnológica e dá outras providências. Brasília, DF. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8948.htm

Maillat, D. (1995). Milieux Innovateurs et Dynamique Territorial. In Rallet, A.; Torre, A. Économie Industrielle et Économie Spatiale. Paris: Economica.

Marconi, M. A., Lakatos, E.M. (2015). Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas.

Marinho, R; Costa, P. (2013) Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: educação profissional e tecnológica brasileira reinstitucionalizada. Anais do Colóquio Nacional a Produção do Conhecimento em Educação Profissional, Instituto Federal do Rio Grande do Norte, 2013.

Ministério da Educação (2007). Anais e deliberações da 1ª Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica, 1ª, 2006. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Profissional Tecnológica.

Ministério da Educação (n.d.). Instituições da Rede Federal. Recuperado de http://portal.mec.gov.br/rede-federal-inicial/instituicoes

Myrdal, G. (1968). Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro, RJ: Saga.

Nabatchi, T., Sancino, A., & Sicilia, M. (2017). Varieties of participation in public services: The who, when, and what of coproduction. Public Administration Review, 77(5), 766-776. Recuperado de https://doi.org/10.1111/puar.12765

Nascimento, M., Cavalcanti, C., & Ostermann, F. (2020). Dez anos de instituição da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica: o papel social dos institutos federais. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 101(257), 120-145. Recuperado de https://doi.org/10.24109/2176- 6681.rbep.101i257.4420

Neuhold, R. R., & Pozzer, M. R. O. (2023). Covid-19, cierre de escuelas y enseñanza remota:el tiempo de respuesta de los sistemas de educación brasileños. Íconos. Revista de Ciencias Sociales, (76), 55-

75. Recuperado de https://doi.org/10.17141/iconos.76.2023.5719

North, D. (1977). Teoria da localização e crescimento econômico regional. In Schwartzman, J.

Economia regional: textos escolhidos. Belo Horizonte, MG: CEDEPLAR/ CETREDE-MINTER.

Pacheco, E. (2011). Os Institutos Federais: uma revolução na educação profissional e tecnológica. Brasília, São Paulo, SP: Fundação Santillana, Moderna.

Perroux, F. (1978). O conceito de pólo de crescimento. In E. Faissol (Org). Urbanização e regionalização. Brasília, DF: Secretaria de Planejamento da Presidência da República.

Piore, M. J. & Sabel, C. F. (1990). La segunda ruptura industrial. Madrid: Alianza.

Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica (Fase 1) (2005). Brasília, DF: Ministério da Educação.

Plataforma Nilo Peçanha 2021 (ano base 2020). (2021). Brasília, DF. Recuperado de https://public.tableau.com/app/profile/cgpg/vizzes

Portaria Interministerial nº 200, de 2 de agosto de 2004 (2004). Diário Oficial da União, 3 de agosto de 2004. Brasília, DF.

Porter, M. E. (1993). A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro, RJ: Campus.

Pozzer, M. R. O., & Neuhold, R. R. (2019). A educação profissional no Brasil: a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (1909-2018). In M. Pozzer & R. Neuhold (Org.), O contexto da educação técnica na América Latina e os dez anos dos Institutos Federais (2008-2018) (cap. 2, pp. 23-47). Maceió: Café com Sociologia.

Putnam, R. (2006). Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.

Sachs, I. (1993). Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo, SP: Nobel.

Santos, D. et al. (2020). O lugar da educação profissional e tecnológica na reforma do ensino médio em contexto Brasileiro: da lei 13.145/2017 à BNCC. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, 19(2). Recuperado de https://doi.org/10.15628/rbp.2020.9488

Santos, J. A. (2015). A política de expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica: quais são as perspectivas para a nova territorialidade e para a nova institucionalidade? In

G. Frigotto, (Coord.), Ofertas formativas e características regionais: a educação básica de nível médio no Estado do Rio de Janeiro. Relatório de Pesquisa apresentado à FAPERJ.

Santos, J. A. (2016). A trajetória da educação profissional. In E. M. Lopes, L. M. Faria Filho; C. G. Veiga (Orgs). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte, MG: Autêntica.

Sen, A. (2010). Desenvolvimento como liberdade. São Paulo, SP: Companhia das Letras.

Souza, M. S. (2019). Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia como vetores de desenvolvimento no estado do Rio de Janeiro: a perspectiva de gestores de unidades. Espaço e Economia, (14), 1-17.

Stockmann, R. (2019). Wirkungen und Erfolgsfaktoren der deutschen Berufsbildungszusammenarbeit. In Gessler, M., Fuchs, M. & Pilz, M. (Eds) Konzepte und Wirkungen des Transfers Dualer Berufsausbildung. Internationale Berufsbildungsforschung. Springer VS, Wiesbaden.

Urbano, H. E. (2014). Processo legislativo e qualidade das leis: análise de três casos brasileiros. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Paraná, (1), 123-158.

Webster, F. (2004). Desafios globais e respostas nacionais na era da informação. In J. M. P. Oliveira, J.

J. B. (Org), Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação. Lisboa, PT: Quimera Editores.

Wiriadidjaja, A., Andriasanti, L. & Jane, A. (2019). Indonesia-German Cooperation in Vocational Education and Training. Journal of Local Government Issues, Logos, 2(2). Recuperado de https://doi.org/10.22219/logos.Vol2.No2.178-192

Wolfram, M. & Frantzeskaki, N. (2016). Cities and systemic change for sustainability: prevailing epistemologies and an emerging research agenda. Sustainability, 8(2), 1-18.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15280


EL DESARROLLO REGIONAL COMO EJE ESTRUCTURAL DE LOS INSTITUTOS FEDERALES DE EDUCACIÓN, CIENCIA Y TECNOLOGÍA


REGIONAL DEVELOPMENT AS A STRUCTURING AXIS OF THE FEDERAL INSTITUTES OF EDUCATION, SCIENCE, AND TECHNOLOGY


O DESENVOLVIMENTO REGIONAL COMO EIXO ESTRUTURANTE DOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA


Márcio Rogério Olivato Pozzer

(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil)

márcio.pozzer@osorio.ifrs.edu.br


Roberta dos Reis Neuhold

(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil)

roberta.neuhold@alumni.usp.br

Recibido: 30/06/2023 Aprobado: 23/11/2023


RESUMEM

Este artículo discute el proyecto de desarrollo presente en la constitución de la política federal para la educación profesional y tecnológica en Brasil, inscrita en la ley de creación de los Institutos Federais. La hipótesis central fue que el desarrollo regional se convirtió en la columna vertebral de esa política pública, que destacó la importancia de los arreglos productivos, sociales y culturales locales en el proceso de expansión e interiorización de la formación profesional. Concluyó que, por un lado, la interseccionalidad de la política soslayó la cultura del bachillerato y el desprestigio que ocupa la formación profesional en el país. También amplió su alcance a municipios pequeños, instalándose el 58,8% de los 483 nuevos campi en localidades de menos de 100.000 habitantes. Por otro lado, la cultura organizacional preexistente y la falta de espacios institucionales de gobernabilidad resultaron en una baja interacción entre los campi y el territorio, estableciéndose aún un vínculo frágil y discontinuo con el desarrollo regional.

Palabras clave: desarrollo regional. desarrollo sostenible. educación y formación técnica y profesional. ciudades pequeñas. Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología.


ABSTRACT

image

This article discusses the development project present in the federal policy for professional and technological education in Brazil, inscribed in the law creating the Institutos Federais. The central hypothesis was that regional development became the backbone of that public policy, which highlighted the importance of local productive, social and cultural arrangements in the process of expansion and internalization of professional education. It concluded that, on the one hand, the intersectionality of the policy circumvented the baccalaureate culture and the discredit that professional education occupies in the country. It also expanded its reach to small municipalities, with 58.8% of the 483 new campi being

installed in locations with less than 100,000 inhabitants. On the other hand, the pre-existing organizational culture and the lack of institutional spaces for governance resulted in low interaction between the campi and the territory, still establishing a fragile and discontinuous link with regional development.

Keywords: regional development. sustainable development. small cities. vocational education and training. Federal Institute of Education, Science and Technology.


RESUMO

Este trabalho discute o projeto de desenvolvimento presente na política federal de educação profissional e tecnológica brasileira, inscrito na lei de criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia de 2008. Parte da hipótese de que o desenvolvimento regional se tornou a coluna vertebral dessa política pública, que destacou a importância dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais no processo de expansão e interiorização da educação profissional. A partir de pesquisa documental sobre os processos legislativos, o estudo mapeia a construção do projeto de desenvolvimento durante a formulação, a tomada de decisão e a implementação da política pública. Com o uso de técnicas associadas à análise de conteúdo e o cruzamento de dados referentes à população dos municípios-sede dos novos campi, confirma a hipótese inicial ao reunir evidências sobre o enfoque comunitário e sustentável alinhado ao desenvolvimento regional endógeno inerente ao projeto que deu origem aos Institutos Federais. Conclui que, por um lado, a intersetorialidade da política driblou a cultura bacharelesca e o desprestígio que a educação profissional ocupa no país. Também ampliou a capilaridade para os pequenos municípios, sendo que 58,8% dos 483 novos campi foram instalados em localidades com menos de 100 mil habitantes. Por outro lado, a cultura organizacional preexistente e a carência de espaços institucionais de governança resultaram em baixa interação dos campi com o território, estabelecendo um frágil e descontínuo elo com o desenvolvimento regional.

Palavras-chave: desenvolvimento regional. desenvolvimento sustentável. pequenas cidades. educação profissional e tecnológica. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia.


Introducción

En el 2008, la Ley n. 11.892 instituyó la Red Federal de Educación Profesional, Científica y Tecnológica y, vinculados a ella, los Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología. Aquel marco legal creó una política intersectorial compleja, engendrando una expansión e interiorización de la educación profesional y tecnológica brasileña inédita hasta aquel entonces: si en casi un siglo de historia la educación profesional federal se había estructurado en 140 unidades (Exposición de Motivo Interministerial n. 00118/2008/MP/MEC, 2008), en 2020 ya pasaba los 654 campi (Plataforma Nilo Peçanha, 2021), más allá de haber diversificado la oferta educativa (incluyendo cursos técnicos de nivel secundario, tecnológicos, bachilleratos, licenciaturas y posgrados) y de haber ampliado sus finalidades y objetivos (articulando la enseñanza, la investigación y la extensión al desarrollo regional).

¿Cuál era el proyecto insertado en aquella política de educación profesional que proyectó una ambiciosa expansión e interiorización? Esta es la cuestión central de la que habla el presente estudio y que se articula a un conjunto de cuatro preguntas auxiliares con sus respectivas hipótesis enunciadas enseguida.

La primera pregunta habla del carácter innovador de la política pública, con atención especial direccionada, en este artículo, a los Institutos Federales. ¿Qué estaba en curso con el proceso de expansión? Se trabajó con la hipótesis de que el carácter innovador de los Institutos Federales se asentó sobre la centralidad del desarrollo regional atravesando sus finalidades y objetivos. De aquí se desdobló la segunda pregunta: ¿cuál fue el proyecto de desarrollo regional insertado en el proyecto de creación de

los Institutos Federales? La hipótesis era de que el proceso que dio origen a los Institutos Federales representó un cambio de perspectiva en la educación profesional brasileña, pautada históricamente por demandas del mercado (Santos et. al, 2020), para una concepción centrada en el desarrollo endógeno.

En tercer lugar, se cuestionaba cuál fue el perfil de las ciudades atendidas en la expansión de la Red Federal. Cabe aclarar que las unidades de la red federal de educación profesional instaladas en Brasil entre 1909 y 2002 daban atención, predominantemente, a dos configuraciones territoriales: de un lado, centros urbanos constituidos por capitales (centros administrativos) y/o polos industriales o económicos de gran porte, siendo que esas dos características coincidían en la mayoría de los casos; de otro lado, áreas rurales, en pequeñas ciudades, cuna de las escuelas técnicas agrícolas instaladas en haciendas- modelo, incorporadas a la red de escuelas profesionales federales a partir de mayo de 1967 (Decreto n. 60,731, 1967). Hubo, por lo tanto, a lo largo de la historia de la educación profesional brasileña, una división entre campo y ciudad, siendo esa última asociada a las regiones metropolitanas de perfil industrial. Se formuló la hipótesis de que el proyecto, gestado a partir del 2003, inauguró una política de educación profesional que pasó a contemplar ciudades pequeñas y medianas sin, necesariamente, perfil industrial.

Por fin, se planteaba en qué medida la propuesta insertada bajo la ley de creación de los Institutos Federales se viene traduciendo en acciones y resultados. La hipótesis era la de que, con respeto al nuevo diseño institucional, los Institutos Federales hayan sido estructurados, en la etapa de implementación, en las bases de instituciones preexistentes, siguiendo vinculados, casi exclusivamente, a la cultura de una escuela técnica.

El artículo comienza con una breve introducción a los términos y metodologías de análisis para, entonces, sintetizar el referencial teórico empleado. En la sección siguiente, se presentan y se discuten los resultados, contemplando desde la formulación de la política pública y la ley de creación de los Institutos Federales hacia la implementación de la política. En este último caso, se discute el alcance de los Institutos Federales en las pequeñas ciudades, así como sus dificultades y potencialidades. Finalmente, en las consideraciones finales, se presentan algunas alternativas con potencial de transformar las intenciones generales inscriptas en la arquitectura de los Institutos Federales en acciones y resultados.


Términos y metodologías de análisis

Los paradigmas del desarrollo endógeno y exógeno y la noción de ciclo deliberativo de las políticas públicas compusieron el guión analítico de este estudio. En el primer caso, fueron reunidas las referencias que permitieron asociar la propuesta inscripta en la ley de creación de los Institutos Federales a un proyecto de desarrollo regional o local endógeno. Con respecto al ciclo deliberativo de las políticas públicas, se orientó la delimitación del escopo de análisis a las cuatro etapas iniciales, recurriendo a la formación de la agenda, la identificación y la evaluación de alternativas, la toma de decisión y la implementación.

La investigación de carácter documental posibilitó la ampliación de la comprensión de las cuestiones de formulación, toma de decisión e implementación de los Institutos Federales. Remitiendo a las tres variables de la pesquisa documental identificadas por Marconi y Lakatos (2015), se hizo uso de fuentes primarias (documentos oficiales), escritas (en la forma de leyes, decretos, planes, anales de conferencias y datos estadísticos) y contemporáneos (convergiendo para la primera década de los años 2000). Los documentos fueron recogidos en acervos públicos digitales, con destaque a la página electrónica de la Presidencia de la República (que reúne la legislación brasileña), a la Plataforma Nilo Peçanha (ambiente virtual con estadísticas oficiales de la Red Federal) y a los sitios electrónicos de cada uno de los Institutos Federales.

Atención especial fue direccionada a la ley de creación de los Institutos Federales, con el ojo de extraer la concepción de desarrollo regional en ella presente y su recurrencia. Para ello, se destacaron dos trechos

de la Ley n. 11.892/2008, que hablan directamente de las finalidades y características (Art. 6o.) y los objetivos (Art 7o.). Para constituir una matriz analítica, se procedió al uso de técnicas asociadas al análisis de contenido (Bardin, 2022): la pre-análisis permitió establecer categorías asociadas al desarrollo regional y formular las hipótesis iniciales; la etapa de exploración del material posibilitó la identificación de unidades de análisis y su agrupamiento en categorías específicas asociadas tanto al desarrollo regional, como al trío de la enseñanza, la investigación y la extensión; ya la etapa de tratamiento e interpretación consideró la formulación de síntesis (algunas en la forma de cuadros y figuras1) y la misma presentación y discusión de los resultados en secciones específicas de este artículo. Se puede aún mencionar que esa última fase recorrió a la contextualización histórica y sociocultural para hablar de las concepciones de desarrollo puestas en la arquitectura de la referida política pública.

Por fin, se procedió con el levantamiento de los datos históricos sobre el origen de todos los campi de los Institutos Federales. Se tomó partida de una lista organizada por el Ministerio de Educación (MEC), consultada en abril de 2023, distribuyendo los 38 Institutos Federales por estados y enumerando cada uno de sus campi. La lista fue actualizada teniendo como base los datos de la Plataforma Nilo Peçanha (2021), computando al final 589 campi2. De allí se produjo un banco de datos con todos los Institutos Federales y sus respectivos campi, especificando el año de inauguración y la ciudad-sede. Con relación a esa última variable, se procedió al cruzamiento de datos de la Pesquisa de Informaciones Básicas Municipales, del Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE), esencialmente en lo que se refiere a la población de cada ciudad-sede de los campi de los Institutos Federales. Para fines de este estudio, las municipalidades fueron clasificadas a partir de la población, siendo divididas entre pequeñas (hasta 100 mil habitantes), medianas (entre 100 y 500 mil habitantes) y grandes (con más de 500 mil habitantes).


Referencial teórico

Las teorías del desarrollo regional exógeno marcaron las políticas públicas keynesianas del periodo posterior a la Segunda Guerra Mundial. Trajeron como prerrogativa la potencialidad exógena de una o más actividad económica principal a instalarse en determinada región y con capacidad de difundir cierto dinamismo para otros sectores de la economía, engendrando el crecimiento socioeconómico. Abordadas a partir de diferentes modelos, aquellas teorías asociaron las actividades exportadoras de una región a la productividad y a los niveles de empleo regional (North, 1977). También redireccionaron el desarrollo a la presencia de una industria motriz que dinamiza cierta región y atrae otras actividades económicas (Boudeville, 1973; Perroux, 1978), a la capacidad de inversión y a la cultura emprendedora (Hirschman, 1984) o a la existencia de procesos circulares y cumulativos resultantes de ciclos virtuosos (Myrdal, 1968).

Aquellos diferentes modelos de las teorías del desarrollo exógeno dividieron atención, desde los años 1980, con el paradigma del desarrollo endógeno. Para éste, el desarrollo no sería determinado por el funcionamiento de las libres fuerzas del mercado o, exclusivamente, por las políticas de planeamiento territorial oriundas del poder central. Antes, aspectos intrínsecos al territorio o a la capacidad de hacer uso de sus potencialidades para insertarlo en una dinámica económica más global crearían condiciones para la implementación de políticas activas de desarrollo (Amaral, 2001), provenientes de diferentes estratégias.

Entre los variados abordajes (Krugman, 1992; Piore & Sabel, 1990; Maillat, 1995; Perroux, 1978; Porter, 1993), interesa recuperar la contribución de Putnam (2006) al subrayar aspectos políticos, sociales y culturales involucrados en la formación de comunidades cívicas. Para él, tales comunidades serían el propio sustrato para el desarrollo regional a la medida que asegurarían la existencia de valores éticos, de capacidad de asociación, de grado de confiabilidad y de conciencia cívica de los individuos acerca de


image

1 Ver Cuadro 1 y Figura 2, que registran el esfuerzo de síntesis a partir de la matriz analítica.

2 Se excluyen de la suma los diez centros de referencia listados como campi del Instituto Federal de Amapá (IFAP), Baiano (IF Baiano), del Espírito Santo (IFES), de Maranhão (IFMA), del Norte de Minas Gerais (IFNMG), del Sul de Minas Gerais (IF Sul de Minas), Fluminense (IFF), Sul Rio-Grandense (IFSul), de Santa Catarina (IFSC) e de Tocantins (IFTO).

los problemas comunitarios. En cuanto a las teorías de los campos de Pierre Bordieu (1983, 2004) que identificaron las fuerzas divergentes que disputan a la imposición de visiones de mundo en variados campos de acción (como el cultural, el científico, el económico, el social, el político etc.), ellas inspiraron abordajes como a la de Fligstein (2001), que atribuyó protagonismo a la naturaleza de la cooperación de los colectivos sociales en el territorio.

Merece todavía ser resaltada la perspectiva del desarrollo sostenible que ganó destaque a partir del final del siglo XX. Al insertar la preocupación en no comprometer a la capacidad de las generaciones futuras a satisfacer sus propias necesidades, Ignacy Sachs (1993) adoptó un paradigma holístico de los problemas de la sociedad, sin enfocarse apenas sobre la gestión de los recursos naturales. Para él, el alcance de la sostenibilidad presupone el protagonismo del territorio, exigiendo el desarrollo de nuevas institucionalidades que puedan contemplar cinco dimensiones del desarrollo sostenible: ambiental, cultural, económico, social y territorial.

En el caso brasileño, el proceso de redemocratización – que culminó en la Constitución de la República Federativa de Brasil de 1988 –, el avance de la estabilidad macroeconómica en la década de 1990 y, sobre todo, la intensificación del protagonismo estatal en las políticas sociales a partir de los años 2000 encontraron en las teorías del desarrollo endógeno las bases conceptuales para la formulación y la implementación de políticas públicas que tienen por objetivo el desarrollo regional.

Abramovay (2011) localizó, en el inicio de la década de 1980, a la preeminencia, en brasil, de las perspectivas endógenas, nombradas por el autor como "abordaje territorial del proceso de desarrollo". Según el autor, la naturaleza misma de la cooperación entre los diferentes actores sociales de un determinado territorio y su vinculación con los sistemas productivos pasaron a la época a importar en la comprensión de la dinámica del desarrollo regional. Aún bajo la mirada de Abramovay (2011), conviene apuntar algunas virtudes del uso de la noción de territorio, a comenzar por extrapolar al análisis puramente sectorial (por ejemplo, estudiar a las regiones rurales exclusivamente desde la agricultura y los agricultores) y, consecuentemente, redefinir las dimensiones del territorio (comprendiéndolo por las interacciones sociales y no por los límites físicos). Otra ventaja reside en considerar a la multidimensionalidad de los fenómenos y evitar el reduccionismo del proceso de desarrollo al crecimiento económico (Webster, 2004). El uso de la noción de territorio permite, todavía, el estudio empírico de los diversos actores (dada la variedad cultural, política, social y económica) y de los mismos mecanismos de gobernanza pública estructurados, por ejemplo, en consejos de desarrollo.

Con relación a los mecanismos de gobernanza, Abramovay (2011, p. 2) pregunta si son "[...] capaces de ofrecer oportunidades de innovación organizacional que estimule el emprendedorismo privado, público y asociativo en sus regiones respectivas". Para él, si adjuntos a la noción de territorio, tales mecanismos posibilitan interpretar la relación entre sistemas sociales y ecológicos como potencial locus de cooperación entre Ciencias Sociales y Naturales (Abramovay, 2011), introduciendo nuevas estructuras y nuevos procesos de gestión, a partir de una democracia más inclusiva (Nabatchi, Sancino & Sicilia, 2017).

Esas concepciones de gobernanza territorial interesan particularmente a este trabajo. Asociadas a cambios en las dimensiones sociopolítica, económico-financiera e institucional-administrativa, ellas facilitan la promoción de procesos democráticos, articulando Estado, iniciativa privada y sociedad civil en la coproducción y cogestión de soluciones y en el incremento de espacios públicos de participación y control social (Dagnino, Olivera & Panfichi, 2006). Es, por lo tanto, a ellas y al paradigma endógeno de desarrollo que el presente estudio remite para discutir concepciones de desarrollo y de gobernanza territorial inscriptas en el proceso de fundación e interiorización de los Institutos Federales.


Resultados y discusión

La creación de una red de escuelas técnicas en Brasil en 1909 (Santos, 2016; Cunha, 2005; Pozzer & Neuhold, 2019) estuvo predominantemente vinculada a centros urbanos o administrativos, en general

(potenciales) núcleos de la actividad industrial. Sin embargo, las escuelas fueron distribuidas por los 19 estados entonces existentes, más específicamente por las 18 capitales, existiendo todavía una unidad en la ciudad fluminense de Campos, en Rio de Janeiro. Aquella iniciativa se alineaba a la expectativa de industrializar y urbanizar el país, aún predominantemente agrario. De ahí los esfuerzos para educar a la población residente en las capitales, más estrictamente a la masa de hombres blancos y pobres, la cual fue direccionada a la educación profesional (Santos, 2016; Cunha, 2005).

Casi 60 años después, el Decreto n. 60.731 transfirió para el Ministerio de Educación los órganos de enseñanza profesional agrícola del Ministerio de Agricultura, integrándolos al conjunto de instituciones volcadas a la educación profesional formadas, hasta entonces, por escuelas técnicas industriales. La red de escuelas federales pasó a totalizar 60 de las unidades que formarían parte, más tarde, de los Institutos Federales. Es necesario puntuar que aquel lento proceso de expansión de las unidades fue interrumpido por la promulgación de la Ley n. 8.948, de 1994, durante el gobierno de Fernando Henrique Cardoso (Partido de la Social Democracia Brasileña), cuando la Unión fue prohibida de crear nuevas instituciones de educación profesional, excepto si hubiese camaradería con otras instituciones (Ley n. 8.948, 1994).

En el inicio de los años 2000, la política implementada por el gobierno de Luiz Inácio Lula da Silva (Partido de los Trabajadores) representó un separador de aguas en la historia de la educación profesional. Más allá de haber revertido el papel de la Unión con respecto a la oferta de la educación profesional (al darle nueva redacción al Art. 3 de la Ley n. 8.948/1994, y admitir el protagonismo del Gobierno Federal en la creación de nuevas unidades), también implementó un proceso amplio de expansión y de interiorización por medio de los Institutos Federales. Otro aspecto a resaltar con respecto a la ruptura con la dualidad urbano rural que formaba parte de la estructuración de la red desde la década de 1970: de un lado, escuelas técnicas industriales en los grandes centros urbanos; de otro, las escuelas técnicas agrícolas en el campo. Al expandirse para pequeñas y medianas ciudades, incluyendo zonas urbanas sin perfil industrial, los Institutos Federales rompieron con la dualidad "urbano rural".

Conviene puntuar que la construcción de los Institutos Federales se dio en un contexto de disputas alrededor de la hegemonía del campo de la educación profesional y tecnológica (Frigotto, Ciavatta & Ramos, 2005). No es pretensión de este estudio escudriñar tales disputas, pero interesa particularmente mapear a las perspectivas alrededor del desarrollo regional que permeaba el debate público e impactaron a la formulación de las propuestas y la toma de decisión por parte de gestores y legisladores.


La formulación de la política pública

La centralidad del desarrollo regional endógeno en la arquitectura legislativa de los Institutos Federales puede ser recuperada en un conjunto de documentos producidos a partir de 2004 que culminaron en la Ley n. 11.892, de 2008. Esos documentos son sintetizados en la Figura 1 y detallados a lo largo de esta sección.

Figura 1: Principales documentos que insertaron la preocupación con el desarrollo regional endógeno en la política federal de educación profesional y tecnológica – Brasil, de 2004 a 2008


Linha do tempo  Descrição gerada automaticamente


Fuente: elaborado por los autores.


La Resolución Interministerial n. 200, de agosto de 2004, creó el Grupo de Trabajo Permanente para Arreglos Productivos Locales (APL, en portugués), cuya atribución era "[...] elaborar y proponer directrices generales para la actuación coordinada del gobierno en el apoyo a arreglos productivos locales en todo el territorio nacional" (Resolución Interministerial n. 200, 2004). Aquel grupo contó desde el inicio con la participación del Ministerio de Educación.

En el año siguiente, el Plan de Expansión de la Red Federal de Educación Tecnológica (Etapa 1) manifestaba la preocupación con la formación integral de los estudiantes. Apuntaba, tímidamente, para una perspectiva de reducción de las desigualdades, desarrollo sostenible, cierto comprometimiento con los arreglos productivos locales y la integración con otras políticas volcadas al desarrollo del país. Sin embargo, el documento dejaba explícito que su objetivo específico era "[...] implantar Escuelas Federales de Formación Profesional y Tecnológica [...] cuyos cursos estén articulados con las potencialidades locales del mercado de trabajo" (Plan de Expansión de la Red Federal de Educación Tecnológica, 2005), lo que muestra que la perspectiva del desarrollo endógeno aún se estaba gestando.

La incorporación de la cuestión del desarrollo regional ganó relieve a partir de la realización de la Segunda Conferencia Brasileña de APLs, ocurrida en el segundo semestre del 2005. Organizada por el Grupo de Trabajo Permanente para APLs, el objetivo principal de la conferencia era aprimorar las políticas públicas y estimular el desarrollo local, definiendo como dos de sus ejes estructurantes las cuestiones involucradas en la formación y la capacitación de los trabajadores y en la generación de tecnologías e innovaciones (Instituto Nacional de Metrología, Calidad y Tecnología [Inmetro], 2023).

Los primeros registros de la convergencia entre la expansión de la educación profesional y la perspectiva del desarrollo regional remiten a la Primera Conferencia Nacional de Educación Profesional y Tecnológica (realizada en noviembre de 2006, en Brasilia), precedida por las Conferencias Estatales (en los 26 estados y en el Distrito Federal, entre los meses de mayo y junio de 2006). A la época, la Primera Conferencia Nacional de Educación Profesional y Tecnológica contó con la participación de más de diez mil personas, representando redes de enseñanza (estatales, municipales, federales y privadas), sindicatos, educadores y estudiantes (Ministerio de Educación [MEC], 2007). Cerca de 900 representantes participaron de la Conferencia Nacional, cuyo tema general fue "Educación profesional como estrategia

para el desarrollo y la inclusión social". Uno de los objetivos definidos por el reglamento de la conferencia era "[...] discutir el rol de la Educación Profesional y Tecnológica en el desarrollo nacional y en las políticas de inclusión social, observando las realidades regionales" (MEC, 2007).

La centralidad del desarrollo regional en la política de educación profesional

La centralidad del desarrollo regional en la política de educación profesional y tecnológica comenzó a ganar institucionalidad con el Decreto n. 6.095, del 24 de abril de 2007, que tuvo como objetivo establecer lineamientos para el proceso de integración de las instituciones federales de educación tecnológica, a los efectos de la constitución de los Institutos Federales. En el primer párrafo del artículo 4, dicho decreto determinó la vocación de las nuevas instituciones y lo que debía incluirse en el Plan de Desarrollo Institucional. De los siete ítems, cinco incluyen los siguientes términos:


  1. ofrecer educación profesional y tecnológica, en todos los niveles y modalidades, formando y capacitando profesionales para los diferentes sectores de la economía, en estrecha coordinación con los sectores productivos y la sociedad;


  2. desarrollar la educación profesional y tecnológica, como proceso educativo e investigativo de generación y adaptación de soluciones técnicas y tecnológicas a las demandas sociales y particularidades regionales;


  3. orientar su oferta de capacitación en beneficio de la consolidación y fortalecimiento de los esquemas productivos locales, identificados con base en el mapeo de las potencialidades de desarrollo socioeconómico en el ámbito del IFET [Instituto Federal];.


  4. constituirse como un centro de excelencia en la impartición de educación científica, en general, y de ciencias aplicadas, en particular, estimulando el desarrollo de un espíritu crítico, volcado a la investigación empírica;


  5. calificarse como centro de referencia en el apoyo a la oferta de la educación científica en las instituciones públicas de enseñanza, ofreciendo capacitación técnica y actualización pedagógica a los docentes de las redes públicas de educación;


  6. ofrecer programas de extensión, dándole prioridad a la divulgación científica; y


  7. estimular la investigación aplicada, la producción cultural, el emprendedorismo, el cooperativismo y el desarrollo científico y tecnológico (Decreto nº 6.095/2007, subrayado es nuestro).


La Llamada Pública de Propuestas para el Apoyo al Plan de Expansión de la Red Federal de Educación Tecnológica (Etapa 2) ya incorporó y dio proyección a la perspectiva del desarrollo regional endógeno. Se definió que uno de los criterios para la instalación de las nuevas unidades sería la proximidad a los arreglos productivos locales instalados y en desarrollo. Cabría a ellas darle "[...] soporte al desarrollo de la actividad productiva, oportunidades de generación y diseminación de conocimientos científicos y tecnológicos y estímulo al desarrollo socioeconómico en los niveles local y regional" (Llamada Pública MEC/SETEC n. 001, 2007, p. 1). El objetivo específico de la política pública sería la "[...] conjugación de esfuerzos en el sentido de promover el desarrollo regional, los arreglos productivos locales, la responsabilidad social y la interacción con los sectores productivos del país" (Llamada Pública MEC/SETEC n. 001, 2007, p. 2). Había aún toda la preocupación en reducir las desigualdades regionales, proporcionando la "[...] distribución territorial equilibrada de las nuevas unidades de enseñanza" y la "[...] cobertura del mayor número posible de mesorregiones en cada Unidad de la Federación" (Llamada Pública MEC/SETEC n. 001, 2007, p. 1).

El compromiso de los Institutos Federales con el desarrollo regional se queda más evidente en la Exposición de Motivo n. 00118/2008/MP/MEC, enviada el 19 de junio de 2008 al Presidente de la República Luiz Inácio Lula da Silva. En él, los firmantes – el ministro de Educación, Fernando Haddad, y de Planificación, Presupuesto y Gestión, Paulo Bernardo – sometieron al presidente para consideración el proyecto de ley sobre la creación de Institutos Federales. El texto justifica la importancia de las nuevas instituciones a partir del compromiso político asumido por el Jefe del Ejecutivo de establecer escuelas

técnicas en ciudades centrales del país vinculadas a las estrategias de desarrollo socioeconómico sostenible:

[...] Al inaugurar su segundo mandato, Su Excelencia [Presidente de la República] se compromete públicamente a establecer una escuela técnica en cada ciudad importante del país, vinculando la provisión pública de educación profesional a las estrategias de desarrollo socioeconómico sostenible. En este contexto, se propone la implementación de los Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología (Exposición de Motivo Interministerial n. 00118/2008/MP/MEC, 2008).


El documento del MEC y del Ministerio de Planificación, Presupuesto y Gestión asignó un papel estratégico a ser cumplido por los Institutos Federales en un proyecto de desarrollo en curso. Podrían “[...] dotar al país de las condiciones estructurales necesarias al desarrollo socioeconómico con justicia social, equidad, competitividad económica y generación de nuevas tecnologías” (Exposición de Motivo Interministerial n. 00118/2008/MP/MEC, 2008).

Vale señalar que la concepción presente en el documento no comprende el desarrollo regional como la consecuencia indirecta de una política educativa a ser implementada por los Institutos Federales, sino como resultado de esfuerzos institucionalizados y combinados coordinados por las nuevas instituciones y en en línea con los arreglos productivos locales:

Vale apontar que a concepção presente no documento não compreende o desenvolvimento regional como a consequência indireta de uma política educacional a ser implementada pelos Institutos Federais, mas sim como resultado de esforços institucionalizados e conjugados coordenados pelas novas instituições e em consonância com os arranjos produtivos locais:

[...] La combinación de esfuerzos y capacidades institucionales brindará las condiciones para alcanzar los objetivos trazados para la nueva entidad, en cuya misión están destacadas las siguientes acciones: ofrecer educación profesional y tecnológica, como proceso educativo e investigativo, en todos sus niveles y modalidades, especialmente en nivel medio; orientar la oferta de cursos en línea con la consolidación y el fortalecimiento del tejido productivo local; estimular la investigación aplicada, la producción cultural, el emprendedorismo y el cooperativismo (Exposición de Motivo Interministerial n. 00118/2008/MP/MEC, 2008).


La idea de aunar esfuerzos y capacidades institucionales apuntaba a enfrentar complejos problemas políticos, económicos, sociales y culturales, que iban mucho más allá del ya difícil objetivo del crecimiento económico. Es cierto que tal política fue parte de una dinámica político-gubernamental que no se propuso enfrentar el conflicto capital/trabajo, es decir, no se priorizaban acciones que entendieran los problemas del desarrollo como productos de procesos que se desarrollan, objetivamente, desde las relaciones de producción capitalista. Surgió del entendimiento de las cuestiones de desarrollo a partir de la ampliación de las libertades sustantivas (Sen, 2010). Así, la concepción de desarrollo que permeó el proceso de creación de los Institutos Federales integró las cuestiones políticas, sociales y culturales con las económicas, establecidas desde la perspectiva de eliminar fuentes de privación de libertad, como la pobreza, la falta de oportunidades económicas y el abandono de servicios públicos, pero no para cambiar las relaciones de producción.


La ley de creación de los Institutos Federales

Las preocupaciones con el desarrollo regional fueron impresas en la Ley n. 11.892/2008 y están explícitamente incluidas en los dos apartados que abordan, en primer lugar, los fines y características y luego los objetivos de los Institutos Federales. El artículo 6 detalla estos fines y características en nueve apartados. De ellos, seis mencionan directamente aspectos que inciden en el desarrollo regional vinculados al trípode de docencia, investigación y/o extensión (Figura 2).

Figura 2: Recurrencia de términos asociados al desarrollo regional presentes en las finalidades y características de los Institutos Federales


Tabela  Descrição gerada automaticamente


Fuente: Elaborado por los autores a partir de la Ley n. 11.892/2008.


En relación con la docencia, el desarrollo regional está vinculado, en la ley que crea los Institutos Federales, al desempeño profesional (fracción I), a la generación y la adaptación de soluciones técnicas y tecnológicas (fracción II), a los ejes tecnológicos convergentes con la realidad local (fracción IV) y a la formación docente (fracción VI). Ya la transferencia de tecnología (fracción VI), la formación pedagógica (fracción VI), el estímulo al cooperativismo, el emprendedorismo y la producción cultural (fracción VIII) relacionan la extensión con el desarrollo regional. Finalmente, la investigación denota procesos de generación y adaptación de soluciones técnicas y tecnológicas (fracción II), investigación aplicada (fracción VIII), desarrollo científico y tecnológico (fracción VIII) y desarrollo de tecnologías sociales (fracción IX).

La perspectiva de desarrollo impresa en la ley que crea los Institutos Federales también puede leerse en la clave del enfoque de desarrollo sostenible de Sachs (1993), sistematizado en el Cuadro 1.

Cuadro 1: Desarrollo regional según las dimensiones del desarrollo sostenible de Ignacy Sachs (y los términos presentes en la ley de creación de los Institutos Federales)

Dimensión del desearrollo sostenible(Sachs, 1993)

Ley n. 11.892/2008 (Brasil)

Fracción

Términos presentes en los detalles de los objetivos de los Institutos Federales (Artículo 6)

Ambiental

IX

Preservación del medio ambiente

Cultural

VI

Arreglos culturais locais

Desarrollo cultural


Económica

I

Sectores de la economía

I e IV

Socioeconómico

IV

Arreglos productivos

VIII

Emprendedorismo

Cooperativismo


Social

II

Demandas sociales

IV

Arreglos sociales locales

I e IV

Socioeconómico


IX

Transferencia de tecnologías sociales


Territorial

I

Desarrollo [...] local, regional y nacional

II

Peculiaridades regionales

IV

Arreglos [...] locales

Fonte: Elaborado pelos autores.


En cuanto a los objetivos de los Institutos Federales enumerados en seis fracciones del artículo 7 de la Ley n. 11.892/2008, tres abordan cuestiones relacionadas con el desarrollo regional. Se refieren a la realización de investigaciones aplicadas cuyos resultados se extiendan a la comunidad (fracción III), a la estimulación de procesos que conduzcan a la generación de trabajo e ingresos con el objetivo de lograr el desarrollo local y regional (fracción V), además de la formación de profesionales para actuar en diferentes sectores de la economía, en la educación básica y/o en el desarrollo científico y tecnológico (fracción VI).

Aquí es posible responder algunas de las preguntas que orientaron el presente estudio. ¿Cuál fue el carácter innovador de las políticas públicas, especialmente en lo que respecta a los Institutos Federales?

¿Qué estaba pasando con el proceso de expansión? Se observa que, con sus variaciones y peculiaridades, la educación profesional y tecnológica se asocia comúnmente con aspectos como la reducción del desempleo entre la población joven, la reducción de la pobreza, la calificación de los trabajadores en ciertos sectores y el crecimiento económico (Wiriadidjaja, Andriasanti & Jane, 2019; Stockmann, 2019). Ya la concepción y el diseño institucional de los Institutos Federales han ido más allá de estas cuestiones que tradicionalmente rodean la educación profesional y tecnológica. Eso porque se propuso responder a múltiples demandas sociales presentes en la agenda brasileña, como aumentar la calidad y el promedio educativo de la población (Frigotto, Ciavatta & Ramos, 2005), la reducción de las desigualdades de género y étnico-raciales (Nascimento, Cavalcanti & Ostermann, 2020), el aumento de la empleabilidad de jóvenes y adultos, la formación de docentes, el impulso de la producción, circulación y disfrute de bienes y servicios artísticos y culturales, la promoción del cooperativismo y la preservación del medio ambiente (Ley n. 11.892, 2008). Tales interrogantes giraban en torno a lo que, en este artículo, se ha considerado como uno de los ejes estructurantes de los Institutos Federales: el desarrollo regional.

Llegados a este punto, se responde a la segunda pregunta sobre el proyecto de desarrollo en curso. Considerando que los paradigmas de desarrollo regional son variados, cabe resaltar que la política que dio origen a los Institutos Federales estuvo vinculada al desarrollo regional endógeno. Al privilegiar un enfoque comunitario y sostenible que se organiza, recuperando los términos de Sachs (1993), en torno a las dimensiones social, cultural, ambiental, territorial y económica, se trascendió la visión mercadocéntrica del crecimiento económico. También se apoyó en relaciones democráticas entre fuerzas de diferentes campos de acción que, aunque divergentes, actúan en el territorio: agentes sociales, agentes públicos y agentes económicos (Fligstein, 2001).


La implementación

Con la promulgación de la Ley N. 11.892, en diciembre de 2008, la educación profesional y tecnológica federal adquirió una estructura institucional, un alcance y una capilaridad sin precedentes, además de calificaciones técnicas y científicas para ofrecer cursos (técnicos, tecnológicos, cursos de licenciatura y pregrado, etc.) y desarrollar investigaciones con relevancia y aplicabilidad en las comunidades.

Vale resaltar el énfasis dado, en la fracción IV del artículo 6, a la finalidad atribuida a las nuevas instituciones de consolidar y fortalecer los arreglos productivos, sociales y culturales locales, “[...] identificados a partir del mapeo de las potencialidades de desarrollo socioeconómico y cultural en el ámbito del Instituto Federal” (Ley n. 11.892, 2008). En la etapa de creación de nuevos campi, el vínculo entre los Institutos Federales y los territorios en los que se instalaron se estableció a través de diálogos institucionales con organizaciones locales, aprovechando, sobre todo, audiencias públicas. De aquellos procesos participativos, complementados con investigaciones de diagnóstico, se enumeraron demandas

y prioridades regionales. Esta metodología articuló los ejes tecnológicos3 prioritarios de cada campus con el desarrollo regional basado en la interacción de la docencia, la investigación y la extensión con los arreglos productivos locales (APLs), los arreglos culturales y otros arreglos sociales, incluidos los educativos, en los términos de la Ley N. 11.892/ 2008 (Figura 3).

Vale enfatizar o destaque dado, no inciso IV do Art. 6º, à finalidade atribuída às novas instituições de consolidar e fortalecer os arranjos produtivos, sociais e culturais locais, “[...] identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do Instituto Federal” (Lei nº 11.892, 2008). Na etapa de criação dos novos campi, o vínculo dos Institutos Federais com os territórios em que se instalaram estabeleceu-se por meio de diálogos institucionais com as organizações locais, fazendo uso, sobretudo, de audiências públicas. Daqueles processos participativos, complementados por pesquisas de diagnóstico, foram elencadas demandas e prioridades regionais. Tal metodologia articulou os eixos tecnológicos prioritários de cada campus com o desenvolvimento regional a partir da interação do ensino, da pesquisa e da extensão com os arranjos produtivos locais (APLs), os arranjos culturais e os demais arranjos sociais, dentre eles os educacionais, nos termos da Lei nº 11.892/2008 (Figura 3).

Figura 3: Flujo de la política pública de creación de un campus del Instituto Federal


Diagrama  Descrição gerada automaticamente

Fuente: Elaborado por los autores.


En un arreglo productivo local, un conjunto de organizaciones comparte y desarrollan ventajas colectivas, debido a la presencia de instituciones de apoyo (como educación e innovación), las políticas regionales y sectoriales, la estructura productiva y la infraestructura local especializada (Buitelaar, 2000). En el caso de los Institutos Federales, es posible inferir que los cursos y los egresados se apegaran a las necesidades políticas, económicas y sociales locales; que la investigación (coordinada por profesores con maestría y doctorado) se aplicara, de manera prioritaria, a las demandas de esas


image

3 Según el Catálogo Nacional de Carreras Técnicas del Ministerio de Educación (s.f.), el eje tecnológico facilita la organización curricular de la educación profesional y tecnológica al agrupar varias carreras, según sus características científicas y tecnológicas. En los Institutos Federales se orienta la oferta de cursos de diferentes niveles (medio y superior) en cada campus, permitiendo la verticalización. Por ejemplo, un campus estructurado bajo el eje tecnológico de Gestión y Negocios puede ofrecer una carrera técnica integrada con Administración de nivel medio superior, una carrera tecnológica de nivel superior en Procesos de Gestión y un posgrado en Gestión y Negocios. Esta estructura permite tanto al profesorado trabajar en los diferentes niveles educativos como a los estudiantes continuar sus estudios hasta realizar estudios de posgrado, sin necesidad de migrar del territorio.

comunidades; y que las acciones de extensión democratizaran y popularizaran las tecnologías y conocimientos producidos.

La implementación de esta nueva institucionalidad encontró apoyo político en el proceso de ampliación de nuevos campi de los Institutos Federales, priorizando, además de la articulación con los arreglos productivos, sociales y culturales locales, su internalización y, en consecuencia, la llegada a las pequeñas y las medianas ciudades brasileñas.

Representando el 91,7% de las 654 unidades de la Red Federal existentes hasta 2020, y el 92,9% de

1.507.476 millones de inscripciones (Plataforma Nilo Peçanha, 2021), los Institutos Federales fueron concebidos como una estructura multicampi, con una rectoría que sintetiza la identidad organizacional y una serie de unidades descentralizadas con gestión administrativa y académica propias, efectivadas a través de agencias federales vinculadas al Ministerio de Educación (Neuhold & Pozzer, 2023). Parte de los Centros Federales de Educación Tecnológica (Cefet) existentes antes del plan de expansión de 2005, la mayoría ubicados en las capitales de los estados brasileños, pasaron a ser sedes administrativas de los Institutos Federales. Al mismo tiempo, se construyeron nuevas unidades, principalmente en ciudades del interior o en regiones periféricas de grandes centros urbanos. Ésta, de hecho, fue una de las novedades de la ampliación de la Red Federal: llevar la educación profesional y tecnológica a zonas con oferta educativa escasa y/o precaria e internalizarla, distribuyéndola de manera relativamente equitativa en todo el territorio (Neuhold & Pozzer, 2023).

Las inversiones en la Red Federal pasaron de alrededor de dos mil millones de reales, en 2003, a más de nueve mil millones una década después. A partir de 2007, durante el segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2007 a 2010), la educación profesional y tecnológica estuvo vinculada al proyecto de desarrollo destacado en el Plan Plurianual (2007 a 2010), orientando la ampliación de los nuevos campi de los Institutos Federales para el interior del país y buscando la reducción de las desigualdades regionales (Santos, 2015).

Según datos del censo de 2010, los municipios brasileños con menos de 100 mil habitantes representaban el 94,91% del total, absorbiendo 86,3 millones de habitantes en un país con una población de alrededor de 190 millones de personas. Esto quiere decir que el 45,25% de la población vivía en municipios pequeños. En 2002, un año antes de iniciarse el proceso de reorganización de la educación profesional y tecnológica federal, los municipios de hasta 100 mil habitantes contaban con el 40,57% de las unidades de lo que sería el Instituto Federal. En 2020, luego del proceso de ampliación e interiorización, los municipios pequeños concentraban más del 55% de los campi, como se puede observar en la Tabla 1.


Tabla 1: Perfil de los municipios (por habitantes) que contaban con campus de los Institutos Federales (2020) y/o de sus antecesores – Brasil, 2002

Perfil de los municipios

2002

2020

Cantidad

Porcentaje

Cantidad

Porcentaje

Hasta 100 mil habitantes

43

40,57%

327

55,52%

100 a 500 mil habitantes

39

36,79%

199

33,79%

Más de 500 mil habitantes

24

22,64%

63

10,70%

Fuente: Elaborado por los autores.


Al observarse la distribución territorial de los Institutos Federales, se hace más evidente el cambio de prioridad de la política de educación profesional y tecnológica a partir de 2003: de los 483 nuevos campi, más de la mitad se instalaron en municipios de menos de 100 mil habitantes, frente al 8% en municipios de más de 500 mil.

Tabla 2: Creación de nuevos campi de los Institutos Federales de acuerdo con el tamaño de los municipios a partir de 2003

Perfil de los municipios

Campi creados a partir de 2003

Hasta 100 mil

284

58,80%

100 a 500 mil

160

33,13%

Más de 500 mil

39

8,07%

Total

483

100,00%

Fuente: Elaborado por los autores.


El cambio en el perfil de los municipios atendidos por los Institutos Federales fue el resultado de una política gubernamental concertada y estructurada bajo los auspicios del desarrollo regional endógeno. Sugirió la posibilidad de revertir una lógica histórica en la que “[...] los roles económicos de las ciudades pequeñas no conciernen estrictamente a los intereses de sus habitantes. Por el contrario, son espacios captados, en muchos aspectos, por intereses que les son ajenos” (Endlich, 2009, p. 286). O sea, a partir de los arreglos productivos, sociales y culturales de las pequeñas localidades, las nuevas institucionalidades serían capaces de “[...] extraer y problematizar lo conocido, investigar lo desconocido para comprenderlo e incidir en la trayectoria de los destinos de su locus” (Pacheco, 2011, p. 21).

Así, a partir del reconocimiento del potencial de estos pequeños municipios y la instalación de los campi de los Institutos Federales, se constituye un nuevo incentivo para fortalecer los vínculos entre el espacio y sus ciudadanos. Las nuevas institucionalidades actuarían para modificar las fuerzas socioeconómicas y político-culturales, revirtiendo procesos que tienden a transformar dichos lugares en espacios de transición. Favorecerían, de esta manera, lo que Pacheco (2011, p. 21) denomina la “[...] sedimentación del sentimiento de pertenencia territorial”, subvirtiendo la “[...] sumisión de las identidades locales a una sociedad global” y estructurar alternativas para que los egresados de Institutos Federales, especialmente los estudiantes jóvenes, no sean forzados a migrar.

Vale señalar que, históricamente, el desarrollo de innovaciones técnicas y tecnológicas estuvo centrado en las universidades que, a su vez, también están ubicadas, generalmente, en regiones metropolitanas (Souza, 2019). La mirada para el local, especialmente para los problemas locales, era dificultada por el mismo distanciamiento geográfico con relación a los centros de producción de conocimiento. La capilaridad de los Institutos Federales, en teoría, afrontaría este desafío. Como institución construida sobre el trípode de la enseñanza, la investigación y la extensión, enfocada (como su propio nombre lo indica) a la articulación entre educación, ciencia y tecnología, los Institutos Federales tendrían el potencial de formar profesionales, diagnosticar problemas y desarrollar actividades científicas, técnicas e innovaciones tecnológicas capaces de fortalecer los arreglos productivos locales, generando riqueza e ingresos (Souza, 2019). Por tanto, como antes, no serían sólo escuelas técnicas federales.

La prominencia política de este proyecto fue validada, en 2014, luego de la aprobación de la Ley N. 13.005, que estableció el Plan Nacional de Educación (2014-2024): su meta 11 preveía triplicar la matrícula en la educación profesional técnica de nivel secundario, con la primera estrategia para la internalización de los campi. Esta estrategia también reconoció la responsabilidad de los Institutos Federales en el ordenamiento territorial y la importancia de sus vínculos con los arreglos productivos, sociales y culturales locales y regionales. Así, el Plan Nacional de Educación (2014-2024) explicó la percepción de que los Institutos Federales deberían ocupar un papel estratégico en sus regiones: el de tener responsabilidad en el ordenamiento territorial.

En 2002, Brasil tenía 5.329 municipios con hasta 100 mil habitantes. De esos municipios, sólo 43 (o el 0,8% del total) tenían unidades de la red federal de escuelas profesionales. Vale la pena enfatizar que muchas de esas 43 unidades eran escuelas agrícolas. Ya en 2020, Brasil tenía 5.244 municipios con hasta 100 mil habitantes, de los cuales 327 (6,24% del total) tenían campi de los Institutos Federales.

En lo demás, como destaca Souza (2019), la expansión de los Institutos Federales también reforzó el papel de la Unión en el sistema educativo, para más allá de las competencias comunes entre las entidades federadas. Si bien la educación federal alguna vez estuvo presente en algunas escuelas técnicas y universidades federales, experimentó una gran expansión, tanto a través de los Institutos Federales como por intermedio de las propias universidades, que también vivieron, en el mismo periodo, un proceso de internalización.

En definitiva, respondiendo a la tercera pregunta orientadora de este estudio sobre el perfil de las ciudades atendidas en la expansión de la Red Federal, se confirmó la hipótesis de que el papel de los Institutos Federales se proyectaba como una centralidad que potencia el desarrollo regional de los pequeños y medianos municipios. Dichos municipios, incluidos aquellos sin perfil industrial, fueron reconocidos como espacios con realidades múltiples que reúnen sistemas socioecológicos y tecnológicos a gran escala, responsables de la gobernanza de los diversos stocks de recursos, flujos y servicios ecosistémicos en los cuales diversos servicios públicos, privados y comunitarios pueden resolverse o mejorarse (Wolfram & Frantzeskaki, 2016).


Dificultades y potencialidades

La producción legislativa brasileña sufre, en general, de deficiencias que resultan en una legislación con menor calidad y efectividad, proporcionando en ocasiones respuestas inadecuadas a las demandas que legitimaron su surgimiento (Urbano, 2014). Generalmente se dejan una serie de vacíos para disposiciones infralegales, asegurando mayor flexibilidad y autonomía para la toma de decisiones de los directivos. Sin embargo, la Ley n. 11.892/2008 contradijo esta práctica y detalló los diversos aspectos que la política buscaba abordar. Esta característica de la ley permite una evaluación detallada de los resultados alcanzados, ya que establece, de antemano, dos parámetros analíticos para el seguimiento de la política pública: los fines y características (definidos en el art. 6) y los objetivos (fijados en el art. 7) de los Institutos Federales.

Por un lado, la intersectorialidad de la política sorteó la cultura del bachillerato y el descrédito que, en general, ocupa la educación profesional en el país. También superó la falsa dicotomía entre educación básica y educación técnica, al no guiarse por las necesidades inmediatas del mercado. En lo demás, amplió la capilaridad a municipios pequeños, instalándose el 58,80% de los nuevos campi en localidades de menos de 100 mil habitantes. Por otro lado, hubo dificultades en la implementación de la política, incluida la disparidad entre la situación legal y la situación real derivada de vacíos en el proceso de constitución de los Institutos Federales. Sin apoyo real para sustentar la práctica efectiva de los campi, los Institutos Federales pasaron a actuar de manera distorsionada (Costa & Marinho, 2018) o por debajo de sus potencialidades, logrando parcialmente sus objetivos.

Conviene subrayar que, si bien los Institutos Federales son una institución relativamente nueva, fundada en diciembre de 2008, están vinculados a una serie de organizaciones preexistentes, en algunos casos instituciones centenarias. Si este diseño organizacional dio agilidad a la implementación de la política, redujo costos y aprovechó cierto prestigio y legitimidad de antiguas instituciones en sus comunidades. También la sometió a cierta resistencia, lo que dificultó la creación y el desarrollo de una cultura organizacional comprometida, desde el principio, con los ideales y los valores planificados. Este problema se vio reforzado por el hecho de que las antiguas estructuras se transformaron en órganos centrales de gestión, principalmente sus rectorados (Frigotto, 2018).

En un estudio sobre la perspectiva de los gerentes de unidades del Instituto Federal de Río de Janeiro sobre el compromiso de la institución con el desarrollo regional, Souza (2019) entrevistó, en 2016, a 11 gerentes (directores generales y, en su ausencia, directores docentes de cada campus). Como sugiere el autor, los directores generales tienen un papel destacado, ya que “[...] son el interfaz más importante entre la realidad y las demandas locales y la institución en su conjunto, especialmente en relación con el alto nivel que representa la rectoría y los grupos de decisión de la institución” (Souza, 2019, p. 3). El estudio demostró que existe unanimidad entre los directivos sobre la relevancia del campus para el

desarrollo local. Sin embargo, la lectura de los fragmentos seleccionados por el autor para traducir esta percepción muestra que la visión del desarrollo regional estaba prácticamente restringida a la oferta formativa asociada a las demandas del territorio: ocho años después de la creación de los Institutos Federales todavía no existía una reflexión profunda sobre la relevancia de la institución en el desarrollo de innovaciones científicas, técnicas y tecnológicas acordes con los desafíos locales y regionales, incluso por parte de los directores generales. En este sentido, la investigación y la extensión ocuparían una posición marginal, siendo vistas, a lo sumo, como una rama y no como actividades académico-científicas que reconocen su papel como vector de desarrollo regional.

Estas dificultades culturales no se limitan al legado de antiguas instituciones. Hay otras dos cuestiones, quizás incluso más profundamente arraigadas, que se relacionan con la cultura escolar-académica de los docentes y otros servidores públicos involucrados en la implementación de la política. La primera se refiere a la centralidad de la educación secundaria integrada a los cursos técnicos: cuando se practica separadamente de los campos de fuerza señalados por Bourdieu (Fligstein, 2001) y, por tanto, de la preocupación por el desarrollo regional, limita la percepción de nuevas instituciones a escuelas de educación secundaria de excelente calidad, que reconocen en el ingreso de sus estudiantes a otras instituciones de educación superior, generalmente ubicadas en grandes centros urbanos (o incluso en otros países), el logro de sus objetivos institucionales. Desisten, por tanto, de reflexionar sobre el papel de la educación profesional y tecnológica ofrecida en los Institutos Federales en el fortalecimiento del vínculo entre los egresados y el territorio y su papel protagónico en los procesos que conducen al desarrollo regional.

La segunda cuestión está relacionada con las prácticas de extensión y la investigación: para avanzar en el cumplimiento de la función social de los Institutos Federales, se requiere del compromiso con las demandas comunitarias, lo que efectivamente no se da en acciones voluntaristas, dispersas, discontinuas o departamentalizadas. Lo que se ha observado es una baja relación entre los arreglos productivos, sociales y culturales locales y los proyectos de investigación y extensión, así como con las autoridades públicas locales, socias, en general, de acciones específicas (Marinho & Costa, 2013).

Conviene, aquí, recuperar otra de las preguntas orientadoras de este estudio: ¿en qué medida la propuesta incluida en la ley de creación de los Institutos Federales se tradujo en acciones y resultados? A pesar de los cientos de nuevas unidades, los órganos centrales de dirección, es decir, los rectorados, permanecieron vinculados a aquellas antiguas instituciones que construyeron su historia como escuelas técnicas industriales o agrícolas. Por ello, continuaron centrados en el proyecto del pasado, incorporando tímidamente la misión de vincular la educación, la ciencia y la tecnología al desarrollo regional. Los esfuerzos institucionales se mantuvieron canalizados hacia la formación, principalmente, de estudiantes de secundaria integrados con la educación técnica. Al mismo tiempo, relegaron a iniciativas marginales otros niveles de educación, la formación docente, la investigación y la extensión, así como el involucramiento con el territorio.

En ese sentido, se renueva la necesidad de establecer nuevas estructuras (Nabatchi, Sancino & Sicilia, 2017), introduciendo nuevos procesos de gestión respaldados en la gobernanza democrática. Recuperando el análisis de Abramovay (2011) sobre la creación de consejos de desarrollo, vale la pena evaluar la relevancia de que diferentes actores políticos, económicos y sociales del territorio estén representados e interactúen institucional y democráticamente con los campi. Se constituirían, así, espacios orgánicos y de gobernanza que apoyarían en el desarrollo de diagnósticos, la definición de estrategias y prioridades para impulsar el desarrollo regional y el control social efectivo.

Se observa que el éxito institucional suele estar asociado, principalmente, con patrones y sistemas dinámicos de compromiso cívico, con ciudadanos activos guiados por el espíritu público, manteniendo relaciones políticas igualitarias y estructuras sociales establecidas en relaciones de confianza y colaboración (Putnam, 2006). Esos espacios de gobernanza también constituyen entornos educativos, en los que los participantes se forman, desarrollando su carácter cívico y su sentido de pertenencia a esa comunidad. Por lo tanto, no tienen nada que ver con estructuras guiadas por relaciones políticas

verticalmente estructuradas, dinámicas sociales fragmentadas y caracterizadas por el aislamiento. Tales espacios de gobernanza podrían asumir el espíritu de lo que Eliezer Pacheco (2011, p. 14) denominó “[...] observatorios de políticas públicas, convirtiéndolos en objeto de su intervención a través de acciones de enseñanza, investigación y extensión articuladas con las fuerzas sociales del región".

Por fin, otro aspecto central para la implementación de los Institutos Federales se refiere a la realización de diagnósticos confiables de la región en la que se ubican los campi. Esa cuestión está directamente relacionada con la contratación de docentes: ligada a los ejes tecnológicos y a las carreras que se ofrecen en cada campus, la formación del personal que actuará no sólo en la docencia, sino también en la investigación y la extensión, exige consonancia entre los recursos humanos y las demandas comunitarias efectivas. Pacheco (2011) calificó esta perspectiva como uno de los “fundamentos de la propuesta política pedagógica de los Institutos Federales”, como se transcribe a continuación:

[...] La estructura multicampi y la clara definición del territorio cubierto por las acciones de los Institutos Federales afirman, en la misión de estas instituciones, el compromiso de intervenir en sus respectivas regiones, identificando problemas y creando soluciones técnicas y tecnológicas para el desarrollo sostenible con inclusión social. En la búsqueda de armonía con el potencial de desarrollo regional, los cursos en las nuevas unidades deben definirse a través de audiencias públicas y escuchando a las representaciones de la sociedad (Pacheco, 2011, p. 14).


Cabe señalar que la realización de estos diagnósticos no se limita al momento de la implementación de un campus. Dado que la vida comunitaria es dinámica, la configuración de la región tiende a cambiar con el paso del tiempo, incluso a través de las acciones de los Institutos Federales, que ayudan a resolver los problemas. Así, dichos análisis territoriales no terminan cuando se instala un campus: “[...] el monitoreo permanente del perfil socioeconómico-político-cultural de su región de cobertura es de suma importancia” (Pacheco, 2011, p. 22) y podría coordinarse mediante espacios de gobernanza institucionalizados, en los que estén representados diferentes sectores de la comunidad.

Sin un análisis riguroso y participativo que considere los arreglos productivos, sociales y culturales locales, los diversos actores políticos, sociales y económicos que operan en la región, la presencia de activos regionales y las instituciones e institucionalidades que conforman el territorio, hay un riesgo de contratar servidores públicos sin la capacitación requerida. Por ejemplo, se realiza un concurso público para contratar docentes de Ingeniería Civil y, al momento de la implementación del campus, el eje de infraestructura tecnológica no se materializa o rápidamente se queda obsoleto; Los docentes seguirán atados al campus sin tener espacio para su trabajo.


Consideraciones finales

La formulación e implementación de la política pública que dio origen a los Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología estuvieron ancladas en el paradigma del desarrollo regional endógeno. Desde esta perspectiva, el territorio y sus potencialidades originales fueron entendidos como catalizadores activos de procesos que generarían desarrollo a través del protagonismo de actores políticos, económicos y sociales locales. Correspondería a los campi de los Institutos Federales desempeñar el papel de agentes dinamizadores de los procesos, a través de experiencias orgánicas junto a las comunidades. Con ello, la búsqueda de desarrollo ya no se basaría únicamente en la capacidad del territorio para atraer actividades económicas dinámicas y exógenas, como tradicionalmente se ha pensado el desarrollo. También se materializaría a través de la educación profesional entendida de manera amplia y vinculada al desarrollo de innovaciones científicas, técnicas y tecnológicas.

Esta perspectiva, basada en la internalización de los nuevos campi de los Institutos Federales, representó un cambio histórico en la política federal de educación profesional y tecnológica, centrada durante décadas en las grandes ciudades (predominantemente en la forma de educación técnica industrial) o en el campo (en la modalidad de educación técnica agrícola). A partir de 2003, el Gobierno Federal comenzó a reconocer y priorizar las dinámicas socioespaciales de las ciudades pequeñas y su potencial para constituirse como vectores de desarrollo regional, a través de la oferta de cursos y actividades de

investigación y extensión. Por lo tanto, las nuevas unidades de los Institutos Federales ya no están ubicadas principalmente en ciudades grandes y medianas, sino mayoritariamente en municipios de menos de 100 mil habitantes.

No es exagerado decir que los Institutos Federales representan una política educativa compleja y sofisticada. Su potencial para impactar positivamente el desarrollo regional es innegable, pues se establece una parte importante de las condiciones para ello. Un ejemplo de esto radica en: la existencia de una legislación robusta, con fines y objetivos transparentes; en un cuerpo de servidores públicos altamente calificados, trabajando como docentes o técnicos; e infraestructura que, si bien requiere ajustes y/o ampliaciones, tiene consistencia y cobertura territorial.

Sin embargo, los desafíos planteados fueron ambiciosos y sujetos a debilidades, como son los casos de la falta de una cultura organizacional que comprenda y se comprometa con los fines y objetivos de los Institutos Federales; la precariedad de los diagnósticos y los análisis de las regiones en las que se ubican los campi; y la falta de espacios institucionalizados efectivos en los que la interacción social del campus con el resto de la comunidad se dé de manera reflexiva para orientar sus prácticas por los intereses públicos y no sirva para tratar exclusivamente cuestiones administrativas de la institución.

Así, para resolver las discrepancias entre los aspectos reales y los aspectos legales y constituir una nueva cultura organizacional, los campi de los Institutos Federales necesitan avanzar en la integración con los territorios, convirtiéndose efectivamente en parte de sus tejidos orgánicos. De esa manera, las actividades académico-científicas estarían más abiertas a ser influenciadas e incidir, de manera dialéctica, en las dimensiones políticas, económicas, culturales, sociales y ambientales de sus regiones.


Referencias bibliográficas

Abramovay, R. (2011). Para uma teoria do desenvolvimento territorial. Florianópolis, SC: UFSC.

Amaral, J. F. (2001). A endogeneização no desenvolvimento econômico regional e local. Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, nº 23, p. 261-286.

Bardin, L. (2022). Análise de conteúdo. Lisboa, PT: Edições 70.

Boudeville, J. (1973). Os espaços econômicos. São Paulo, SP: Difusão Europeia do Livro.

Bourdieu, P. (1983). O campo científico. In R. Ortiz (Org.). Pierre Bourdieu: Sociologia (Grandes cientistas sociais, 39, pp. 122-155). São Paulo, SP: Ática.

Bourdieu, P. (2004). Os usos sociais da ciência. São Paulo, SP: Unesp. Buitelaar, R. (2000). Cómo crear competitividad colectiva? Santiago: Cepal.

Catálogo Nacional de Cursos Técnicos da Rede Federal. (n. d.). Ministério da Educação. Recuperado de http://cnct.mec.gov.br/lista-de-termos

Chamada pública MEC/SETEC nº 001 (2007). Chamada pública de propostas para apoio ao Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica (Fase 2). Brasília, DF: SETEC/MEC.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (1988). Brasília, DF. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

Costa, P. & Marinho, R. (2018). Educação profissional e tecnológica brasileira reinstitucionalizada: uma revisão geral dos embates sobre a aprovação dos Institutos Federais. In G. Frigotto (Org.), Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: relação com o ensino médio integrado e o projeto societário de desenvolvimento (pp. 63-81). Rio de Janeiro, RJ: UERJ, LPP.

Cunha, L. A. (2005). O ensino de ofícios nos primórdios da industrialização. São Paulo, SP: Unesp.

Dagnino, E., Oliveira, A. J., & Panfichi, A. (2006). Para uma outra leitura da disputa pela construção democrática na América Latina. In E. Dagnino, A. Oliveira, A. Panfichi, A. (Orgs.), A disputa pela construção democrática na América Latina. São Paulo, SP: Paz e Terra.

Decreto nº 6.095 de 24 de abril de 2007 (2007). Estabelece diretrizes para o processo de integração de instituições federais de educação tecnológica, para fins de constituição dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFET, no âmbito da Rede Federal de Educação Tecnológica. Brasília, DF. Recuperado de https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2007/decreto-6095-24-abril-2007- 553446-publicacaooriginal-71368-pe.html

Decreto nº 60.731, de 19 de maio de 1967. Transfere para o Ministério da Educação e Cultura os órgãos de ensino do Ministério da Agricultura e dá outras providências.

Endlich, A. M. (2009). Pensando os papéis e significados das pequenas cidades. São Paulo, SP: Unesp.

Exposição de Motivo Interministerial nº 00118/2008/MP/MEC, de 19 de junho de 2008 (2008). Brasília, DF. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/EMI/2008/118%20-

%20MP%20MEC.htm

Fligstein, N. (2001). Social skill and the theory of fields. Sociological Theory, 19(2), 105-125. Recuperado de https://doi.org/10.1111/0735-2751.00

Frigotto, G. (2018). Indeterminação de identidade e reflexos nas políticas institucionais formativas dos Institutos Federais. In G. Frigotto (Org.), Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: relação com o ensino médio integrado e o projeto societário de desenvolvimento (pp. 125-150). Rio de Janeiro, RJ: UERJ, LPP.

Frigotto, G., Ciavatta, M., & Ramos, M. (2005). A política de educação profissional no governo Lula: um percurso histórico controvertido. Educação e Sociedade, Campinas, 26(92), 1087-1113. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0101-73302005000300017

Hirscman, A. (1984). A dissenters confession: the strategy of economic development revisited. In G. Meier, D. Seers (Ed.), Pioneers in development. Oxford: Oxford University Press.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Censos 2010. População no último censo de 2010, Brasil. Recuperado de https://censo2010.ibge.gov.br/

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (n. d.) Munic: Pesquisa de informações básicas municipais. Recuperado de https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/10586-pesquisa-de- informacoes-basicas-municipais.html

Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). (1992). Arranjos produtivos locais. http://www.inmetro.gov.br/apls/eventos/conferencias-apl.asp

Krugman, P. (1992). Geografia y comercio. Barcelona: Antonio Bosch.

Legislação (n.d.). Brasília: Presidência da República. Brasília, DF. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/

Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. (2008). Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Brasília, DF. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2008/lei/l11892.htm

Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. (2014). Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Brasília, DF.

Lei nº 8.948, de 8 de dezembro de 1994. (1994). Dispõe sobre a instituição do Sistema Nacional de Educação Tecnológica e dá outras providências. Brasília, DF. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8948.htm

Maillat, D. (1995). Milieux Innovateurs et Dynamique Territorial. In Rallet, A.; Torre, A. Économie Industrielle et Économie Spatiale. Paris: Economica.

Marconi, M. A., Lakatos, E.M. (2015). Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas.

Marinho, R; Costa, P. (2013) Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: educação profissional e tecnológica brasileira reinstitucionalizada. Anais do Colóquio Nacional a Produção do Conhecimento em Educação Profissional, Instituto Federal do Rio Grande do Norte, 2013.

Ministério da Educação (2007). Anais e deliberações da 1ª Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica, 1ª, 2006. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Profissional Tecnológica.

Ministério da Educação (n.d.). Instituições da Rede Federal. Recuperado de http://portal.mec.gov.br/rede-federal-inicial/instituicoes

Myrdal, G. (1968). Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro, RJ: Saga.

Nabatchi, T., Sancino, A., & Sicilia, M. (2017). Varieties of participation in public services: The who, when, and what of coproduction. Public Administration Review, 77(5), 766-776. Recuperado de https://doi.org/10.1111/puar.12765

Nascimento, M., Cavalcanti, C., & Ostermann, F. (2020). Dez anos de instituição da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica: o papel social dos institutos federais. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 101(257), 120-145. Recuperado de https://doi.org/10.24109/2176- 6681.rbep.101i257.4420

Neuhold, R. R., & Pozzer, M. R. O. (2023). Covid-19, cierre de escuelas y enseñanza remota:el tiempo de respuesta de los sistemas de educación brasileños. Íconos. Revista de Ciencias Sociales, (76), 55-

75. Recuperado de https://doi.org/10.17141/iconos.76.2023.5719

North, D. (1977). Teoria da localização e crescimento econômico regional. In Schwartzman, J.

Economia regional: textos escolhidos. Belo Horizonte, MG: CEDEPLAR/ CETREDE-MINTER.

Pacheco, E. (2011). Os Institutos Federais: uma revolução na educação profissional e tecnológica. Brasília, São Paulo, SP: Fundação Santillana, Moderna.

Perroux, F. (1978). O conceito de pólo de crescimento. In E. Faissol (Org). Urbanização e regionalização. Brasília, DF: Secretaria de Planejamento da Presidência da República.

Piore, M. J. & Sabel, C. F. (1990). La segunda ruptura industrial. Madrid: Alianza.

Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica (Fase 1) (2005). Brasília, DF: Ministério da Educação.

Plataforma Nilo Peçanha 2021 (ano base 2020). (2021). Brasília, DF. Recuperado de https://public.tableau.com/app/profile/cgpg/vizzes

Portaria Interministerial nº 200, de 2 de agosto de 2004 (2004). Diário Oficial da União, 3 de agosto de 2004. Brasília, DF.

Porter, M. E. (1993). A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro, RJ: Campus.

Pozzer, M. R. O., & Neuhold, R. R. (2019). A educação profissional no Brasil: a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (1909-2018). In M. Pozzer & R. Neuhold (Org.), O contexto da educação técnica na América Latina e os dez anos dos Institutos Federais (2008-2018) (cap. 2, pp. 23-47). Maceió: Café com Sociologia.

Putnam, R. (2006). Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro, RJ: Editora FGV.

Sachs, I. (1993). Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo, SP: Nobel.

Santos, D. et al. (2020). O lugar da educação profissional e tecnológica na reforma do ensino médio em contexto Brasileiro: da lei 13.145/2017 à BNCC. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, 19(2). Recuperado de https://doi.org/10.15628/rbp.2020.9488

Santos, J. A. (2015). A política de expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica: quais são as perspectivas para a nova territorialidade e para a nova institucionalidade? In

G. Frigotto, (Coord.), Ofertas formativas e características regionais: a educação básica de nível médio no Estado do Rio de Janeiro. Relatório de Pesquisa apresentado à FAPERJ.

Santos, J. A. (2016). A trajetória da educação profissional. In E. M. Lopes, L. M. Faria Filho; C. G. Veiga (Orgs). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte, MG: Autêntica.

Sen, A. (2010). Desenvolvimento como liberdade. São Paulo, SP: Companhia das Letras.

Souza, M. S. (2019). Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia como vetores de desenvolvimento no estado do Rio de Janeiro: a perspectiva de gestores de unidades. Espaço e Economia, (14), 1-17.

Stockmann, R. (2019). Wirkungen und Erfolgsfaktoren der deutschen Berufsbildungszusammenarbeit. In Gessler, M., Fuchs, M. & Pilz, M. (Eds) Konzepte und Wirkungen des Transfers Dualer Berufsausbildung. Internationale Berufsbildungsforschung. Springer VS, Wiesbaden.

Urbano, H. E. (2014). Processo legislativo e qualidade das leis: análise de três casos brasileiros. Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Paraná, (1), 123-158.

Webster, F. (2004). Desafios globais e respostas nacionais na era da informação. In J. M. P. Oliveira, J.

J. B. (Org), Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação. Lisboa, PT: Quimera Editores.

Wiriadidjaja, A., Andriasanti, L. & Jane, A. (2019). Indonesia-German Cooperation in Vocational Education and Training. Journal of Local Government Issues, Logos, 2(2). Recuperado de https://doi.org/10.22219/logos.Vol2.No2.178-192

Wolfram, M. & Frantzeskaki, N. (2016). Cities and systemic change for sustainability: prevailing epistemologies and an emerging research agenda. Sustainability, 8(2), 1-18.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15268


UTILITARIANISM OF CLAUDE ADRIAN HELVETIUS AS ONE OF THE PHILOSOPHICAL ORIGINS OF URBANISM


UTILITARISMO DE CLAUDE ADRIAN HELVETIUS COMO UNO DE LOS ORÍGENES FILOSÓFICOS DEL URBANISMO


UTILITARISMO DE CLAUDE ADRIAN HELVETIUS COMO UMA DAS ORIGENS FILOSÓFICAS DO URBANISMO


Olga Averina

(Department of Humanitarian Disciplines, Russian Customs Academy, Russia)

averinaom@mail.ru

Recibido: 29/06/2023 Aprobado: 15/11/2023


ABSTRACT

The article reveals the connection between the ideas of the Enlightenment and the modern direction of scientific knowledge, urban studies. Urban studies as a concept of the social development of the city has, among other things, the understanding of interest in the interpretation of Helvetius. He thinks that interest is the driving force of society, the nature of which he considers from the standpoint of sensationalism and utilitarianism. Urban studies solve the problems of interaction between a person and a city, which are based on the philosophical problem of interaction between the individual and the general. The purpose of the work is to trace in the ethics of Helvetius the combination of reasonable egoism and the principles of public benefit; the irremovability of natural prerequisites in man preserves the individual in society, and the irremovability of contractual principles makes it necessary to observe the public interest. The article determines that the recognition of the right to personal interest is a great merit of Helvetius and one of the philosophical foundations of urban studies.

Key words: Helvetius. city. interest. Enlightenment. urban studies.


RESUMEN

image

El artículo revela la conexión entre las ideas de la Ilustración y la dirección moderna del conocimiento científico, los estudios urbanos. Los estudios urbanos como concepto del desarrollo social de la ciudad tienen, entre otras cosas, la comprensión de interés en la interpretación de Helvetius. Piensa que el interés es la fuerza motriz de la sociedad, cuya naturaleza considera desde el punto de vista del sensacionalismo y el utilitarismo. Los estudios urbanos resuelven los problemas de interacción entre una persona y una ciudad, los cuales se basan en el problema filosófico de la interacción entre el individuo y lo general. El propósito del trabajo es rastrear en la ética de Helvetius la combinación del egoísmo razonable y los principios del beneficio público; la inamovibilidad de los prerrequisitos naturales en el hombre preserva al individuo en la sociedad, y la inamovibilidad de los principios contractuales hace necesario observar el interés público. El artículo determina que

el reconocimiento del derecho al interés personal es un gran mérito de Helvetius y uno de los fundamentos filosóficos de los estudios urbanos.

Palabras clave: Helvetius. ciudad. interés. Ilustración. estudios urbanos.


RESUMO

O artigo revela a conexão entre as ideias do Iluminismo e a direção moderna do conhecimento científico, os estudos urbanos. Os estudos urbanos como conceito de desenvolvimento social da cidade têm, entre outras coisas, o entendimento de interesse na interpretação de Helvetius. Ele pensa que o interesse é a força motriz da sociedade, cuja natureza ele considera do ponto de vista do sensacionalismo e do utilitarismo. Os estudos urbanos resolvem os problemas de interação entre uma pessoa e uma cidade, que se baseiam no problema filosófico da interação entre o indivíduo e o geral. O objetivo do trabalho é traçar na ética de Helvetius a combinação do egoísmo razoável e os princípios do benefício público; a inamovibilidade dos pré-requisitos naturais no homem preserva o indivíduo na sociedade, e a inamovibilidade dos princípios contratuais torna necessário observar o interesse público. O artigo determina que o reconhecimento do direito ao interesse pessoal é um grande mérito de Helvetius e um dos fundamentos filosóficos dos estudos urbanos.

Palavras-chave: Helvetius. cidade. interesse. Iluminismo. estudos urbanos.


Introduction

Urban studies are a new branch of knowledge comes from the Latin “urbanus” (urban) and is associated with the study of urban communities and systems. Urban studies arose as an attempt to solve the problems of large cities, which were associated with the deterioration of the living conditions of an individual. It combines the achievements of the humanities, social and technical sciences. The main concepts of its study are connected with the sphere of humanitarian knowledge, the concepts of sociality and social space. An important methodological setting is that the city is seen as an open self-organizing system. A modern city as a complex multi-level system must take into account the interests of all its subjects. These problems cannot be solved without addressing the individual, his needs and interests. Urban studies acquired its modern form in the 1990s, but the ideas that influenced its formation originated in the Enlightenment.

A deep analysis of the motives of human activity was undertaken in the Enlightenment (Cassirer, 2004). Enlighteners criticized the dominant worldview and proposed a new one that would break with clericalism and force people to think about the relation between freedom and power, responsibility, and well-being. All these questions were raised at a new level and worked out in the scientific discoveries of that time (Shevtsov, 2022). Helvetius undertook one of the most significant studies on the nature of human abilities. In his treatise “Essays on the Mind”, he argued that the most important prerequisite for the formation of mental faculties is the possession of developed senses. Helvetius, as a follower of D. Locke, denied that a person has innate ideas and applied the principle of sensationalism to social phenomena. According to Helvetius, all people are endowed with the right mind. The source of the delusion of the mind is passions, ignorance of facts or a misunderstanding of words. False judgments are the result of random causes. “… To judge, as I have already proved, is in essence, only to feel” (Helvetius, 2022). The principle of sensationalism was claimed by K. Lynch in the 1960s. In his book “The Image of the City” he opposes the utilitarian construction of the average type and directs his attention to the solution of the psychological and social needs of various segments of the population. He focuses on the form of perception of the urban environment through a survey of residents. Citizens in interviews described an imaginary walk through the city, and Lynch received an image of the city in a mass representation based on feelings (Lynch, 1960). It can be concluded that the theory of cognitive perception of the urban environment is based on the empirical sensationalism of Helvetius.

Theoretical basis

Utility theory is at the heart of utilitarian ethics. Helvetius generalized the utilitarian ideas of Hobbes and Locke, according to which sensations that arise under the influence of the external world on the senses are the source of ideas, and ethical concepts and feelings are the result of experience (Dlugach, 2008). This point of view was too radical even for enlighteners. D. Diderot criticized Helvetius for reducing knowledge to sensations. He believed that Helvetius was confusing condition and cause. Feelings are a condition, not a cause of actions. Diderot was against the reduction of all moral acts of the individual to selfish interest and physical sensuality. He believed that the sense of justice is rooted in the very nature of man (Sementkovsky, 2013).

Helvetius came to the conclusion that the world is ruled not by the opinions of people, but by their interests. Interests are the driving force behind the social life of people, cause and measure of all human actions. “If the physical world is subject to the law of motion, then the spiritual world is no less subject to the law of interest” (Helvetius, 2022). Interests, according to Helvetius, are the benefits that people strive for and that almost every person is looking for. However, the benefits cannot be reduced to physical bases only.

Pleasure and pain induce people to certain thoughts and actions. The utilitarian idea of interest as the engine of human actions is the basis of the philosophy of Helvetius (Grekhnev, 2016). Interest determines the behavior of an individual and an entire nation. Helvetius considers society as a collection of individuals who are guided by their own interests. But this does not mean that Helvetius does not see the general interest. On the contrary, it singles out the private interests of individual communities and the interests of society as a whole. These interests correspond to different kinds of ideas and fields of activity. The general interests are more: trade, politics, war, legislation, science, and art. Another kind of ideas and interests is associated with the subjective individual aspirations of people who are not of interest to society in general. Helvetius is faced with a serious philosophical and social problem of the interaction of the part and the whole, the individual and the society (Motorina & Sytnik, 2019). For Helvetius, everything rests on private interest, all the phenomena of human existence are interpreted from these positions. However, personal material interest not only separates, but also binds people; the principle of reasonable selfishness makes it necessary to observe the interests of other people, without taking into account which, it becomes impossible to satisfy one's own. Many positive personal qualities such as honesty, love and friendship are built on selfishness and are not disinterested. In others, we hope to find support for ourselves and pursue our personal interest. Interest, according to Helvetius, governs all our judgments, including moral ones. People consider moral actions that are personally useful to them. Communities and large communities behave in the same way.

The philosopher transfers morality to a plane dominated by the concept of public and personal benefit, their interaction and interdependence. Interest also dominates in the sphere of intellectual culture (Krotov, 2015). Everyone is inclined to accept the idea that meets his passions and seems useful to him. Sympathy is caused by views close to our own. Here Helvetius acts as a psychologist, analyzing the motives in choosing a field of activity. The impartial striving for truth among prominent philosophers is caused by “enlightened pride”, a completely personal quality. Another kind of interest encourages a person to accept only the ideas that correspond to his own ones, in order to maintain his inflated self- esteem. So, any small lawyer puts his petitions with the works of outstanding minds. Here Helvetius traces the instinctive hatred of mediocrity for talent and attraction of intelligent people to each other. Communicating with each other, prompted by vanity and laziness, people think about themselves, trying to see their reflection in the interlocutor (Potapov, 2011). Helvetius gives many examples when superficial secular people try to present themselves as significant for society, without being such. Being a supporter of the ideas of the Enlightenment, the philosopher notes that very few people have the opportunity to receive a serious education, since the pursuit of science requires a person to have an in- depth mind, concentration, attention to a clearly defined subject area and concentration of all efforts (Piletsky, 2012). Intellectual progress is very slow and has very few supporters, only among scientists and young people. Edward Glaser, in “The Triumph of the City”, examines the reasons why people move

to the modern city (Glazer, 2014). Cities fulfill fundamental human needs for communication, learning and modern knowledge production. Since the period of Enlightenment, education and knowledge have become truly valuable and have received the status of backbone elements in society.

Helvetius believed that a person is driven by interest and personal gain. We observe this phenomenon in many aspects of human life and society as a whole. Urban planning and urban studies are no exception: a large “mirror” of the reflection of the activities of society and its components responsible for the human environment is the city. Urban space has become an object of study for various sciences: economics, sociology, philosophy, etc. The socio-cultural space of the city can be considered as a system of social relations, where the concepts of values, symbols and meanings are combined. It fills people's lives with special value orientations aimed at the implementation of life plans and strategies (Margaryan, 2021). In all urban planning stages of the development of urban studies, in particular large cities, is observed in the connection of “people have power and citizens.”

Helvetius considered the problem of the interaction of the particular and the general in public life in various historical and political situations. So, luxury in society can be seen as a harm and a benefit. The luxury of a private person “should be called excess in relation to the position occupied by this person in the state” (Helvetius, 2022). However, for society as a whole, luxury as an influx of money that can be used for development can be useful. “Only money makes it possible to maintain a lot of troops, make supplies, fill arsenals, enter into and maintain alliances with powerful states …” (Helvetius, 2022) Thus, luxury is not harmful: it is only harmful as a result of too uneven distribution of wealth between citizens.

In general, the city as a product of human activity fully reflects “individual” and “general” is synthesized into large urban development policies, imprinted in the history of large cities. Most often, such policies bear the names of certain creators and reflect the stages of development of certain problems of urban studies and history in general. For example, urban planning work carried out in Paris during the Second Empire (third quarter of the 19th century) on behalf of Napoleon III under the leadership of Baron Haussmann (prefect of the Seine Department) was called the “Ottomanization” of Paris and largely determined the modern look of the city. The redevelopment not only led to an improvement in the infrastructure of the French capital, but also gave rise to many imitations in other cities of the world. In 2007, the idea of Greater Paris was put forward as a new comprehensive plan for the development of the capital region. The idea involves the development of the Paris agglomeration and the development of the regions closest to Paris, including the development of the transport network.

Helvetius extended his doctrine of interest to the behavior of small and large human groups, to entire nations. He showed the difference between class interests and the interests of the whole society. How to combine personal interest with the public one? Through a correct understanding of the benefits. An egoist must become an altruist for his own good. The principle of utility must convince the individual of the need to combine his own interest with the interest of others. Helvetius distinguishes between right and wrong understood selfishness. Here he is under the influence of the Epicureans, in particular Lucretius Carus (“On the Nature of Things”) (Lucretius, 2022). Momentary enjoyment must give way to a sober understanding of reality. The correct is not the imaginary, but the real benefit of the individual, since the criterion of goodness, the criterion of morality can be not a narrowly selfish interest but coinciding with the public interest. “… The word virtue should be understood only as a striving for universal happiness, that, consequently, the object of virtue is a public good and that the actions prescribed by it are the means to achieve this goal” (Helvetius, 2022). Actions pursuing the benefits of an individual or individual communities to the detriment of the interests of society are defined by Helvetius as immoral. If everything that is beneficial to an individual is considered moral, then there will be as many virtues as there are people, which will lead to the rejection of ethics.


Methodology

The methodology of considering the problem of searching for the philosophical origins of urban studies is a complex task, reflecting the specifics of the area under study, which combines the tasks of urban

studies and philosophy. On the basis of a systematic approach, methods of socio-philosophical and social analysis are applied. Socio-philosophical and social methods are associated with the consideration of the concepts of social space, the concepts of personal identity and urban identity, the concepts of private and general interest.

The method of abstraction in the article highlights the main properties of the research problem. In particular, attention to man in the period of Enlightenment, the need for a reasonable structure of society is in tune with the basic concepts of urban studies. Helvetius' doctrine of morality is completely within the framework of the socially immanent approach. The concept of virtue is a habitual desire to do only what benefits the people with whom we live. In urban studies, the cities of the future are clean, comfortable spaces for citizens, which are managed with the active participation of residents. The city is considered as a complex multi-level system, the study of which involves an interdisciplinary approach, the combination of urban planning, philosophy, psychology and sociology.

As a result of a comparative analysis of the philosophical ideas of Helvetius and the concepts of urban studies, the article reveals the necessary data for considering the philosophical foundations of urban studies. Analysis and identification of the main aspects of the theory of interest developed by Helvetius makes it possible to find them in the fundamental concepts of urban studies.


Results

Urbanism demands the ideas of utilitarian ethics formulated in the Enlightenment. The interests of different groups of people must be realized in the public space. For the urban planner, sensations are important, based on the sense organs, with the help of which we perceive the urban environment. Application of the principle of sensationalism to the social phenomena represented by Helvetius, we find

W. White, K. Lynch and J. Gahl. In their projects, they draw attention to the importance of spatial visual perception of the surrounding world, anticipating the emergence of urban visualization technology.

The need to manifest private interests in public life, in the life of the city, has become one of the main tasks of urban studies. Appeal to human nature, laid down by Helvetius, became possible in the implementation of modern urban planning projects.


Discussion

In the late 19th and early 20th centuries, the development of industry led to the explosive growth of cities and the decline of rural settlements. The concentration of industry led to environmental problems, and cities became unsuitable for life. There is a discussion in society about ways to solve the problems that have arisen (Curtis, 1986). One of the main directions of the decision was the idea of improving people's lives and creating comfortable conditions in the urban environment. The idea of a garden city belongs to Ebenezer Howard. In his book “Garden Cities of To-morrow”, he advocated de-urbanization and limiting urban growth. Garden City is a small settlement with an agricultural suburb. The land in it is not owned by private individuals but is controlled by the municipality. In such a city, a civil society is formed that protects public areas and solves pressing problems. The population of one city is limited, but there can be many such cities, they are connected by a single center and transport arteries (Howard, 1902).

Patrick Geddes in 1915 in his work “Cities in Evolution: An Introduction to the Town Planning Movement and the Study of Cities” formulates the basics of regional planning. Geddes was influenced by Charles Darwin's ideas about evolution as the driving force behind the development of mankind (Geddes, 1915). The city for him is an instrument of evolution. When planning cities, it is necessary to take into account natural features of the territory that create complex relationships between people and the environment, determine the nature of settlements and the employment of people living in it. His ideas are at the heart of modern urban studies.

Lewis Mumford in his work “The city in History” considers the functions of the city to be the preservation of the cultural heritage of civilization. The city should be convenient for people with a diverse economic and social orientation (Mumford, 1961).

Le Corbusier in the 1920s put forward the idea of the “Radiant City” as opposed to the “Garden City”. In 1925, he presented the “Plan Voisin”, where it was proposed to demolish most of Paris and build up skyscrapers with parks and wide highways. In 1933, “Athens Charter”, written by Le Corbusier, was adopted at the International Congress of Modern Architecture, acknowledging that a tenement building was the only acceptable type of dwelling. The territory of the city should be divided into housing, industrial and recreational areas with clear boundaries. Corbusier's ideas influenced urban planning and architecture around the world, including the cities of the Soviet Union.

However, the implementation of the plans required the demolition of the old building in order to make room for new neighborhoods. Densely populated traditional areas were demolished in many cities, the city as a living community was destroyed, which caused protests from the public and led to new ideas in urban planning.

The development of urbanism was influenced by the economic recovery in the United States after the Second World War. The suburbs grew, the image of the American dream was formed as a country house and a car. New autobahns and multi-level interchanges were built without public transport, which had a negative impact on the environment. Jane Jacobs, in “The Death and Life of Great American Cities” in 1961, argued against the disregard of people as a subject in modern concepts of urban planning. She criticized the urban renewal projects of the 1950s, which did not take into account the interests of the people (Jacobs, 1961).

In 1980, William White published the results of his project “Street life” in the journal “The Social life of small urban spaces”. The project was dedicated to the study of citizens on the streets, their interaction with the environment, favorite places and points of attraction. The author believes that with the help of observation and interviews, it is necessary to learn more about the interests of people and, based on these data, plan development. White puts the interests of citizens first in urban planning (Whyte, 1980).

Jan Gahl, a well-known Danish architect, opposes the rigid modernist division of the city into spheres, for humanity in the environment. According to Gahl, the cityscape should be considered from the point of view of the 5 human senses and perceived at the speed of a pedestrian, not a driver (Gehl, 2010). Gehl believes that the city should be designed on a human scale, where the main argument is a person, his emotions, feelings of need and change.

Over the past decades, the paradigm of urban development has changed a lot: in the first place there is a person, his needs, interests and motives for his actions, and the city is viewed through the prism of human life. The rationale for such concepts is the psychology of a person, his value systems, the causes and consequences of his actions. We find all these ideas in the philosophy of the Enlightenment and in the theory of interest developed by Helvetius.


Conclusions

Modern urban planning is based on a combination of general and private interests. Non-economic phenomena associated with the development of the cultural urban environment have a formative value on the interaction of the processes of development of urban space. Such policies are formed on the basis of research, city-wide round tables and urban forums dedicated to organizing a comfortable environment in a modern city. Such studies cover all aspects of city life, problems are identified, and ways to solve them are proposed. One of the important parts is the collection of data and the study of human needs, the sociological research, is carried out, trends and problems are identified, and the “common interest” is revealed.

French enlighteners tried to reveal the principles of true ethics, which correspond to human nature. The goal of the ethics of Helvetius is a harmonious combination of the interest of the individual with the public interest. For Epicurus, this is the happiness of an isolated individual, equanimity and escaping from society. Happiness and freedom from suffering is achieved according to Epicurus by independence from the outside world. Epicurus does not make the problem of moral perfection dependent on social transformations (Epicurus, 2022). The ethics of Helvetius is connected with politics and with the improvement of the social order through legislation. “From this it follows that only we can hope to change the views of the people when the legislation is changed, and the reform of morals should begin with the reform of laws” (Helvetius, 2022). If the public good includes the good of everyone, then it is also the highest criterion of morality. Ethics here merges with politics, the science of man is included in the science of public administration, and man becomes a product of the political system. Mutual benefit was considered by Helvetius as a real means for a harmonious combination of private and common interests.

Helvetius concludes that self-interest need not be achieved at the expense of the interests of others. The interest is not vicious. Without it there is neither man nor society (Smith, 2001). If it is implemented in an unacceptable way, then this indicates the imperfection of the forms of human community. The only true ethics is that which takes into account selfishness. Without egoism, a person will be a lifeless abstraction. Relying on the egoistic nature of man, Helvetius tries to make a man an altruist and to force him, in pursuit of personal interest, to contribute to the public good (Studnikov & Matytsin, 2022). Helvetius reveals virtue as a real need of people. This is not an apology for selfishness, but the creation of conditions under which a person, striving for personal well-being, would promote the interests of society. A person in society must understand that the people around him have exactly the same feelings and needs. Justice as a virtue captures this moment and serves the purpose of observing the rights to realize these feelings and needs. This should lead to the ability to build your happiness without disturbing the happiness of other people. Personal interest was singled out as the most important principle of anthropology, due to human nature. Thus, the theory of interest developed by Helvetius is a great contribution to understanding the nature of man and society and becomes the philosophical foundation of urban studies.


References

Cassirer, E. (2004). Philosophy of the Enlightenment. Moscow: ROSSPEN. Curtis, W. (1986). Modern architecture since 1900. New York: Phaidon Press.

Dlugach, T. B. (2008). The Feat of Common Sense, or the Birth of the Idea of a Sovereign Personality. Moscow: Canon+.

Epicurus. (2022). Main thoughts. Moscow: AST.

Geddes, P. (1915). Cities in evolution: an introduction to the town planning movement and to the study of cities. London: Williams & Norgate.

Gehl, J. (2010). Cities for people. Whashington D.C: Island Press. Glazer, E. (2014). The triumph of the city. Moscow: Gaidar Institute.

Grekhnev, V. S. (2016). Pedagogical doctrine of the philosophy of Helvetius. Social and humanitarian knowledge, 1, 227-233.

Helvetius, K. A. (2022). About mind. St. Petersburg: Azbuka-Atticus. Howard, E. (1902). Garden cities of tomorrow. London: Sonnenschein & Co.

Jacobs, J. (1961). The death and life of great American cities. New York: Vintage Books.

Krotov, A. A. (2015). Intellectual culture in the educational interpretation. Philosophical Sciences, 11), 123-134.

Lucretius. (2022). About the nature of things. Moscow: AST. Lynch, K. (1960). The image of the city. Cambridge: Mit Press.

Margaryan, E.G. (2021). Urban problems of Yerevan: thoughts about the unthinkable. Urbic et Orbis. Microhistory and semiotics of the city, 1, 37-76.

Motorina, L. E., & Sytnik, V. M. (2019). Man`s attitude to things: objective being. Nova prisutnost:

časopis za intelektualna i duhovna pitanja, 17(1), 163-173.

Mumford, L. (1961). The city in history. San Diego: Harcourt, Brace & World.

Piletsky, S. G. (2012). Claude Adrian Helvetius about revenge and retribution. Bulletin of the Oryol State University: New Humanitarian Studies, 2(22), 233-236.

Potapov, S. V. (2011). The concept of virtue in the ethics of Helvetius and Holbach. Social policy and sociology. International scientific and practical journal, 5(71), 209-215.

Sementkovsky, R. (2013). Denis Diderot, his life and literary activity. Moscow: Aegitas.

Shevtsov, A. V. (2022). Ludwig von Jacob and his treatise. Bulletin of the Peoples' Friendship University of Russia., Serie: Philosophy, 26(4), 835-850.

Smith, D. (2001). From green meadows under the shade of an olive grove. The story continues. Exploring the 18th century on the threshold of the 21st century. Saint Petersburg: University Book.

Studnikov, P. E., & Matytsin, A. A. (2019). The problem of the formation of national-state identity through historical politics. Theories and problems of political research, 8(1А), 294-303.

Whyte, W. (1980). Social life of small urban places. New York: Project for public spaces.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15240


FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS EN LA ECONOMÍA ECOLÓGICA DE MANFRED MAX-NEEF


PHILOSOPHICAL FOUNDATIONS IN MANFRED MAX-NEEF’S ECOLOGICAL ECONOMICS


FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS NA ECONOMIA ECOLÓGICA DE MANFRED MAX- NEEF


Iñaki Ceberio de León

(Universidad Nacional de Chilecito, Argentina)

iceberio@undec.edu.ar


Clara Olmedo

(Universidad Nacional de Chilecito, Argentina)

crolmedo@undec.edu.ar

Recibido: 21/06/2023 Aprobado: 04/12/2023


RESUMEN

Desde un enfoque hermenéutico y recurriendo a la Historia de la Filosofía, en este artículo realizamos un breve recorrido por la obra del economista chileno Manfred Max-Neef, cuyo trabajo se enmarca en la Economía Ecológica. El objetivo es señalar los fundamentos filosóficos sobre los que se fue conformando su pensamiento económico, catalogado como heterodoxo. En ese proceso, Max-Neef se nutrió del pensamiento clásico griego como el de Platón y Aristóteles; del renacentista Giordano Bruno, de la filosofía moderna como la de Shelling; entre otros, y de corrientes filosóficas como el humanismo, el anarquismo y la Ecología Profunda de Arne Naess. También incorporó fundamentos las Filosofías Orientales y el pensamiento de los pueblos originarios. De esta forma, en este trabajo buscamos mostrar la profundidad del pensamiento de Max-Neef, reconociendo los fundamentos filosóficos a partir de los cuales él elaboró, junto a otros investigadores, la Teoría del Desarrollo a Escala Humana (T.D.E.H.). Para ello recurrimos a una metodología interpretativa de los textos de Max-Neef y de bibliografía secundaria referida al fecundo trabajo del economista chileno.

Palabras clave: ecofilosofía. ecología profunda. filosofía ambiental. transdisciplina. naturaleza.


ABSTRACT

image

From a hermeneutic approach and drawing upon the History of Philosophy, this article provides a brief overview of the work of the Chilean economist Manfred Max-Neef, whose contributions fall within the realm of Ecological Economics. The main goal is to identify the philosophical foundations that shaped his economic thinking, categorized as heterodox. Throughout this process, Max-Neef drew inspiration from classical Greek thinkers such as Plato and Aristotle, the Renaissance figure Giordano Bruno, modern philosophers like Schelling, among others, and philosophical currents including humanism, anarchism, and

Arne Naess's Deep Ecology. He also incorporated elements from Eastern philosophies and the thoughts of native-indigenous peoples. Thus, this paper seeks to showcase the depth of Max-Neef's thinking, acknowledging the philosophical underpinnings from which he, alongside other researchers, developed the Theory of Human Scale Development (T.H.S.D.). To achieve this, we employ an interpretative methodology involving the analysis of Max- Neef's texts and secondary literature pertaining to the prolific work of the Chilean economist.

Keywords: deep ecology. ecophilosophy. environmental philosophy. transdiscipline. nature.


RESUMO

A partir de uma abordagem hermenêutica e recorrendo à História da Filosofia, este artigo oferece uma breve visão sobre a obra do economista chileno Manfred Max-Neef, cujo trabalho está inserido na Economia Ecológica. O objetivo é identificar os fundamentos filosóficos que moldaram seu pensamento econômico, classificado como heterodoxo. Ao longo desse processo, Max-Neef se inspirou em pensadores gregos clássicos como Platão e Aristóteles, no renascentista Giordano Bruno, em filósofos modernos como Schelling, entre outros, e em correntes filosóficas que incluem o humanismo, o anarquismo e a Ecologia Profunda de Arne Naess. Ele também incorporou elementos das filosofias orientais e do pensamento dos povos indígenas. Assim, este artigo busca destacar a profundidade do pensamento de Max-Neef, reconhecendo os fundamentos filosóficos a partir dos quais ele, juntamente com outros pesquisadores, desenvolveu a Teoria do Desenvolvimento em Escala Humana (T.D.E.H.). Para isso, utilizamos uma metodologia interpretativa envolvendo a análise dos textos de Max-Neef e da literatura secundária relacionada ao prolífico trabalho do economista chileno.

Palavras-chave: ecofilosofia. ecologia profunda. filosofia ambiental. transdisciplina. natureza.


Introducción

Los fundamentos filosóficos presentes en la obra de Manfred Max-Neef abarcan prácticamente todos los periodos de la filosofía occidental, a lo cual se suman las influencias del pensamiento oriental como el budismo y las cosmovisiones de los pueblos originarios de América Latina. En este trabajo buscamos mostrar la profundidad del pensamiento de Max-Neef, reconociendo los fundamentos filosóficos a partir de los cuales él elaboró, junto a otros investigadores, la Teoría del Desarrollo a Escala Humana (T.D.E.H.).

En primer lugar, se aborda el pensamiento clásico griego desde Platón y Aristóteles quienes allá por el Siglo V a.C. reflexionaron cómo debía organizarse la sociedad para alcanzar la felicidad. Luego, la Edad Media (entre los Siglos V y XV d. C.), donde la teología mística de San Francisco inauguró un sentí- pensar con la naturaleza. El siguiente periodo histórico corresponde al Renacimiento (Siglos XV y XVI d. C.), el cual puede considerarse una etapa “puente” entre la Edad Media y la Modernidad. Ese fue un período de exaltación de la naturaleza, considerada también como fuente de inspiración. Una concepción que puede observarse en innumerables obras pictóricas. Al Renacimiento le sigue la Modernidad, donde el Romanticismo realizó una exaltación de la naturaleza, expresada a través de sus pensadores, poetas, músicos y artistas. Más cercano a nuestro tiempo, en el Siglo XX surge la Ecología Profunda, un movimiento ecofilosófico que, de la mano del filósofo noruego Arne Naess. Por último, el enfoque transdisciplinario que nos propone un diálogo de saberes y un cuestionamiento a los modelos epistemológicos dominantes, tanto en la academia como en el desarrollo científico actual. Un cuestionamiento ya existente en las concepciones de los pueblos originarios de toda América.

  1. Contexto filosófico

    Antes de adentrarnos en los fundamentos filosóficos de Manfred Max-Neef quisieramos introducir el ensayo con sus propias palabras:

    Mi filosofía es ecológica en el sentido de que se basa en la convicción de que los seres humanos, para realizarse, deben mantener una relación de interdependencia y no de competencia con la naturaleza y el resto de la humanidad. Igualmente supone que esta sea una relación consciente, porque la perspectiva ecológica proyectada sobre el entorno proporciona analogías fértiles para un ordenamiento social. Es una filosofía humanista porque sostiene que los humanos tienen conciencia de sí mismos y que realizan sus relaciones con la naturaleza y con otros seres humanos, por medio de la cultura. También sostiene que el equilibrio ecológico no debe ser entregado al automatismo; sino que debe quedar sujeto al conocimiento, voluntad y criterio humano, en términos de una acción política consciente. Finalmente es anarquista, no en el sentido vulgar, sino en la medida en que se basa en el concepto de que toda forma de concentración de poder (y todos los sistemas actuales nos llevan a ello) alienta a la gente de su entorno, natural y humano, y limita o anula su participación directa y sentido de responsabilidad, restringiendo su imaginación, información, comunicación, capacidad crítica y creatividad. (2017, p. 33)


    En ese texto, la vinculación de su pensar con la filosofía es explícita, situándose en las corrientes ecofilosóficas, que se identifican con el humanismo, el movimiento sociocultural del Renacimiento, y su afinidad con el anarquismo en su convicción de que la descentralización del poder es condición necesaria para un desarrollo sustentable y a escala humana. En este fragmento se sintetizan, a grandes rasgos, las bases y el perfil filosófico de Max-Neef.

    Esta explicitación también la encontramos en uno de sus últimos textosimagetitulado “Filosofía de la economía ecológica” y en el que muestra su gran preocupación: “Vivimos en un mundo lleno de respuestas y de muy pocas preguntas. Sobre todo, preocupa la ausencia de preguntas trascendentales” (2017, p. 179). Esas preguntas trascendentales fueron las que le guiaron en su búsqueda de nuevas concepciones de desarrollo, de diferentes ideas sobre las necesidades humanas fundamentales, y enfoques metodológicos transdisicplinarios.

    Manfred Max-Neef fue un economista chileno que inició su experiencia laboral en la multinacional Shell Oil Company, en los años 1954 y 1957. Abandonó la empresa petrolera debido a su descontento con esa empresa multinacional, y decide retornar estudios de posgrado en la Universidad de Chile. En los años 60, inicia su experiencia como docente universitario en EE. UU., para lo cual tuvo que trasladarse con toda su familia a Berkeley, donde impartió clases tanto en la Universidad de Berkeley como en la Universidad de los Ángeles. Posteriormente se traslada a Washington para trabajar en la Organización de Estados Americanos (OEA). Al final de los años 60 trabaja para la Organización de las Naciones Unidas para la alimentación y la agricultura (Food and agricutural organización-FAO). Tras el golpe militar de 1973 en Chile, Max-Neef es contratado por la Universidad de Wellesley de Boston, luego fue consultor de la UNESCO (United Nation Educational Scientific and Cultural Organization). En esa época se vinculó a la Fundación Bariloche de Argentina donde, junto a otros investigadores, comienza a reflexionar en torno el tema de las necesidades humanas fundamentales, que posteriormente quedaría integrada en su TDEH. En 1983 recibe el premio Right Livelihood Award, conocido como el premio Nobel alternativo por “revitalizar las comunidades pequeñas y medianas a través de la ‘Economía Descalza’” (La Fundación Right Livelihood da la bienvenida a la Fundación Manfred Max-Neef, s. f.). Tras ese premio es contratado por la Universidad de Chile y en los años noventa se traslada a la ciudad de Valdivia, en el sur de Chile, para ocupar el puesto de Rector de la Universidad Austral de Chile. En el año 1993 se presenta como candidato a la presidencia de la República de Chile en representación de grupos ecológicos y de izquierda. Sigue como Rector en la Universidad Austral de Chile durante dos mandatos, y finalmente acaba como docente de dicha Alta Casa de Estudios ocupando la máxima distinción académica como catedrático (Barrera, & Kausel, 2012). Fallece el 8 de agosto de 2019. A lo largo de su vida, obtuvo varios doctorados Honoris Causa, y fue considerado uno de los académicos más importantes vinculado a la temática del desarrollo sustentable. Fue un visionario de los más importantes del siglo XX (Satish Kumar & Whitefield, 2007).

  2. El legado de la Filosofía Clásica

    El legado clásico quizás sea una de las influencias filosóficas más significativas en la obra de Max-Neef. Del pensamiento griego, el economista chileno toma conceptos fundamentales que estarán presentes en su TDEH. El concepto de “economía”; la diferencia entre valor de uso y valor de cambio; el concepto de polis; la idea de la escala humana; el concepto de episteme en lo que concierne a la reflexión epistemológica; y el mismo concepto de educación, que siempre fue una preocupación en su rol de docente universitario, toda una elaboración conceptual en la que vemos la influencia del pensamiento clásico.

    El concepto de “economía ecológica” está compuesto por dos palabras. Si nos remitimos a la etimología griega, son tan similares que casi podríamos hablar de una redundancia. Ambas palabras tienen una raíz común, el “oikos”, que hace referencia a la economía doméstica. Cabe señalar que los griegos no tenían un concepto equivalente a lo que nosotros actualmente denominamos “economía”. Lo más parecido sería la economía política que remite a los asuntos de la polis (Austin & Vidal-Naquet, 1996). Así la única diferencia que habría entre economía y ecología sería entre los sufijos: “nomos” y “logos”. Nomos hace referencia a las normas y logos al pensamiento. Así, la “economía ecológica” retoma la noción original de oikos, es decir, el cuidado de la casa, pero teniendo en cuenta que esta casa es nuestro planeta.

    En Aristóteles encontramos una diferenciación conceptual entre oikonomía y crematística. Ambos se diferencian por la finalidad. La oikonomía hace referencia al valor de uso, mientras que la crematística al valor de cambio. De la oikonomía, Aristóteles nos dice:

    Existe una especie de arte adquisitivo que por naturaleza es parte de la administración doméstica. Es lo que o bien le debe procurar o facilitarle que ella misma se procure, aquellas cosas cuya provisión es indispensable para la vida y útil a la comunidad de la ciudad o de la casa. (1997, 1256b)


    Por su parte, la noción de cremastística se vincula con la creación del dinero, con el que surge la idea de valor de cambio y, con ello, el comercio. Aquí, el fin es el comercio y el incremento del dinero sin límites. Aristóteles compara ambas economías:

    Por tanto, en opinión general, la crematística, a partir de los frutos de la tierra y de los animales, es algo conforme a la naturaleza. Ahora bien: este arte presenta dos formas, como dijimos: la del comercio de compraventa y la de la administración doméstica. Esta es necesaria y elogiada; la otra, comercial, es censurada con justicia. (Pues no está de acuerdo con la naturaleza, sino que es a costa de otros.) Y con la mejor razón es aborrecida la usura, ya que la ganancia, en ella, procede del mismo dinero, y no para aquello por lo que se inventó el dinero. Que se hizo para el cambio; en cambio, en la usura, el interés, por sí solo produce más. (1997, 1258a-b)


    Para Max-Neef, esa distinción crítica sigue siendo válida en un contexto económico donde las grandes fortunas crecen a la vez que crece el número de pobres en el planeta. Jamás en la historia, los ricos han sido tan ricos. Y como indica Aristóteles, con la única finalidad de acrecentar el dinero. Por lo tanto, la economía actual se mueve en función de lo que Aristóteles denominaba crematística. Sin embargo, aún hay esperanza si volvemos a la oikonomia planetaria:

    ¿Por qué no acabar este prólogo con un pequeño sueño aristotélico? Imaginemos que la economía vuelve a ser la manera en que se gestiona lo doméstico, con el fin de alcanzar el arte de vivir y de vivir bien, respetando el derecho de todos a conseguir lo mismo, dentro de los límites fijados por la capacidad de carga de nuestro planeta. (Max-Neef, 2017, p. 157)


    El concepto de polis también dejó su huella en la obra de Max-Neef. En la Grecia clásica, las polis eran ciudades estado autónomas, y sus dimensiones debían obedecer a una escala humana. En cuanto crecía la población más allá de los límites de la propia polis, los ciudadanos emigraban y creaban otros asentamientos a lo largo del Mediterráneo. Esta idea de una ciudad autónoma a escala humana le resultó atractiva a Max-Neef, y así lo reflejó en sus textos La economía descalza (1985), La dimensión perdida (2008) y, posteriormente, reproducido en Economía herética (2017). En esos textos el autor cita un fragmento de la Política de Aristóteles en relación con la dimensión que debía tener una polis. Una

    dimensión a escala humana que se ha perdido en el mundo contemporáneo donde las megaciudades1 crecen a lo largo de todo el mundo, con impactos referidos a la contaminación, el consumo de cemento, de agua, de electricidad, etc. “Se ve claro por la experiencia lo siguiente: que es difícil, tal vez imposible, que se rija con eficacia la ciudad demasiado populosa” (Aristóteles, 1997, 1326a).

    Imagen que contiene Icono  Descripción generada automáticamente

    En La dimensión perdida (2008) hay una relación entre el texto de Platón Las leyes (2014), específicamente con el Libro V, con la teoría de grafos, para argumentar que la propuesta platónica tiene principios estructurales que le darían cierta validez. El texto platónico habla sobre el número ideal de ciudadanos (familias) que debía tener una polis, unos cinco mil cuarenta. “En cuanto al número cinco mil cuarenta, no tiene más que cincuenta y nueve divisiones; pero de ellos, diez son correlativos, precisamente a partir de la unidad, lo cual es muy ventajoso, tanto en la guerra como en la paz, y respecto a las distintas clases de convenios y relaciones en materia de impuestos y distribuciones” (Max-Neef, 2008, p. 30)2. A partir de esa referencia platónica, Max-Neef reflexionó sobre dos estructuras paradigmáticas de las sociedades: la estructura jerárquica y la estructura igualitaria. Desde la teoría de grafos, una estructura jerárquica establece diferentes clases (ver Fig. 1), a diferencia de una estructura igualitaria donde todos parten de la misma situación social (ver Fig. 2). La otra diferencia que indica Max-Neef refiere a las influencias entre los miembros en una estructura jerárquica; esta parte de una sola persona, por lo general, el que lidera el grupo. Mientras que, en una estructura igualitaria, cualquier integrante del grupo puede tener influencia, propagándose rápidamente por toda la estructura. En estas reflexiones encontramos dos ideas fundamentales: la primera es en relación con el límite de individuos que podría tener una polis para mantener cierta armonía; la segunda hace referencia a la estructura de la sociedad, siendo la estructura igualitaria más sinérgica (con un actuar conjunto entre sus miembros) que la jerárquica (preponderancia del que lidera). Así es como Max-Neff llega al concepto de “dimensión crítica”, determinada por “dos factores de tipo biológico (valencia y capacidad de canal) y un factor de carácter topológico (la estructura de organización)” (2008, pp. 33-34). La “dimensión crítica” se vincula con la ecología de poblaciones al establecer límites que ya se respetan en la Naturaleza, pero el humano es el único ser que rompe esas leyes: “el único ser que parece haber perdido la habilidad natural de mantenerse dentro de grupos que no excedan su dimensión crítica” (Max-Neef, 2008, p. 34).


    Imagen que contiene bicicleta, tabla, collar  Descripción generada automáticamente

    Fig. 1 Estructura jerárquica. Fuente: Max-Neef, 2008, p. 31. Fig. 2 Estructura igualitaria. Fuente: Max-Neef, 2008, p. 22.

    De las estructuras o sociedades jerárquicas emana otra característica, tienden a ser autoritarias e ineficientes. En contraste, y para argumentar a favor de las sociedades igualitarias, Max-Neef recurre a un matemático canadiense: René Thom, creador de la teoría de las catástrofes y también un gran lector de Aristóteles que ofrece la idea de “ciudad fluida”. En palabras de Max-Neef, “una especie de confederación de sociedades -o de grupos- más pequeños. Su viabilidad radica simplemente en su capacidad platónica de desdoblamiento. (…) La sociedad fluida es la versión en grande de la sociedad igualitaria” (2008, p. 45).

    A lo largo de la historia, la filosofía se fue desgajando en diferentes campos de la ciencia, llegando hoy en día a la máxima atomización del saber. Con respecto a la economía, ésta se separó de la filosofía en el siglo XIX, bajo el influjo del positivismo. La economía se centró en las matemáticas como el instrumento epistémico de cientificidad, alcanzando tal grado de abstracción que, actualmente, la ha


    image

    1 Según las Naciones Unidas la megaciudad es aquella ciudad que posee más de 8 millones de habitantes y cuya densidad demográfica mínima sea de 2000 hab/km2 (Cit. en Olcina, 2011).

    2 (Leyes, 738a).

    separado de la realidad inmediata. En el “Comentario a la edición española” de La economía desenmascarada, Max-Neef sostiene que:

    La economía convencional se sustenta en teorías neoclásicas de fines del siglo XIX, que se basan en una cosmovisión mecánica. Ello implica que lo único que persigue son metas cuantitativas representadas por el crecimiento medido a través del Producto Interior Bruto (PIB), que se ha convertido en el indicador fundamental para todos los países y se ha transformado en un fetiche que, a estas alturas, está haciendo mucho daño. (2014, p. 6)


  3. La Edad Media

    La Edad Media se reconoce como una época de la historia occidental en la que se deja de lado el antropocentrismo que caracterizó el pensamiento clásico (griego y romano) para pasar a una cosmovisión teocéntrica (Gilson, 1985). De ser el centro del universo, el ser humano pasa a un segundo plano y se le concibe como la creación de Dios (Opus Dei). Sin embargo, para Max-Neef, hay un místico cristiano que bien pudo dar un nuevo sentido al ser humano, ese fue San Francisco, quien irrumpe con una cosmovisión ecocéntrica (Boff, 2006), estableciendo una relación de hermandad y sensibilidad con el resto de los seres vivos y no vivos (abióticos). En su época, esa cosmovisión y sensibilidad impulsó una espiritualidad que, posteriormente, influyó en otras órdenes monásticas como el Carmelo Descalzo, bajo la figura de San Juan de la Cruz (Pikaza, 2020). Sin embargo, esta cosmovisión ecocéntrica quedó restringida a los místicos franciscanos y carmelitas. Si bien, estas espiritualidades armonizadas con la naturaleza refrescaron, en cierta medida, al cristianismo, la cosmovisión que prevaleció fue la teocéntrica, convirtiendo a la Iglesia en un instrumento de poder y de sometimiento ante todo lo creado3. Así, el teocentrismo que caracterizó la edad media no hizo más que retroalimentar el impulso de dominación de la naturaleza y todas las formas de vida que la habitan, incluyendo el ser humano Desde la perspectiva de Max-Neef, la Iglesia jugó un rol fundamental, fortaleciendo una visión antropocéntrica, a partir del mandato bíblico del Génesis:

    El hecho indiscutible es que los seres humanos, especialmente los hombres, como también lo indica el relato del Génesis, fueron puestos por encima de la naturaleza que se extendía a su alrededor con el propósito exclusivo de servirlos. El mandato no era de integrarse, lo que habría podido generar una cierta actitud de humildad; el mandato era de someter a la naturaleza, y como tal solo podía estimular acciones y emociones de arrogancia y desdén para con el entorno, así como para aquellos seres humanos más débiles o menos inclinados a involucrarse en juegos de poder y dominio. (Max-Neef, 2017, p. 13)


    Contrastando con ese fortalecimiento mutuo entre el teocentrismo y antropocéntrico, y ya ubicados en nuestro tiempo, la Encíclica papal Laudato si (2015) rompió con ese legado, recuperando una espiritualidad que dialoga con la naturaleza al igual que lo hicieron los místicos franciscanos y del Carmelo descalzo. Con la Laudato si Max-Neef se reconcilió con la Iglesia al coincidir en muchos de los planteamientos que aparecen en este documento papal. Por ejemplo, la vinculación estrecha entre el ambiente humano y el ambiente natural, la pobreza, la crítica al paradigma tecnocrático, la concepción de una ecología integral y la espiritualidad ecológica entre otros aspectos, aspectos que siempre estuvieron presentes en los fundamentos de su reflexión y propuestas teóricas


  4. El despertar de la naturaleza en el Renacimiento

    Según Max-Neef, en el Renacimiento Occidente se pierden varias oportunidades de optar por una concepción más armónica de la naturaleza y una mirada cualitativa de la ciencia. Por un lado, hay una serie de autores como Petrarca, Pico della Mirandola, Giordano Bruno que conciben a la naturaleza como fuente de inspiración y respeto (Debus, 2016; Morrás, 2000). En el caso de Petrarca hay una concepción


    image

    3 Las cosmovisiones antropocéntricas y ecocéntricas también se distinguen por su estructura. En el antropocentrismo prevalece las estructuras jerárquicas que conducen al totalitarismo, mientras que en el ecocentrismo, las estructuras que prevalecen son igualitarias. De ahí que el ser humano intente dominar desde una cosmovisión antropocéntrica, mientras que desde una cosmovisión ecocéntrica, el ser humano busca armonizarse con la naturaleza. La cosmovisión teocéntrica gira en torno a Dios, sin embargo, es una cosmovisión que en relación con la naturaleza coloca al ser humano jerárquicamente por encima de la naturaleza.

    estética en la contemplación desde una montaña tal como lo relata en la Subida al Monte Ventoso (Petrarca et al., 2000). En franco contraste con esas miradas, se encuentran los padres de la modernidad y del método científico, como Bacon y Galileo, y en el plano político se encontraban Maquiavelo y Hobbes con la construcción de la política moderna y el nuevo contrato social. El camino que Occidente eligió fue retornar y fortalecer un antropocentrismo más radical que, a diferencia de la Edad Media, puso al hombre en el lugar de Dios, convencidos que la naturaleza puede ser sometida, explotada para extraer todos sus tesoros.

    No seguimos la senda sugerida por Pico della Mirandola. Optamos por aceptar la invitación de Bacon y, de tal modo, continuamos aplicando su receta con eficiencia y entusiasmo. Continuamos torturando a la naturaleza con la intención de sacar de ella aquello que creemos es la verdad. (Max-Neef & Smith, 2014, p. 18)


    En ese camino de consolidación de un antropocentrismo radical, el proceso de colonización, que en América se inicia en el Siglo XV, definió y marcó casi de por vida diferentes mundos: primer mundo y tercer mundo. Desde las consecutivas colonizaciones, el tercer mundo pasó a ser ese lugar de los que se obtenían o saqueaban materias primas que iban a llenar las arcas del primer mundo y retroalimentar la naciente economía de mercado o capitalismo. Todo el enriquecimiento del Renacimiento y posteriormente de la Modernidad fue a costa de los países colonizados. Esta idea saqueo-acumulación gestionada en el Renacimiento, y siglos más tarde denominada “desarrollo”, es la que aún perdura bajo el concepto de neocolonialismo (Mignolo, 2017) y neoextractivismo (Acosta, 2011; Svampa, 2019). Son ideas, ideologías y prácticas políticas que, independientemente del color del partido político que controla los gobiernos, mantienen en la pobreza a los países del tercer mundo, colonizados antes por otros países y, actualmente, por las empresas transnacionales (Acosta, 2011).


  5. Modernidad o consolidación del mecanicismo

    A lo largo de la Modernidad se produce otra bifurcación de caminos: uno por el cual hay un acercamiento a la naturaleza, otro por el cual se la cosifica y se extraen sus recursos. En el camino de acercamiento a la naturaleza, Max-Neef fue fuertemente influenciado por el Romanticismo alemán, movimiento estético filosófico donde se recupera a la naturaleza como sujeto de inspiración.

    En sus textos cita a Goethe, y lo hace desde una mirada epistemológica (Max-Neef, 2017; Max-Neef & Smith, 2014); a Johannes Brahms músico romántico (Max-Neef & Smith, 2014); a Schelling filósofo alemán (Max-Neef & Smith, 2014), a Schiller poeta y filósofo alemán (Barrera, & Kausel, 2012). De los autores románticos, con el que más se detiene es con el filósofo alemán Goethe por su singular concepción epistemológica. De Goethe toma la siguiente cita:

    La ciencia es tanto una ruta interior hacia el desarrollo espiritual, como una disciplina cuya función es acumular conocimiento sobre el mundo físico. Implica no solo un adiestramiento riguroso de nuestras facultades de observar y de pensar, sino además implica otras facultades que puedan acercarnos a las dimensiones espirituales que sustentan e inter-penetran lo físico: facultades como sentimiento, imaginación e intuición. (Max-Neef, 2017, p.116)4


    Además, tanto Goethe como en Schelling hay una idea que fascinó a Max-Neef: la ruptura epistemológica de la dualidad sujeto-objeto; un científico como sujeto que observa con objetividad un objeto absolutamente disociado del sujeto. Desde la epistemología romántica alemana, la epistemología no obedece al modelo dualista del conocimiento humano, sino que ofrece un modelo de carácter monista. No existe tal separación entre el sujeto y el objeto, entre el científico y su experimento, sino que existe una relación que podríamos denominar epistemología relacional.

    En la naturaleza viva no ocurre nada que no esté en relación con el todo, y si las experiencias se nos aparecen aisladas, si hemos de contemplar los experimentos sólo como hechos aislados, ello no significa que estén


    image

    4 En la versión original en inglés (2005), vemos que la referencia la obtiene del siguiente texto: Naydler, J., 2000. Goethe on Science. Floris Books, Great Britain.

    aislados, sino que se plantea la pregunta: ¿cómo podemos encontrar la relación entre esos fenómenos, esos acontecimientos? (Naydler, 2002, p. 142)


    Para esos autores, la separación entre ser humano y naturaleza es artificial. Y es en este sentido que podemos hablar de una ontología relacional vinculada a la epistemología, la ética y la estética. Una concepción del sujeto que no se restringe a la mente como en el caso de Descartes, sino que se amplía más allá de nuestra epidermis, de nuestra comunidad, de nuestro ecosistema y el cosmos entero (Bula, Germán, 2016).

    En la pintura romántica, como en los cuadros de Caspar David Friedrich, el ser humano aparece en segundo plano, a veces de espalda en clara actitud de contemplación de la naturaleza, o en estados sublimes como tormentas, cementerios, un arte que exalta las emociones más íntimas de la naturaleza humana en sintonía con la naturaleza. La noción de infinito, la conciencia, e incluso la sabiduría no son humanas, sino expresiones de la naturaleza a través de nosotros mismos. De Schelling rescata la sentencia: “el hombre mismo no es más que la Naturaleza cobrando consciencia de sí misma” (Max- Neef, 2017, p. 186)5. En uno de sus planteamientos más profundos, Max-Neef declaraba que, desde esa perspectiva, el ser humano queda descentrado, se aleja del antropocentrismo, para adentrarse en una cosmovisión ecocéntrica. Y es este “viraje” el que hoy podría conducirnos a un replanteo y reemplazo de nuestro “contrato social” por un “contrato natural” (Castillo Ávalos & Ceberio de León, 2017).


  6. Deep Ecology como fundamento de la Economía Ecológica

    Otra fuerte influencia en el pensamiento de Max-Neef vino desde la Deep Ecology o Ecología Profunda. Éste fue un movimiento filosófico inaugurado por el filósofo noruego Arne Naess en los años 70 con un artículo fundacional The Shallow and the Deep, Long-Range Ecology Movement: A Summary (1973). Este artículo surge en sintonía con el inicio de las Conferencias Internacionales sobre el Medio Ambiente que se celebró en Estocolmo en 1972 (De Estocolmo, 1972), y el informe del Club de Roma, Los límites del crecimiento (Meadows et al., 1972). La conexión de Max-Neef con la Ecología Profunda fue indirecta, estuvo mediada por el filántropo norteamericano Douglas Tompkins, fundador de Foundation for Deep Ecology. Tompkins y Max-Neef fueron grandes amigos, y esa amistad llevó a economista chileno a visitar el Parque Pumalín, el parque estrella de Tompkins, el cual estuvo gestionado por The Conservation Land Trust.

    En el corazón del movimiento de la Ecología Profunda yace una cosmovisión biocéntrica, cuyo fundamento filosófico es el natural vínculo entre el ser humano y su entorno natural, un vínculo que orienta las prácticas humanas bajo principios de respeto y reverencia por todas las formas de vida (humanas y no-humanas) que pueblan el planeta (Olmedo & Ceberio de León, 2022). El biocentrismo es una cosmovisión que encontramos en diversas filosofías, y trasciende el mundo occidental, y está orientada por la convicción de que habitamos “UN mundo que es el hogar de todas las vidas conocidas”, dice Henning (2002, p. 13). Y es esta mirada la que orienta las nociones de Pachamama o Madre Tierra y Buen Vivir presentes en los pueblos originarios de América Latina. Biocentrismo y Ecocentrismo son conceptos que algunos ecofilósofos como Warwick Fox (1993) o George Sessions (1995) leen de manera equivalente, aunque nosotros reconocemos que ambos pueden dar lugar a debates que exceden el objetivo de este artículo.

    La influencia de los fundamentos filosóficos del biocentrismo le llegó a Max-Neef no del mundo académico, sino de las experiencias que tuvo con los pueblos originarios de Chile, Colombia, Brazil y Ecuador, sentidamente descritas en su libro Economía Descalza, en el que dice “eso fue suficiente para cambiar el curso de mi vida, no solo como profesional, sino como ser humano” (1985, p. 22). Asimismo, esas experiencias por fuera del mundo académico se deben abordar como un impulso para conjugar saberes y cosmovisiones que nos permitan, como él mismo decía “pasar “del saber al comprender”


    image

    5 Idee zur einer Philosophie der Natur, 1795.

    (2003). Y para ello, Max-Neef (2004, 2005) aseguraba que se requiere un enfoque transdiciplinario, que combine razón con intuición, materia con espíritu, ética con estética, y belleza con verdad.

    En esa línea, Max-Neef elabora Fundamentos de la Transdisciplina (2017), donde hace referencias explicitas a la Ecología Profunda, “Al manifestar una preocupación global por la especie humana y por la vida en general, el lenguaje organizador debiera ser probablemente una suerte de ecología profunda” (p. 114). Además, hay coincidencias claras en lo que respecta a la cosmovisión ecocéntrica, a la reverencia por la vida, y la vida por su valor intrínseco. Y esto se vincula directamente con la apertura a concepciones religiosas como el budismo, donde la reverencia por la vida es un valor que estructura el sentir y actuar de sus seguidores. Desde la Ecología Profunda hay varios estudios donde se manifiesta la apertura al budismo (Barnhill & Gottlieb, 2001; Henning, 2002). Esta apertura por parte de Max-Neef se relaciona con su visita a Bután, un país con un índice elevado de pobreza. En dicha visita comprobó que, a pesar de la pobreza, en general, la gente se veía feliz6. Esto le llevó a reflexionar acerca de la felicidad, y a pensar que ésta no depende de la economía y de indicadores como el producto bruto interno (PIB). Tras esta revelación, comenzó a preguntarse si realmente los países desarrollados eran felices. De la visión budista Max-Neef dice:

    La verdadera felicidad es producto de un sentido total de conectividad con nuestro mundo, con la naturaleza, con nuestras comunidades y sus gentes, con nuestra cultura y nuestra herencia espiritual. Segundo, se manifiesta como servicio a los demás, reconociendo que la felicidad no puede existir mientras otros sufren. Tercero, extendiendo nuestra preocupación a otras especies de seres sintientes; por ejemplo, estimulando la agricultura orgánica evitando la muerte de millones de microorganismos producto de los pesticidas, y declarando ilegal todas las formas crueles de crianza industrial de animales. (2017, p. 175)


    Sin duda, con esta reflexión en torno a la felicidad el trabajo de Max-Neef nos vuelve a conectar con el pensamiento de Aristóteles, quien consideraba que la felicidad era el fin último del ser humano (1985).

    Desandando el camino de la transdisciplina, otro punto de encuentro entre la Ecología Profunda y el pensamiento de Max-Neef es la conexión con los pueblos originarios, muchos de los cuales viven en economías cuyo eje es el valor de uso (oikonomía) y no el valor de cambio (crematística) (Aristóteles, 1997). Y claro está, sus vidas se desenvuelven en torno a cosmovisiones ecocéntricas, integrados armónicamente con la naturaleza, con una vida a escala humana y manteniendo un profundo vínculo y diálogo la naturaleza. A modo de ejemplo, para Alton Krenak, líder indígena, la naturaleza es un senti- pensar donde el cuerpo interactúa con el entorno. Se trata de sentir el río, la selva, el viento, como espejos de nuestra vida (Krenak, 2023). Muchas de sus producciones agrícolas son similares a lo que hoy en día se denomina agroecología y permacultura, donde hay una conexión espiritual con la naturaleza. Fikret Berkes considera fundamental el rol que los pueblos originarios cumplen en la conservación y gestión sostenible de los recursos naturales gracias a su cosmovisión donde la naturaleza adquiere una dimensión espiritual y sagrada. Los conocimientos tradicionales son fundamentales en la conservación ambiental. Al igual que en la agroecología, estos conocimientos tradicionales son complementarios con respecto a la ecología científica (2008). De ahí que los pueblos originarios son una fuente de inspiración para muchos movimientos ecofilosóficos o ecologistas, para quienes los pueblos originarios conservan una sabiduría ya perdida en Occidente. Una sabiduría que emana de la misma naturaleza en un permanente diálogo (Krenak, 2021, 2023). En este sentido podemos argumentar que ni la Ecología Profunda ni el Desarrollo a Escala Humana son propuestas originales, los pueblos originarios ya albergaban en sus prácticas los fundamentos filosóficos y cosmovisiones que hoy reconocemos como caminos para contrarrestar la doble crisis, social y ecológica que enfrentamos.

    Como mencionamos, Max-Neef siempre tuvo un vínculo con pueblos originarios de América Latina, y manifestó públicamente su apoyo. Es el caso del pueblo Mapuche, en el Sur de Chile. En el año 2007, Max-Neef se trasladó a la comunidad de Quepe7, al sur de Temuco (Sur de Chile) en apoyo a una


    image

    6 “Un indicador que aparecería como más adecuado para medir los niveles de felicidad, y que probablemente sea el más reconocido, es el Gross National Happiness Index que está basado en los desarrollos realizados en el reino de Butan para construir un indicador de la Felicidad Bruta Nacional” (Montuschi, 2017).

    7 Para más información acerca del conflicto ver: http://www.mapuche.info/news/segunda070417.html

    comunidad mapuche que temía por la pérdida de sus tierras (reserva) por la instalación de un aeropuerto (ver Fig. 3), vinculado a un proyecto inmobiliario que atentaba contra la reserva de la comunidad mapuche de Quepe.


    Pessoas pousando para foto  Descrição gerada automaticamente


    Fig. 3. Manfred Max-Neef en la comunidad de Quepe el 20-03-2007.

    Llama la atención que, a lo largo de su vida, Max-Neef, no haya sido vinculado con la Ecología Profunda, sino como ecomarxista. Quizás por su relación con la izquierda y grupos ecologistas/verdes cuando fue candidato a la presidencia de Chile (Aldunate Balestra, 2001). Pero se debe tener presente que en varios de sus textos Max-Neef fue crítico con el marxismo.

    La predicción de Marx, no basada en algún precedente ni en la observación, sino simplemente <<sacada de la chistera>>, de que el Estado desaparecería una vez que la posesión de los medios de producción se resolviese adecuadamente. (Max-Neef & Smith, 2014, p. 27)


  7. La economía como Transdisciplina: su enfoque epistemológico

El enfoque transdisciplinar en el ámbito de la economía es una de las aportaciones más interesantes de la obra de Max-Neef; una apuesta hecha desde su crítica más profunda a un campo disciplinar en el que él se formó, la economía. Sus reflexiones, abordadas en varios artículos, son profundamente epistemológicas (Max-Neef, 2004, 2005, 2017), pues dan cuenta de la relación entre la construcción del conocimiento científico y la percepción de la ciencia. Toda su crítica a la economía como ciencia estriba en la ausencia de una mirada transdisciplinaria de los problemas de la sociedad y en los reduccionismos epistémicos en lo que cae esta disciplina. La economía, en su afán de elevarse al rango de ciencia, y bajo los criterios positivistas y neopositivistas, ha caído en un reduccionismo epistemológico que sólo tiene en cuenta las dimensiones cuantificables desde teorías y modelos fantasmales (Bunge, 2016). En ese esquema epistemológico, lo humano queda en segundo lugar; subordinado a tal punto que se lo entiende como un sujeto puesto al servicio de la economía. Para Max-Neef esto es un gran error, ya que la economía debe de estar al servicio del ser humano, tal como dice su primer postulado (2017)8.

Por ello, Max-Neef propone abordar la economía desde el enfoque de la Transdisciplina. Pero ¿dónde radica la importancia de este enfoque? ¿Qué es lo que Max-Neef considera interesante del mismo? En primer lugar, este enfoque rompe con el reduccionismo epistemológico, incluyendo tanto planos filosóficos como ontológico, donde desde su pensar, el ser humano no puede disociarse de la naturaleza. Es decir, considerar al ser humano y a la naturaleza de manera unificada, lo que se conoce como


image

8 Los postulados que deben regir toda economía son los siguientes: “1. La economía está para servir a las personas y no las personas para servir la economía; 2. El desarrollo tiene que ver con personas y no con objetos; 3. El crecimiento no es lo mismo que el desarrollo, y el desarrollo no precisa necesariamente de crecimiento; 4. Ninguna economía es posible al margen de los servicios que prestan los ecosistemas; 5. La economía es un subsistema de un sistema mayor y finito -la biosfera- por lo tanto el crecimiento permanente es imposible; 6. El valor irrenunciable es que ningún interés económico, bajo ninguna circunstancia, puede estar sobre la reverencia por la vida” (Max-Neef, 2017, p. 190).

cosmovisión ecocéntrica. En segundo lugar, por influencia del Romanticismo alemán, introduce los planos ético y estético, como lo explicita en su esquema de la Transdisciplina (ver imagen 2). Esto supone, ante todo, explicitar los principios morales de toda actividad científica o académica. Como dice Max-Neef: “no vale la pena una ciencia, si carece de conciencia” (2008, p. 49). Desde el enfoque transdisciplinar, todos los planos del conocimiento están interrelacionados, con lo cual se evita caer en reduccionismos epistemológicos. De lo que se trata, y en especial en la economía, es de construir una ciencia sistémica y holística, que aborde tanto lo macro como lo micro y de manera situada. Esto implica tener en cuenta tanto los límites planetarios, o macro físicos (Rockström et al., 2009), como los límites sociales planteados que impone una sociedad determinada, tal como plantea la economista Kate Raworth (2018) (Leach, Raworth, & Rockström, 2013). Por ejemplo, la falta de lluvias en un territorio depende de variables macro como es el clima. Pero localmente se pueden plantar árboles que contribuyen a mantener la humedad del lugar (micro), que a su vez contribuye con la dimensión macro. Y a nivel social se debe velar por un acceso equitativo del agua. Desde el pensamiento de Max-Neef, las acciones tienen que realizarse desde la dimensión micro; pero cuyas consecuencias también impactan en lo macro.

Otro aspecto relevante de la Transdisciplina implica el abordaje de cualquier problemática desde diferentes enfoques disciplinarios y metodológicos. Un buen ejemplo, es el problema del cambio climático. Desde un punto de vista científico tenemos información valiosísima que se encontraría en el primer nivel de la fig. 4. Un nivel multidisciplinar que ofrece evidencias científicas. Pero con esa información no basta; se requiere la participación de otros niveles que se pregunten por el “hacer”, por la búsqueda de soluciones concretas. Por ejemplo, la introducción de nuevas técnicas como la construcción de casas más sostenibles (arquitectura), o la educación ambiental (educación). Acciones que responden a un nivel empírico que va desde el saber al saber hacer. Pero también se requieren de políticas públicas que vayan creando leyes y políticas para acompañar los datos de la ciencia y los desarrollos tecnológicos respectivos. Y por último, se requiere la incorporación de la dimensión filosófica, que conduzca a una reflexión sobre nuestros estilos de vida (el consumismo, el individualismo) y sus impactos en la naturaleza. Estos cuatro niveles de la transdisciplina son necesarios para que el cambio sea profundo tal como lo plantea la Ecología Profunda (Naess, 1973).


Diagrama, Forma  Descrição gerada automaticamente


Fig. 4. Esquema de la Transdisciplina. Fuente: Max-Neef, 2004., p. 8.

Como ya mencionamos, la transdiciplina no solo hace referencia al saber científico, sino que sintoniza con el diálogo de saberes (Santos, 2009), donde se incorporan enfoques de dentro y fuera de la academia. Como indica el epistemólogo León Olivé:

La transdisciplina puede entenderse como la formulación de problemas y de propuestas para comprenderlos y resolverlos, mediante la interacción de especialistas de diversas disciplinas, así como de agentes que no provienen de ninguna disciplina, pero que puede hacer aportes de conocimientos relevantes. La investigación transdisciplinar se caracteriza porque, además de utilizar conceptos y métodos provenientes de diferentes disciplinas, también ella forja conceptos y métodos que no existían previamente y que no se identifican con ninguna disciplina particular. Los resultados tampoco son asimilables a ninguna de las disciplinas ni a las formas previas de generar conocimiento. (2016, p. 251)


En el caso de la economía, si bien ésta ha privilegiado las metodologías cuantitativas en su afán de elevarse al rango de ciencia, desde el enfoque transdisciplinar es fundamental incorporar metodologías cualitativas, sin menoscabar la metodología cuantitativa. Lo importante de las metodologías cualitativas es que se remiten a investigaciones donde la voz y sentidos que las personas le otorgan a sus mundos cuentan y no son un número dentro de las variables, perdidos en un cúmulo de gráficas y estadísticas. Por ejemplo, podemos tener información que nos permite saber cuántos pobres hay en un pueblo (cuantificación), pero solo con una investigación cualitativa podremos descubrir, cómo las personas experimentan la pobreza, sus contextos, por qué se encuentran en esa situación e, incluso, proponer cómo podrían salir de ella. En este sentido se puede argumentar que la metodología cualitativa opera sobre lo subjetivo y lo local, mientras que la metodología cuantitativa lo hacen a nivel macro buscando la objetividad del dato.

Desde una mirada epistemológica, Max-Neef diferencia entre transdisciplina débil, en referencia a una concepción de la transdisciplina más operativa y metodológica, y una transdisciplina fuerte, vinculada a fundamentos epistemológicos y ontológicos.

En particular, la transdisciplinariedad fuerte se apoya en tres pilares: 1. Niveles de realidad, 2. El principio de “tercio incluido”; 3. La complejidad. Estos tres pilares están articulados desde una ontología relacional y de carácter monista, es decir, no existe una separación ni ontológica ni epistemológica entre el sujeto y el objeto. De esta manera, se rompe con la concepción ontoepistémica de la Modernidad que establece dualidades tanto ontológicas como epistemológicas y que constituyen una barrera con respecto a la comprensión de la naturaleza y de nosotros mismos.

Un filósofo que puede arrojar cierta luz sobre la ruptura ontoepistémica de la Modernidad es Nietzsche (1994). Este filósofo nos indica que la relación que tiene el ser humano con la realidad es doblemente metafórica. La primera metáfora se construye cuando nuestro cerebro crea, a partir de impulsos nerviosos, una imagen. La segunda metáfora es cuando esa imagen construida en nuestro cerebro se traduce a lenguaje. Así que nuestra relación con el mundo está mediada por el lenguaje, y gracias a esa mediación hemos creído que las estructuras sintácticas del lenguaje (sujeto-predicado) son isomorfas a las del mundo (sujeto-mundo). Sin embargo, para Nietzsche éstas son metáforas sobre metáforas, que por el momento han sido muy funcionales, pero nos impiden, por ejemplo, ponernos en el lugar de cualquier ser de la naturaleza. En este sentido, Nietzsche fisuró la metafísica de la modernidad que se sustentaba en una concepción antropocéntrica, construida desde el lenguaje.

Cuando Max-Neef se remite a los niveles de realidad la define como: “un conjunto de sistemas que son invariantes ante la acción de ciertas leyes generales” (2004, p. 12). De esta manera hay diferentes realidades regidas por diferentes leyes generales. Las leyes de la física cuántica responden al mundo cuántico, mientras que las leyes de Newton son aplicables al mesocosmos, que es el mundo en el que nos desenvolvemos. Estas realidades coexisten y coinciden con planteamientos de diversas tradiciones espirituales. Desde la filosofía, Max-Neef se remite a Husserl, pero desarrolló más la propuesta de los tres mundos elaborado por Karl Popper y el neurobiólogo John Eccles. Estos tres mundos corresponden:

1. Mundo físico, incluyendo al cerebro; 2. Los estados de conciencia y experiencias subjetivas; 3. El mundo cultural y lingüístico (2004, p. 13). De manera análoga, el físico Heisenberg plantea tres mundos:

1. Física clásica; 2. Física cuántica; 3. Experiencias filosóficas y religiosas (2004, p. 13). La transdisciplina fuerte nos conduce desde los planos de la realidad a planteamientos muy cercanos a los de Wittgenstein (Reguera, 1994), Bergson (1996), Capra (1992), que plantean el diálogo entre ciencia y espiritualidad.

El segundo pilar de la transdisciplina fuerte es la lógica del tercio incluido. A partir de este principio Max-Neef nos invita a expandir la lógica clásica de Aristóteles, en la cual uno de sus principios es el del principio del tercer excluido que dice: “toda proposición es verdadera o falsa. O, lo que es lo mismo, o bien es verdadera una proposición, o bien es verdadera su negación” (Echave et al., 2002, p. 85). Sin embargo, esta lógica aristotélica no puede aplicarse en el mundo subatómico, en el cual los fotones se nos presentan como onda-partícula a la vez; o las vinculaciones de lo local con lo global como sucede con los fenómenos atmosféricos, donde alteraciones locales influyen en el clima global. Para superar la lógica clásica, Max-Neef, siguiendo la propuesta de Stéphane Lupasco, plantea modificar el tercer axioma aristotélico con un principio lógico del tercio incluido, es decir, “existe un tercer término T, que es simultáneamente A y no-A” (Max-Neef, 2004, p. 15). Esta lógica podría emplearse para explicar ciertos fenómenos cuánticos como la doble naturaleza onda-partícula, y la permeabilidad entre los mundos explicado en el primer pilar de la transdisciplina fuerte. Según Max-Neef, cada nivel de realidad no puede describir la totalidad de los fenómenos que ocurren en dicho nivel, en alusión al teorema matemático de la incompletud de Gödel. Según Max-Neef, los diferentes niveles de realidad coexisten dialécticamente desde una lógica que tiene en cuenta el principio del tercio incluido. Esto implica la imposibilidad de lograr una teoría unificada y, en cambio, opera una concepción de la ciencia abierta en la que constantemente se va superando de manera dialéctica (Lakatos, 1998).

El tercer pilar de la transdisciplinariedad fuerte es la complejidad. La descripción de este pilar parte de los trabajos de Edgar Morin para superar el simplismo y la linealidad en el pensamiento presentes en la sociedad actual. Problemas como el cambio climático o los límites planetarios deben plantearse teniendo en cuenta la complejidad que suponen estos fenómenos, contemplando los diferentes niveles de la realidad desde una lógica del tercio incluido. “Nuestra insistencia en simplificar artificial y artificiosamente nuestro conocimiento de la Naturaleza y de las relaciones humanas, es responsable de que continuemos provocando crecientes disfunciones en las interrelaciones sistémicas que componen tanto el eco-sistema como los tejidos sociales” (Max-Neef, 2004, p. 18). La economía como disciplina académica es un ejemplo de ciencia simplista-lineal, y de ahí su imposibilidad de ofrecer soluciones reales frente a problemas como la pobreza o el desempleo. A diferencia de la física cuántica, la economía es la ciencia menos exitosa, incapaz de predecir las crisis económicas, y, sin embargo, es la disciplina académica de mayor influencia en la toma de decisiones políticas (Max-Neef & Smith, 2014).

Desde la transdisciplina fuerte, Max-Neef se separa de la tradición aristotélica en cuanto al pensamiento racional sustentada en la lógica binaria. Esta lógica ha configurado una estructura en el pensamiento donde el mundo se exhibe objetivamente ante el sujeto que observa (un objeto). Una de las implicaciones que devienen de esta lógica es la cosificación de la Naturaleza que, si sumamos los mandamientos metafísicos del judeocristianimo, la naturaleza queda reducida a recursos naturales a disposición de las necesidades humanas. Y es esta concepción de la naturaleza, absolutamente disociada del ser humano, la que ha colocado a la humanidad en una situación altamente riesgosa. A partir de los estudios del Stockholm Resilience Centre se reconoce que el ser humano ha superado límites planetarios, esos umbrales que garantizan la seguridad de para la vida toda. Max-Neef hace referencia (2014, pp. 179- 180) al primer estudio que indicaba que se habían rebasado tres umbrales o límites de los nueve indicados por Stockholm Resilience Centre9: el cambio climático, la pérdida de biodiversidad y la relación del nitrógeno (Rockström et al., 2009). Para el año 2022, ya se preveía que la humanidad sobrepasaría seis límites: los tres mencionados más el uso del agua dulce, el cambio del uso del suelo, y la contaminación química (plásticos) (Persson et al., 2022). Quedan tres límites como la capa de ozono, la contaminación por aerosoles y la acidificación del agua.

Tal como Max-Neef (2004) nos indica, la Transdisciplina nos permite desplazarnos desde el saber al comprender, pues vivimos en un mundo donde se sabe mucho, pero se comprende poco. Un mundo donde no se formulan preguntas transcendentales, sino que nos saturamos con información superficial, instantánea y efímera. Y los problemas fundamentales de la sociedad siguen creciendo, así como la locura humana por dominar la naturaleza.


image

9 https://www.stockholmresilience.org/research/planetary-boundaries.html

Reflexiones Finales

Max-Neef fue catalogado, peyorativamente, por sus colegas del ámbito de la economía como un filósofo, que abordaba temas de manera especulativa. Si bien coincidimos en catalogar a Max-Neef como filósofo, nos distanciamos de sus colegas economistas pues consideramos que él se acercó a la filosofía para reflexionar profundamente sobre la economía. Al igual que los filósofos griegos, del Renacimiento y del Romanticismo, Max-Neef hizo grandes esfuerzos para pasar del saber al comprender. Y en ese proceso abrazó la filosofía en su sentido más clásico de su etimología: amor a la sabiduría. Al igual que la filosofía de Platón y Aristóteles, el conocimiento tiene que ser un instrumento que contribuya al bien común y a la felicidad. Y a partir de esa reflexión, él comprendió los límite epistemológicos y ontológicos en los que está inmersa la economía, atrapada en un cúmulo de fórmulas e índices macroeconómicos que no se relacionan con aspectos tan esenciales de la vida como, por ejemplo, la felicidad. Tampoco la macroeconomía está resolviendo los problemas reales como la pobreza, la marginalidad, el desempleo. Menos aún está resolviendo los problemas ambientales, expresados en el traspaso de los límites planetarios. Todo lo contrario, está avanzando en sentido contrario, profundizando la crisis ambiental.

A lo largo de este texto quisimos revelar cómo la historia de la filosofía ha guiado el pensamiento de Max-Neef. De los filósofos clásicos señalamos las nociones de polis, que hacía referencia a ciudades a escala humana, o la felicidad como fin último del ser humano. También Max-Neef trajo a su profunda reflexión sobre la economía la diferencia entre oikonomia (valor de uso) y crematística (valor de cambio), señalando el camino crematístico que la economía clásica y neoclásica ha seguido, casi de manera fundamentalista. Desde una mirada crítica del teocentrismo de la edad media, Max-Neef rescató la visión de los místicos, entre los cuales nombra a San Francisco, quien le dio un nuevo sentido al ser humano, a la humanidad en comunidad con la naturaleza. Y en una trayectoria similar, rescata de los filósofos renacentistas la idea de la naturaleza como fuentes de inspiración y contemplación (PASEO POR SU JARDÍN). Emplazado en la modernidad, Max-Neef reconoce que sus pensadores optaron por el camino de la cosificación de la naturaleza, orientados por los fundamentos epistemológicos de la dualidad cartesiana: sujeto-objeto, la cual legitima la separación entre ser humano y naturaleza. Y es esta epistemología la que terminó por consagrar la cosmovisión antropocéntrica que legitimó una concepción de naturaleza como recurso puesto al servicio del ser humano.

Siguiendo el rastro de la historia de la filosofía, el pensamiento de Max-Neef se entrelaza con la Ecología Profunda, que encarna principios como el respeto y reverencia por la vida, o el valor intrínseco de la vida, orientados por una cosmovisión ecocéntrica o biocéntrica. Una cosmovisión que él identificó en la vida de los pueblos originarios América Latina y que le cambiaron la vida como profesional y ser humano. A partir de la experiencia de vida que él tuvo con esos pueblos originarios, Max-Neef reconoció la necesidad de conjugar saberes y cosmovisiones para poder “pasar “del saber al comprender” (2005). Y de allí su propuesta de un enfoque transdiciplinario que combine razón con intuición, materia con espíritu, ética con estética, y belleza con verdad. Sobre todo, desde la mirada transdisciplinaria, este autor señala la urgente necesidad e explicita los principios morales de toda actividad científica o académica. Como Max-Neef decía, “no vale la pena una ciencia, si carece de conciencia”.

Y en cuanto a la economía, él estaba convencido que debía estar al servicio del ser humano, y no a la inversa como sucede en nuestro tiempo. De manera particular, Max-Neef abogaba por una nueva economía y, en general, por una nueva ciencia. Un cambio de enfoque ontoepistémico, cuyas herramientas las encontramos en la Transdisciplina, en un diálogo entre la ciencia y la sociedad y entre las diferentes disciplinas. Un viraje en el que no deja de lado la dimensión ética en las investigaciones, convencido que la ciencia debe al servicio de los problemas de la sociedad, formulándose y buscando respuestas en las preguntas fundamentales. Por ello, el pensamiento de Manfred Max-Neef da muestras de la profundidad de su pensamiento transdisciplinar que a lo largo de su obra hizo preguntas transcendentales en torno al lugar que el ser humano ocupa en esta gran casa común.

Como economista heterodoxo, Max-Neef siempre se inspiró en fuentes también heterodoxas. Siempre hubo filósofos mostraron una vinculación armónica con la naturaleza, y de ellos se nutrió su pensamiento. Y desde esa heterodoxia, Max-Neef, a diferencia de sus colegas ortodoxos, pudo pensar la economía desde la vida misma.


Referencias

Acosta, A. (2011). Extractivismo y neoextractivismo: Dos caras de la misma maldición. Más allá del desarrollo, 83-118.

Aldunate Balestra, C. (2001). El factor ecológico: Las mil caras del pensamiento verde. LOM Ed. Aristóteles. (1997). Política. Alianza.

Aristóteles. (1985). Ética nicomáquea. Gredos.

Austin, M., & Vidal-Naquet, P. (1996). Economia y sociedad en la Antigua Grecia. Ediciones Paidos.

Barnhill, D. L., & Gottlieb, R. S. (2001). Deep ecology and world religions: New essays on sacred ground. SUNY Press. https://books.google.com.ar/books?hl=es&lr=&id=dzcDPs_V9xwC&oi=fnd&pg=PR3&dq=deep+ecol ogy+and+world+religions&ots=Vl8SaD2Oke&sig=9cEGvezInXgVEZcm1PwU5zdbioI

Barrera, María del Valle & Kausel, Teodoro. (2012). Manfred Max-Neef. 80 años de un economista, músico y visionario. Universidad Austral de Chile.

Bergson, H. (1996). Las dos fuentes de la moral y de la religión. Tecnos. Berkes, F. (2008). Sacred ecology. Routledge.

Boff, L. (2006). Ecología: Grito de la Tierra, grito de los pobres. Trotta.

Bula, Germán. (2016). Ecología profunda y ciudadanía global. Revista Filosofía UIS, 15(2), 55-61. Bunge, M. (2016). Economía y Filosofía. Siglo XXI Editores.

Capra, F. (1992). El Tao de la Física: Una exploración de los paralelismos entre la física moderna y el misticismo oriental. Editorial Sirio SA.

Castillo Ávalos, Y., & Ceberio de León, I. (2017). Hacia un contractualismo ecocentrista. Gestión y Ambiente, 20(1), 105-112.

de Estocolmo, D. (1972). Informe de la Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Medio Humano.

Estocolmo, Suecia, 5-16.

Debus, A. G. (2016). El hombre y la naturaleza en el Renacimiento. Fondo de Cultura Economica / Mexico.

Echave, D. T., Urquijo, M. E., & Guibourg, R. A. (2002). Lógica, proposición y norma. Astrea.

Fox, W. (1993). What does the recognition of intrinsic value entail? The Trumpeter, 10(3). https://trumpeter.athabascau.ca/index.php/trumpet/article/view/379

Francisco, Papa. (2015). Laudato si’: Carta encíclica sobre el cuidado de la casa común. Agape libros.

Gilson, E. H. (1985). La filosofía en la edad media desde los orígenes patrísticos hasta el fin del siglo

XIV. Gredos.

Henning, D. H. (2002). Buddhism and deep ecology. [1st Books Library]. Krenak, A. (2021). Ideas para postergar el fin del mundo. Prometeo Libros. Krenak, A. (2023). La vida no es útil. Eterna Cadencia.

La Fundación Right Livelihood da la bienvenida a la Fundación Manfred Max-Neef. (s. f.). Right Livelihood. Recuperado 22 de noviembre de 2022, de https://rightlivelihood.org/es/news/bienvenida- fundacion-max-neef/

Lakatos, I. (1998). La metodología de los programas de investigación científica. Alianza.

Leach, M., Raworth, K., & Rockström, J. (2013). En la frontera de lo social y lo planetario: rutas de navegación en un espacio seguro y justo para la humanidad. En, CICS/UNESCO. (2013). Informe mundial sobre ciencias sociales 2013-Cambios ambientales globales.

Max-Neef, M. (s. f.). Transdisciplina, para pasar del saber al comprender. 9.

Max-Neef, M. (1985). Economía descalza: Señales desde el mundo invisible. Editorial Nordan. Max-Neef, M. (2004). Fundamentos de la transdisciplinariedad. 22.

Max-Neef, M. (2005). Del Saber al Comprender. Revista Facultad de Ciencias Económicas, 13(2), Article 2.

Max-Neef, M. (2008). La dimensión perdida. La inmensidad de la medida humana. Icaria; Nordan. Max-Neef, M. (2017). Economía herética. Icaria.

Max-Neef, M., & Smith, P. B. (2014). La economía desenmascarada: Del poder y la codicia a la compasión y el bien común. Icaria.

Meadows, D. H., Meadows, D. L., Randers, J., & Behrens, W. W. (1972). Los límites del crecimiento: Informe al Club de Roma sobre el predicamento de la humanidad. Fondo de cultura económica.

Mignolo, W. (2017). Desobediencia epistémica: Retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad.

Montuschi, L. (2017). Crecimiento económico, progreso social y felicidad. Serie Documentos de Trabajo.

Morrás, M. (2000). Manifiestos del humanismo: Petrarca, Bruni, Valla, Pico della Mirandola, alberti

(1. ed). Península.

Naess, A. (1973). The shallow and the deep, long-range ecology movement. A summary. Inquiry, 16(1- 4), 95-100.

Naydler, J. (2002). Goethe y la ciencia. Siruela.

Nietzsche, F. (1994). Sobre verdad y mentira en sentido extramoral. Tecnos.

Olcina, J. (2011). Megaciudades: Espacios de relación, contradicción, conflicto y riesgo.

Olivé, L. (2016). Interdisciplina y transdisciplina desde la filosofía. Ludus Vitalis, 19(35), 251-256.

Olmedo, C., & Ceberio de León, I. (2022). The Manfred Max-Neef Thinking: A Deep Economy Rooted in the Eco-philosophical Perspective of the Deep Ecology. The Trumpeter, 38(1), 46-71. https://trumpeter.athabascau.ca/index.php/trumpet/article/view/1749

Persson, L., Carney Almroth, B. M., Collins, C. D., Cornell, S., de Wit, C. A., Diamond, M. L., Fantke, P., Hassellöv, M., MacLeod, M., Ryberg, M. W., Søgaard Jørgensen, P., Villarrubia-Gómez, P., Wang, Z., & Hauschild, M. Z. (2022). Outside the Safe Operating Space of the Planetary Boundary for Novel Entities. Environmental Science & Technology, 56(3), 1510-1521.

https://doi.org/10.1021/acs.est.1c04158

Petrarca, F., Bruni, Leonardo, Valla, Lorenzo, Pico della Mirandola, Giovanni, & Batista Alberdi, Leon. (2000). Manifiestos del humanismo. Península.

Pikaza, X. (2020). Mística y Ecología. Papa Francisco, Francisco de Asís y Juan de la Cruz. Revista de espiritualidad, 79(314), 47-86.

Platón. (2014). Las leyes. Alianza Editorial. Raworth, K. (2018). Economía rosquilla. Paidós.

Reguera, I. (1994). El feliz absurdo de la ética: El Wittgenstein místico. Tecnos.

Rockström, J., Steffen, W., Noone, K., Persson, \AAsa, Chapin III, F. S., Lambin, E., Lenton, T. M., Scheffer, M., Folke, C., & Schellnhuber, H. J. (2009). Planetary boundaries: Exploring the safe operating space for humanity. Ecology and society, 14(2).

Santos, B. de S. (2009). Una epistemología del sur: La reinvención del conocimiento y la emancipación social. Siglo Veintiuno ; Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO).

Satish Kumar, & Whitefield, F. (2007). Visionaries: The 20th century’s 100 most important inspirational leaders. Chelsea Gree Publishing.

Sessions, G. (Ed.) (1995). Deep ecology for the 21st century: Readings on the philosophy and the practice of the new environmentalism. Shambhala.

Svampa, M. (2019). Las fronteras del neoextractivismo en América Latina: Conflictos socioambientales, giro ecoterritorial y nuevas dependencias.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15565


HORIZONTES FRAGMENTADOS

JUVENTUD, VIOLENCIA Y VIDA COTIDIANA EN ACAPULCO GUERRERO, MÉXICO


FRAGMENTED HORIZONS

Youth, violence, and everyday life in Acapulco Guerrero, México


HORIZONTES FRAGMENTADOS

Juventude, violência e cotidiano em Acapulco Guerrero, México


Rafael Alarcón Medina

(El Colegio de la Frontera Norte, México)

ralmed@colef.mx


Jaime Rivas

(Universidad Autónoma de Baja California, México)

jaime.rivas@uabc.edu.mx

Recibido: 25/08/2023 Aprobado: 09/02/2024


RESUMEN

El presente trabajo aborda la experiencia cotidiana de la violencia criminal entre estudiantes de preparatoria en la ciudad de Acapulco de Juárez en el Estado de Guerrero, en el sur de México. De forma particular, la investigación analiza el rol de la violencia en la conformación de campos de experiencia y horizontes de expectativas precarios entre esta población, mostrando cómo a través de dicho proceso se conforman lo que llamamos horizontes fragmentados, al interior de los cuales la producción de sentidos contradictorios en torno a la experiencia de la inseguridad contribuye a los procesos de neoproletarización en el capitalismo contemporáneo.

Palabras clave: violencia. juventud. vida cotidiana. Acapulco. México.


ABSTRACT

This paper addresses the everyday experience of criminal violence among high school students in the city of Acapulco de Juárez in the state of Guerrero, in South Mexico. In particular, the research analyzes the role of violence in the formation of fields of experience and precarious horizons of expectations among this population, showing how through this process what we call fragmented horizons are constituted, within which the production of contradictory meanings around the experience of insecurity contributes to the processes of neoproletarianization in contemporary capitalism.

Keywords: violence. youth. everyday life. Acapulco. México.


image

RESUMO

Esse artigo aborda a experiência cotidiana da violência criminal entre estudantes do ensino médio na cidade de Acapulco de Juárez no estado de Guerrero, no sul do Mexico. Em particular, a pesquisa analisa o papel da violência na formação de campos de experiência e horizontes precários de expectativas dessa população, mostrando como por meio desse processo se constituem o que chamamos de horizontes fragmentados, dentro dos quais a produção de sentidos contraditórios em torno da experiência de a insegurança contribui para os processos de neoproletarização no capitalismo contemporâneo.

Palavras-chave: violência. juventude. cotidiano. Acapulco. México.


Introducción

Durante la última década, el problema de la violencia en México ha alcanzado niveles alarmantes. Aun cuando las autoridades gubernamentales eviten el tema, la situación en el país ha llevado a que en círculos académicos se plantee la existencia de un estado fallido. Esta interpretación resulta problemática, pues la complicidad de diversas estructuras del estado mexicano en actividades delictivas lleva a la conclusión de que, más que una formación estatal fallida, asistimos a la emergencia de nuevas configuraciones de poder, en donde la distinción entre actores públicos y privados se diluye (Mbembe, 2011). La economía ilegal de las drogas, el crimen organizado y sus diversas actividades delictivas forman parte esencial en la conformación de un nuevo orden político. En dicho contexto, la violencia y las prácticas de muerte han sido consideradas desde diversas posturas teóricas como elementos constituyentes de una transformación en el funcionamiento del capitalismo. La construcción de la otredad y la diferencia como enemigo que debe ser eliminado, ha dado lugar a planteamientos en torno a conceptos como estado de excepción y nuda vida, a partir de los cuales la administración de la vida cede paso a la aplicación de la muerte como modo de gobierno (Agamben, 2004; Esposito, 2005).

Para dar cuenta de esta situación en México y tener una idea de su magnitud, basta dar un paseo por las cifras de la violencia en el país. El Consejo Ciudadano para la Seguridad Pública y la Justicia Penal (CCSPJP, 2023) denominó a México como el epicentro mundial de la violencia, ya que cuenta con 9 de sus municipios en los primeros 10 lugares dentro del ranking de las 50 ciudades más violentas del mundo. La Oficina de Naciones Unidas Contra la Droga y el Delito (2020) indicó que durante el 2017 México presentaba una tasa de homicidios por encima de la media internacional. La violencia derivada de las actividades del narcotráfico no sólo incluye los asesinatos, sino que también involucra el fenómeno de las fosas clandestinas. Asimismo, la desaparición forzada es otra de las dimensiones de la violencia que han contribuido fuertemente al trauma colectivo que México tendrá que enfrentar y reconciliar en años venideros. Las violencias relacionadas con el narcotráfico y el crimen organizado no son las únicas que conforman el espacio simbólico en contextos de alta peligrosidad. Dichas violencias interaccionan y muchas veces se nutren de otras formas de agresión que configuran la vida cotidiana de las personas.

El cuadro arriba descrito refleja de manera estructural la realidad de la violencia que millones de mexicanos experimentan día a día. Dicha situación se refleja de diversas formas a través de los distintos contextos de la acción social en campos sociales específicos, reflejando dinámicas propias relacionadas con la historia local y las redes e interrelaciones entre diversos actores sociales y grupos de poder, tanto públicos (estado) como privados (grupos delincuenciales). En el contexto arriba esbozado, la juventud es el grupo poblacional que más ha experimentado de forma directa e indirecta el impacto de la violencia generada por el narcotráfico, aunada a otras formas de agresión estructural cotidiana tales como la pobreza, la precariedad laboral, la falta de acceso a educación de calidad, de género, entre otras. En México, alrededor del 60% de las personas reportadas como desaparecidas o no localizadas es menor de 35 años; en el caso de los hombres, el grupo etario con mayores desapariciones está entre los 20 y los 30 años, y en las mujeres entre los 15 y los 25. (CNB, 2021, p.28). En su estudio, Elena Azaola Garrido (2020) ha documentado profusamente la experiencia de niños y adolescentes incorporados al narcotráfico en funciones de sicariato, sacando a la luz la terrible realidad y riesgos que enfrenta la niñez mexicana. Pedro Orraca-Romano (2017) ha mostrado que el incremento en las tasas de homicidios como reflejo de un aumento de la violencia criminal presenta una correlación estadística significativa en los

resultados negativos de la prueba ENLACE, ello como producto de la reducción de la asistencia escolar. Por otra parte, Cano y Estrada (2015) señalan que “…la violencia se conoce tempranamente por los alumnos y está presente durante prácticamente todo el trayecto escolar […] como experiencia profunda, que se acompaña de sentimientos de desamparo, desolación, angustia, inseguridad, temor, rencor, etcétera” (p. 27). En el mismo sentido, Alfredo Nateras (2016) ha indicado que “Uno de los signos de las juventudes en México y en América Latina, es la precariedad material en la que se encuentran y en la que viven, lo que se traduce en niveles altos de pobreza, en la exclusión social y en déficits en las estrategias para afrontar las dificultades de la realidad social, es decir, sus capitales sociales y culturales son débiles y escasos” (pp. 55-56). Como vemos, contrario a los discursos que criminalizan a la juventud “Las niñas, niños y adolescentes de hecho representan uno de los grupos más afectados por diversas formas de violencia y de vulneraciones a derechos, así como por el actuar del crimen organizado. En general, las respuestas de los Estados no son suficientes para prestar una adecuada protección a la niñez más afectada por estas condiciones, para garantizar sus derechos y prevenir que sean captados y utilizados por el crimen organizado” (CIDH 2015, p. 11).

Dichas precariedades tiene diversas formas de manifestación, las cuales van desde las experiencias directas de violencia infringidas en los cuerpos y las vidas de los jóvenes y sus allegados, hasta las formas cotidianas indirectas, que sin ser vividas en carne propia afectan sus diversos espacios de experiencia y horizontes de expectativas (Koselleck, 2018), afectando sus prácticas, percepciones y esperanzas en el tiempo que viene, generando lo que aquí denominamos horizontes fragmentados. Estos horizontes fragmentados reflejan las complejidades y contradicciones de la vida cotidiana de jóvenes que viven y crecen en contextos de alta violencia, pobreza y marginalidad, expresando el conflicto subjetivo que emerge de negociar un presente de condiciones precarias y la búsqueda de sentido de cara a un futuro incierto. El presente trabajo aborda la experiencia cotidiana de la violencia criminal entre jóvenes estudiantes de preparatoria en la ciudad de Acapulco de Juárez en el Estado de Guerrero, México. La investigación se sustenta en los resultados de un cuestionario respondido por estudiantes de la Unidad Académica 17 (Preparatoria), perteneciente a la Universidad Autónoma de Guerrero (UAGro), en 2019-2020. Asimismo, numerosas conversaciones informales con maestros y estudiantes, así como observaciones directas en las instalaciones de la institución también informan las observaciones presentadas. La siguiente sección presenta una discusión teórica en torno a la violencia y la juventud. Posteriormente contextualizamos nuestro trabajo en el contexto guerrerense y acapulqueño, para finalmente presentar los hallazgos del trabajo de campo.


Sedimentos de la violencia: campos de extracción, experiencia y expectativas

Definir la violencia es un asunto complejo, pues más que un fenómeno en singular nos enfrentamos con una realidad polisémica, multifactorial y multidimensional sumamente compleja. La Organización Mundial de la Salud (2003) define a la violencia como: “…el uso intencional de la fuerza o el poder físico, de hecho, como amenaza, contra uno mismo, otra persona o un grupo o comunidad, que cause o tenga muchas probabilidades de causar lesiones, muerte, daños psicológicos, trastornos del desarrollo o privaciones” (p. 5). Si bien dicho concepto es un punto de partida importante, es necesario situar dicho proceso en una dimensión macrosocial, que subraye el rol que juegan las estructuras de poder tales como el estado y las grandes organizaciones económicas en la reproducción de dinámicas violentas. Para ello, resulta importante tener presente la naturaleza estructural de la violencia, entendida como “…la organización económico-política de la sociedad que impone condiciones de dolor físico y/o emocional, desde altos índices de morbosidad y mortalidad, hasta condiciones de trabajo abusivas y precarias" (Ferrandis y Feixa, 2004, p. 162). Ello significa que, como señala Antonio Fuentes (2021), “…la violencia tiene que pensarse vinculada al tipo de régimen político donde ésta se expresa, al marco de sentido que se disputa a niveles macro–sociales y a las representaciones que se juegan en esas contiendas” (p. 53). La fragilidad del estado democrático de derecho, la inestabilidad laboral, la administración de la pobreza/miseria, el racismo estructural, la carencia de servicios básicos, formas de urbanización precaria y/o militarizada, la debilidad sistemática en los sistemas de seguridad social, la falta de recursos educativos y culturales, la destrucción extractivista del medio ambiente, etc., son tipos

de violencia estructural que se suman a formas más directas de violencia personal (bullying, violencia de pareja, peleas callejeras, violencia intrafamiliar, etc.) y criminal (asesinatos, feminicidios, secuestros, desaparición forzada, atentados terroristas, etc.) (ver Casara, 2017; Veltmayer y Petras, 2015; Laval y Dardot, 2017; Lopes de Souza, 2008).

En este trabajo nos enfocamos en la incidencia cotidiana de la violencia criminal ligada al narcotráfico, en la cual la colusión entre actores públicos y privados es compleja y muchas veces difícil de distinguir, llevando a lo que se ha denominado como gobierno privado indirecto. Para Achille Mbembe (2011), el gobierno privado indirecto “…surge en un contexto de gran desabastecimiento, desinstitucionalización, violencia generalizada y desterritorialización. Es el resultado de una brutal revisión de las relaciones entre el individuo y la comunidad, entre los regímenes de violencia, los de propiedad y el orden tributario” (p. 79). Si bien Mbembe y otros autores como Bayart (2011) han desarrollado esta línea de pensamiento a partir del estudio de sociedades africanas, sus observaciones resultan de sumo interés al analizar el caso mexicano, en el cual las fronteras entre el orden estatal y los poderes criminales son difusas, y en el cual la des/reterritorialización, el desabastecimiento y la administración de las poblaciones (gobernamentalidad) están atravesadas cada vez más por el uso de la violencia en un contexto económico globalizado. Dicha violencia no sólo se expresa en los enfrentamiento armados entre grupos criminales y/o entre grupos criminales y fuerzas estatales, sino que se ha vuelto una experiencia difusa incorporada entre diversos sectores, en cierta medida legitimada como repertorio de acción y muchas veces vista así por quienes la viven indirectamente (Fuentes, 2021, p. 60).

En línea con autores como Mbembe y Bayart, Fuentes señala que la dimensión política de la violencia debe ser entendida en su naturaleza instrumental en la apropiación de rentas y la regulación de poblaciones que resultan excedentes para el estado y el capital. La naturaleza excedente de grandes capas de la población se deriva de estar constituidas por formas diversas de trabajo superfluo y desvalorizado, ya sea por razones étnico/raciales, de género o de clase (sectores de trabajadores que se han vuelto improductivos). En ese sentido, la violencia se convierte en un dispositivo político guberna-mental (Foucault, 2016) a través del cual el estado administra indirectamente las poblaciones a través del ejercicio de la violencia y el uso de la muerte como desaparición física y social de sectores que resultan “sobrantes” (ver Fuentes, 2020). Este proceso también se puede entender como una forma de gobernar mediante la crisis propia del neoliberalismo, en el cual la violencia como dispositivo de extracción de renta y regulación de poblaciones excedentes serían elementos constituyentes de una neoproletarización en curso (Laval y Dardot, 2017, p. 30).

Hoy en día es ampliamente aceptado que las condiciones de violencia imperante arriba mencionadas afectan principalmente a los jóvenes, quienes de hecho conforman el grueso de las filas de los grupos delincuenciales, así como de las víctimas fatales de dicho fenómeno social, ya sea directa o indirectamente. Asimismo, otras violencias como las de género, económicas, familiares, sexuales, y políticas, entre otras, también conforman la experiencia cotidiana de dicha categoría social, al grado de que algunos autores han hablado de una estructura social juvenicida (Valenzuela, 2015), en la cual el joven se ha vuelto el objeto de los poderes dominantes, ya sea para reprimirlo, matarlo o explotarlo (Cruz y Nateras, 2019; Ojeda, 2018; Solís, 2017; Nateras, 2016; López, 2012). Algunos estudios abordan las relaciones intra-juveniles al estar en contacto directo e indirecto con los grupos delictivos criminales. En su estudio entre jóvenes que trabajan con grupos pertenecientes al narcotráfico en el estado de Tamaulipas, Hernández (2019) señala que la línea que separa la experiencia directa/indirecta de la violencia cotidiana es difusa, pues “…el ser joven y estar ‘dentro’ o ‘fuera de la violencia es relativo, al menos en contextos donde esta última es parte de la vida cotidiana”. (Hernández, 2019, p. 74). Los jóvenes pueden ser violentadores y sufrir al mismo tiempo la violencia por parte de los grupos delictivos. Además, dicho autor indica que el mismo estado desarrolla lo que él, retomando a Domínguez Ruvalcaba llama pedagogías de la violencia, las cuales no son exclusivas del crimen organizado. Hernández (2019), menciona que “Someter para despojar del valor, degradar la condición de ser humano y finalmente despojar de la vida, forman parte del proceso de dichas pedagogías, de la crueldad que desde el principio anuncia la muerte de los cuerpos, no sin antes someterlos al sufrimiento por el hecho de encajar como sospechosos o como enemigos del Estado” (p. 80).

Estas pedagogías de la violencia están dirigidas a reproducir una representación de los jóvenes como sujetos peligrosos y desechables, enemigos de la sociedad, llevando a su criminalización y victimización, redefiniendo los marcos de la acción institucional de las estructuras estatales de seguridad, al tiempo que legitiman el uso político de la violencia. En su estudio entre jóvenes sinaloenses en contextos de narcotráfico, Mendieta (2017) también muestra que las afectaciones por la narcoviolencia no repercuten exclusivamente a los sectores poblacionales que están insertos y son partícipes en las corporaciones delictivas, sino que también alcanzan a la mayoría de los jóvenes de forma indiferenciada. Según Mendieta, “Las violencias en que las juventudes sinaloenses participan, en particular un alto porcentaje de hombres jóvenes entre los 14 a los 35 años, no son ocasionadas por una intención de asociación identitaria con sus pares a partir de la marginalidad y la desigualdad, sino por las relaciones sociales del narcotráfico que se han naturalizado en todos los sectores sociales” (2017, p. 59). Lo anterior apunta a que las pedagogías de la violencia y la crueldad a las que alude Hernández, forman parte de un entramado de relaciones sociales atravesadas por las dinámicas generadas a partir de las actividades de los grupos delincuenciales del narcotráfico. Dichas dinámicas involucran tanto la participación directa en acciones ilícitas, así como la manera en que el desarrollo de tales acciones reconfigura la cronotopia social; es decir, las formas concretas en que se habita la ciudad, los modos de administración del tiempo en el espacio público, así como la autoimagen que los jóvenes deben proyectar frente a sus pares y las autoridades. En su estudio entre jóvenes negros y latinos en contextos de pandillas en California, Victor Ríos (2011) ha mostrado cómo es que los jóvenes que no participan en pandillas deben desarrollar, por un lado, un “actuar legal” que los libre del acoso policial y la criminalización, al tiempo que deben negociar su imagen callejera de cara a sus amigos y vecinos pandilleros para no convertirse en víctimas, o ser forzados a involucrarse en actividades delictivas.

Resumiendo, podemos decir que los jóvenes en contextos de alta marginación y criminalidad participan, ya sea como víctimas o victimarios, de forma activa en la violencia. En un marco más amplio, lo anterior significa que la violencia se convierte en un espacio u horizonte de experiencia (Koselleck, 2018) compartido a partir del cual se articulan prácticas, estrategias y percepciones concretas desde las cuales se negocian los significados personales, colectivos e institucionales de la acción social. Esto se expresa de maneras específicas, tales como: las formas en cómo se navega la ciudad y el transporte público; la administración de los tiempos de traslado con el fin de evitar horarios considerados peligrosos; la percepción de inseguridad en los espacios públicos, su uso y apropiación; la reconfiguración del entorno público/privado (condóminos cerrados, sistemas de vigilancia, internet y redes sociodigitales como nuevo espacio seguro, etc.); los marcos de interpretación de los discursos y acciones institucionales en torno a la inseguridad; la percepción y relación con los diversos cuerpos de seguridad del estado (Marina, Ejército, Policía); la recepción de las narrativas mediáticas de la violencia (periódicos, páginas de internet, redes sociodigitales, blogs, etc.); así como la experiencia cotidiana del barrio y las relaciones con los otros (vecinos, colegas de trabajo, compañeros de escuela, transeúntes, etc.), lo cual incluye las claves de lectura del sujeto potencialmente peligroso, así como las estrategias para evitar parecerlo, etc.

Entre los jóvenes que viven en contextos de alta violencia, todas las dinámicas anteriores se constituyen en dimensiones de un espacio de experiencia compartido a partir del cual se da sentido al presente y se articulan horizontes de futuro posibles. Si bien dicho espacio de experiencia es una realidad plural, compuesta de una constelación de temporalidades diversas que manifiestan la diversidad de la experiencia social (e.g. por clase, etnia/raza, género o generación), ello no impide que se constituya en un conjunto de claves de interpretación comunes que hacen posible la significación social, lo cual permite tanto el dominio de narrativas hegemónicas sobre la violencia como la posibilidad de formas de acción colectiva que puedan transformar la realidad hacia mejores condiciones. Lo anterior implica que dicho espacio de experiencia incide en la conformación de un horizonte de expectativas social e históricamente compartido (Koselleck, 2018), un conjunto de claves de lectura, puntos de referencia en torno a lo posible que pueden abrir o cerrar la imaginación del futuro desde el presente. El horizonte de expectativas es un futuro pasado (Koselleck, 2004), un presente proyectado que sobredetermina las posibilidades de actuar en el mundo. Es desde la reconstrucción del campo de experiencia que podemos vislumbrar la expectativas del futuro posible desde el presente, desvelando la negociación de las contradicciones de las prácticas sociales y el modo en que estas abren o cierran el mundo imaginado. En

la siguiente sección presentamos una breve contextualización del espacio de investigación y sus sujetos, para posteriormente mostrar los resultados del trabajo de campo. Iniciamos con una breve descripción del contexto de violencia en el Estado de Guerrero y de la ciudad de Acapulco, para posteriormente caracterizar a la preparatoria donde se llevó a cabo la investigación, los sujetos de estudio, así como los resultados y las interpretaciones de los mismos.


Al sur de ninguna parte: Violencia y criminalidad en el estado de Guerrero.

El Estado de Guerrero es un epicentro del crimen organizado en México, con el mayor número de grupos delincuenciales luchando por el control del territorio que en cualquier otra región del país. Al menos 40 grupos luchan por un diverso portafolio criminal, que incluye la producción y el tráfico de drogas, sobre todo heroína para el mercado estadounidense, así como varios tipos de actividades delictivas que han aparecido recientemente, principalmente la extorsión. (International Crisis Group, 4 de mayo de 2020). En el Informe Sobre América Latina No. 86 (2020), se menciona la problemática que existe en Guerrero, producida por los constantes enfrentamientos entre grupos de autodefensa y organizaciones criminales, siendo estos últimos los responsables de gran parte de la violencia que aqueja al estado. Como ejemplo del estado privado indirecto señalado por Mbembe y Fuentes, se señala que: “…al tomarse territorios y hacer uso de la violencia extrema, algunas de las autodefensas han comenzado a parecerse a los criminales. La proliferación de grupos de autodefensas refleja la gran falta de confianza en las autoridades estatales y las fuerzas de seguridad de Guerrero. Los límites entre el Estado y el crimen son confusos en toda la región(International Crisis Group, 4 de mayo de 2020, p.4). Entre los municipios que se han mantenido con mayor incidencia de homicidios durante el período de 2016 a 2018 se encuentran: Acapulco de Juárez, Coyuca de Benítez, Chilpancingo de los Bravo, Chilapa de Álvarez, Iguala y Ometepec (López, Holst y Ramírez, 2018).

La violencia que prevalece en Guerrero se debe a distintos factores, principalmente a la gran cantidad de grupos delictivos que operan en el lugar, las disputas provocadas entre grupos de autodefensa y la poca seguridad que brinda el Estado a los ciudadanos. Sánchez (2015) señala que: “…las autoridades federales y los distintos medios de comunicación han logrado identificar hasta 10 organizaciones criminales independientes que tienen presencia permanente en al menos 65 de los 81 municipios de la entidad, las cuales luchan entre sí por el control de los municipios y de los mercados ilegales que hay en el estado” (p.5). Diversos trabajos de investigación periodística también han abordado la problemática guerrerense, documentando los constantes reacomodos entre las distintas organizaciones criminales que han actuado en el estado, sus territorios de influencia, sus ligas con el poder político local, así como la cambiante cartografía de los grupos surgidos tras su declive y fragmentación (Ravelo, 2017, 2007; Reveles, 2015). El fin de la precaria hegemonía de las grandes organizaciones criminales como el Cártel de Sinaloa, el Cártel de los Beltrán Leyva y la Familia Michoacana, así como su posterior fragmentación en múltiples grupos, ha llevado a que la disputa territorial se dé entre organizaciones criminales de menor tamaño, las cuales al cambiar su estructura y alcance buscan defender y controlar territorios limitados, volviéndose más violentas al estar en presencia de otras organizaciones (Sánchez, 2015). A la par de dichos grupos delincuenciales, el uso político de la violencia y la corrupción, la emergencia y crecimiento de grupos de autodefensa y policías comunitarias, así como la existencia de grupos guerrilleros también abonan a la violencia en el estado (Sánchez, 2015, p.11; Pantoja, 2017). Carlos Illades (2014, 2000) ha resaltado que la actual violencia en Guerrero no puede entenderse adecuadamente sin considerar la historia particular del estado, en la cual el uso político y civil de la violencia ha sido una constante desde la fundación de la entidad.

Por otra parte, Guerrero es el tercer estado con mayor número de fosas clandestinas descubiertas, 459 o 9.49% del total nacional, y el cuarto con mayor número de cuerpos exhumados, 646 o 7.80% del total nacional. (Secretaría de Gobernación, 2021, p.46). Durante el 2018, el 27.8% de los hogares en Guerrero tuvo una víctima de delito. Los delitos más frecuentes en el estado son la extorsión (42.9%), el fraude (11.4%), y robo o asalto en calle y transporte público (11.1%). Las estimaciones sobre la cifra negra del crimen de extorsión (Ramírez, 2020) posicionaron a Guerrero en primer lugar nacional durante 2018.

La ENVIPE (2022) estima que en el estado, 46.1% de la población de 18 años y más considera la inseguridad como el problema más importante que aqueja hoy en día su entidad federativa, seguido de la salud con 39.9% y el aumento de precios con 39.7%. Además, se estima que 29% de la población de 18 años y más en el estado considera que vivir en su entorno más cercano, colonia o localidad es inseguro.

Las cifras presentadas hasta aquí dan cuenta de la tragedia cotidiana en la que ha estado sumido el estado de Guerrero y ciudades como Acapulco desde hace ya más de una década. Si bien estos datos dan cuenta de la dimensión del problema, no constituyen un cuadro completo de la realidad cotidiana de la violencia que viven los guerrerenses. Ello porque aún haría falta incorporar datos sobre otras formas de violencia que en mayor o menor grado reflejan y contribuyen a la reproducción de la violencia relacionada con el narcotráfico: la violencia familiar, de género, escolar, la discriminación y el racismo, entre otras, conforman la constelación a partir de la cual la violencia como síntoma social emerge en varias ciudades guerrerenses. Entre las distintas consecuencias de vivir en contextos de violencia está la idea de mudar de lugar de residencia para escapar de esa realidad, con la intención de encontrar un espacio donde se pueda vivir en tranquilidad. En algunas ocasiones, las personas son obligadas a abandonar el hogar involuntariamente debido a distintas amenazas producto de la violencia. Autores como Argüello (2022) han investigado el tema de la movilidad forzada, y menciona que: “El Desplazamiento Interno Forzado (DIF) es multicausal y entraña un tipo de migración que se invisibiliza por no implicar el cruce de fronteras internacionales” (p.48). Algunos medios de comunicación han expuesto algunos casos de desplazamiento forzado debido a enfrentamientos entre grupos delictivos en Guerrero, como el sucedido entre el 11 y 16 de noviembre de 2022 en las colonias Playas de Calinda e Icacos, en la ciudad de Acapulco, dejando como consecuencia el desplazamiento de 46 familias expulsadas de sus hogares. (Amapola Periodismo, 2023). Asimismo, El Universal publicó una breve nota sobre la situación de violencia que se vive en Guerrero, señalando que: “Las tres principales ciudades turísticas de Guerrero: Acapulco, Zihuatanejo y Taxco, que conforman el Triángulo del Sol, son blanco de las extorsiones de grupos criminales. Nadie se salva de pagar cuota, ni los prestadores de servicio, bares, restaurantes, tiendas de conveniencia, los meseros o los vendedores ambulantes. Ante esto las opciones que les quedan son pagar, cerrar el negocio, huir de la ciudad o morir” (Palma, 2022). Las cifras arriba expuestas ejemplifican algunas de las características del dispositivo de extracción (rentas y producción criminal) en funcionamiento en varias ciudades del Estado de Guerrero.

En el caso de la situación de los jóvenes, se han realizado algunos estudios que abordan las condiciones de inseguridad y violencia de esta población, aunque es importante mencionar que las investigaciones aún son insuficientes. Cortés y sus colaboradores (2014) han estudiado las violencias de género al interior de instituciones de educación media superior, ello con la intención de conocer los índices de este fenómeno entre las estudiantes, así como las medidas implementadas para la prevención, atención y erradicación de esta problemática. Sus resultados muestran que las estudiantes de educación media superior sufren hostigamiento y acoso. En investigaciones más recientes, Basilio et al. (2019), analizan el fenómeno de la violencia en las comunidades estudiantiles, destacando las colonias que habitaban y sus índices de inseguridad, e igualmente encontraron que las mujeres tienen un mayor sentimiento de inseguridad que los varones. Los autores llegan a la conclusión de que los programas federales contribuyen en cierta medida a disminuir la percepción de la inseguridad entre algunos jóvenes, pero no la elimina del todo, pues la preocupación de muchos estudiantes provenientes de colonias en las cuales dichos programas no tienen efecto alguno sigue presente. La experiencia cotidiana directa e indirecta de la violencia genera un sentido de desánimo, sensación de riesgo e inseguridad entre los jóvenes guerrerenses, misma que se manifiesta en un incremento de la deserción escolar o un alto nivel de ausentismo a clases. Estas y otras consecuencias de la violencia criminal entre los jóvenes también han sido documentadas por otras investigaciones en contextos que comparten con Guerrero el problema de la violencia, tales como Chihuahua (Estrada y Cano, 2013), Tamaulipas (De la O, 2019; Gómez y Almanza, 2016), Veracruz (Treviño, 2020) y Tijuana, en Baja California (López, 2012).

El contexto arriba mostrado confirma la lógica necropolítica (Mbembe, 2011) del estado mexicano, manifiesta en los límites difusos del uso paralegal de la violencia y la muerte como dispositivos de

extracción y control de poblaciones (Fuentes, 2020), un tipo de poder ejercido por grupos narco- criminales que accionan en contubernio con actores públicos (policías, políticos, fuerzas armadas). La dinámica capilar de estas violencias implica que la participación directa e indirecta en la violencia, ya sea como víctimas o victimarios, contribuye a conformar un campo de experiencia compartido marcado por el miedo, la desconfianza y la inestabilidad de los significados en torno al presente y al futuro de la acción social, generando un horizonte de expectativas fragmentado. La cualidad fragmentaria de dicho horizonte surge de las formas contradictorias a partir de los cuales se producen significados en torno a la violencia y la inseguridad, al tiempo que los sujetos buscan dar un sentido unificador que brinde un sentimiento de pertenencia, tranquilidad y sobre todo de dignidad (Sennet y Cobb, 1993). Por otra parte, su carácter fragmentario también conlleva que si bien dicho horizonte constituye un punto de referencia compartido producido dialécticamente entre el presente y la imaginación del futuro, al mismo tiempo apunta a la dificultad de una acción política consistente, entre otras razones porque, al experimentarse desde condiciones sociales específicas diferenciadas (género, etnia/raza, clase, etc.), dicho horizonte fragmentado trae consigo la dificultad de reconocimiento del otro y en el otro, complicando la emergencia de acciones colectivas transformadoras de la realidad.

Comprender la experiencia de la violencia a partir de la reconstrucción de los campos de experiencia que la conforman, así como los horizontes de expectativas que emergen de los mismos puede contribuir al conocimiento crítico de las condiciones de violencia que vive el país, sus configuraciones en la vida cotidiana, así como a vislumbrar posibles rutas de intervención que contribuyan a transformar esta difícil realidad, sacándonos de una situación que, en el caso de Guerrero, parece llevar al sur de ninguna parte. En el siguiente apartado presentamos un primer ejercicio de interpretación desde el marco teórico propuesto en párrafos anteriores. Con base en los resultados de un cuestionario aplicado a estudiantes preparatorianos de la Unidad Académica 17 perteneciente a la UAGro, en la ciudad y puerto de Acapulco de Juárez, así como a partir de conversaciones con alumnos y maestros, hacemos un primer acercamiento a la reconstrucción del campo de experiencia de estos jóvenes, así como a las formas fragmentadas que adquiere un horizonte de expectativas surgido en un contexto de violencia criminal.


Futuros Fragmentados: temor, sentido y dignidad

La Preparatoria 17 tiene sus antecedentes en la Preparatoria Popular HOMART (Hombres de Mar y Tierra), fundada en 1974 durante el auge del proyecto educativo conocido como Universidad-Pueblo (autor, 2019, 2023). A lo largo del tiempo, esta preparatoria ha trabajado con un enfoque social dirigido hacia los sectores populares más pobres de Acapulco. Ubicada en la Av. Ruiz Cortínez en una zona urbana densamente poblada, durante los últimos años la preparatoria ha experimentado de diversas maneras las consecuencias del crecimiento de la narco-violencia en la ciudad. Las actividades delincuenciales del crimen organizado han impactado la dinámica del sector educativo en sus diversos niveles, lo que se ha reflejado en amenazas a la comunidad universitaria tanto dentro como fuera de las escuelas, agresiones, secuestros, extorsiones e incluso asesinatos de docentes y alumnos, generando un sentimiento generalizado de inseguridad que ha incidido en la asistencia y deserción escolar. El descenso en la matrícula de la Preparatoria 17 durante los años 2009- 2012 reflejó el incremento de la narco- violencia durante este periodo, algo confirmado en las conversaciones con docentes y autoridades de la institución. Sin duda no es posible afirmar una relación mecánica entre ambos procesos, pues otras dinámicas propias del funcionamiento de la UAGro también pueden haber jugado un papel importante. Respecto a este movimiento en la matricula, la maestra Adela 1 nos comentaba lo siguiente:

Entre el 2009 y el 2012 la violencia se puso bien difícil, no sólo en las colonias donde viven los muchachos, también en la prepa tuvimos muchos problemas con los estudiantes […] Dentro de la escuela había muchas pandillas y chavos que andaban en cosas malas… algunos nomás eran chamacos jugando a ser narcos y eso, pero otros si andaban metidos en esas cosas, en la maña como le dicen. Muchos estudiantes tenían temor de venir a la escuela, y sus papás también. Y no era para menos pues… había muchachos que traían machetes a la escuela ¡y se agarraban a machetazos en las canchas! […] Se metían los machetes en las


image

1 Todos los nombres de los entrevistados han sido cambiados para proteger la anonimidad y seguridad de las personas.

piernas del pantalón… luego luego los veías quiénes eran por cómo caminaban (Entrevista con Adela, Acapulco, Gro., Noviembre de 2019).


Otros profesores confirmaron esta situación, agregando que durante los años en que bajó la matricula muchos padres decidieron cambiar a sus hijos a otras instituciones consideras más seguras, como CBTIS, CETIS, COBACH, y otros centros de educación media superior en donde la disciplina es aparentemente mayor. Quienes tenían los recursos los transferían a escuelas privadas. Para el 2013 el número de estudiantes refleja la dinámica de ingreso y permanencia en la institución, indicando un creciente declive en la matrícula que ha llevado a que en los últimos años la Preparatoria 17 vuelva a implementar una estrategia de puertas abiertas en la cual los exámenes de ingreso tienen una función más evaluativa que de selección. Para 2023, los estudiantes sólo tienen que llegar e inscribirse. Y la disparidad entre el turno matutino y vespertino es mayor, pues pocos estudiantes tienen interés en asistir a clases en horarios considerados más riesgosos, y sobre los que prevalece la percepción de haber mayor presencia de jóvenes “peligrosos y violentos”.

En otras instituciones vecinas a la 17 tales como las preparatorias 27 y 2, también pertenecientes a la UAGro, es más clara la presencia de jóvenes que usan y vendes estupefacientes tales como mariguana y piedra (crack), de acuerdo a lo señalado por algunos estudiantes y maestros con quienes se conversó. Esta situación ha llevado a las autoridades escolares a buscar implementar medidas de prevención de adicciones, con resultados dramáticos. Y esto último no es exageración, pues incluso estas medidas que buscan incidir en la problemática del uso de drogas y la violencia relacionada evitando entrar en conflicto directo con los intereses de los grupos criminales también se ha visto detenida por estos actores. La maestra Lidia, profesora con más de 30 años de servicio en la Preparatoria 2, nos narraba con gran aflicción la descomposición del entorno universitario, y los peligros y amenazas que docentes y alumnos enfrentan en el actual contexto de violencia en Acapulco. Por poner un ejemplo, la profesora Lidia nos contó:

Varios profesores estábamos muy preocupados por el aumento de jóvenes que fuman mariguana y otras cosas, y no en la calle o en sus casas, ¡en la prepa! Tú podías ver a varios chavos fumando su cigarro y vendiéndoles cosas a otros chamacos. Y no creas que se esconden; ahí en los pasillos, afuera de los salones están fumando… y los otros estudiantes pues deben tratar con esos compañeros, evitar problemas con ellos. Así que le propusimos al director unas jornadas de prevención de adicciones, con pláticas y talleres para prevenir a los muchachos de los peligros de usar drogas… Pues ya habíamos empezado y al segundo día que llega un comando armado a la prepa… Eran varios tipos armados y encapuchados… y nos prohibieron seguir con los cursos. Nos dijeron que por qué chingados estábamos diciéndoles a los muchachos qué podían hacer y qué no, qué meterse y qué no… que ellos eran libres de usar lo que quisieran y que no nos entrometiéramos ¿Tú crees? Usaron el discurso de la libertad de elección para amenazarnos y que ya no les dijéramos nada a los estudiantes. Lógico detuvimos todo, nos dio mucho miedo. Y es que ya han venido antes a preguntar datos de los maestros, que cuánto ganamos y otras cosas, todos vivimos con temor, ya hasta hay que tener cuidado con lo que les dices a los estudiantes (Entrevista con Lidia, Acapulco Gro. Enero de 2020).


Secuestros y asesinatos de profesores universitarios, enfrentamientos armados a las puertas de las escuelas, ejecuciones, personas armadas preguntando datos sobre ingresos de los maestros, y alumnos que colaboran con grupos criminales es una realidad en las instituciones de la UAGro, aunque es imposible tener datos específicos al respecto (ver Meza, 2014; El sol de Chilpancingo 2019). Lo anterior es una de las razones por las cuales realizar investigación sobre estos temas entre los jóvenes acapulqueños y en contextos semejantes es complicado. Ello no significa de ninguna manera que se justifique la criminalización de los jóvenes, pues ciertamente es una pequeña minoría la involucrada, pero el rumor y las conversaciones que difunden la presencia de personas preguntando sobre estos temas pone en un gran riesgo a los investigadores interesados en los mismos, como nuestro equipo pudo confirmar durante el trabajo de campo. Fue casi imposible evitar que se comentara el tema de nuestra investigación entre los estudiantes, y ciertamente generó temor el preguntar sobre estos asuntos a la hora de aplicar el cuestionario, lo que también incidió en las respuestas de los alumnos.

El cuestionario para esta investigación (realizado entre junio de 2019 y enero de 2020) cubrió una muestra de 165 estudiantes de una población total de 826 estudiantes (nivel de confianza de 95%, y

margen de error del 7%). Si bien en un principio se consideró tomar una muestra estratificada por turno, por razones de seguridad al final se trabajó con una muestra ideal, constituida por 50% de hombres y 50% de mujeres, sin considerar grado ni turno. El instrumento cubrió experiencias, percepciones y expectativas en torno a la violencia, la vida cotidiana, la educación y las perspectivas de futuro. Los estudiantes se encuentran en un rango de edad entre los 15 y 19 años, teniendo la mayoría 16 años (41.8%), la mayoría son solteros (96.4%) y sin hijos (98.2%). El 80.0% viven con sus padres, quienes se dedican a profesiones precarias y poco remuneradas tales como asalariados, pequeños comerciantes, chofer, albañil, seguridad, maestro, pintor, policía, abogado y artesanos. Un gran porcentaje de las madres se dedica al hogar (43.3%). Un 73.3% de los alumnos no trabaja, y el 26.7% lo hace en ocupaciones temporales poco cualificadas en el sector de servicios turísticos. El 77.3% recibe la Beca Benito Juárez, la cual usan principalmente para gastos escolares y ayudar en los gastos del hogar; la mayoría proviene de colonias populares ubicadas en la periferia de la ciudad. Todos ellos son usuarios de redes sociodigitales e internet, las cuales usan para comunicarse y acceder a diversos contenidos, principalmente a través de teléfonos inteligentes.

El campo de experiencias compartido por estos estudiantes involucra diversos aspectos de la vida cotidiana en los cuales se refleja la incidencia de la violencia en la configuración de las percepciones de riesgo, temores y percepciones signadas por la presencia constante de actos delictivos y expresiones del narcotráfico. Dicho campo está caracterizado por un temor constante que atraviesa la presencia, uso y apropiación del espacio público, así como la percepción en torno al papel de las autoridades en la promoción y apoyo a actividades culturales que contribuyan a recomponer el tejido social. Los jóvenes consideran que el apoyo a la juventud en Acapulco es regular (47.9%), bueno (15.8%), y muy bueno (5.5%), por otra parte el 20.0% lo considera insuficiente, 9.1% inexistente, y 1.8% no responde; consideran que hacen falta becas, apoyo al deporte y la cultura, integración social, más oportunidades de trabajo, más seguridad, apoyo psicológico, condones, concientización sobre las drogas y los derechos de los jóvenes, entre otras cosas. El 51.5% considera que no hay espacios suficientes para que los jóvenes se expresen, mientras que el 41.8% consideran que sí. El tipo de espacios que tienen en falta incluyen bibliotecas, centros culturales, espacios recreativos, lugares de atención psicológica y espacios para realizar arte urbano. Por otra parte, los crímenes más presentes en la percepción de los estudiantes son: asesinatos 32.1%, balaceras 6.1%, feminicidios 5.5%, secuestros 4.2%, delincuencia 3.0%, inseguridad 1.2%, extorsiones 1.2%, entre otras. La mayoría menciona que se entera de estos hechos mediante internet, redes sociales, pláticas con amigos y vecinos, y prensa. Solo el 6.7% declaró no estar interesado en enterarse de estos acontecimientos. La dimensión afectiva de este campo de experiencia es importante, pues refleja la construcción de sentido en torno a la vivencia cotidiana de la violencia. La dimensión afectiva de los fenómenos sociales es algo que hasta hace poco no se consideraba. Los acontecimientos percibidos hacen que estos jóvenes se sientan: mal 35.2%, inseguros 21.8%, con miedo 9.1%, tristeza 5.5%, y otras más como asco, alerta, temor y vergüenza. El campo de experiencia no sólo incluye sucesos y prácticas, sino también las evaluaciones subjetivas y las respuestas afectivas desde las cuales los jóvenes enfrentan las condiciones en que viven, reproduciéndolas o cuestionándolas.

Como señalamos, campo de experiencia y horizonte de expectativas son dos caras de una misma moneda, en la cual el primero concentra al presente vivido y percibido, en tanto que el segundo indica las expectativas del futuro inmediato y a mediano plazo. Una misma dimensión práctica puede formar parte del campo de experiencia al tiempo que configura un horizonte de expectativas. Así por ejemplo, la confianza en las autoridades forma parte del campo de experiencia presente que refleja demandas incumplidas de seguridad que se proyectan en el tiempo. La opinión sobre el Gobierno municipal en el momento en que se realizó la encuesta indica que un 53.9% lo considera regular, 7.3% bueno, y 3.6% muy bueno; por otra parte el 16.4% lo considera malo, 5.5% muy malo, y 12.7% pésimo. La confianza en los cuerpos locales de seguridad es negativa, pues solo el 2.4% tiene un nivel de confianza muy alto en la policía, 1.8% alto, 35.8% regular, 27.3% bajo, 12.1% muy bajo, y 20.6% señaló que desconfiaba de la policía. Respecto a la confianza en el Ejército 10.3% lo considera muy alto, 15.2% alto, 48.5% regular, 10.3% najo, 7.3%, muy bajo y 7.9% desconfía. En cuanto a la Marina, el nivel de confianza que manifiestan tener es de 17.6% muy alto, 27.9% alto, 37.6% regular, 9.1% bajo, 1.2% muy bajo, y el 6.1% desconfía. Estas cifras reflejan el horizonte de expectativas en torno a la seguridad que pueden

esperar de distintos actores estatales, incidiendo a su vez en sus relaciones con dichos actores públicos, lo que esperan cuando salen a la calle y la forma en que negocian los tiempos en el espacio público. Cuando se les preguntó si se sentían seguros cuando salían a divertirse, el 50.9% mencionaron que sí, mientras que el 47.3% no, (1.8% no responde). Lo interesante es que después se les preguntó porque se sentían de esa manera y las respuestas refuerzan un sentimiento de zozobra, pues 39.4% mencionan alguna problemática de la inseguridad, en contraste solo el 3.6% mencionan que hay seguridad. La gran mayoría evita salir por las noches, realizando sus actividades de ocio entre el mediodía y la tarde y evitando llegar de noche a casa.

La dimensión afectiva del horizonte de expectativas también incluye el sentido que dan a la ciudad en sí misma, a la forma en que estos jóvenes condensan en una palabra lo que Acapulco significa para ellos. Las expresiones que compartieron para definir la ciudad en una palabra o frase reflejan la fragmentación del horizonte compartido por los estudiantes. Dentro de las expresiones asociadas con un significado negativo encontramos las siguientes: “culero”, “delincuencia”, “deshonra”, “feo”, “infierno”, “inseguro”, “inseguridad”, “malo”, “muerte”, “no avanza”, “peligroso”, “perdido”, “sucio”, “triste”, “todo tiene precio”, y “Sodoma y Gomorra, porque es la ciudad del caos”. Por otra parte, entre las palabras con un significado positivo aparecen las siguientes: “bonito”, “chido”, “diversión”, “hermoso”, “mágico”, “maravilla”, “paraíso tropical”, “chido lugar y pésimo gobierno”. Solamente el 1.8% considera Acapulco como un lugar seguro y 9.7% tranquilo; tristemente, la mayoría lo considera un lugar inseguro 34.5%, violento 25.5% y peligroso 24.2%, (4.2% no respondió). La mayoría dice que le gusta vivir en Acapulco (62.4%); no obstante, si tuvieran la oportunidad, un 70.3% se irían a otra ciudad, entre las que mencionaron a Tijuana, Monterrey, Cancún, Querétaro y Ciudad de México. Junto a la situación de inseguridad, la falta de empleo y oportunidades educativas también son una razón del interés por migrar.

También se les preguntó si suelen ver noticias de crimen en la ciudad (nota roja), el 60.0% mencionó que no, mientras que el 39.4% sí. Quienes mencionaron que no, señalan que simplemente no les interesa mirar ese tipo de notas (15.2%), no hay tiempo para verlas (4.2%), no las conocen (3.6%), o les da miedo (2.4%), además de que mencionaron que suelen ser muy sangrientas y temen que se trate de algún familiar quien protagonice el suceso. Quienes miran estas noticias hacen mención que lo hacen mediante la página Lo Real de Guerrero, televisión, internet, y otros periódicos. Entre las emociones que les generan este tipo de noticias, mencionaron: dolor, enojo, asco, decepción, tristeza, inseguridad, impotencia, miedo, entre otras; también expresaron sentir: “tristeza por los familiares”, “siento impotencia, miedo y enojo”, “feo al ver todo lo que está pasando”, “feo porque es algo que se vive todos los días”, “inseguridad y preocupación porque uno no puede salir a la calle sin temor a que algo le pueda suceder”, y, “alarma por ver cómo avanza”. Algo semejante sucede respecto al sentimiento diario de inseguridad al salir a las calles, pues indican que tienen temor porque: “hay delincuencia”, “a veces pienso que me puede pasar algo”, “me preocupa que haya una balacera”, “que me roben”, “que me maten”, o, “que un día simplemente desaparezca”, entre otras cosas.

Finalmente, se preguntó a los estudiantes sobre sus sueños y expectativas a futuro. El 81.8% considera que lo que está aprendiendo en la escuela le resultará de utilidad para mejorar su vida, pues piensan que se obtiene mayor educación y mejores perspectivas laborales. El 66.1% mencionó que les gustaría continuar con sus estudios universitarios. Entre las carreras mencionadas están administración, enfermería, arquitectura, arte, bioquímica, ciencias políticas, contaduría, criminología, medicina, derecho, diseño de modas, fotografía, historia, gastronomía, ingeniería, idiomas, odontología, pediatría, psicología, veterinaria, y en algunos casos estudiar en el Colegio Militar. El 72.1% de los jóvenes estudiantes está de acuerdo en que obtener un título universitario garantiza un mejor empleo, ya que esto aumenta las probabilidades de tener mayores ingresos económicos y oportunidades laborales. Respecto a cuánto les gustaría percibir mensualmente, la gran mayoría se situó en un rango que va desde los $3000 a los 25,000$ pesos mensuales, una expectativa bastante baja considerando la situación económica actual. Por último, se les preguntó qué sería para ellos tener un futuro exitoso, y la mayoría respondió que el éxito está en conseguir un buen nivel económico y social, lo que incluye la obtención de bienes y propiedades (casa), terminar sus estudios, y conseguir un buen empleo.

Como podemos ver, la producción de un campo de experiencia compartido acontece dentro de contradicciones discursivas y experienciales aparentemente incongruentes, desde las cuales emerge un horizonte de expectativas fragmentado caracterizado por el quiebre entre el amor/odio por la ciudad y una falta sentida de apoyos a la juventud e inseguridad que no quiebra la confianza en el valor de la educación como ruta de superación personal. Aun cuando las percepciones compartidas por los estudiantes indican un campo de experiencia compartido, ello no implicó que surgiera en las conversaciones con los estudiantes ningún discurso crítico en torno a la acción colectiva y la incidencia social. El campo de experiencia es común, pero el horizonte de expectativas es individualista, y por ello fragmentado. Este horizonte no sólo no logra articular un discurso común integrador de la experiencia de/con los otros como reconocimiento, sino que también apunta a una relación alienada con la ciudad, la cual al final se percibe como un lugar que, de ser posible, es mejor dejar atrás. En ese sentido, este horizonte de expectativas como futuro fragmentado no sólo refiere a las trayectorias individuales de los estudiantes, sino de Acapulco como campo social en proceso de descomposición.


Conclusiones

Las respuestas algunas veces contradictorias de los estudiantes indican que la vivencia subjetiva del campo de experiencia refleja un proceso constante de búsqueda de sentido, a través del cual se busca dotar de dignidad a la vida cotidiana en contextos de alta inseguridad. El decir que se sienten seguros en las calles para después señalar las razones por las que es mejor quedarse en casa, expresa la necesidad de negociar una situación donde los jóvenes se rehúsan a perder el control de su existencia, negando por momentos el temor que acompaña salir al espacio público. Contradictoriamente, esta producción de incongruencia sustenta el anhelo de coherencia en un nivel afectivo, pero que no logra articular un discurso crítico sobre la propia circunstancia. Así, las descripciones de Acapulco como un lugar maravilloso o infernal contrastan con las respuestas en torno a vivir a gusto en la ciudad, al tiempo que la gran mayoría desearía migrar a otro lugar. Miedo, tristeza, impotencia, enojo, asco, dolor, decepción, entre otras expresiones recopiladas en esta investigación expresan un campo de experiencia atravesado por la lógica de descomposición social producto de la violencia, dificultando la articulación de un horizonte de expectativas socialmente transformador en forma cuando menos discursiva. La naturaleza afectiva de las respuestas a la violencia complica la articulación de un discurso del reconocimiento que evite el extrañamiento entre los jóvenes, y de estos con la ciudad y las autoridades. Al final, Acapulco se convierte en una nueva Sodoma y Gomorra de la cual es mejor partir sin mirar atrás, evitando que, como la esposa de Lot, los jóvenes terminen convirtiéndose en estatuas de sal que la violencia destruya.

Los resultados de nuestra investigación muestran que los conceptos de campo de experiencia y horizonte de expectativas permiten cualificar de forma situada el estudio de los mecanismos neoliberales de extracción y administración de poblaciones. Si bien la mayoría de estos estudiantes aún no se inserta en el mercado laboral, el campo de experiencia perfila un futuro incierto donde la búsqueda del éxito personal a través de la propiedad y el trabajo asalariado precario (las bajas expectativas salariales) constituyen los ejes articuladores de un horizonte de expectativas fragmentado. Asimismo, el fortalecimiento de estos horizontes fragmentados naturalizan el control del territorio por parte de las fuerzas del gobierno privado indirecto (fuerzas públicas y criminales muchas veces asociadas), pues al perfilar a estos jóvenes hacia una migración estructuralmente forzada, expresado en la expectativa de dejar atrás Acapulco, fortalece la expulsión de la excedencia juvenil hacia mercados de trabajo precario en polos industriales emergentes del país (ciudades fronterizas y otras regiones industrializadas), al tiempo que refuerza la precarización de la vida cotidiana. La experiencia de los jóvenes acapulqueños aquí analizada nos muestra que la conformación de campos de experiencia y horizontes de expectativas precarizados por medio de la violencia criminal, contribuye a la expansión y profundización de la neoproletarización en el capitalismo contemporáneo.


Referencias bibliográficas:

Agamben, Giorgio (2004). Estado de excepción. Homo sacer II. Argentina: Adriana Hidalgo.

Amapola Periodismo (2022). Playa Icacos y colonias ubicadas en esta zona afectadas por la violencia y desplazamiento forzado. Recuperado de

https://amapolaperiodismo.com/2022/11/24/playa-icacos-y-colonias-ubicadas-en-esta-zona-afectadas- por-la-violencia-y-desplazamiento-forzado/

Argüello, L. (2022). Sierra de Guerrero, México: desplazamiento interno forzado, despojo y estigmatización. Estudios Sociológicos, 40(118), 47–84.imagehttps://doi.org/10.24201/es.2022v40n118.2113

Azaola, E. (2020). Nuestros niños sicarios. Fontamara.

Salgado, B., Baruch, B., Quintero, D. & Méndez, M. (2019). Percepción de inseguridad en jóvenes de colonias con altos indicadores de violencia en Acapulco. El caso del CETIS 116. En: Desigualdad socio- espacial, innovación tecnológica y procesos urbanos. Vol.3. México: UNAM.

Bayart, J. (2011). África en el espejo. Colonización, Criminalidad y Estado. México: FCE.

Cano, A. & Estrada, M. (2015). Impacto de las violencias en las escuelas secundarias del noroeste de Chihuaha en el lustro 2008-2012. México: Universidad Autónoma de Ciudad Juárez.

Casara, R. (2017). Estado Pósdemocrático. Brasil, RJ: Civilização Brasileira.

Comisión Interamericana de Derechos Humanos. (2015). Situación de los derechos humanos en México. CIDH, OEA. Recuperado de https://www.oas.org/es/cidh/multimedia/2016/mexico/mexico.html

Comisión Nacional de Búsqueda (2021). Informe para el comité contra las desapariciones forzadas de Naciones Unidas. México: Secretaria de Gobernación.

Consejo ciudadano para la seguridad pública y la justicia penal. (2023). Ranking 2022 de las 50 ciudades más peligrosas del mundo. Recuperado de

http://geoenlace.net/seguridadjusticiaypaz/archivo/5c1a88_130f090d9a.pdf

Cortés, Y., Guevara, M. & Antúnez, G. (2014). Violencia de Género en las estudiantes del Nivel medio superior de la UAGro. En: Palma, M. (Coord.) Desarrollo Económico en el crecimiento Empresarial (pp. 69-80). México: ECORFAN.

Cruz, S. & Nateras, A. (2019). Juventudes en fronteras. Identidades, cultura y violencia. México: El Colef.

De la O, M. (2019). Ser joven en tiempos violentos. Los casos de Matamoros y Ciudad Juárez. En: Cruz,

S. & Nateras, A. (Coords.). Juventudes en fronteras. Identidades, cultura y violencia. (pp. 153-192). México: El Colef.

Esposito, Roberto (2005) Immunitas. Protección y negación de la vida. Argentina: Amorrortu.

Estrada, M. & Cano, A. (2013). La violencia en la región noroeste de Chihuahua. Experiencias e impactos desde la comunidad educativa. Noesis 22(44), 146-176.

Ferrandis, F. & Feixa, C. (2004). Una mirada antropológica sobre las violencias. Alteridades 14(27), 159-174.

Foucault, M. (2016). On the government of the living. Nueva York, EUA: Picador

Fuentes, A. (2020). Violencias y extracción. Hacia una necropolítica de la acumulación. En: Fuentes, A. & Cortázar, F. (Coords.). Vidas en vilo. Marcos necropolíticos para pensar las violencias actuales (pp. 21-42). México: Universidad de Guadalajara.

Fuentes, A. (2021). Fuerza de trabajo excedente y destrucción corporal: una nueva morfología de la violencia en México. En: Sánchez, M. (Coord.) Desgarramientos civilizatorios. Símbolos, corporeidades, territorios (pp. 53-77). México: ITESO.

Gómez, A. & Almanza, A. (2016). Impact of drug trafficking in young adults from Tamaulipas, Mexico: drugs and insecurity. Revista de Psicología 34(2), 445-472.

http://dx.doi.org/10.18800/psico.201602.009.

Hernández, O. (2019). Morros jalándole a la metra: jóvenes y violencia criminal en Tamaulipas. En: Gutiérrez, G. & Kaltmeier, O. (Coords.) ¡Aquí los jóvenes! Frente a la crisis (pp.69-85). México: Universidad de Guadalajara, CALAS.

Illades, C. (2000). Breve historia de Guerrero. México: FCE.

Illades, C. (2014). Estado de Guerra: de la guerra sucia a la narcoguerra. México: ERA.

Encuesta Nacional de Victimización y Percepción sobre Seguridad Pública (ENVIPE) (2022).

Principales resultados (Guerrero). México: INEGI.

International Crisis Group (2020). La guerra cotidiana: Guerrero y los retos a la paz en México. Recuperado de https://www.crisisgroup.org/es/latin-america-caribbean/mexico/80-mexicos-everyday- war-guerrero-and-trials-peace

Koselleck, R. (2004). Futures Past: On the Semantics of Historical Time. EUA: Columbia University Press

Koselleck, R. (2018). Sediments of Time: On Possible Histories. EUA: Stanford University Press Laval, C. & Dardot, P. (2017). La pesadilla que nunca acaba. Barcelona, España: Gedisa.

López, S. (2012). La realidad social y las violencias. Zona metropolitana de Tijuana. México: El Colef.

López, A., Holst, M. & Ramírez, M. (2018). Violencia en Guerrero: síntoma de la debilidad institucional. México Evalúa. Recuperado de https://www.mexicoevalua.org/violencia-en-guerrero-sintoma-la- debilidad-institucional-2/

Lopes de Sousa, M. (2008). Fobópole. O medo generalizado e a militarização da questão urbana. Brasil, RJ: Bertrand Brasil.

Mbembe, A. (2011). Necropolítica. España: Melusina.

Mendieta, R. (2017). Biografías juveniles en el Sinaloa Gore: narcocultura e identidades fragmentadas. En: Fernandez, J. & Salazar, R. (Coords.). Vida cotidiana y transgresión: Escenarios del narcotráfico y la violencia en América Latina (pp. 45-81). Argentina: El Aleph.

Meza, S. (26 de noviembre de 2014). Guerrero: Las raíces de la violencia. La silla rota, Recuperado de https://lasillarota.com/especiales-lsr/2014/11/26/guerrero-las-raices-de-la-violencia-61489.html

Nateras, A. (Coord.) (2016). Juventudes sitiadas y resistencias afectivas. México: Gedisa.

Oficina de Naciones Unidas Contra la Droga y el Delito (2020). Total drug-related crimes at the national level, number of police-recorded offences. UNODC. Recuperado de https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/Crime-statistics/Drug_related_crimes.xls

Ojeda, R. (2018). Feminicidios: violencia de género en contra de las mujeres de Guerrero. Enero de 2005 a diciembre de 2015. México: UAGro.

Organización Mundial de la Salud (2003). Informe Mundial sobre la Violencia y la Salud. Washington, DC: OMS.

Orraca-Romano, P. (2017). Crime exposure and educational outcomes in Mexico. Ensayos 37(2), 177- 212.

Palma, A. (22 de febrero de 2023). Guerrero: del Triángulo del Sol al Triángulo de la extorsión. El Universal. Recuperado de https://www.eluniversal.com.mx/estados/guerrero-del-triangulo-del-sol-al- triangulo-de-la-extorsion/

Pantoja, C. (2017). La permanente crisis de Guerrero. En: Colectivo de Análisis de la Seguridad con Democracia (pp. 207-219). México: Colmex.

El Sol de Chilpancingo (17 de agosto de 2019). Joven asesinada en Acapulco, era alumna de la UAGro: Saldaña. Recuperado de https://www.elsoldechilpancingo.mx/2019/08/17/joven-asesinada-en- acapulco-era-alumna-de-la-uagro-saldana/

Ramírez, D. (2020). La ruta local para reducir la extorsión en México (I). México Evalúa. Recuperado de https://www.mexicoevalua.org/la-ruta-local-para-reducir-la-extorsion-en-mexico-i/

Ravelo, Ricardo (2017). En manos del narco. México: Ediciones B.

Reveles, José (2015). Échale la culpa a la heroína: de Iguala a Chicago. México: Grijalbo.

Ríos, V. (2011). Punished: Policing the Lives of Black and Latino Boys. Nueva York, EUA: NYU Press.

Sánchez, V. (2015). ¿Cómo se puede reducir la violencia en Guerrero? San Diego, CA: Wilson Center.

Secretaría de Gobernación. (2021). Búsqueda e Identificación de Personas Desaparecidas. Recuperado de https://www.gob.mx/segob/documentos/busqueda-e-identificacion-de-personas-desaparecidas

Sennet, D. & Cobb, J. (1993). The hidden injuries of class. Nueva York: W.W.Norton.

Solís, D. (2017). Procesos educativos en contextos de desigualdad, discriminación y violencia. México: Fontamara.

Treviño, (2020). Ser joven en la ciudad de Veracruz. Vida y participación en contextos de cambio y violencia. México: CLACSO.

Valenzuela, J., (2015). Juvenicidio. Ayotzinapa y las vidas precarias en América Latina y España. México: NED.

Veltmayer, H. & Petras, J. (Coords.) ( 2015). El neoextractivismo. México: Crítica.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15206


PINTURAS PARIETAIS, NARRATIVA E IMAGINAÇÃO

UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE IMAGEM E AMBIENTE EM TEMPOS PRÉ-COLONIAIS NO BRASIL1


ROCK ART, NARRATIVE, AND IMAGINATION

An investigation on image and environment in pre-colonial times in Brazil


PINTURAS PARIETALES, NARRATIVA Y IMAGINACIÓN

Una investigación sobre la relación entre imagen y medio ambiente en la época precolonial en Brasil


Ana Elisa Antunes Viviani

(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil)

ana.viviani@gmail.com


Norval Baitello Junior

(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil)

norvalbaitello@pucsp.br

Recibido: 16/06/2023 Aprobado: 18/12/2023


RESUMO

Neste trabalho investigamos a natureza da imagem tendo como objeto empírico os registros rupestres de tempos pré-coloniais localizados na região da Serra do Cipó, Estado de Minas Gerais, Brasil. Tradicionalmente estudadas pela ciência arqueológica que interpreta tais imagens com o rigor metodológico e as teorias que lhe embasam, neste trabalho propomos analisá-las como resultante de uma triangulação entre corpo, meio e ambiente, tendo como horizonte teórico a Antropologia da Imagem, de Hans Belting, a Teoria da Cultura, de Ivan Bystrina, e a concepção de aura da obra de arte de Walter Benjamin. Essa triangulação revelou que tais imagens, em sua relação de proximidade e distância com o observador, possuem um valor de culto. Ou seja, mais que representações, essas pinturas articulavam sonhos e imaginações plasmadas na parede da rocha sob a forma de narrativas.

Palavras-chave: teoria da imagem. narrativas em imagens rupestres. aura na arte rupestre. Walter Benjamin.


ABSTRACT

In this work we investigate the nature of image having as empirical object the rock paintings from pre-colonial times located in the state of Minas Gerais, more specifically at Serra do Cipó region. Traditionally studied by the archaeological science that reads such images according to the methodological rigor and the theories that support it, in this work we


image

image

1 Uma versão preliminar deste trabalho foi publicada nos Anais do XXX Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo – SP, 27 a 30 de julho de 2021.

propose to analyze them as a result of a triangulation between body, media and environment, having the Hans Belting´s Anthropology of the Image, Ivan Bystrina's Theory of Culture and the Walter Benjamin´s auratic concept of art work as a theoretical horizon. This triangulation revealed that such images, in their relationship of proximity and distance with the observer, have a cult value. In other words, more than pictorial representations, these paintings articulated dreams and imaginations shaped on the rock wall in the form of narratives.

Keywords: image theory. narrative in rock art. aura in rock paintings. Walter Benjamin.


RESUMEN

En este trabajo investigamos la naturaleza de la imagen teniendo como objeto empírico los registros rupestres de la época precolonial ubicados en la región de Serra do Cipó, Estado de Minas Gerais, Brasil. Tradicionalmente estudiadas por la ciencia arqueológica que interpreta con rigor metodológico tales imágenes y las teorías que las sustentan, en este trabajo nos proponemos analizarlas como resultado de una triangulación entre cuerpo, medio y ambiente, teniendo como horizonte teórico la Antropología de la Imagen de Hans Belting, la Teoría de la Cultura, de Ivan Bystrina, y el concepto de aura de la obra de arte de Walter Benjamin. Esta triangulación reveló que tales imágenes, en su relación de proximidad y distancia con el observador, tienen un valor de culto. Es decir, más que representaciones, estas pinturas articulaban sueños e imaginaciones plasmadas en la pared de la roca a modo de narraciones.

Palabras clave: teoría de la imagen. narrativa en arte rupestres. aura en la pintura rupestre.


Introdução

O Brasil possui abundantes registros rupestres distribuídos em todas suas regiões (Gaspar, 2003; Marcos, Prous, Ribeiro, 2007) e que alcançam datas relativamente recuadas no tempo, muito próximas daquelas quando as primeiras populações começaram a ocupar o território sul-americano2 (cerca de 12.000 A.P.3). Esses registros encontram-se nas paredes das rochas de abrigos, lajes, grutas e foram feitos pelos diversos grupos humanos que por aqui passaram e permaneceram.

Algumas dessas imagens são bastante conhecidas, como é o caso daquelas localizadas no Parque Nacional Serra da Capivara, Estado do Piauí, porém outros estados brasileiros também oferecem diversos exemplos de arte rupestre. É o caso da Paraíba, onde se localiza a enigmática Pedra do Ingá, do Pará, que possui pinturas feitas no interior de cavernas, além do Amazonas, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, que possuem petróglifos em regiões próximas de rios e do litoral.

Em Minas Gerais é possível encontrar registros rupestres de diversas tradições estilísticas4 (Baeta, 2011; Isnardis, 2009; Salvio, 2014), mas neste artigo focaremos apenas as imagens da Tradição Planalto localizadas na região da Serra do Cipó.


image

2 A ocupação humana do continente americano é balizada pela Teoria do Homem de Clóvis. Ela se refere às evidências de presença humana de cerca de 15.000 anos atrás, encontradas próximas à cidade de Clovis, no Novo México. Devido à datação dessas evidências, até a década de 1960 considerava-se que essa cultura seria a mais antiga do continente americano e que dela derivariam todas as demais, reforçando a hipótese de uma única onda migratória oriunda da Beríngia (ROOSEVELT, 2000). Posteriormente, com datações mais antigas de diversos artefatos encontrados na América do Sul, inclusive no Brasil, essa teoria tem sido questionada.

3 As pesquisas em pré-história costumam utilizar a sigla A.P. (Antes do Presente) ou B.P. (Before the Present) para se referir às periodizações adotadas, sendo “Presente” o ano de 1950 quando, por convenção, se iniciaram as datações por métodos físico-químicos, como o rádiocarbono (C14).

4 Classificar um grupo de figuras por suas características formais em tradições, estilos ou fases, é um recurso bastante empregado pelos arqueólogos brasileiros que o fazem visando compreender permanências ou alterações de traços e temas na arte rupestre.

De modo geral, os registros rupestres são interpretados de modo literal, isto é, se o desenho de um determinado animal, como um cervo ou tatu, guarda semelhanças óticas com o animal na natureza, então esse desenho representa o animal tal qual. Se esse mesmo animal aparece representado em cenas associadas a seres humanos e estes, por sua vez, utilizam instrumentos semelhantes a redes ou lanças, então deduz-se que os desenhos representam cenas de caça. Mas até que ponto podemos considerar válidas essas interpretações sobre imagens criadas há milhares de anos?

Para nos ajudar a responder a algumas dessas questões recorremos ao conceito de imagem delineado pela Antropologia da Imagem, de Hans Belting, pela Teoria da Cultura do semioticista tcheco Ivan Bystrina e pelo conceito de aura da obra de arte de Walter Benjamin.


Considerações teórico-metodológicas

O historiador da arte Hans Belting nos provoca com perguntas acerca da natureza da imagem: afinal, onde ela se localiza? No seu suporte ou em nosso olhar? Descolando-a do seu suporte, o autor se distancia da História da Arte enquanto detentora de uma narrativa da imagem que a compreende estritamente em seus aspectos estilísticos e formais. Como Belting escreve, uma imagem pode até “viver em uma obra de arte, mas não coincide com ela” (2005, p. 66). Isso porque o autor propõe uma reflexão que inclui o corpo como articulador da visualidade da imagem, passando a compreendê-la como uma relação que acontece entre o corpo e o meio.

Esse objeto fugidio faz com que emerja sua natureza não reificável, uma vez que sua existência oscila entre o físico e o mental. Assim, para o autor, uma imagem possui duas existências, uma endógena, isto é, que habita em nós, e outra exógena, que existe em sua visualidade. “As imagens apoiam-se em dois actos simbólicos que implicam ambos o nosso corpo vivo: o acto de fabricação e o acto de percepção, sendo um o alvo do outro” (2014, p. 12).

O ato de percepção não se restringe a ele, pois as imagens participam ativamente da nossa imaginação e, consequentemente, da nossa existência.

Ocorre uma metamorfose quando as imagens vistas se transmutam em imagens recordadas que, doravante, encontram um novo lugar no nosso arquivo imaginal. Começamos por despojar do seu corpo as imagens exteriores, que ‘chegamos a ver’, e num segundo momento de novo as corporalizamos: tem lugar um intercâmbio entre o seu meio-suporte e o nosso corpo que, por seu lado constitui um meio natural. (Belting, 2014, p. 34)


Quando rememoramos uma imagem ou produzimos imagens oníricas, fantasiosas ou devaneios, não apenas ativamos seus aspectos sensoriais, mas também os psíquicos. Uma imagem, portanto, nunca é algo em si; é de natureza ambivalente, pois possui uma existência material, graças ao suporte ou dispositivo que lhe confere a qualidade da visualidade, mas também imaterial. Por isso, para Belting, uma imagem é sempre “resultado de uma simbolização pessoal ou coletiva” (2014, p. 21).

O autor, no entanto, não recai no dualismo que separa rigidamente as imagens internas das externas, pois existe um elemento articulador fundamental, que é o meio. Meio e imagem são “como duas faces de uma mesma moeda, que são impossíveis separar, embora estejam separadas pelo olhar e signifiquem coisas diferentes” (2014, p. 23). E o meio

[...] só adquire o seu verdadeiro significado quando compreendido no contexto da imagem e do corpo. Ele fornece, por assim dizer, o elo em falta, pois, desde logo, o meio torna-nos capazes de perceber as imagens de maneira a que não confundamos nem com os corpos reais nem com as simples coisas (2014, p. 24).


É desta forma que Belting afirma o caráter paradoxal da imagem: é a “presença de uma ausência” (2014, p. 15); carrega a invisibilidade da ausência, mas também a visibilidade da própria presença. No limite, refere-se sempre ao corpo, pois está diretamente ligada à memória. “A memória é uma experiência do corpo, porque engendra imagens de eventos ou de pessoas ausentes de outra época ou lugar que são recordados”. (2014, p. 16).

Belting, porém, menciona uma dificuldade no que compreende por “meio”, isso porque antes precisávamos visitar os lugares onde se encontravam as imagens e hoje as imagens nos visitam onde quer que estejamos. Assim, segundo o autor, “A nossa terminologia cedo fraqueja ao pretender fazer uma nítida distinção entre lugares e espaço”. (2014, p. 88).

Ao nosso ver, falta à triangulação de Belting um outro elemento, que é o ambiente. Assim, há tanto o suporte da imagem, que no caso das pinturas rupestres é a parede da rocha, quanto há o meio, que compreendemos em seu sentido lato. Uma imagem, portanto, só pode ser compreendida quando integrada em seu ambiente.

Mas que ambiente é esse? Uma vez que Belting não traz uma resposta para isso, recorremos à Teoria Evolutiva da Cultura5, desenvolvida pelo pensador tcheco Ivan Bystrina6 (1989), propositor de uma abordagem sistêmica pluridisciplinar da cultura, ancorado em fundamentos antropológicos, filosóficos, biológicos, psicológicos e sociológicos e não apenas operando com elementos formais de linguagem.7

Um dos aspectos mais interessantes de sua teoria é a investigação sobre as raízes da cultura. Segundo ele, o stress gerado pela necessidade de garantir a subsistência fez com que os seres vivos “criassem” momentos de esquecimento e de superação desse stress. Então, em contraposição ao estado de alerta e de vigília, fundamental para a sobrevivência, surge o seu oposto, isto é, o estado de esquecimento ou abandono da consciência. Nessa alternância entre a vigília e o esquecimento, surgem outros estados, como o sonho, a imaginação (resultante de jogos e brincadeiras, por exemplo), os estados variantes psicopatológicos e os de êxtase (como aqueles experienciados no transe ou por meio de ingestão de substâncias psicotrópicas). Desses estados origina-se uma outra realidade, distinta daquela que tem bases biológicas ou instrumentais. Enquanto esta pertenceria à primeira realidade, a realidade derivada daqueles quatro estados constituiria uma segunda, uma vez que aquilo que é criado nela não possui nenhuma utilidade no nível de preservação da vida biológica, apenas da vida psíquica.8

Esse seria o caso das primeiras cerimônias funerárias, da criação de imagens (projetadas em superfícies bidimensionais ou em objetos tridimensionais), e da criação de narrativas, inerentes à constituição dos mitos e religiões. Desta forma, a cultura surge como segunda realidade: “[...] entendemos por cultura todo aquele conjunto de atividades que ultrapassa a mera finalidade de preservar a sobrevivência material.” (Bystrina, 1995, p. 4).

Essa separação entre as realidades, no entanto, não significa que elas estejam rigidamente separadas, muito pelo contrário. Há uma relação intensa entre elas, de modo que podemos perceber uma interdependência entre o biológico e o cultural. Assim, Bystrina entende os processos informacionais biológicos e sígnicos como substratos para o processo semiótico da cultura. Ambas as realidades, a primeira (constituída pela vida biológica e pela vida social) e a segunda (constituída pela vida do


image

5 O termo “Evolutiva” não supõe a cultura como algo que evolui linearmente, isto é, que começa do que é simples e que avança necessariamente para uma maior complexidade, mas seu entendimento do ponto de vista ontogenético e filogenético.

6 Nascido em 1924, na então Tchecoslováquia, Bystrina estudou Direito na Universidade de Praga e, mais tarde, doutorou-se em Ciência Política em Moscou. Devido à repressão resultante da Primavera de Praga na década de 1960, Bystrina migra para Alemanha, onde, na década de 1970, passa a lecionar no curso de Ciências da Comunicação na Universidade Livre de Berlim, onde permanece até seu falecimento em 2004. (BENTELLE, 1989)

7 A “teoria sintética da cultura” ou “semiótica da cultura” proposta por Bystrina se apoia em uma rede de interlocutores de múltiplas áreas, constituindo um complexo de inter-relações que buscam vislumbrar uma “ecologia do espírito” visceralmente vinculada a uma “ecologia da vida biológica” e uma “ecologia da vida social e política”. Neste sentido, suas reflexões se oferecem como precursoras e fundamentadoras de uma “ecologia da comunicação e da cultura”. Alguns dos autores referidos com frequência: Theodosius Dobzhansky, André Leroi-Gourhan, Claude Lévi-Strauss, Vjatcheslav V. Ivanov, Johan Huizinga, Roger Caillois, Franz Wuketits, Leo Navratil, Mircea Eliade, Sigmund Freud, Carl Gustav Jung, Irenäus Eibl- Eibesfeldt, Konrad Lorenz, Harry Pross, Viktor von Weizsäcker, H.G. Gadamer, Hans Blumenberg, Ernst Cassirer, Iuri Lotman, Max Bense.

8 Bystrina utiliza o termo alemão Wirklichkeit para se referir a essas realidades e não Realität. Enquanto Realität possui uma conotação metafísica, Wirklichkeit deriva do verbo wirken, que significa, em português, ter efeito ou funcionar. Desta forma, a realidade bystriniana possui uma acepção bastante concreta e distante de discussões metafísicas que poderiam ser levantadas em torno da ideia de Real.

imaginário) interferem uma na outra em via de mão dupla; tanto a realidade biossocial atua sobre o universo imaginário como também o oposto ocorre.

A segunda realidade, portanto, é criadora de ambientes em que são mobilizados desejos, memórias e imaginações, em que são criados os vínculos por meio dos quais damos sentido à existência. Não se trata do ambiente análogo a uma ideia de natureza ou paisagem, mas de um ambiente no qual os seres vivos impregnam-se de sentidos arbitrados e por ele são impregnados.

Isso se conecta à proposta de recepção tátil que caracteriza uma obra de arte dotada de aura, tal como nos apresenta Walter Benjamin. Segundo ele, a recepção tátil está ligada à sensorialidade do ambiente: “Observar, em repouso, numa tarde de verão, uma cadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre nós, significa respirar a aura dessas montanhas, desse galho.” (1994, p. 170) Tal característica está intimamente ligada às próprias pinturas rupestres, imagens cuja existência estão fincadas no “aqui e agora”. Assim, a essa percepção única, Benjamin chamou de aura: “É uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma obra distante, por mais perto que ela esteja.” (1994, p. 170).

Segundo o filósofo, uma imagem envolta pela aura conjuga duas características, a unidade e a durabilidade, ambas presentes nas pinturas rupestres. A unidade diz respeito ao seu aspecto único, inédito, não reproduzível tal qual; quanto à sua durabilidade, compreendemos como sendo a conexão dos olhares que ao longo do tempo, em múltiplos “agoras”, se dirigem a elas. Por isso, Benjamin também atribui uma função ritualística ou valor de culto a essas imagens dotadas de aura:

As mais antigas obras de arte, como sabemos, surgiram a serviço de um ritual, inicialmente mágico, e depois religioso. O que é de importância decisiva é que esse modo de ser aurático da obra de arte nunca se destaca completamente de sua função ritual. (Benjamin, 1994, p. 171).


Ao abordar as diferenças entre o valor de culto e o valor de exposição, escreve ainda Benjamin (1994, p. 173):

À medida que as obras de arte se emancipam do seu uso ritual, aumentam as ocasiões para que elas sejam expostas.[...] assim como na pré-história a preponderância absoluta do valor de culto conferido à obra levou-a a ser concebida em primeiro lugar como instrumento mágico, e só mais tarde como obra de arte, do mesmo modo a preponderância absoluta conferida hoje a seu valor de exposição atribui-lhe funções inteiramente novas, entre as quais a ‘artística’, a única de que temos consciência, talvez se revele mais tarde como secundária.


Se não podemos afirmar categoricamente sobre o caráter mágico das pinturas rupestres, ao menos podemos inferir que a existência de um envoltório sensorial proporcionado por elas afetaria os ambientes endógenos e exógenos dos indivíduos que, em eras pré-históricas, participavam dele.


Tempo e espaço das imagens rupestres da Serra do Cipó

A Serra do Cipó faz parte do maciço Serra do Espinhaço, uma cadeia montanhosa que corta o Estado de Minas Gerais e chega à região central do Estado da Bahia. A área é marcada por um relevo acidentado, formado por cristas e escarpas com altitudes entre 750m e 1400m.

Os sítios arqueológicos localizados no pé dessa serra ficam na região do município de Santana do Riacho, distante cerca de 130 km de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas. Hoje, parte do território municipal é considerado Área de Preservação Ambiental (APA Morro da Pedreira), que inclui, ainda o Parque Nacional da Serra do Cipó.

No sítio intitulado Grande Abrigo Santana do Riacho, as investigações arqueológicas empreendidas desde a década de 1970 encontraram evidências de ocupações humanas que alcançam datações bastante recuadas no tempo, próximas de 12.000 anos A.P., ou seja, em período pleistocênico. Essa datação foi possível graças aos restos esqueletais de 40 indivíduos encontrados em sepultamentos e que, segundo os

pesquisadores, guardam as mesmas características morfológicas da população de Lagoa Santa9 (Mello & Alvim, 1977; Alvim, 1992-1993), além de restos de fogueira, pigmentos vermelhos, que eram utilizados para pintar os corpos sepultados, e lascas de quartzo.

No período seguinte, início do Holoceno, ou seja, entre 10.000 e 8.000 A.P., os pesquisadores encontraram lascas de cristais de quartzo, instrumentos de quartzito e silexito que foram trazidos de locais longínquos (Sousa, 2016), já que esse material não existe na região, e ainda restos ósseos de diversos indivíduos.

No Holoceno médio (8.000 - 5.000 A.P.), encontraram-se vestígios de fabricação de pontas bifaciais, pinturas parietais com figuras de cervídeos, peixes e geometrismos, e no Holoceno mais recente (5.000

O Grande Abrigo Santana do Riacho destaca-se entre os demais sítios por possuir também um mural pictural de mais de cem metros lineares de extensão com cerca de 2.000 figuras distribuídas em dois patamares (ou plataformas) que alcançam até 5 metros de altura.

No início da década de 1990, os pesquisadores André Prous e Alenice Baeta (1992-1993) dividiram o mural em 13 paineis numerados em algarismos romanos, a fim de mapear exaustivamente os desenhos do Grande Abrigo. Os painéis de I ao VI localizam-se no patamar inferior do mural e possuem datações mais recentes, ao passo que os painéis de VII ao XIII localizam-se no patamar superior e possuem as datações mais antigas. Sobre isso, gostaríamos de destacar alguns aspectos que serão interessantes para apoiar nossas considerações, tais como: traços, estilos, tipologias, tamanhos, quantidades, além, é claro, das periodizações.

Tomando como base o Painel IX, os estudos preliminares de crono-estilística relevaram que as figuras mais antigas possuem tons ocres e são preenchidas com pontilhados, conferindo-lhes certa delicadeza na representação, enquanto as mais recentes possuem tons vermelhos e amarelos e possuem preenchimento chapado.

Sobre as figuras humanas, ou antropomorfos, a maior parte (cerca de 80% do total das figuras catalogadas) encontra-se no período mais antigo do mural e é representada com traços bastante esquematizados ou sintéticos, que identificamos como filigranas ou pictogramas, formando X ou λ. Mas há diversos tipos de estilização, por meio dos quais é possível perceber uma maior expressividade do movimento do corpo, sem a preocupação de manter proporções próximas das realistas. Estas figuras encontram-se no período mais recente do mural.

Quanto aos zoomorfos, representados em sua maior parte por cervídeos (cerca de 47% do total das figuras de animais) e peixes (cerca de 12%), aqueles do período mais antigo possuem traços mais naturais ou realistas, isto é, com proporções mais próximas do real. Isso é feito com tamanho apuro que é possível identificar as diferentes espécies de cervos da região. Por sua vez, as figuras do período mais recente do mural perdem sua caracterização, sendo representados torcidos, com membros curvos, e carregando grande expressividade.

Os pesquisadores estudaram, ainda, além das figuras isoladas, as associações homogêneas (como a peixe-peixe) ou heterogêneas (cervo-peixe). O que foi possível perceber é que a grande maioria das figuras humanas esquemáticas (formando X ou λ) aparece em grupos ou associações homogêneas. Por sua vez, poucos são os antropomorfos estilizados; a maioria se encontra, aparentemente, isolada. Quanto aos cervídeos, a maioria está associada entre si, mas são poucas as associações de casais. Quando formam bandos, não são bandos “naturais”, isto é, um macho com várias fêmeas, como é o encontrado


image

9 Região onde foram encontrados os restos esqueletais humanos mais antigos das Américas.

na natureza. Quanto às associações heterogêneas, isto é, humanos-animais, para os pesquisadores elas parecem representar cenas de ação, especialmente caça, pesca e, talvez, coleta.

Resumidamente, o que nos chama a atenção no Grande Abrigo, no entanto, é o fato de que, enquanto nos painéis mais antigos há predominância de figuras em dimensões menores e de traços delicados, com a presença humana aparecendo de modo discreto, embora em grupo, nos painéis mais recentes há predominância de figuras maiores, com preenchimento chapado de cor, e figuras humanas isoladas.

Outros sítios da região de Santana do Riacho compartilham das mesmas temáticas e estilos identificados no do Grande Abrigo. No abrigo da Cascalheira, em Lapinha da Serra, as características filigranas representando humanos predominam e podem ser vistas associadas a peixes (Fig. 1) ou cervos (Fig. 2), enquanto alguns quadrúpedes indefinidos aparecem estilizados e com os membros e pescoços bastante distorcidos (Fig. 3). No painel do abrigo, uma figura humana se destaca, combinando aspectos pictográficos e utilização chapada da cor (Fig. 4).

Figura 1 - Figuras humanas esquemáticas, peixes e outros elementos não identificados. (Autoria própria).


image


Figura 2 - Associação heterogênea entre figuras humanas e cervídeos. (Autoria própria)


image

Figura 3 - Quadrúpedes indefinidos. (Autoria própria).

image


Figura 4 - Figura humana. (Autoria própria).

image


Quanto aos materiais corantes e pigmentos encontrados, eles tanto podem ter sido empregados na elaboração das pinturas parietais quanto na dos corpos sepultados ali. Até o momento, não há evidência de que as duas manifestações estejam ligadas, mas sabe-se que nas camadas em que se localizam a maior parte dos sepultamentos, ou seja, nas mais antigas, entre 11.000 e 8.000 anos A.P., também se encontra a maior quantidade de pigmentos. Possivelmente os corpos eram cobertos com uma camada de vermelho escuro, pois no fundo das covas foram achados os vestígios dessa tonalidade.

A maior quantidade de pigmentos fora de sepultamentos foi localizada nas camadas de periodização entre 4.500 e 2.800 A.P. e as tonalidades eram mais claras, como o amarelo, o laranja e o marrom.

Um aspecto particularmente interessante revelado pelo estudo dos corantes e pigmentos foi o transporte de matérias-primas em estado bruto10 de regiões distantes do Grande Abrigo (Costa et al., 1991). Esse é o caso dos blocos de hematita, principais responsáveis pelo tom vermelho, que possivelmente foram trazidos de locais próximos da Serra do Espinhaço, distante cerca de 30 km do Abrigo, ou ainda mais distantes, cerca de 100 km, oriundos do Quadrilátero Ferrífero11. É o caso também dos fragmentos de


image

10 A inferência do estado bruto das matérias-primas aqui mencionadas é nossa, já que os arqueólogos não utilizam esse termo. Assim o fizemos para diferenciar dos pigmentos concentrados e que já passaram por um processo de preparação.

11 Região do Estado de Minas Gerais conhecida pela extração de minérios de ferro.

cupinzeiros, que também não são encontrados na região de Santana do Riacho, mas no Planalto de Lagoa Santa, e que são responsáveis pelos pigmentos de tons laranja, mostarda e marrom, além de uma substância aglutinante, que poderia ter sido utilizada para fixar melhor as tintas nas paredes rochosas.

Esse transporte de matérias-primas entre as regiões revela que a atividade artística não era uma prática aleatória ou lúdica, pois seriam necessárias excursões de busca e coleta, o que requer algum tipo de planejamento, além do envolvimento dos membros das comunidades que aí viveram, ou, ainda, troca ou intercâmbio com membros de comunidades próximas.

Isso nos leva a concluir que as imagens desses abrigos faziam parte de um ambiente em que elas possuíam um grande valor compartilhado entre as populações mineiras pré-históricas. E mesmo que os significados originais tenham se perdido, havia um grande empenho comum envolvido na criação dos painéis picturais, pois o processo de fabricação das tintas utilizadas nas paredes das rochas era bastante complexo e laborioso. Ou seja, os grupos que criaram essas pinturas faziam um grande investimento físico, psíquico e social na sua elaboração, deslocando-se por distâncias razoavelmente longas para encontrar os materiais desejados, realizar o trabalho de obtenção de pigmentos e corantes, o que deveria durar meses e, por fim, desenvolver a atividade pictural.

O esforço coletivo para elaborar as pinturas nos patamares superiores dos paredões, que poderia chegar a até 5 metros de altura, atestam esse item. Só faz sentido fabricar andaimes ou estruturas similares para que os artistas pudessem alcançar tais locais se há uma grande mobilização coletiva, o que nos leva a concluir que essas imagens, além do significado compartilhado, lastreavam e vinculavam desejos e imaginações de cada um ali presente, evidenciando a emergência de um ambiente de valores culturais comuns.

O antropólogo sul-africano David Lewis-Williams, ao investigar as pinturas rupestres dos povos San, também destaca esse aspecto da importância da busca por matérias-primas e a elaboração das tintas, concluindo que “[...] the manufacture of paint was but one part of a complex ritual chain that included the making and viewing of images. Image-making was not an isolated event.” (2004, p. 156). Interessante, nesse caso especificamente, é que os povos San também faziam peregrinações a locais distantes, como nas montanhas da cordilheira Drakensberg, para obtenção da hematita.

Talvez isso explique por que muitas das figuras de animais, seres humanos e grafismos que se encontram próximas ou sobrepondo-se umas às outras não sejam sincrônicas, podendo ter sido acrescentadas ao longo do tempo, como se o intuito fosse criar elos narrativos que dessem novos sentidos às camadas já existentes de pinturas. Essa sobreposição de imagens em um mesmo painel pictural, que amarra imagens separadas por milhares de anos indica que o homem vivia uma espécie de eterno presente. “Tudo está dentro do presente contínuo, do perpétuo interfluxo de hoje, ontem e amanhã”. (Giedion, 1980, p. 110)

Assim, interpretações literais dessas pinturas, como se fossem apropriações miméticas da natureza, ou representações instrumentais de cenas de caça e pesca, não parecem explicar satisfatoriamente as motivações subjacentes à sua elaboração. Como afirma Leroi-Gourhan em seus estudos sobre a arte europeia paleolítica, a arte figurativa não é apenas um “decalque do real”, pois “[...] as figuras mais antigas que se conhecem não representam cenas de caça, animais a morrer ou cenas de família. São símbolos gráficos sem ligação descritiva, suporte de um contexto oral irremediavelmente perdido.” (1990, p. 191).

Há, porém, um elemento importante a ser acrescentado quando consideramos a mobilização das comunidades mineiras na elaboração dessas pinturas parietais: sua saúde, que possivelmente impactou na sua redução demográfica, se não o próprio desaparecimento.

Os estudos paleodemográficos realizados na década de 1990 sobre as amostras ósseas do Grande Abrigo revelaram elevada mortalidade de crianças e adolescentes, e mortalidade precoce de adultos. (Souza, 1992-1993, p. 167).

Além disso, estudos recentes (Da-Gloria, Larsen, 2014; Da-Gloria, Oliveira, Neves, 2017) das amostras dentais das populações de Lagoa Santa e Lapa do Santo, que compartilham as mesmas características das populações da Serra do Cipó, e a análise dos sedimentos encontrados, revelaram que a alimentação residia basicamente no consumo de frutas, como o jatobá e o pequi, muito comuns no bioma da região e ricas em carboidratos, além de vegetais e pequenos animais, que possuem baixo retorno energético. Isso refletiria no alto índice de cáries dessas amostras, divergindo do padrão existente em populações de caçadores-coletores.12

Esses estudos revelaram que a saúde dental das mulheres era ainda pior que a dos homens, indicando que, muito provavelmente, elas consumiam mais alimentos ricos em carboidratos que os homens, corroborando a prática da divisão de trabalho de acordo com o sexo em populações de caçadores- coletores.

A presença de dentes de leite nas amostras de Lapa do Santo e de cáries associadas a esses dentes em crianças com idade entre 3 e 4 anos também indicam que desde muito cedo os indivíduos eram submetidos a uma dieta rica em carboidratos, sugerindo, inclusive, que essa população possivelmente garantia sua subsistência com uma economia mista, isto é, parte por meio da coleta de plantas e frutas selvagens, parte por meio da sua domesticação parcial. (Da-Gloria, Oliveira, Neves, 2017, p. 314).

A dieta rica em carboidratos e baixo consumo de proteínas estaria de acordo com outras pesquisas que analisaram a precariedade material dessas populações (Cunha, Guimarães, 1978, p. 213) e que evidenciaram a quase ausência de ferramentas que permitiriam abater mamíferos de médio porte, como veados e cervos.

Assim, podemos concluir que as estratégias de sobrevivência dos mineiros pré-históricos, o que incluiria a caça, talvez não fossem muito bem-sucedidas, e isso talvez tenha se refletido nos desenhos dos paredões rochosos, com os seres humanos representados, nos períodos mais recuados, com traços mínimos, reflexo de sua própria condição de coadjuvantes, submissos e frágeis, diante da imponência do ambiente, traduzido imageticamente sob a forma de animais.


Ambiente e narrativa nas imagens rupestres

A pintura rupestre possui um aspecto multidimensional que se manifesta tanto na parede das rochas (o que poderia explicar porque as imagens pré-históricas nos parecem desorganizadas) quanto por uma oralidade perdida. “[...] a imagem possui uma liberdade dimensional que a escrita nunca terá: pode desencadear um processo verbal que terminará na recitação de um mito, a que a imagem não está diretamente ligada, e cujo contexto desaparece com o recitador.” (Leroi-Gourhan, 1990, p. 195).

Essa multidimensionalidade não estaria expressa no desenho em si, bidimensional por sua constituição visual, mas nas relações não hierárquicas existentes entre os seres representados, em que cada um é colocado ao lado do outro, ou sobre o outro, independentemente de sua natureza (humana, animal ou vegetal), como nos sonhos, em que as convenções do dia a dia são subvertidas para a criação de uma narrativa onírica.

Essas características também fazem parte dos mitos. Lévi-Strauss (2017, p. 209) aborda essa questão ao tratar do mito como uma linguagem que possui uma dupla temporalidade: “reversível e irreversível, sincrônica e diacrônica [...]” (2017, p. 211). Ao transpormos o mito para a fala, ele assume seu caráter temporal irreversível; no nível da linguagem, seu caráter reversível.


image

12 As amostras foram comparadas com os dados do Western Hemisphere Project (WHP), uma base de dados que engloba os restos de indivíduos oriundos das Américas e que os divide em duas estratégias de sobrevivência: agricultura (indícios de domesticação de qualquer tipo de planta) e caça-coleta (ausência de qualquer tipo de domesticação). O estudo a respeito foi publicado em 2002 (Steckel, Rose, 2002).

Assim, naqueles momentos recuados, quando as figuras antropomorfas aparecem timidamente nas imagens, com traços mínimos, e os animais são representados figurativamente, entendemos como uma possível fase inicial de migração da oralidade narrativa para a parede das rochas.

Outro elemento que ampara nossa reflexão diz respeito à própria relação entre distância e proximidade que estabelecemos com o painel pictural. Quase sempre em locais de difícil acesso, para os quais se necessita passar por estradas precárias, demandando muito tempo disponível e muita disposição física para o deslocamento, os painéis rupestres das grutas, cavernas ou paredões rochosos não se oferecem facilmente aos nossos olhares. Porém, in loco, quando em sua presença, experimentamos a recepção tátil de que nos fala Benjamin. Assim, quem se recolhe numa obra, “[...] mergulha dentro dela e nela se dissolve [...].” (1994, p. 193). Portanto, as pinturas rupestres contêm em si algo mais que apenas a descrição de cenas de caça. Carregam expectativas e mobilizam intenções para além daquilo imediatamente dado pelas suas formas. E a recepção tátil, por sua vez, está ligada mais ao hábito que à atenção.

Trata-se de uma relação oposta àquela que estabelecemos com as reproduções das mesmas imagens que estudamos em nosso computador. Enquanto no caso da visita in loco carregamos a experiência física e emocional, que deixará em nós sua mémoire involontaire, como escreve o célebre filósofo alemão (Benjamin, 1989, p. 140), isto é, desprovida de qualquer racionalidade ou instrumentalidade, no outro caso, a facilidade de acesso às suas reproduções nos remete à sua utilização fácil e efêmera. Por isso, olhar presencialmente para os painéis rupestres cria uma realidade que coloca em suspensão os demais aspectos da vida instrumental. É nesse sentido que Benjamin também escreve: “perceber a aura de uma coisa significa investi-la do poder de revidar o olhar.” (1989, p. 140). Portanto, uma reflexão sobre essas imagens é uma reflexão sobre nós mesmos. “Onde essa expectativa é correspondida [...], aí cabe ao olhar a experiência da aura, em toda a sua plenitude” (Benjamin, 1989, p. 139).

Talvez por isso os painéis rupestres abriguem camadas de imagens sobrepostas, como se ao longo do tempo as populações procurassem repetir essa experiência única acrescentando novas imagens às já existentes. O significado original possivelmente se perdeu, mas o gesto permanece. Assim, a repetição da atividade pictórica cria o rito. E o rito cria a narrativa.

No início da obra intitulada The Chimera Principle (2015), Carlo Severi descreve uma história da tradição hassídica em que um homem vai todos os dias até uma árvore e entoa um cântico em louvor a deus. Esse homem ensina ao seu filho esse ritual. Este, por sua vez, o ensina ao seu filho e assim por diante, passando de pai para filho. Porém, a cada vez que o ritual é ensinado, uma parte dele também é esquecido, até que só reste, de fato, a narrativa sobre o ritual. O intuito de Severi ao reproduzir essa história é nos mostrar que o significado original do ritual, ou mesmo do cântico entoado em louvor a deus, pode acabar se perdendo no tempo, mas o que perdura é a narrativa gerada por essa repetição. “É apenas a história, e não a oração, que persiste na memória do narrador e que lhe permite celebrar a glória a deus” (2015, p. 3).13

A repetição também está ligada aos trabalhos manuais, como fiar, tecer, moldar o barro, talhar a pedra ou a madeira. A monotonia do ir e vir das mãos ou dos pés que giram a roda, seguram o martelo ou o cinzel, faz com que se abstraia o entorno e a realidade da subsistência imediata seja interrompida temporariamente. Nesse momento, disponibilizamos nossa audição para os contos e narrativas.

Benjamin, em seu estudo “O narrador – considerações sobre a obra de Nikolai Leskov” (1994), volta-se para o desaparecimento da arte de narrar e do dom de ouvir e, consequentemente, das narrativas que moveram a cultura humana ao longo de sua história.14 Segundo ele, “contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque


image

13 Benjamin também aborda essa relação entre o ritual e a narrativa ao escrever: “A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorrem todos os narradores.” (1994, p. 198).

14 Benjamin credita esse desaparecimento à ascensão do romance na Idade Moderna. Isso porque o romance está ligado à cultura letrada e ao livro, diferentemente da narrativa, ligada à tradição oral.

ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história” (Benjamin, 1994, p. 205). Assim, é o ritmo do trabalho manual que possibilita a abertura para a narrativa.

Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais profundamente se grava nele o que é ouvido. Quando o ritmo de trabalho se apodera dele, ele escuta as histórias de tal maneira que adquire espontaneamente o dom de narrá-las. Assim se teceu a rede em que está guardado o tom narrativo. E assim essa rede se desfaz hoje por todos os lados, depois de ter sido tecida, há milênios, em torno das mais antigas formas de trabalho manual. (Benjamin, 1994, p. 205)


São labores em que os artesãos se encontram absortos, mas cuja mémorie involontaire está ativa, como provavelmente ficavam as comunidades pré-históricas mineiras no árduo trabalho de busca das matérias- primas para extração dos pigmentos e elaboração das tintas, na suposta construção de estruturas que lhes possibilitaram pintar nos elevados patamares da parede rochosa, e pela própria pintura em si. E na repetição dessa prática, que perdurou centenas de séculos, histórias e narrativas sobre o “extraordinário e o miraculoso” (Benjamin, 1994, p. 203), deveriam alimentar a imaginação, habitar o universo onírico e ser, por fim, plasmadas para a rocha.

Então, talvez os cervos e peixes, tão característicos das fases mais antigas das pinturas aqui analisadas, poderiam ser elementos de uma narrativa que, com o passar do tempo, talvez pela migração ou intercâmbio com outras comunidades pré-históricas vizinhas, fossem incorporando outros elementos e, assim, ganhando expressividade e particularizações que as fizeram se tornar tão distintas das mais antigas. Seriam representações de seres sobrenaturais ou de poderosos xamãs, cujas histórias foram eternizadas na pedra e transmitidas através das gerações?

Não seria possível pensar, então, que o ambiente imagético das regiões mineiras formaria um panorama alimentado por narrativas míticas? Os ambientes dessas imagens ancestrais, possivelmente aliados a cânticos e narrativas, possibilitaram aos seres humanos ampliar suas vinculações, reduzindo assim sua fragilidade física e psíquica.


Conclusão

Em tempos de hiperabundância de imagens, facilmente reproduzíveis, compartilháveis e “instagramáveis”, onipotentes e onipresentes, que se lançam aos nossos olhares independentemente de nossa vontade, e que se assemelham mais ao reflexo de Narciso que a uma janela para o mundo, o estudo das pinturas parietais, pelo contrário, mostra-se ser um profundo exercício de alteridade, de perscrutar os medos e anseios daqueles indivíduos que, em Minas Gerais, há milhares de anos, em condições bastante adversas, procuraram garantir sua sobrevivência física e psíquica.

Talvez por isso, naqueles períodos recuados, as representações humanas eram figuradas de modo bastante esquemático, com economia de traços, e ausência de expressividade corpórea, como se procurassem traduzir, de modo bastante eloquente, a insignificância e fraqueza humanas diante de uma natureza pujante, mas também indiferente e, muitas vezes, cruel. Enquanto isso, a presença maciça de figuras de cervos, veados e peixes nos paredões rochosos, representadas de modo mais realista, ou detalhadas o suficiente a ponto de possibilitar a identificação de algumas espécies, talvez tivessem o propósito de organizar e apaziguar o caos do mundo.

Além disso, a necessidade de retratar esses animais poderiam representar a presença de uma ausência, tal como nos fala Belting, apontando para a falta desses alimentos tão necessários à dieta dessa população, de modo que sua representação parietal poderia ser compreendida como um esforço de evocação ritual. Não que as figuras de peixes em redes ou de cervos alvejados por lanças não possam dizer respeito à caça e à pesca, mas que elas deveriam analisadas levando-se em considerações outros aspectos ambientais. Assim, é possível supor que caçadas ou pescas bem-sucedidas, o que eventualmente deveria acontecer, já que foram encontrados numerosos indícios do consumo desses animais, possivelmente renderiam diversas histórias. Então, sua representação imagética talvez tivesse o papel de disparar as memórias sobre essas realizações. Ao mesmo tempo, uma vez que há uma grande

abrangência temporal relativa a essas imagens, podemos supor que elas seriam esquecidas e redescobertas de tempos em tempos, e que, por sua vez, os grupos que as (re)descobriam, acrescentavam a elas novas histórias, de forma que, ao longo do tempo, novos elos amarrariam a cadeia narrativa formada, originando novos mitos ou mesmo incorporando outros.

Isso seria corroborado pelo modo como as figuras se distribuem nos painéis picturais, isto é, numa aparente desorganização e falta de hierarquização, ao menos quando olhamos para eles a partir da nossa tradição ocidental, já adestrada pela organização linear. Como as pesquisas mostraram, figuras de períodos mais recentes teriam sido acrescentadas àquelas de períodos mais recuados, ou, então, teriam sido pintadas por cima, formando intrincados palimpsestos riscados na pedra, como se procurassem dar continuidade a uma história que deveria ser contada oralmente. Portanto, essas imagens, embora fincadas no “aqui-agora” estão desprendidas da teia da realidade do dia a dia, evidenciando seu valor ritualístico e a emergência de um ambiente formado pela triangulação corpo, meio e imagem.

O painel rupestre, portanto, é multidimensional no sentido de que é a expressão visual de um processo pelo qual imaginação e memória projetam-se nas paredes das rochas sob a forma de imagens e estas, por sua vez, corporalizam-se novamente no olhar dos indivíduos que participam e interagem dos ambientes criadores de imagens.

Assim, elas não eram expressões individuais aleatórias, mas criações coletivas que tinham um profundo sentido para essas comunidades, retroalimentando novas imaginações mesmo que milhares de anos nos separem de sua criação.


Referências

Baeta, A M. (2011). Os grafismos rupestres e suas unidades estilísticas no Carste de Lagoa Santa e Serra do Cipó - MG. [Tese de doutorado]. Museu de Arqueologia e Etnologia – USP, São Paulo.


Baeta, A., Prous, A. (1992 – 1993). Capítulo 22: Análise de conjunto da arte rupestre de Santana do Riacho. Arquivos do Museu de História Natural. Belo Horizonte: UFMG. Vol. XIII-XIV. pp. 333 - 353.


Belting, H. (2014). Antropologia da imagem. Lisboa: KKYM.


Belting, H. (2005, julho). Por uma antropologia da imagem. Concinnitas, ano 6, 1(8), pp. 64 - 78.


Benjamin, W. (1989). Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, Obras escolhidas, v. 3.


Benjamin, W. (1994). Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, Obras escolhidas, vol. 1.


Bentele, G. (1989). Kultur in semiotischer Perspektive - zur Einleitung. In: I. Bystrina. Semiotik der Kultur. Tübingen: Stauffenburg Verlag.


Brito, M. E., Baeta, A., Prous, A. (1992 – 1993). Capítulo 20: O levantamento geral dos grafismos rupestres de Santana do Riacho. Arquivos do Museu de História Natural. Belo Horizonte: UFMG. vol. XIII - XIX.


Bystrina, I. (1989). Semiotik der Kultur. Zeichen – Texte - Codes. Tübingen: Stauffenburg Verlag. Bystrina, I. (1995). Tópicos de Semiótica da Cultura. São Paulo: CISC/PUC-SP.

Bystrina, I., Karnowski, H.; Landsch, M. (1992). Kulturevolution. Fallstudien und Synthese. Frankfurt/Main: Peter Lang.

Costa, G.M., Jesus Filho, M.F., Malta, I.M., Prous, A., Silva, M.M.C, Souza, L.A.C., Torri, M.B. (1991). Capítulo 13: Os pigmentos e 'corantes' encontrados nas escavações do Grande Abrigo Santana do Riacho. Arquivos do Museu de História Natural. Belo Horizonte, UFMG. vol. XII, pp. 299 - 404.


Cunha, F. L., Guimarães, M.L. (1978). A fauna sub-recente de vertebrados do "Grande Abrigo da Lapa Vermelha (P.L.)" de Pedro Leopoldo, Minas Gerais. Arquivos do Museu de História Natural. Belo Horizonte, UFMG. pp. 201 - 231.


Da-Gloria, P., Larsen, C.S. (2014), Oral health of the Paleoamericans of Lagoa Santa, central Brazil.

Am. J. Phys. Anthropol., 154: 11-26. https://doi.org/10.1002/ajpa.22467.


Da-Gloria, P., Oliveira, R. E., Neves, W. A. (2017). Dental caries at Lapa do Santo, central-eastern Brazil: An Early Holocene archaeological site. Anais Da Academia Brasileira De Ciências, 89(1), 307–

316. https://doi.org/10.1590/0001-3765201620160297.


Gaspar, Madu. (2003). Arte rupestre no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.


Giedion, S. (1980). Concepção espacial na arte pré-histórica. In: E. Carpentier, M. Mcluhan. Revolução na comunicação. Rio de Janeiro: Zahar Editores. p. 98-110.


Inardis, A. (2009). Entre as pedras: as ocupações pré-históricas recentes e os grafismos rupestres da região de Diamantina, Minas Gerais. [Tese de Doutorado]. Museu de Arqueologia e Etnologia - USP, São Paulo.


Leroi-Gourhan, A. (1990). O gesto e a palavra. 1 - técnica e linguagem. Lisboa: Edições 70. Lévi-Strauss, C. (2017). Antropologia estrutural um. São Paulo: Ubu.

Lewis-Williams, D. (2004). The mind in the cave. London: Thames & Hudson.


Marcos, J., Prous, A., Ribeiro, L. (2007). Brasil rupestre: arte pré-histórica brasileira. Curitiba: Zencrane Livros.


Mello e Alvim, M. C. (1977). Os antigos habitantes da área arqueológica de Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil - estudo morfológico. Arquivos do Museu de História Natural. Belo Horizonte: UFMG. Vol. II,

pp. 119 - 174.


Prous, A. (2000). As primeiras populações do Estado de Minas Gerais. In: M.C. Tenório (org). Pré- história da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: UFRJ. pp. 101 - 114.

Prous, A., Baeta, A. (1992 – 1993). Capítulo 21: Elementos de cronologia, descrição de atributos e tipologia. Arquivos do Museu de História Natural. Belo Horizonte: UFMG. Vol. XIII-XIV. pp. 241 - 332.


Roosevelt, A. (2000). O povoamento das Américas: o Panorama Brasileiro. In: M.C. Tenório. Pré- história da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: UFRJ. pp. 35 a 50.


Salvio, V.L. (2014). Os conjuntos gráficos pré-históricos do centro e norte mineiros: estilos e territórios em uma análise macro-regional. [Tese de Doutorado]. Museu de Arqueologia e Etnologia - USP, São Paulo.

Severi, C. (2015). The chimera principle: an anthropology of memory and imagination. Chicago: Hau Books.

Sousa, D.V. (2016). Pedoarqueologia de sítios pré-históricos na bacia do Rio São Francisco: abrigo Santana do Riacho e Bibocas II. [Tese de doutorado]. Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais.

Souza, S. M. (1992 – 1993). Capítulo 18: Paleografia da população do Grande Abrigo Santana do Riacho, Minas Gerais: uma hipótese para verificação. Arquivos do Museu de História Natural. Belo Horizonte: UFMG. Vol. XIII-XIV. pp. 161-172.


Steckel, R.H., Rose, J. C. (Eds). (2002). The backbone of history: health and nutrition in the Western Hemisphere. Cambridge: Cambridge University Press.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15193


MÉTODO CIENTÍFICO E OS PARADIGMAS DA PÓS-MODERNIDADE

REFLEXÃO SOBRE UM MÉTODO ARQUEOLÓGICO DE ANÁLISE DA COMUNICAÇÃO


SCIENTIFIC METHOD AND POSTMODERN PARADIGMS

Reflection on an archaeological method of communication analysis


MÉTODO CIENTÍFICO Y PARADIGMAS POSMODERNOS

Reflexión sobre un método arqueológico de análisis de la comunicación


Patricio Dugnani

(Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil)

patricio.dugnani@gmail.com

Recibido: 13/06/2023 Aprobado: 14/01/2024


RESUMO

Pretende-se nesse artigo fazer uma reflexão sobre uma metodologia para análise da relação entre a Pós-modernidade e comunicação. Essa busca visa fortalecer um método que possa auxiliar a compreensão da organização da sociedade pós-moderna, relacionada ao uso dos meios de comunicação. Para cumprir esses objetivos pretende-se partir das visões de Marshall Mcluhan, nos estudos dos meios de comunicação; Michael Foucault, sua Arqueologia do Saber e a constituição dos paradigmas de uma época; e de Giorgio Agamben e seu método baseado na relação entre paradigma, arqueologia e assinatura. Esse debate se torna relevante para que seja possível desenvolver um método científico das Ciências da Comunicação, tão questionada no contexto contemporâneo dos saberes acadêmicos.

Palavras-chave: comunicação. método. pós-modernidade. arqueologia.


ABSTRACT

This article intends to reflect on a methodology for analyzing the relationship between Postmodernity and communication. This search aims to strengthen a method that can help the understanding of the organization of postmodern society, related to the use of the media. To fulfill these objectives, it is intended to start from the views of Marshall Mcluhan, in the studies of the media; Michael Foucault, his Archeology of Knowledge and the constitution of the paradigm of an epoch; and by Giorgio Agamben and his method based on the relationship between paradigm, archeology and signature. This debate becomes relevant so that it is possible to develop a scientific method of Communication Sciences, so questioned in the contemporary context of academic knowledge.

image

Keywords: communication. method. postmodernity. archeology.

RESUMEN

Este artículo pretende reflexionar sobre una metodología para analizar la relación entre posmodernidad y comunicación. Esta búsqueda tiene como objetivo fortalecer un método que pueda ayudar a la comprensión de la organización de la sociedad posmoderna, relacionada con el uso de los medios de comunicación. Para cumplir con estos objetivos, se pretende partir de las opiniones de Marshall Mcluhan, en los estudios de los medios; Michael Foucault, su Arqueología del saber y la constitución de los paradigmas de una época; y de Giorgio Agamben y su método basado en la relación entre paradigma, arqueología y firma. Este debate cobra relevancia para que sea posible desarrollar un método científico de las Ciencias de la Comunicación, tan cuestionado en el contexto contemporáneo del saber académico.

Palabras clave: comunicación. método. posmodernidad. arqueología.


Introdução

Devido ao caráter interdisciplinar dos fenômenos relacionados à comunicação, justifica-se o uso de diferentes áreas do saber. Isso se dá porque as Ciências da Comunicação e da Informação, inseridas em uma classificação de conhecimentos, como Sociologia Aplicada, apresentaria um problema metodológico, segundo outras ciências, devido ao uso eclético de diversas referências bibliográficas diferentes. Dessas referências, as mais comuns são a Sociologia, Antropologia, Linguística, Filosofia, Psicologia, Semiótica; além de se apoiar em estudos focados em desenvolvimentos tecnológicos (quando se trata dos meios de comunicação); e de estratégias de mercado (Marketing), entre outras. Essa sentença de falta de metodologia pesa sobre a produção de conhecimento da área, muitas vezes, como um fator que pode, mesmo, desqualificar sua legitimidade como ciência, exatamente por não demonstrar um método mais específico, restrito e uniforme. Porém, nesse texto, procurou-se apresentar a necessidade que as Ciências da Comunicação, tem de utilizar saberes de diversas áreas do conhecimento. Afinal, a comunicação, para ser compreendida de maneira eficiente, necessita reunir diferentes conhecimentos, principalmente por se tratar de um fenômeno complexo. Fenômeno esse que abarca, desde questões da sociedade, da identidade, da cultura; quanto do uso da linguagem; como das questões técnicas do funcionamento dos meios de comunicação. Ou seja, os estudos sobre comunicação, para poderem abarcar as características interdisciplinares de seu objeto de pesquisa, necessitam observar questões relacionadas à tecnologia, ao consumo, ao mercado, à sociedade, à cultura, ao uso dos meios, à linguagem, entre tantos outros conhecimentos oriundos das mais diversas áreas. Sendo assim, essa reflexão pretende requisitar, ou quiçá incentivar um esforço pelo desenvolvimento de um método híbrido e interdisciplinar que possa contemplar a pesquisa nas áreas das Ciências da Comunicação.

Caminhando nesse sentido, embora nesse artigo torne-se inviável construir integralmente esse método híbrido das Ciências da Comunicação, pretende-se, à partir, principalmente, das visões de Marshall Mcluhan (2016) e a teoria dos meios; de Michael Foucault (1990) e sua Arqueologia do Saber; e de Giorgio Agamben (2019) e seu método baseado na relação entre paradigma, arqueologia e as assinaturas, sugerir um método que contemple a busca pelas epístemes (discursos e não discursos), pelos paradigmas que compõem a contemporaneidade, denominada no artigo como Pós-modernidade.

Sendo assim, nesse texto, entende-se a Pós-modernidade como uma criação, um discurso humano projetado sobre nosso tempo, um conceito. Dessa forma a Pós-modernidade é composta, não por um discurso apenas, mas por diversos, tornando-se assim um fenômeno complexo, o qual está sendo formado por diversos discursos, inclusive os emitidos pelo campo científico.

Dessa forma, concordando com Terry Eagleton (1998), observa-se a Pós-modernidade como uma tendência do pensamento humano, a qual se demonstra como crítica às noções clássica dos saberes já estabilizados.

Partindo-se dos discursos científicos, dos enunciados criados por aqueles estudiosos que analisam a Pós- modernidade, ou seja, do discurso científico contemporâneo, e através de um processo tipicamente metalinguístico, pretende-se sugerir um método que possibilite a reconstrução do itinerário de constituição da própria Pós-modernidade pelo discurso científico.

Dessa forma, reconstituir as narrativas que criam o imaginário da Pós-modernidade, entendendo-a como uma interpretação do pensamento do momento contemporâneo, torna-se relevante, para entender o momento presente. Pós-modernidade que se mostra causa e consequência em si mesmo, como influência e influenciadora dos discursos, ou seja, dos paradigmas que compõem sua própria representação cultural, de certo tanto, singular, de outro convencional, mas que acaba por apresentar-se a si mesma - pelo menos através da descrição recorrente a diversos autores, como sendo um período das incertezas - como um período que necessita ser revisto, reimaginado, ou, quem sabe, reinventado. Esse discurso da incerteza, por exemplo, torna-se um paradigma da Pós-modernidade, ou poderia se considerar, até mesmo, que seria quase uma pecha.

Observando-se essas questões e concordando com a ideia apresentada por Susan Sontag; em seu artigo à Estética do Silêncio, agrupado na coletânea intitulada A Vontade Radical (2015); onde ela afirma que cada época reinventa seu projeto de espiritualidade.

Esse processo de reinvenção se dá através de diversas instâncias, desde as sociais e culturais, como as tecnológicas e mercadológicas que seja. A partir desse princípio, como a Pós-modernidade estaria reinventando seu projeto social, torna-se importante reinventar seu projeto epistemológico de visão de mundo. Porém, esse artigo pretende-se limitar-se a uma reflexão sobre o possível uso dos métodos de pesquisa arqueológicos, no entendimento da constituição da Pós-modernidade como um fenômeno influenciado, também, pelos processos de comunicação.


Lyotard e a crise dos paradigmas na Pós-modernidade

A crítica aos paradigmas da modernidade se faz sentir no meio acadêmico a partir do ensaio do filósofo francês Jean-François Lyotard, intitulado A Condição Pós-moderna (1984), no qual o autor desenvolve uma análise descritiva das bases histórico-filosóficas que consolidaram a cosmovisão moderna, nesses termos, lançando as bases do que se configuraria como uma condição pós-moderna. Assim, no contexto dos estudos da Pós-modernidade, Lyotard assinala o papel das metanarrativas para a compreensão da cosmovisão moderna. Entendendo-se como metanarrativa, os discursos que dão fundamentos à organização social, como o religioso, o ético, o moral etc.

Sendo assim os diferentes discursos, e metanarrativas (Lyotard, 2000 e Strinati, 1999) que compõem a Pós-modernidade são provenientes de diferentes referências – são complexos, intertextuais (Barthes, 2004) devido, principalmente, aos meios de comunicação globalizados. Sendo assim torna-se necessário, para reconstituir esse cenário onde se formou o discurso da Pós-modernidade, reconstruir os diferentes discursos que a originaram: o estético, o imaginário, o narrativo, o religioso, o filosófico, o político, o ético etc. Essa reconstituição deverá se dar à partir de um processo arqueológico, não somente do passado, mas do passado, do presente, e de um projeto de futuro.

Essa mistura de visões científicas está apoiada na visão de Lyotard (2000), que, ao investigar a Pós- modernidade, percebe que está ocorrendo um questionamento dos discursos que constituem o imaginário social, e o discurso científico não fica de fora dessa observação.

Nesse sentido Lyotard (2000) percebe que o “saber científico exige isolamento de um jogo de linguagem, o denotativo; e a exclusão de outros” (Lyotard, 2000, p. 46), por isso pode-se questionar que, sendo o saber científico, a busca de um saber mais abrangente (objetivo, empírico, argumentativo), nesse caso, quando a ciência se isola em um jogo de linguagem determinado, acaba abdicando de sua busca por um conhecimento mais amplo, que possa apresentar e explicar os fenômenos de maneira mais eficiente.

Essa visão da necessidade da busca por objetos e métodos próprios, de maneira interdisciplinar, também pode ser corroborada, quando se observa na análise de Pedro Penteado (2005) sobre a Ciência da Informação, quando afirma a necessidade de “um novo paradigma científico e pós-custodial” (Penteado, 2005).

Tomando-se essas ideias, nesse artigo, pensando no projeto pós-moderno de questionamento dos discursos que compõem uma sociedade, serão utilizados teorias e conhecimentos que analisam os fenômenos comunicação, sociedade, cultura e meios, como um leque mais amplo de saberes científicos, para que seja possível compreender a relação entre diferentes conceitos, oriundos de diferentes ciências. Dessa forma, procura-se aprofundar, para além dos limites metodológicos, saberes que possam contribuir com o desenvolvimento do conhecimento humano.

Portanto, esse debate pretende ampliar a compreensão e a organização dos saberes da Pós-modernidade. Dessa forma a busca em revelar os paradigmas, os discursos que compõem o pensamento na Pós- modernidade. Por isso, a seguir pretende-se apresentar um indicativo para um método híbrido para compreensão da Pós-modernidade, pelo viés da comunicação, ou melhor da Teoria dos Meios de Mcluhan (2016), combinada com a Arqueologia do Saber, como descreve Foucault em seu livro As Palavras e as Coisas (1990). Essa decisão por essa metodologia também se ampara no método arqueológico de Giorgio Agamben, demonstrado no livro Signatura Rerun (2019), como apresentado na introdução. Para isso serão demonstradas as ideias principais dos três teóricos, buscando destacar as aproximações possíveis que possam indicar um possível caminho para uma teoria arqueológica de análise da comunicação.


Das teorias a um método arqueológico da comunicação

Nesse momento pretende-se apresentar as principais ideias relacionadas à teoria dos meios de Mcluhan (2016), da Arqueologia do Saber de Foucault (1990), e do método de pesquisa baseado na assinatura, nos paradigmas e nas relações entre história e arqueologia de Agamben (2019). Essa descrição de métodos distintos visa constituir um panorama de diferentes teorias que podem se estruturar para a confecção de um primeiro esboço para um método de análise da comunicação que relaciona a arqueologia e os meios de comunicação.


De Foucault à Agamben

Antes de relacionar a teoria dos meios de Mcluhan (2016) com a visão arqueológica de Foucault (1990) e Agamben (2019), cabe compreender definir o que o último autor entende por arqueologia, depois descrever o método arqueológico.

Agamben (2019) define arqueologia, de maneira provisória como uma análise que se dá a partir de uma visão histórica. Porém a arqueologia do saber, diferente da arqueologia clássica não busca a origem dos fenômenos, mas a revelação do pensamento, dos discursos que compõem cada fenômeno em sua época determinada. Para isso é preciso “desconstruir os paradigmas” os quais são, diferente das razões vistas como apriorísticas, um locus que se encontra na zona de intersecção entre a subjetividade e a objetividade, uma operação que é capaz de revelar as práticas discursivas de uma época.

Sobre o método arqueológico, embora Foucault (1990) evitasse essa determinação, acabou sendo desenvolvido por ele, de maneira indireta, e revisitado por Agamben (2019). Foucault parece ter abdicado diversas vezes de formalizar alguns conceitos científicos (como o de paradigma), para preservar seus estudos, da contaminação dos limites da ciência moderna, a qual busca mais a verdade absoluta, o documento, do que o próprio paradigma.

Dessa forma, ao que parece, Foucault (1990), para se desprender da questão limitante do método, preferiu não apresentar integralmente, mas o revelou como uma história das ideias (Araújo, 2013).

Essa ação, segundo Araújo (2013), parece ter sido motivada por sua visão reticente quanto ao fato da história, de certa forma, se demonstrar, naquele momento, burocrática. Ou seja, Foucault (1990) faz sua crítica aos estudos históricos, pois eles tendem a transformar tudo em documento, memória, verdade, cronologia, linearidade. Uma história da razão, a qual, com a Arqueologia do Saber pretende substituir, de certa forma, por uma história dos saberes (Araújo, 2013).

Nesse sentido, Foucault (1990) abandona a necessidade de encontrar a lei absoluta que rege os acontecimentos históricos, para dar espaços aos discursos que acabam por constituir os saberes de uma determinada época, saberes que se revelam nos discursos que se apresentam e se organizam a partir de seu uso, e daquilo que representam na sociedade de sua época.

Foucault busca desenvolver mais um “discurso sobre discursos” (Araújo, 2013, p. 117), do que a determinação documental. Nesse sentido, Foucault (1990) pretende reservar um espaço para realizar “e fazer muitas correções” (Araújo, 2013, p. 117). Por isso Foucault (1990) prefere o paradigma, o exemplo à “regra geral que nunca é possível formular a priori (Agamben, 2019, p. 28). Foucault (1990) prefere a episteme (discurso), a relação dinâmica dos saberes, ao documento. Por isso, de certa maneira, Foucault (1990) se afasta da historiografia tradicional, para desenvolver sua arqueologia do saber.

Sendo assim, dois conceitos são essenciais para começar a entender o método arqueológico que permeia, tanto Foucault (1990), quanto Agamben (2019): paradigma e episteme.

Primeiramente, episteme, trata-se do conjunto de discursos que constituem os saberes de uma determinada época. Se organiza de maneira dinâmica, de forma que acaba sendo capaz de reunir os saberes em torno do uso desses discursos, tornando-se, assim, sistemas de representação, que permeiam as ciências. Dessa forma abdica, conforme indicado, a regra em detrimento ao exemplo, os saberes em detrimento à documentação.

Nesse sentido o método arqueológico de Foucault (1990), mediante à análise das epistemes, não pretende, com sua análise dos discursos que compõem o pensamento de uma determinada época, destituir a potência dos saberes que se compuseram historicamente, mas sim compreender a dinâmica que rege as relações entre esses saberes, para compreender o pensamento de uma determinada época.

Foucault, por exemplo, quando analisa o pensamento científico relacionado às positividades, como é observado em As Palavras e as Coisas (1990), não pretende destituir seu poder. Pretende sim, compreender sua “configuração epistemológica”, e, principalmente, se aproximando das teorias dos signos (como a semiologia), entender como esses saberes foram capazes de gerar sentido em sua época.

Foucault (1990), por fim, em seu método arqueológico, busca identificar as relações dos saberes, através do uso dos discursos que se desenvolvem em determinada época. Araújo (2000) verifica que o estudo de Foucault obedece a seguinte ordem: Primeiro, a coleta dos enunciados, os quais revelam “as práticas discursivas” (Araújo, 2000). Segundo, como as práticas discursivas compõem as epistemes. Finalmente, em terceiro lugar revelar os saberes de uma determinada época.

Essa visão arqueológica do estudo dos discursos que compõem os paradigmas de uma época, quando projetada sobre as análises de Mcluhan (2016) sobre o uso dos meios de comunicação e as transformações na sociedade que esses usos imprimem, gera uma reverberação. Pois, partindo-se do entendimento que a informação, revela e pertence às práticas discursivas de uma época, pode-se afirmar, também, que as informações formam os saberes, com isso, os paradigmas de cada época. Nesse sentido, se os meios de comunicação, como afirma Mclluhan (2016) são mensagens, são informações puras, os meios, seu uso, sua existência, também compõem as práticas discursivas de seu tempo, logo são formadores dos saberes e dos paradigmas de cada período.

Outro conceito, muito mais debatido por Agamben (2019) do que por Foucault (1990) é o de paradigma. Para Agamben (2019), concordando com Hubert Dreyfuss e Paul Rabinow, embora Foucault não tenha “tematizado” sobre o assunto, esse tema foi posto em prática pelo filósofo francês.

O paradigma é uma relação. A relação dinâmica dos saberes, os quais compõem os discursos de cada época, os paradigmas. Diferente da busca historiográfica clássica do documento, o paradigma se manifesta com um exemplo, um discurso exemplar, o qual Agamben (2019) afirma, como método foucaultiano que possibilita coletar os enunciados, que compõem as práticas discursivas, revelando os saberes de cada época, e como esses saberes se compõem dentro do pensamento no momento analisado.

O paradigma é menos a regra geral dada aprioristicamente, tão valorizado pelas ciências; e mais um entendimento dos discursos e das relações que os compõem. Procedimentos esses que revelam os signos que formam a representação do pensamento. Percebe-se, então, que “[…] também no paradigma não se trata simplesmente de constatar certa semelhança sensível, mas de produzi-la através de uma operação” (Agamben, 2019, p. 30).

Com isso, o paradigma não é exato, ou uma organização baseada em regras o que identifica a noção moderna de ciência. Para Agamben (2019), concordando com Thomas Kuhn, é antes de tudo um exemplo, “um caso individual”, mas que devido à sua constante permanência na formação dos discursos que compõem o pensamento humano, acaba por modelar as práticas discursivas que compõem uma época.

O paradigma, de acordo com Agamben (2019), é um conhecimento que abdica da relação causal da ciência moderna, da historiografia clássica, abandona a relação lógica de causa e efeito, de particular para o geral, pois age de maneira analógica, e não pelo processo indutivo, ou dedutivo. Portanto o paradigma não segue a sua historicidade, nem de maneira diacrônica, nem da maneira sincrônica, “mas num cruzamento entre elas” (Agamben, 2019, p. 41).

O último conceito que se pretende destacar, esse que compõem a tríade metodológica e arqueológica de Agamben (2019), é a teoria das assinaturas. Essa tríade metodológica de Agamben (2019) se compõem pelo conceito de paradigma, a teoria das assinaturas e a busca por uma arqueologia filosófica.

Para Agamben (2019, p. 83) o conceito de assinatura teria sido criado por Enzo Melandri em 1970, em um artigo denominado Les Mots et les Choses. Além disso, o conceito de assinatura faz a ponte entre a hermenêutica foucaultiana e a tradição semiológica, ou seja, uma ligação entre a filosofia e as teorias dos signos, das representações, das significações.

A assinatura se relaciona de maneira analógica, como o paradigma, à relação entre o signo e o fenômeno. Ou seja, a assinatura capta a relação entre representação e representado, relação esta, que quando destacada no processo, revela aspectos das práticas discursivas que, por sua vez, por sua constância, podem trazer à tona os paradigmas que compõem o processo de representação de cada época, seus discursos, seu pensamento. A assinatura, ao se aproximar, encrustar no signo, indica o código necessário para decifrar as representações, o próprio signo.

Dessa maneira, Agamben (2019) destaca o conceito de assinatura, pois a partir da revelação do código que ela indica para decifrar o signo, ela acaba tornando o paradigma dependente dela.

Sendo assim a assinatura que está aderida ao signo, revela mais que o significado, mas, sim, as estratégias, o pensamento, “a feitura”, a relação que o signo mantém com o fenômeno. Essa relação, para a Arqueologia do Saber se torna fundamental, pois, para além da tradução do significado do signo, essa ação revela as práticas discursivas do processo de significação. Apresenta o sentido do enunciado, suas estruturas e artimanhas, e demonstra, por fim, as relações enunciativas que se constituem à partir do campo da expressão, até o campo do conteúdo; do significante até o significado. Por isso, em um estudo arqueológico, não se pretende apenas compreender o significado, mas todas as estratégias que levaram esse processo a gerar determinada significação. A assinatura acaba por ser fundamental para atingir o objetivo de entender a constituição do paradigma de determinada época, como “uma força operante da história” (Agamben, 2019, p. 42). “A arché para a qual a arqueologia regride não deve ser entendida de jeito nenhum como um dado a ser inserido numa cronologia (...): ela é, antes, uma força operante na história (...) (Agamben, 2019, 158).

Finalmente, Agamben (2019), justifica à partir desses conceitos, que sua pesquisa, assim como a de Foucault, é de caráter arqueológico, pois, embora utilize os documentos e o princípio da diacronia, não se limita às fronteiras dadas por esses princípios, pois atua em suas análises de maneira analógica, buscando revelar os paradigmas.

Esses Paradigmas, os quais são mais exemplos do que certezas, que compõem o paradigma de determinado período, de maneira a se localizar entre a diacronia e a sincronia. Pretende-se, localizar a assinatura dos fenômenos, ou seja, aquele índice que se gruda ao signo e revela o código que torna possível a leitura do objeto analisado.


Da teoria dos meios à uma arqueologia do saber

Iniciando a apresentação do método que se pretende aproximar, observa-se a Teoria dos Meios desenvolvida por Mcluhan, principalmente no debate de seu livro clássico: Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem (2016). Nesse livro Mcluhan (2016) faz uma longa análise da relação entre o desenvolvimento dos diferentes meios, e a influência do uso desses mesmos meios na organização e nas transformações sociais, culturais e comportamentais da sociedade, além de investigar a relação entre os indivíduos que compõem essa sociedade. Ao estudar essa relação entre sociedade, cultura e ser humano, em relação ao uso e desenvolvimento tecnológico dos meios, Mcluhan (2016) acaba por desenvolver uma espécie de arqueologia dos meios, senão uma arqueologia cultural dos meios de comunicação. Nesse ponto é que se inicia as aproximações entre Mcluhan (2016), Foucault (1990) e Agamben (2019): na visão arqueológica que o autor canadense aplica em suas análises dos meios como extensões do humano, e como esse desenvolvimento tecnológico vai influenciando o comportamento e a consciência dos seres humanos em relação à sociedade. Ou seja, os meios, seu uso, e a própria tecnologia, acabam por interferir com as práticas discursivas de cada época, tornando-se, para Mcluhan (2016), informação pura, dessa forma, os meios acabam por compor os paradigmas de sua época. Por isso é possível aproximar o método arqueológico de Foucault (1990) e Agamben (2019) do método dos estudos dos meios de comunicação de Mcluhan (2016).

Essa aproximação se torna necessária, pois a relação entre tecnologia dos meios e as transformações sociais sofre com uma certa descrença de parcelas das ciências. Assim como, dentro da própria Ciências Humanas e sociais, a Ciência da Comunicação acaba por parecer incapaz de formular um método que seja considerado verdadeiramente científico, o que obriga os estudos da comunicação a migrarem constantemente por outras ciências em busca de alguma visão que a justifique como um conhecimento científico, principalmente, para ser aprovada por seus pares. Percebe-se como essa descrença pelo estudo dos meios não mudou quase nada em anos, pois estando em 2019, ainda se esta debatendo sobre uma questão levantada por Mcluhan, desde 1977, sendo que não se trata da edição mais antiga de seu livro A Galáxia de Gutenberg: a questão da falta de atenção dos estudos sociais e culturais, ou seja, da sociologia e da antropologia em geral, sobre as tecnologias e seus efeitos na organização social. “Até agora os historiadores do desenvolvimento da cultura têm tido a tendência de isolar os eventos tecnológicos, muito à maneira pela qual os físicos clássicos tratavam os eventos físicos” (Mcluhan, 1977, p. 23).

Por essas questões é que se inicia a avaliação das teorias dos meios de Mcluhan (2016) para buscar criar um método, ou, pelo menos, reivindicar um método científico para os estudos da comunicação, e, principalmente, dos meios de comunicação, como agentes transformadores da sociedade.

Essa visão arqueológica que, agora, busca se aproximar aos estudos dos meios de comunicação de Mcluhan (2016), se justifica pela análise acurada que o autor realiza das evoluções tecnológicas dos meios de comunicação, e as transformações causadas por essa evolução no comportamento e na consciência do ser humano. Além disso, o entendimento que o meio é informação pura, também apoia essa aproximação, pois como informação, os meios pertencem às práticas discursivas de sua época. Dessa forma observa-se que o modo singular de Mcluhan (2016), de entender o conceito de meio de

comunicação se torna fundamental para compreender a proposta de aproximação dessas duas visões científicas: a Arqueologia do Saber e a Teoria dos Meios.

Antes de Mcluhan (2016) os meios de comunicação eram vistos apenas como transmissores de mensagem, transmissores de informação. Embora seja fundamental para o esquema de comunicação a função de transmissão exercida pelos meios, Mcluhan (2016) amplia essa visão, quando afirma, e não nega, que além de transmissores de informação, os meios são extensões do humano.

Antes de explicar a ideia de extensão desenvolvida por Mcluhan (2016), será importante, para dar continuidade a essa argumentação, fixar o conceito de informação. Para isso se recorre à Teixeira Coelho, e a seu livro Comunicação Semiótica, Comunicação, Informação (2012), onde ele conceitua informação como sendo um conteúdo que altera comportamento e consciência do ser humano. Ou seja, a informação acaba sempre produzindo, ou uma mudança de comportamento, ou uma mudança de consciência, quando não produz as duas transformações simultaneamente. Quando você acessa uma informação, por exemplo, ver as horas, no mínimo sua consciência de tempo, em relação aos seus afazeres, já é modificada.

Determinado, agora, o conceito de informação que se pretende utilizar, torna-se possível compreender o conceito de extensão desenvolvido por Mcluhan (2016).

Para Mcluhan (2016) o conceito de que os meios de comunicação, além de transmissores de informação, são extensões dos seres humanos, se baseia no fato de que os meios estendem a percepção, os sentidos humanos. Na verdade, Mcluhan (2016) afirma que essas extensões, estão tão organicamente ligados ao humano, que fazem parte do sistema nervoso desses seres. Os meios de comunicação são as extensões da percepção humana, ou seja, através dos meios sinto o mundo de maneira mais ampla. Ampliando-se assim essa percepção humana, torna-se possível acessar mais fenômenos, sejam físicos, ou culturais. Os meios parecem estender o ser humano, onde ele, por causa desse processo, pode alcançar cada vez mais longe os fenômenos, que outrora estavam limitados à sua percepção física, por causa do alcance de seus sentidos biológicos. Com os meios, na Pós-modernidade, nunca os olhos viram tantas imagens, ou os ouvidos escutaram tantos sons ao mesmo tempo. Dessa forma, consequentemente, nunca o ser humano acessou uma quantidade de informações tão grande, quanto na atualidade, e essa quantidade de acesso à informação, pelo menos tecnologicamente, só tende a aumentar.

O potencial de extensão da percepção provocada pelos meios de comunicação é reforçado pelo fato de Mcluhan (2016) afirmar que o meio é a mensagem, ou seja, que o meio é informação pura. Essa afirmação se sustenta, exatamente pelo conceito de informação. Afinal, se informação muda consciência e comportamento do sujeito, o uso dos meios de comunicação também provocam as mesmas alterações. Veja, por exemplo, como o advento dos meios digitais produziu mudanças na organização da sociedade e no comportamento do sujeito. Os meios digitais produziram alterações na arquitetura das casas, pela necessidade de um maior número de tomadas elétricas, está alterando as legislações dos países, a decoração dos ambientes, a nossa relação com a memória e o arquivamento material de documentos, entre outras tantas transformações que têm produzido na organização social, e na significação que o ser humano atribui aos fenômenos culturais, conforme o conceito de cultura de Clifford Geertz (2008).

Essa questão dos meios como extensões, e como informação pura, reforça a equação do aumento no alcance, na quantidade e na velocidade de recepção da informação. Essas ideias, somadas ao conceito de informação, como fenômenos capazes de alterar o comportamento e a consciência do sujeito, explica, por exemplo, a sensação de incerteza, destacada no conceito de liquidez de Zygmunt Bauman (2001), além de interferir na noção de tempo dos seres humanos, pois a percepção do tempo tem sofrido uma compressão, como afirma Hartmut Rosa em seu livro Aceleração (2019).

Matematicamente falando, se a informação produz mudança na consciência e comportamento do sujeito, ela produz mudanças na relação desse sujeito e sua percepção de mundo, o que acarreta uma mudança na compreensão da sociedade em relação aos diversos fenômenos físicos, sociais ou culturais. Sendo assim, se ocorre um aumento no alcance, na quantidade e na velocidade de recepção da informação, esse

processo deverá ampliar a percepção humana quanto a velocidade das transformações na sociedade, obrigando a esse ser humano, como afirma Stuart Hall (2006) a buscar se adaptar mais constantemente, produzindo, segundo Bauman (2001), a sensação de incerteza e de liquidez, perante aos discursos que compõem uma sociedade. Esses discursos podem ser chamados de metanarrativas, por Lyotard (2000), ou, como epistemes para Foucault (1990), ou ainda paradigmas para Agamben (1999). Além disso, como dito, para Rosa (2019) essa compressão espaço/ tempo, ou seja, essa compressão de fenômenos, de experiências que passam a ocorrer em um menor espaço de tempo da vida de um ser humano, acabam por dar a sensação de que o tempo está mais acelerado, quando ele sequer mudou fisicamente. O que se alterou foi a percepção do tempo, e não o tempo em si.

Tomando essas equações como base, e observando-se os meios como extensões do humano, quanto mais as tecnologias da comunicação avançam, quanto mais elas se tornam eficientes, ampliando o alcance, a quantidade e a velocidade de recepção da informação, mais rápido é a percepção desse humano, quanto as mudanças sociais, e maior será a sensação de incerteza que esse processo tem imprimido na sociedade. Sendo assim, a visão de Mcluhan (2016), que os meios de comunicação são extensões do humano, não é apenas uma afirmação de um conceito, mas é a percepção do quanto o uso dos meios de comunicação alteram as dimensões das relações sociais, culturais através, somente, da ampliação da percepção humana. Logo, à partir dessa visão, Mcluhan (2016) é capaz de compreender e explicar, pelo viés dos estudos da comunicação e dos meios, as transformações culturais da sociedade, desenvolvendo uma metodologia muito eficiente para a compreensão dos processos humanos em relação à formação cultural, social, psíquica, e antropológica da sociedade. Fato que aproxima esses estudos, da visão metodológica das Ciências Humanas, tanto da antropologia, como da arqueologia. Por causa dessas questões que se considerou, a Teoria dos Meios de Mcluhan (2016) pode ser entendida como um estudo, também arqueológico da relação da tecnologia com a sociedade, ou seja, é possível observar aproximações metodológicas entre a Teoria dos Meios e a Arqueologia do Saber, e, quiçá, entender essa teoria como sendo uma arqueologia dos meios. Nesse ponto é que se reivindica uma maior atenção às Ciências da Comunicação, e, consequentemente, à Teoria dos Meios, entendendo-se que esses estudos pertencem, sim, ao campo acadêmico e científico, e que tem desenvolvido seu método, como qualquer ciência. E como a ciência, concordando com Foucault (1990), se constitui a partir da linguagem, criando suas práticas discursivas, e se compondo como os paradigmas de sua época. A Teoria dos Meios, como ciência, também se compõe pelos saberes de sua época, à partir dos paradigmas se constitui na relação entre meios de comunicação e sociedade. Por todas as questões expostas, a Teoria dos Meios é passível de ser estudada pela Arqueologia do Saber, podendo estar se apresentando como uma arqueologia da comunicação, uma arqueologia dos meios.


Considerações finais

Por vezes parece que a Pós-modernidade está sendo vista como sendo um período, quase que, de maneira inédita na história da humanidade, regida pelas incertezas. Isso como se outrora, em outros períodos, não tivesse existido um sentimento tão similar. Nesse caso, como não tivesse existido um Barroco (Dugnani, 2013), momento de grandes incertezas.

Períodos vertiginosos sempre existiram, todos eles repletos de sensações e situações plenas de incertezas, e com todos os sintomas que essa sensação acompanha: hedonismo, valorização da aparência, enfraquecimento das alteridades (Han, 2015), etc.

Nesse sentido, esse artigo buscou observar os paradigmas do discurso científico na Pós-modernidade em sua essência, os quais circulam em torno da incerteza dos discursos e a necessidade de revisão. Essa estratégia foi tomada, para contrapor-se aos que sentenciam esse projeto de sociedade, a Pós- modernidade, a ser observada, e descrita de maneira apenas instável, como se não fosse possível desenvolver-se um projeto científico de ciência. Na verdade, não será possível mesmo.

Não será possível, enquanto não for entendido que se torna necessário rever, na Pós-modernidade, todo projeto epistêmico da ciência, e o próprio discurso que circunda o conceito de ciência moderna, desde sua origem na Idade Moderna.

Para entender a complexidade do agora, da Pós-modernidade, ou da hipermodernidade, modernidade tardia, neobarroco, ou qualquer denominação que se venha criar para definir a contemporaneidade, torna- se necessário rever as metodologias, criando caminhos para a análise científica na sociedade contemporânea, na Pós-modernidade.

Por isso, esse artigo se propõe a buscar fazer um pequeno gesto nessa direção. Nesse sentido, acredita- se que para entender, nesse momento, a Pós-modernidade, como outras épocas, também, torna-se importante compreender a relação entre essa “condição pós-moderna” (Lyotard, 2000), e o uso dos meios de comunicação.

Afinal, a sociedade pós-moderna se constitui, influenciada pelo uso dos meios de comunicação, que se tornaram ferramentas poderosas de transformação da consciência e do comportamento do sujeito, tanto pela disseminação de informações, como pelas transformações causadas, simplesmente, por sua invenção. A Pós-modernidade se constitui em torno dos saberes, tanto disseminados pelos meios, quanto formados pelo seu uso. Partindo-se da visão de Mcluhan (2016), o humano inventa os meios, e os meios reinventam o humano, assim é com a Pós-modernidade, ou qualquer momento histórico. Por isso, os paradigmas da Pós-modernidade, como de qualquer época, as práticas discursivas, a formação dos saberes, e, por fim, a constituição dos paradigmas, acabam por se formar, mediadas pela comunicação. Por isso propôs-se, nesse artigo, um primeiro esboço, um primeiro passo em direção à uma arqueologia dos meios, ou seja, em direção a um método de análise arqueológica da comunicação, em relação à sociedade, baseado, principalmente, em Foucault (1990), Agamben (2019) e Mcluhan (2016).


Referências

Agamben, G. (2019). Signatura Rerum. São Paulo: Boitempo.

Araújo, A. S. (2013). A Questão do Método em Foucault. Revista Educação On-line PUC-Rio no 12, p. 113-127. Disponível em http://www.maxwell.lambda.ele.pucrio.br/rev_edu_online.php?strSecao=input0

Araújo, I. L. (2000). Foucault e a Crítica do Sujeito. Curitiba: Editora da UFPR. Barthes, R. (2004). O Rumor da Língua. São Paulo: Martins Fontes.

Bauman, Z. (2001). Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar. Coelho, J. T. (2012). Semiótica, Informação e Comunicação. São Paulo, Perspectiva.

Dugnani, P. (2013). As Estratégias da Imagem: As Emergentes Estéticas Midiáticas entre o Barroco e o Pós-modernismo. 160 folhas. Tese defendida na PUC/SP. São Paulo. Meio Impresso. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/4571.

Eagleton, T. (1998). As Ilusões do Pós-modernismo. Rio de Janeiro: Zahar. Foucault, M. (1990). As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes. Geertz, C. (2008). Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC.

Hall, S. (2006). A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A.

Han, B. (2015). Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes.

Kuhn, T. S. (1991). A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva. Lyotard, J. (2000). A Condição Pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio.

Mcluhan, M. (2016). Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem. Cultrix: São Paulo. Mcluhan, M. (1977). A Galáxia de Gutenberg. São Paulo: Editora Nacional, 1977.

Penteado, P. (2005). Das "Ciências" Documentais à Ciência da Informação. Ensaio epistemológico para um novo modelo curricular. Arquivística.net. www.arquivistica.net, Rio de Janeiro, v.1, n.2, p. 95-103, jul./dez. 2005. Disponível em: http://www.brapci.inf.br/_repositorio/2009/10/pdf_9c73f75235_0006599.pdf.

Rosa. H. (2019). Aceleração A transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Unesp.

Sontag, S. (2015). A Estética do Silêncio. In: A Vontade Radical. São Paulo: Companhia das Letras. Strinati, D. (1999). Cultura Popular. São Paulo: Hedra.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15192


DEL PEQUEÑO ALBERT A LA SITUACIÓN EXTRAÑA

CLAVES PARA REPENSAR LA ÉTICA EN EXPERIMENTACIÓN E INVESTIGACIÓN PSICOLÓGICA


FROM LITTLE ALBERT TO THE STRANGE SITUATION

Keys to rethinking ethics in psychological experimentation and research


DO PEQUENO ALBERT À SITUAÇÃO ESTRANHA

Chaves para repensar a ética na experimentação e pesquisa psicológica


Cristopher Yáñez-Urbina (Universidad Autónoma de Barcelona, España) cristopher.yanezurbina@gmail.com


Claudia Calquín Donoso

(Universidad de Santiago de Chile, Chile)

claudia.calquin@usach.cl


Carlos Ramírez Vargas (Universidad de Chile, Chile) carlramirez@ug.uchile.cl

Recibido: 13/06/2023 Aprobado: 09/02/2024


RESUMEN

El artículo problematiza el abordaje de la ética en la investigación en psicología con infancias en el siglo XX y su articulación con los códigos y principios éticos. Se elaboran tres puntos de inflexión con la literatura en la materia, a saber: (1) un cuestionamiento en la producción de universales que ponen siempre la exclusión de un singular susceptible de ser sometido a suplicio, (2) desplazamiento de la idea de que existe una buena y una mala lectura de los documentos prescriptivos para instalar un énfasis en la multiplicidad de lecturas y usos que se desprenden de los marcos legales, normativos, deontológicos y heurísticos; y (3) una observación de la figura del investigador realzando su carácter marcado en una posición dentro de dinámicas socio-histórico-materiales. Son abordados dos casos de experimentación con infancias en psicología, correspondientes al caso del Pequeño Albert por John B. Watson y Raslie Rayner en 1920, y el protocolo experimental de la Situación Extraña realizado en la década de 1970 por Mary Ainsworth y que fue la base de la Teoría del Apego inventada por John Bowlby. Se concluyen una serie de desafíos para la formación en ética de la investigación en psicología que exceden los márgenes de un enfoque centrado en el conocimiento y manejo de marcos legales, normativos, deontológicos y heurísticos para la resolución de dilemas éticos.

image

Palabras clave: bioética. ética de la psicología. historia de la psicología. infancia.

ABSTRACT

The article problematizes the approach to ethics in psychology research with children in the 20th century and its articulation with ethical codes and principles. Three points of inflection with the literature on the subject are elaborated, namely: (1) a questioning in the production of universals that always put the exclusion of a singular susceptible to be subjected to torture,

(2) displacement of the idea that there is a good and a bad reading of prescriptive documents to install an emphasis on the multiplicity of readings and uses that arise from legal, normative, deontological and heuristic frameworks; and (3) an observation of the figure of the researcher enhancing his character marked in a position within socio-historical-material dynamics. Two cases of experimentation with infants in psychology are addressed, corresponding to the case of Little Albert by John B. Watson and Raslie Rayner in 1920, and the experimental protocol of the Strange Situation carried out in the 1970s by Mary Ainsworth and which was the basis of the Attachment Theory invented by John Bowlby. We conclude a series of challenges for training in research ethics in psychology that exceed the margins of an approach centered on the knowledge and management of legal, normative, deontological and heuristic frameworks for the resolution of ethical dilemmas.

Keywords: bioethics. ethics of psychology. history of psychology. childhood.


RESUMO

O artigo problematiza a abordagem da ética na pesquisa psicológica com crianças no século XX e sua articulação com códigos e princípios éticos. São elaborados três pontos de inflexão com a literatura sobre o assunto, a saber: (1) um questionamento da produção de universais que sempre colocam a exclusão de um singular suscetível de ser submetido à tortura, (2) o deslocamento da ideia de que há uma boa e uma má leitura de documentos prescritivos para instalar uma ênfase na multiplicidade de leituras e usos que surgem a partir de enquadramentos legais, normativos, deontológicos e heurísticos; e (3) uma observação da figura do pesquisador reforçando seu caráter marcante em uma posição dentro da dinâmica sócio-histórico-material. São abordados dois casos de experimentação com bebês na psicologia, correspondentes ao caso do Pequeno Albert, de John B. Watson e Raslie Rayner, em 1920, e ao protocolo experimental da Situação Estranha, realizado na década de 1970 por Mary Ainsworth e que foi a base da Teoria do Apego inventada por John Bowlby. Ele conclui uma série de desafios para o treinamento em ética de pesquisa em psicologia que vão além das margens de uma abordagem centrada no conhecimento e no gerenciamento de estruturas legais, normativas, deontológicas e heurísticas para a resolução de dilemas éticos.

Palavras-chave: bioética. ética da psicologia. história da psicologia. infância.


Introducción

A partir del desarrollo de los Juicios de Núremberg, diversos campos de estudio comenzaron a problematizar de manera sistemática e institucional las implicancias éticas de la experimentación e investigación con humanos y no-humanos (Lima y Omat, 2016; Roland, 2011). La psicología no queda exenta de esta tendencia y, en virtud de ello, la bibliografía especializada da cuenta de dos estrategias de abordaje privilegiadas para la formación profesional inicial y continua en esta materia.

En primer lugar, se encuentran las propuestas que tienden a privilegiar el reconocimiento de marcos legales, normativos y deontológicos que delimitan la actividad profesional y disciplinar, así como también la reflexión en torno a principios éticos universales, para brindar herramientas conceptuales útiles para la toma de decisiones en situaciones conflictivas (Díaz-Barriga et al., 2016; Kapoulitsas y Corcoran, 2017; Koller, 2007; Palencia y Ben, 2013; Pasmanik et al., 2009; Pérez, 2019; Rodríguez et

al., 2017; Winkler et al., 2014; Winkler et al., 2016). En segundo lugar, también se han desarrollado aproximaciones que emplean casos ejemplares de la historia de la psicología como modelos para problematizar y brindar estrategias heurísticas para pensar los dilemas éticos (Grinager y Yajir, 2002; Horman, 2006; Lahman et al., 2010; Ormart et al., 2013) o bien para justificarlos por haber sido las únicas formas de llegar a determinados resultados (Tolich, 2014).

Frente a este escenario, cabe preguntarse si dicho abordaje es suficiente y si es posible afrontar el desafío ético en la investigación y quehacer de la psicología desde otras directrices y estrategias analíticas que puedan ser empleadas de manera diversificada en la formación profesional. Siguiendo a Haraway (2004), una mirada alternativa requiere poner énfasis en los mecanismos por los cuales la subjetividad del investigador es neutralizada para la producción de conocimiento objetivo y cómo ello posibilita su des- responsabilización como burócrata de las prácticas científicas (Agamben, 2012; Arendt, 2003) en la construcción de dinámicas de excepcionalidad política (Agamben, 2005).

Pensar los desafíos éticos desde esta postura implica tres puntos de inflexión con respecto a una estrategia que se centre en el conocimiento y manejo de herramientas y conceptos de los marcos, legales, normativos, deontológicos y heurísticos. En primer lugar, requiere cuestionar las formas de producción de universales que suponen siempre la exclusión de un singular susceptible de ser sometida a suplicio (Agamben, 2006). Segundo, desplaza la idea de que existe una buena y mala lectura de los documentos prescriptivos, para instalar un énfasis la multiplicidad de lecturas y usos que se desprenden de los marcos legales, normativos, deontológicos y heurísticos (Atkinson y Coffey, 2004; Jacobsson, 2006; Prior, 2008). Finalmente, requiere de una observación atenta a la figura del investigador realzando su carácter marcado en una posición dentro de las dinámicas socio-histórico-materiales (Cornejo y Salas, 2011; Haraway, 1995).

De tal manera, el presente artículo problematiza el abordaje de la ética en la investigación tomando en consideración los tres postulados anteriores, desde un análisis de la de investigación psicológica en el siglo XX y su articulación con los códigos y principios éticos. En este sentido, destacamos las experiencias vinculadas al trabajo con infancias, debido al carácter preponderante que han adquirido en las investigaciones, políticas sociales e intervenciones al interior de la disciplina de la psicología como motor para el desarrollo de capital humano desde la estimulación temprana (Calquín et al., 2019, 2020). Siendo así, nos centramos en los casos del Pequeño Albert, llevado a cabo por John B. Watson y Raslie Rayner en 1920, y el protocolo experimental de la Situación Extraña realizado en la década de 1970 por Mary Ainsworth y que fue la base de la Teoría del Apego inventada por John Bowlby.


La infancia entra al laboratorio

Resulta fácil hacer una vinculación entre el campo de la historia de la psicología y el de la historia sobre la infancia. Desde los abordajes psicoanalíticos de la sexualidad infantil, pasando por las investigaciones del aprendizaje y sus diversas vertientes, hasta las teorías del desarrollo neuronal, cognitivo y socioemocional es posible encontrar una serie de conexiones entre la producción de conocimiento en el campo de la psicología y la creación de programas e instituciones de intervención en infancia a nivel internacional (Rojas, 2001). No obstante, dicha asociación no siempre ha sido tal, puesto que la introducción de la infancia en el campo de conocimiento de la psicología tiene lugar como norma a partir de la primera década del siglo XX (Ferreira, 2012).

En el campo de la historia de la psicología, es conocida la afirmación que diferencia aquel "largo pasado" de la disciplina de su "reciente historia" (Ferreira, 2012). El primero, vinculado al recorrido de los diversos desarrollos de campos como la filosofía, la teología y la fisiología que paulatinamente comenzaron a articular una nueva ciencia que, en relación al segundo, comenzaría su historia con la fundación de un primer laboratorio experimental dedicado a su estudio (Tortosa y Civera, 2006) y al desarrollo de una comunidad investigativa (Benjamin, 2000).

De tal manera, a partir del clásico texto de Edwin G. Boring (1995) titulado Historia de la psicología experimental, se fecha el "origen" de la psicología científica en 1879 con el laboratorio de Wilhelm Wundt en la Universidad de Leipzig. Esta situación adquiere sentido al entender la influencia de Titchener, un reconocido wundtiano, en la formación doctoral de Boring; además de su necesidad por delimitar un campo de acción que diferenciara a la filosofía (que agrupaba a la gnoseología y la estética como teorías del conocimiento sensible) de la psicología (Lafuente, 2011). Siendo así, para dicho autor la psicología científica es la que investiga empíricamente, principalmente procedimientos experimentales, con sujetos adultos y sanos, tal cual era la premisa del laboratorio de Wundt (Benjamin, 2000).

Sin embargo, el laboratorio de Leipzig no fue la primera apuesta por realizar una psicología empírica, sino que ya en el siglo XVIII es posible rastrear algunos intentos por otorgar un estatus de cientificidad a la psicología, a pesar de no ser experimental (Vidal, 2000). De acuerdo a Araujo y Pereira (2014), aquí es posible encontrar la figura de Christian Wolff y su apuesta tanto de una psicología racional, centrada en el estudio de la naturaleza y esencia del alma como fundamento del conocimiento, como de una psicología empírica, dedicada al estudio del alma desde la experiencia (Molina, 2010). Ambas construidas bajo el supuesto de que el alma se caracteriza por su transparencia y, desde allí, su factibilidad de ser estudiada (Ferreira, 2012)

En contraposición a la propuesta de Wolff, el filósofo Immanuel Kant problematiza las nociones de la psicología racional, puesto que para Kant el conocimiento no es posible solo por medios de los conceptos, sino que es necesaria la intuición (Richard, 1980). Por lo tanto, concluye que la psicología racional es imposible y todo esfuerzo en dicha dirección sería en realidad una psicología especulativa, la cual tampoco podría ser considerada una ciencia al no tener un claro objeto de análisis, ni contar con un método de estudio objetivo (Ferreira, 2012).

Producto de dichas críticas, en el siglo XIX hubo un masivo movimiento de la ciencia psicológica al alero de la fisiología como estrategia para identificar un objeto de estudio empírico (Tortosa y Civera, 2006). Al mismo tiempo que se incorporan estrategias metodológicas enfocadas en proveer de objetividad al estudio, siendo la más destacada la introspección experimental desarrollada por Ludwig Von Helmholtz y, posteriormente, empleada también por Titchener y Wundt. Según Ferreira (2015), este abordaje puede ser entendido como una tecnología del yo particular enfocada en preparar a “sujetos expertos” que doten de imparcialidad en la investigación a través de un modo específico de producción de conocimiento en donde se “neutraliza” la experiencia para poder acceder al fenómeno. (impronta racionalista)

Entonces, lo que podríamos llamar una suerte de mitología del origen de la psicología en el laboratorio de Wundt es en realidad el resultado de una serie de procesos de crítica y reformulación que culmina en la construcción de estrategias de producción de hechos científicos en base a una objetividad que pretende neutralizar lo que sería para esta mirada el sesgo de la experiencia de un sujeto experimental que, es a la vez experto e investigador activo (Ferrerira, 2015; Haraway, 2004). No obstante, a comienzos del siglo XX, y a propósito del trabajo de Oskar Pfungst en el que estudia la capacidad del caballo Hans para poder contestar problemas matemáticos golpeando sus patas, la resolución de la introspección experimental es puesta en tela de juicio debido a sus falencias (Ferreira, 2012).

Con la finalidad de no otorgar explicaciones paranormales o dotar al caballo de capacidades cognitivas superiores, Pfungst desarrolla la hipótesis de que el observador emite alguna señal inconsciente al caballo cuando éste se acerca a la respuesta. De tal manera, relata Ferreira (2012), que fue necesario introducir un procedimiento en donde el participante desconoce la cuestión propuesta en el experimento. Luego de algunos ensayos, Pfungst detecta que los participantes realizan un sutil cambio de postura cuando Hans se acerca a dar una respuesta correcta.

A partir de dicho momento, la participación de sujetos expertos como observadores entrenados dentro del campo experimental, comenzó a ser criticada por considerarse distorsionadores de la investigación (Ferreira, 2015), dando cabida a la crítica de la psicología de la Gestalt y el conductismo. Según Ferreira

(2012), la primera radicaliza el argumento de Pfungst, centrándose en controlar no al sujeto experimental sino al experimento para generar descripciones honestas en base a un método fenoménico. Mientras que el conductismo recurre a un cambio en el objeto de estudio y su abordaje experimental, así sustituye la mente y la conciencia por los mecanismos de regulación de la conducta que son observables y cuantificables de forma objetiva en cualquier organismo que responda pasivamente al ambiente. Por lo tanto, ambos abren las puertas del laboratorio a la participación de "sujetos ingenuos", permitiendo la entrada de animales, mujeres y niños dentro del campo de la experimentación, siendo allí el momento en el cual comienza la asociación entre psicología e infancia.


El caso del Pequeño Albert

La figura de John B. Watson resuena en los anales de la psicología. Reconocido por considerarse el padre del conductismo (Tortosa y Civera, 2016) y por haber tenido una acelerada y truncada carrera que comienza con el desarrollo de su tesis doctoral en la Universidad de Chicago sobre el aprendizaje en animales en 1903 y culmina en 1920 con los escándalos sobre su divorcio y la relación que mantenía con una de sus ayudantes de investigación, Rosalie Rayner (Gondra, 2014).

A lo largo de su trabajo rechazó los conceptos de mentalismo provenientes de las anteriores escuelas y defendió acérrimamente la posibilidad de convertir a la psicología en una ciencia objetiva, enfocándose en los patrones de adquisición de hábitos (Tortosa y Civera, 2006). En este ámbito escribe el texto Psychology as the Behaviorist views it, en donde señala:

La psicología tal como un conductista la ve es una rama experimental puramente objetiva de las ciencias naturales. Su meta teórica es la predicción y el control del comportamiento. La introspección no forma parte esencial de sus métodos, ni el valor científico de sus datos depende de la disposición con la que se prestan a la interpretación en términos de conciencia. El conductista, en sus esfuerzos por obtener un esquema unitario de respuesta animal, no reconoce una línea divisoria entre el hombre y la bestia. El comportamiento del hombre, con todo su refinamiento y complejidad, forma solo una parte del esquema total de investigación del conductista [traducción propia] (Watson, 1913, p. 158).


Sin ser el objetivo de este artículo la profundización sobre el despliegue conceptual y metodológico de Watson, es necesario destacar que según su postura el conductismo es una forma de obtener una aplicación práctica de los procedimientos empleados para ser llevados en una diversidad de campos, entre ellos la educación (Watson, 1913). En esta línea, a partir de 1920 publica algunos trabajos en donde focaliza la atención en la aplicación práctica de su enfoque en el campo de la crianza (Bigelow y Morris, 2001) a partir de un desplazamiento que va desde la investigación con animales hacia la experimentación con niños (Tortosa y Civera, 2006). Esto marca un precedente en la concepción moderna de infancia como un sujeto a modelar y que se encuentra presente en sus planteamientos contrapuestos a las ideas innatistas. De ahí la conocida frase que lleva al paroxismo la utopía de la República de Platón:

Dadnos una docena de niños sanos, bien formados y un mundo apropiado para criarlos, y garantizamos convertir a cualquiera de ellos, tomado al azar, en determinado especialista: médico, abogado, artista, jefe de comercio, pordiosero o ladrón, no importa los talentos, inclinaciones, tendencias, habilidades, vocaciones y raza de sus ascendientes. Lo confesamos: rebasamos lo hasta hoy establecido por nuestras experiencias, pero también lo han hecho así durante miles de años los defensores de la parte contraria. Por supuesto, de efectuarse este experimento, deberíamos ser nosotros quienes habríamos de especificar la forma de criarse a los niños y el tipo de mundo en el cual habitarían (Watson, 1947, p. 130).


En esta línea, el trabajo Conditioned emotional reactions (1920), escrito en conjunto con Rosalie Rayner, es conocido por ser el reporte del experimento sobre el Pequeño Albert. El estudio en cuestión, buscaba resolver cuatro preguntas de investigación: (1) ¿Es posible condicionar el miedo a un animal por medio de su presentación visual y simultáneamente golpear una barra de metal? (2) Si el condicionamiento emocional es establecido ¿Puede ser transferido a otros animales u objetos? (3) ¿Cuál es el efecto del tiempo sobre las respuestas emocionales condicionadas? y (4) Si luego de un periodo razonable las respuestas no desaparecen ¿qué método experimental puede ser utilizado para su remoción?

Según sus autores, un estudio de estas características requería superar las dificultades que presentaban los trabajos conductistas hasta el momento realizados con animales. De este modo, Watson introduce un nuevo sujeto experimental, los humanos sanos y que no hubieran sido influenciados por variables sociales y de otro tipo. En dicho sentido, Albert, como un niño nacido y criado en un hospital y sin experiencias de socialización familiar, aparece como una seductora opción para el desarrollo del estudio.

Volviendo sobre el experimento, antes de someterse al protocolo diseñado por Watson y Rayner, el Pequeño Albert debía pasar una serie de pruebas para confirmar sus respuestas ante determinados estímulos. Siendo así, los primeros resultados evidencian que no mostraba signos al presentarle animales como ratas y monos, o máscaras con pelos o algodón e, incluso, papel de periódico quemado. Sin embargo, el ruido de una placa metálica golpeada con un martillo fue el primer estímulo que provocó su llanto. Así lo consignan las notas de campo del experimento:

Uno de los dos experimentadores hizo que el niño volviera la cabeza y fijara su movimiento; el otro, colocado detrás del niño, dio un fuerte golpe a la barra de acero. El niño volteó violentamente, se comprobó su respiración y se levantaron los brazos de una manera característica. En la segunda estimulación ocurrió lo mismo, y además los labios empezaron a fruncirse y temblar. En la tercera estimulación, el niño se rompió en un repentino llanto. Esta es la primera vez que una situación emocional en el laboratorio produce temor o incluso llanto en Albert [traducción propia]. (Watson y Rayner, 1920, p. 113).


Dichas pruebas fueron suficientes para considerarlo como un sujeto idóneo para el estudio, dando inicio a las rondas experimentales cuando Albert cumple la edad de once meses y tres días. El protocolo consistía básicamente en presentar una rata hasta que él se relacionara con ella y en dicho momento la placa de metal es golpeada. Luego de una serie de intentos, las notas del experimento describen su actitud emocional frente a la rata sin la necesidad de ser acompañada por el sonido:

Rata sola. En el instante en que se le mostró a la rata, el bebé comenzó a llorar. Casi al instante, giró bruscamente hacia la izquierda, se dejó caer sobre el lado izquierdo, se levantó gateando y comenzó a arrastrarse tan rápidamente que lo atraparon con dificultad antes de llegar al borde de la mesa [traducción propia] (Watson y Rayner, 1920, pp. 114-115).


De esta manera, el experimento brindaba evidencia a la primera pregunta planteada, siendo necesario para Watson y Rayner (1920) proceder con la segunda, esto es, qué tan transferible es el condicionamiento a otros animales y objetos. El protocolo consistía en alternar la exposición a una serie de cubos de juguete con la de una rata, lo que se realizó 5 días posteriores a la sesión anterior. En ella, se muestra que la conducta no se transfiere a los cubos. No obstante, al presentarse un animal con rasgos similares al ratón, como es el caso de un conejo, su reacción es similar (Figura 2), así lo mencionan las notas de la investigación:

Conejo solo. El conejo fue repentinamente colocado sobre el colchón frente a él. La reacción fue pronunciada. Las respuestas negativas comenzaron de inmediato. Se inclinó lo más lejos posible del animal, gimió y luego se echó a llorar. Cuando el conejo se puso en contacto con él, enterró la cara en el colchón, luego se levantó a gatas y se arrastró, llorando mientras avanzaba. Esta fue una prueba muy convincente [traducción propia]. (Watson y Rayner, 1920, p. 6).


Posteriormente, a la edad de 11 meses y 20 días, el experimento siguió con la posibilidad de extrapolar la conducta al momento de ser expuesto ya no solamente a un ratón y un conejo, sino que también hacia un perro. Esta situación posibilitó pasar a la tercera pregunta sobre la permanencia de dichas conductas en el tiempo. Por lo cual, unos meses después y a la edad de 1 año y 21 días, fue sometido nuevamente a una sesión en donde se le presentó un abrigo de piel y una máscara de navidad. En ambos casos, su reacción fue extrapolada y mantenida en el tiempo, así lo señalan las notas del estudio:

Máscara de Papá Noel. Retirada, gorgoteando, luego la abofeteó sin tocarla. Cuando su mano se vio obligada a tocarlo, gimió y lloró. Su mano se vio obligada a tocarla dos veces más. Gimió y lloró en ambas pruebas. Finalmente lloró ante el mero estímulo visual de la máscara [traducción propia] (Watson y Rayner, 1920, p. 10).

Así, las primeras tres preguntas fueron contestadas, mostrando que es posible generar una reacción aversiva a un animal, que esta puede ser extrapolada a otros animales y objetos, y que se mantienen al menos por un mes. No obstante, la cuarta pregunta del estudio, referida a la posibilidad de remover el condicionamiento, no fue posible de ser abordada, ya que Albert abandona el hospital el mismo día de la sesión de la máscara de navidad.

El caso del Pequeño Albert quedó signado como uno de los estudios paradigmáticos que justificaban la necesidad de directrices éticas en la experimentación sobre todo si se trababa de niños/as. No obstante, es necesario revisar cómo los estudios posteriores si bien se guiaron por esto principios, lo cierto es que los daños no desaparecieron con ellos.


Irrupción de los códigos de ética

Tal como se puede apreciar, el estudio de Watson y Rayner (1920) sometió a un recién nacido a un traumatismo creado, lo que desembocó en una serie de polémicas en torno a los límites de la experimentación psicológica. Esto, se agudizó luego de los juicios de Núremberg una vez terminada la Segunda Guerra Mundial, en donde médicos e investigadores del régimen nazi fueron condenados por sus "crímenes científicos"1. Este acontecimiento marca un antes y un después, debido a que el Código de Núremberg se instauró como el primer protocolo deontológico para regular la experimentación y el tratamiento médico con humanos, el cual fue adoptado tanto por las disciplinas científicas y los organismos internacionales, y que se comenzó a implementar y replicar en una seguidilla de otros códigos (Lima y Ormat, 2016).

No obstante, luego de la promulgación del código y otras medidas, encontramos investigaciones e intervenciones que podrían ser igualmente de cuestionables (Ormart et al., 2013). De esta forma, emerge la pregunta sobre las características internas de estos reglamentos deontológicos que rigen la experimentación con "humanos" y, sobre todo, cuáles son las excepciones que los mismos códigos posibilitan para el desarrollo de prácticas investigativas basadas en el suplicio de los sujetos experimentales.

Los juicios de Núremberg fueron una serie de procesos llevados a cabo en contra de dirigentes, funcionarios y colaboradores del régimen nacionalsocialista liderado por Adolf Hitler, como una forma de hacer justicia por los diferentes crímenes y abusos contra la humanidad cometidos en nombre del Tercer Reich. Entre ellos destaca la participación de médicos involucrados en experimentaciones con humanos capturados como prisioneros de guerra. Así, el Código de Núremberg es elaborado por el Tribunal Internacional de Núremberg (1946) como una forma de instalar directrices que debían guiar los experimentos con humanos desde una perspectiva de Derechos Humanos.

En tal sentido, se establecieron diez criterios, a saber:

  1. El consentimiento voluntario del sujeto humano es absolutamente esencial.

  2. El experimento debería ser tal que prometiera dar resultados beneficiosos para el bienestar de la sociedad, y que no pudieran ser obtenidos por otros medios de estudio. No podrán ser de naturaleza caprichosa o innecesaria.

  3. El experimento deberá diseñarse y basarse sobre los datos de la experimentación animal previa y sobre el conocimiento de la historia natural de la enfermedad y de otros problemas en estudio que puedan prometer resultados que justifiquen la realización del experimento.

  4. El experimento deberá llevarse a cabo de modo que evite todo sufrimiento o daño físico o mental innecesario.


    image

    1 Esta cuestión resulta del todo paradójica si se tiene en consideración que, tal como lo relata Esposito (2006), en 1933 se publica una circular en la Alemania nazi que prohíbe la experimentación en animales, esto pocos años antes del inicio de la experimentación con judíos y prisioneros de guerra eslavos que poseían el extraño estatuto de no ser considerados ni animales ni humanos, sino en una gradación zoológica como no-humanos. Esto, porque el objetivo del régimen nazi no era el exterminio de los judíos por razones política o ideológicas, sino por razones sanitarias: la eliminación de lo no-humano como potenciación e inmunización de lo verdaderamente humano en el hombre.

  5. No se podrán realizar experimentos de los que haya razones a priori para creer que puedan producir la muerte o daños incapacitantes graves; excepto, quizás, en aquellos experimentos en los que los mismos experimentadores sirvan como sujetos.

  6. El grado de riesgo que se corre nunca podrá exceder el determinado por la importancia humanitaria del problema que el experimento pretende resolver.

  7. Deben tomarse las medidas apropiadas y se proporcionarán los dispositivos adecuados para proteger al sujeto de las posibilidades, aun de las más remotas, de lesión, incapacidad o muerte.

  8. Los experimentos deberían ser realizados sólo por personas cualificadas científicamente. Deberá exigirse de los que dirigen o participan en el experimento el grado más alto de competencia y solicitud a lo largo de todas sus fases.

  9. En el curso del experimento el sujeto será libre de hacer terminar el experimento, si considera que ha llegado a un estado físico o mental en que le parece imposible continuar en él.

  10. En el curso del experimento el científico responsable debe estar dispuesto a ponerle fin en cualquier momento, si tiene razones para creer, en el ejercicio de su buena fe, de su habilidad comprobada y de su juicio clínico, que la continuación del experimento puede probablemente dar por resultado la lesión, la incapacidad o la muerte del sujeto experimental.

Una lectura atenta a cada uno de estos criterios deja en evidencia cierta ambigüedad en varias dimensiones. En otras palabras, si bien el código otorga derechos básicos a los sujetos experimentales, también brinda criterios a partir de los cuales es posible obviarlos. En tal sentido, el uso de argumentaciones y expresiones como: "que no pudieran ser obtenidos por otros medios" (criterio 2), "resultados que justifiquen la realización del experimento" (criterio 3), "daño físico o mental innecesario" (criterio 4), "producir la muerte o daños incapacitantes graves" (criterio 5), "nunca podrá exceder el determinado por la importancia humanitaria del problema" (criterio 6), "proteger al sujeto de las posibilidades, aun de las más remotas, de lesión, incapacidad o muerte" (criterio 7), "el sujeto será libre de hacer terminar el experimento" (criterio 9), y "el científico responsable debe estar dispuesto a ponerle fin en cualquier momento" (criterio 10), cumplen una doble función tanto de delimitar la acción como de ofrecer la posibilidad de romper con esos mismos límites.

Así, el código se configura como una forma de excepción. Dicho de otra forma, como un conjunto de normativas que son garante de derechos de protección de la vida, a la vez que también lo son de la suspensión de los mismos (Agamben, 2005). Siendo una dinámica que puede ser encontrada en otros documentos de la misma índole que surgieron posteriormente y que en la actualidad operan y se mantienen vigente, tales como: la Declaración Universal sobre Bioética y Derechos Humanos promulgados por la Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura [UNESCO] del año 2005; y para el caso específico de las disciplinas psicológicas, se encuentra la Declaración Universal de Principios Éticos para Psicólogas y Psicólogos (International Union of Psychological Science, 2008); a nivel local, el Código de Ética Profesional del Colegio de Psicólogos de Chile (1999).

Frente a este escenario, cabe preguntarse por cómo son llevados a cabo las experimentaciones con infantes en aquello que desde ahora en adelante podemos denominar el laboratorio post-Núremberg. La respuesta la podemos encontrar en el mismo terreno de la gestión del riesgo que fundamenta nuestra propuesta investigativa, es decir, recurrimos a uno de los experimentos clásicos de la teoría del apego desde donde se asientan sus bases, la Situación Extraña reportada por Mary Ainsworth y Silva Bell (1970).


Experimentación infantil de Mary Ainsworth

A diferencia del caso del pequeño Albert, el experimento que implementan Ainsworth y Bell (1970) es presentado en un formato totalmente diferente. En el primero, la argumentación es en base a la oportunidad de tener a un recién nacido en contexto hospitalario. Mientras que, en el segundo, los argumentos se vinculan a otorgar un sustento empírico a las teorizaciones sobre las relaciones tempranas, a la vez que ofrecer beneficios para el desarrollo teórico como a nivel social.

Si bien Ainsworth y Bell (1970) reconocen ampliamente su cercanía con la perspectiva etológica y evolutiva, al alero de experimentos previos de John Bowlby y Harry Harlow, también destacan que las investigaciones en apego no logran abarcar algunos indicadores necesarios para plantear un estudio adecuado para el tratamiento de conductas indeseables para la sociedad. Dicho giro en el discurso sobre la experimentación humana no es inocente, pues responde a los criterios ya expresados en el Código de Nuremberg (Tribunal Internacional de Núremberg, 1946) que justifican su implementación en base a los aportes que brinda a la sociedad y que no podían ser estudiados de otra forma. En dicho sentido, hasta ahí pareciese que el estudio no presentaba ningún inconveniente; sin embargo, a la hora de analizar en qué consiste particularmente la propuesta metodológica de las investigadoras es posible comenzar a vislumbrar la lógica que opera en los códigos deontológicos.

El experimento fue denominado como Situación Extraña y corresponde a la producción artificial de una situación de alto estrés emocional para un infante, con la finalidad de indagar en una dinámica que no puede ser abordada de otra forma. Tal como se puede apreciar en la Figura 1, el experimento es dividido en 8 etapas secuenciales con una duración de tres minutos cada una, en donde el niño es expuesto a diferentes situaciones que varían entre estar con la madre y una extraña, estar solo con la madre, estar solo con la extraña y estar absolutamente solo. En todo este periodo, las observaciones son registradas de acuerdo a dos niveles de medición. El primero en términos de la conducta global del niño, ya sea interactuando con la madre o con la extraña. Mientras que, el segundo, diferencia la interacción por cada una de las etapas, en los cuales en algunos episodios se observa el vínculo con la madre, otros con la extraña y un tercer grupo en términos globales.

Figura 1: Síntesis del protocolo experimental de la Situación Extraña


Texto  Descrição gerada automaticamente


En este punto, son de particular interés los episodios cuatro, seis y siete (Figura 1), en los cuales primero el niño es dejado con la extraña; luego es dejado totalmente solo; y finalmente vuelve a ser acompañado por la extraña. Según Ainsworth y Bell (1970), la duración de estos tres episodios puede ser menor a los tres minutos reglamentarios siempre y cuando los niveles de estrés emocional del infante así lo requieran. Esto constituye, tal como plantea el Código de Núremberg (Tribunal Internacional de Núremberg, 1946), a una forma de reducir (y no eliminar) las perturbaciones emocionales a las cuales es sometido un niño en una situación que, de partida, se define como estresante y angustiante para el infante.

Estos tres episodios son tratados en el reporte de resultados de la siguiente manera:

La incidencia del llanto aumenta en el episodio cuatro, con la primera salida de la madre; disminuye a su regreso en el episodio cinco, y solo aumenta bruscamente en el episodio seis cuando sale por segunda vez, dejando al bebé solo. No disminuye significativamente cuando el extraño regresa en el episodio siete, lo que sugiere que es la ausencia de la madre en lugar de la simple soledad lo que angustiaba a la mayoría de los bebés, y que la mayor incidencia de llanto en el episodio seis es mayor que la del episodio cuatro debido a un efecto acumulativo [traducción propia]. (Ainsworth y Bell, 1970, p. 57).


Como se aprecia, el llanto y el estrés emocional producido al niño es el principal fenómeno a estudiar y no uno de los efectos colaterales del estudio que habría que minimizar. Deliberadamente se buscaba crear una situación en donde se produjera artificialmente una perturbación en los sujetos experimentales para dirimir si ésta es producida por la soledad o por la ausencia de la madre. En tal sentido, se buscaba como parte del protocolo la exposición a una situación tortuosa que, no obstante, se ciñe de manera correcta y adecuada a los códigos deontológicos sobre la experimentación con humanos al buscar explicaciones de la angustia y no la angustia en sí misma, y al ser la única manera posible de estudiarlo en humanos teniendo antecedentes de estudios en animales.


Hacia un modo de repensar la ética en la investigación

En el presente artículo analizamos dos casos de experimentación infantil en psicología con la finalidad de abordar el problema de la ética en investigación desde un abordaje que escape de las directrices de la perspectiva centrada en el conocimiento y manejo de marcos legales, normativos, deontológicos y heurísticos. Con esta finalidad, detallamos algunos elementos históricos de la incorporación de la infancia en el laboratorio de psicología, el caso del Pequeño Albert, la llegada de los códigos éticos a la investigación, y el caso de la Situación Extraña. Al respecto, es importante dar cuenta de algunas derivas analíticas del recorrido trazado para la delimitación inicial de una perspectiva de abordaje alternativa.

En primer lugar, cabe destacar que la entrada de la infancia en la investigación psicológica tiene que ver principalmente con mecanismos que permitieran asegurar la objetividad de la investigación. Por estas razones, Ferreira (2012, 2015) entiende que constituyen una tecnología política que robustece al campo disciplinar de un estatus de cientificidad al incorporar sujetos ingenuos que no contaminen la asepsia experimental. Siendo así, la infancia –como representación de la inocencia– cumple un rol fundamental y articulador al permitir la construcción de hechos objetivables en la investigación psicológica (Haraway, 2004).

No obstante, la infancia no solamente ocupa el lugar de una tecnología de producción de hechos científicos, sino que también se despliega aquello que Calquín et al. (2019) denominan optimismo cruel, es decir, una narrativa que se posiciona como promesa de salvación social desde los resultados de la ciencia. De esta manera, se configura un discurso mesiánico (Haraway, 2004) y bélico (Calquín et al., 2020) en las prácticas científicas que toma a estos sujetos ingenuos como mártires que permitirán derrotar enemigos y permitir la prosperidad el mundo (Haraway, 1995).

En esta línea, tanto en el caso del Pequeño Albert como en la Situación Extraña, la infancia ocupa un lugar ambivalente, en tanto riesgo que hay que normativizar y vida que es necesario hacer prosperar. De tal manera, su segundo rol es la de poner en marcha aquello que Agamben (2006) denomina como una máquina antropológica, la cual consiste en la delimitación de aquello que puede ser considerado humano y no-humano. Sin embargo, señala Agamben, dicha humanidad solo puede ser producida en base a la conformación de una imagen especular de lo humano, la cual queda excluida de los cánones de la humanidad, pero sin la cual la imagen misma del hombre no podría asegurar su identidad. Por esto, la infancia se emplea como una entidad liminal entre lo humano y lo no-humano, puesto que, sin la infancia, que es el reverso especular del canon del hombre racional, funcional y sano, esta identidad sería imposible de limitar y universalizar. Por esto el infante es una figura que encarna el cuerpo susceptible de suplicio con miras a la producción de conocimiento que permita construir ciudadanos adultos sanos y útiles para la sociedad.

Por estas razones, Watson y Rayner (1920) buscan a un niño sano y sin experiencias sociales para poner a prueba sus hipótesis de condicionamiento y soñar con un mundo en donde los estímulos ambientales pudieran determinar la trayectoria vital de los individuos. Asimismo, es la misma racionalidad que se encuentra a la base de Ainsworth y Bell (1970), al plantear que la experimentación con la angustia infantil es la única manera de obtener indicadores que permitan la construcción de tratamientos tempranos para conductas sociales indeseadas en base a patrones de apego.

Con dichos elementos, un tercer punto a destacar consiste en un énfasis por aquello que las aproximaciones hacia el rigor y la calidad de la investigación han denominado como el lugar del investigador (Cornejo y Salas, 2011). Parafraseando a Haraway (2004), entre la narrativa de la objetividad y de la salvación, se desarrolla una tercera tecnología en las ciencias que busca erradicar la subjetividad del investigador de sus procedimientos hasta crear un testigo modesto de los hechos. Hablamos de la construcción de un burócrata que solamente sigue órdenes (Arendt, 2003) y no se siente emplazado por las posibles consecuencias de sus prácticas al separar tajantemente el acto de su intencionalidad (Agamben, 2012), cuestión que ya había sido identificada por las investigaciones de Weber (La Ética Protestante) a propósito de los procesos de racionalización propios de la modernidad.

Esto se observa claramente en el laboratorio post-Núremberg de Ainsworth y Bell (1970), en donde se explicitan una serie de mecanismos que buscan reducir y no eliminar las perturbaciones emocionales que puede acarrear la Situación Extraña. La justificación se realiza en el momento en que se entiende que la intención del estudio es evaluar los patrones de apego y no producir malestar en el niño, siendo toda perturbación un efecto colateral indeseado y, por lo tanto, no una consecuencia que sea de responsabilidad del equipo de investigación.

Así, aparecen los códigos de ética como un punto de inflexión entre los casos del Pequeño Albert y la Situación Extraña. Siguiendo a Atkinson y Coffey (2004), Jacobsson (2006) y Prior (2008), es posible entender la proliferación y construcción de documentos normativos sobre la ética en investigación como actores que tienen una agencia en la modulación de la conducta, el establecimiento de parámetros, la normación de procedimientos y la delimitación de los campos de acción. Por lo tanto, cabe preguntarse cuál es la injerencia que tienen en esta clase de dilemas éticos vinculados a la investigación.

Tal como se ha podido observar, la aparición del código de ética se articula con la borradura de la subjetividad del investigador en su des-responsabilización de las consecuencias del experimento. Lo cual se produce en torno a cláusulas que establecen límites claros y definidos para la investigación, pero también posibilitan que sean vulnerados si se cumplen algunos requerimientos o la situación lo amerita. Siendo así, en su despliegue constituye un oxímoron en las políticas del resguardo de la vida que Agamben (2005) ha analizado bajo la figura del Estado de excepción, como un modelo que permite aprehender los mecanismos por los cuales un orden posibilita su propio quebrantamiento en ocasiones para garantizar su perpetuación y la eliminación de las amenazas.

En suma, los casos expuestos permiten desprender tres tecnologías articuladas entre sí en los dilemas éticos de la investigación (Figura 2). Primero, una tecnología de construcción de hechos científicos que genera una asepsia en la investigación, convocando a la borradura de la subjetividad del investigador separando la intencionalidad del acto y la incorporación de sujetos ingenuos. Segundo, una tecnología de producción de lo humano que realza el carácter salvífico de los resultados de la ciencia, los cuales son obtenidos y universalizado en base a la inclusión-exclusión de los sujetos de experimentación. Tercero, una tecnología de des-subjetivación del investigador que permite separar el acto de la intencionalidad frente al sujeto ingenuo, a la par de garantizar constituirse como un testigo modesto y objetivo en la producción de conocimiento para la salvación de la sociedad.

Figura 2: Articulación de las tres tecnologías en los dilemas éticos


Diagrama  Descrição gerada automaticamente


Por otro lado, un análisis de estas características conlleva inevitablemente a una crítica al enfoque centrado en el conocimiento y manejo de marcos legales, normativos, deontológicos y heurísticos para la resolución de dilemas éticos (Díaz-Barriga et al., 2016; Kapoulitsas y Corcoran, 2017; Koller, 2007; Palencia y Ben, 2013; Pasmanik et al., 2009; Pérez, 2019; Rodríguez et al., 2017; Winkler et al., 2014; Winkler et al., 2016). Lo cual se establece en tres críticas, a saber: (1) no es (solamente) el desconocimiento de los protocolos lo que conlleva a estas dinámicas, (2) tampoco es el mal uso de las directrices, y (3) no constituyen prácticas individuales, sino que conforman un determinado ethos investigativo humanista, objetivista y neutralista en base al sufrimiento de una otredad como chivo expiatorio.

En esta línea, sigue siendo sugerente la propuesta de Haraway (1995) sobre los conocimientos situados para re-pensar las ciencias desde un lugar parcial y marcado, en donde se preste atención a las tecnologías semiótico-materiales involucradas en las prácticas científicas y en las dinámicas que sus ensambles producen. Cuestión que conlleva la necesidad de realzar la posición del investigador, ya no solamente como un criterio de reflexión ética individual, sino que preponderantemente como una práctica técnica, y por lo tanto disciplinar, de rigor científico (Cornejo y Salas, 2011).

Los desafíos de esta mirada alternativa implican abordajes que exceden los límites de este artículo, pero es necesario destacarlos a modo de trazar una posible línea de trabajo en el área de la ética. En primer lugar, se torna necesario examinar críticamente los discursos presentes en los códigos y protocolos legales, normativos, deontológicos y heurísticos que rigen la investigación; así como también la forma en la cual son construidos y puestos en práctica por parte de universidades y grupos de investigación.

En segundo lugar, se torna relevante poder hacer exámenes críticos a las justificaciones de las investigaciones en el área de la psicología, sus promesas de salvación social y los costos asociadas a ellas. Sin dejar de lado, los discursos sociales, institucionales y estatales sobre el rol de las ciencias en el desarrollo, planificación y ejecución de políticas sociales.

Finalmente, un tercer terreno de indagación futura lo constituyen las prácticas mismas de investigación y de enseñanza de la labor investigativa en la formación de estudiantes de pre y postgrado. Lo que implica indagar en cómo se usan los protocolos, cuáles son los dilemas que enfrentan los grupos de investigación y cómo son resueltos; además de qué estrategias pedagógicas son desplegadas en los cursos de formación científica y de desarrollo de un ethos profesional.

Referencias

Agamben, G. (2005). Estado de excepción. Homo sacer II, 1. Buenos Aires: Adriana Hidalgo. Agamben, G. (2006). Lo abierto. El hombre y el animal. Buenos Aires: Adriana Hidalgo.

Agamben, G. (2012). Opus Dei. Arqueología del oficio. Homo sacer II, 5. Barcelona: Pre-Textos.

Ainsworth, M., y Bell, S. M. (1970). Attachment, exploration, and separation: Individual differences in strange-situation behavior of one-year-olds. Child Development, 41, 49-67. doi: 10.2307/1127388.

Araujo, S., y Pereira, T. (2014). La idea de psicología racional en la Metafísica Alemana (1720) de Christian Wolff. Universitas Psychologica, 13(5), 1655-1666. doi: 10.11144/javeriana.upsy13-5.lipr.

Arendt, H. (2003). Eichmann en Jerusalem. Un estudio acerca de la banalidad del mal. Barcelona: Lumen.

Atkinson, P. y Coffey, A. (2004). Analyzing documentary realities. En D. Silverman (Ed.), Qualitative research. Theory, method and practice (pp. 56-75). Londres: Sage.

Benjamin, L. (2000). The psychology laboratory at the turn of the 20th century. American Psychology Association, 55(3), 318-321. doi: 10.1037/0003-066X.55.3.318.

Bigelow, K., y Morris, E. (2001). John B. Watson's advice on child rearing, some historical context.

Behavioral Development Bulletin, 1, 26-30. doi: 10.1037/h0100479. Boring, E. (1995). Historia de la psicología experimental. México: Trillas.

Calquín, C., Guerra-Arrau, R, Vázquez, S., y Yáñez-Urbina, C. (2019). Sujetos cerebrales: repertorios interpretativos de los usos de la neurociencia en las políticas públicas de infancia temprana en el Chile actual. Psicología, Conocimiento y Sociedad, 9(2), 31-58. doi: 10.26864/pcs.v9.n2.2.

Calquín, C., Guerra-Arrau, R., Vásquez, S., y Yáñez-Urbina, C. (2020). Construyendo hechos. Análisis de las metáforas utilizadas en la producción científica chilena sobre apego e infancia temprana. Límite Revista Interdisciplinaria de Filosofía y Psicología, 15. doi: 10.4067/s0718-50652020000100218.

Cornejo, M., & Salas, N. (2011). Rigor y calidad metodológicos: un reto a la investigación social cualitativa. Psicoperspectivas, 10(2), 12-34. doi: 10.5027/psicoperspectivas-Vol10-Issue2-fulltext-144.

Díaz-Barriga, F., Pérez-Rendón, M., y Lara-Gutiérrez, Y. (2016). Para enseñar ética profesional no basta con una asignatura: los estudiantes de psicología reportan incidentes críticos en aulas y escenarios reales. Revista Iberoamericana de Educación Superior, 7(18), 42-58. Recuperado de: http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2007-28722016000100042.

Ferreira, A. (2012). Jamás hemos sido ingenuos (o dóciles sí, pero ingenuos jamás): un estudio sobre la constitución del sujeto ingenuo en los laboratorios psicológicos. En, Teoría del Actor-Red: más allá de los estudios de ciencia y tecnología (pp. 283-300). Barcelona: Amentia.

Ferreira, A. (2015). Tecnologías del yo e introspección experimental: un posible campo de estudios historiográficos. Revista de Historia de la Psicología, 30(1), 91-112. Recuperado de: http://www.revistahistoriapsicologia.es/app/download/6014396211/3%20ARRUDA.pdf?t=142615666 3.

Gondra, J. (2014). Behaviorist, publicist and social critic: the evolution of John B. Watson. Revista de Historia de la Psicología, 35(1), 13-36. Recuperado de: http://www.revistahistoriapsicologia.es/app/download/5985298111/1.GONDRA.pdf?t=1400079960.

Grinager, N., y Yairi, E. (2002). The Tudor Study. Data and Ethics. American Journal of Speech- Lenguage Pathology, 11(2), 190-203. doi: 10.1044/1058-0360(2002/018).

Haraway, D. (1995). Ciencia, cyborgs y mujeres. La reinvención de la naturaleza. Madrid: Ediciones Cátedra.

Haraway, D. (2004). Testigo_Modesto@Segundo_Milenio. HombreHembra(c)_Conoce_Oncoratón(r). Feminismo y tecnociencia. Barcelona: Ediciones UOC.

Jacobsson, K. (2006). Analysing documents through Fieldwork. En, D. Silverman, Qualitative Research

(pp. 165-181). Londres: Sage.

Kapoulitsas, M., y Corcoran, T. (2017). School Psychologists and Ethical Challenges. The Educational and Developmental Psychologist, 34(1), 48–61. doi:10.1017/edp.2016.21.

Koller, S. (2008). Ética em pesquisa com seres humanos: alguns tópicos sobre a psicologia. Ciência & Saúde Coletiva, 13(2), 399-406. doi: 10.1590/S1413-81232008000200015.

Lafuente, E. (2011). De anomalía biográfica a modelo historiográfico: la Historia de la Psicología Experimental de E.G. Boring, una cuestión disputada. Revista de Historia de la Psicología, 3281), 55-

72. Recuperado de: http://www.revistahistoriapsicologia.es/app/download/5835034911/HPSICO32%281%29_3.pdf?t=136 1808184.

Lahman, M., Geist, M., Rodriguez, K., Graglia, P., y DeRoche, K. (2010). Culturally responsive relational reflexive ethics in research: the three rs. Quality & Quantity, 45(6), 1397–1414. doi:10.1007/s11135-010-9347-3

Lima, N., y Ormat, E. (2016). La genealogía de la bioética. Journal international de bioéthique et

d'ethique des science, 27(4), 23-38. doi: 10.3917/jib.274.0023.

Molina, J. (2010). Christian Wolff y la Psicología de la Ilustración alemana. Persona, (13), 125-136. doi: 10.26439/persona2010.n013.268.

Ormart, E., Lima, N., Navés, F., y Pena, F. (2013). Problemas éticos en la experimentación psicológica. Asch, Milgram y Zimbardo en cuestión. Aesthethika, 9(1), 15-31. Recuperado de: http://www.aesthethika.org/IMG/pdf/AEV9N1_03_Ormart_Problemas_eticos.pdf.

Palencia, M., y Ben, V. (2013). Ética en la investigación psicológica: una mirada a los códigos de ética de Argentina, Brasil y Colombia. Revista de Psicología, 9(17), 53-65. Recuperado de: http://e- revistas.uca.edu.ar/index.php/RPSI/article/view/2361/2189.

Pasmanik, D., y Winkler, M. (2009). Buscando orientaciones: pautas para la enseñanza de la ética profesional en psicología en un contexto con impronta postmoderna. Psykhe, 18(2), 37-49. doi: 10.4067/S0718-22282009000200003.

Pérez, M. (2019). Conflictos éticos detectados por psicólogos/as de la atención primaria de salud. Acta Bioethica, 21(1), 85-94. Recuperado de: https://actabioethica.uchile.cl/index.php/AB/article/view/53573/57130.

Prior, L. (2004). Doing things with documents. En, D. Silverman (Ed.), Qualitative research. Theory, method and practice (pp. 76-94). Londres: Sage.

Richards, R. (1980). Christian Wolff's prolegomena to empirical and rational psychology: translation and commentary. Proceedings of the american Philosophical Society, 124(3), 227-239. Recuperado de: https://www.jstor.org/stable/986371.

Rodríguez, M., Navarrete, R., Bargsted, M. (2017). Problemas éticos y consecuencias reconocidas por psicólogos noveles en reclutamiento y selección de personal. Psicoperspectivas, 16(3), 164-176. doi: 10.5027/psicoperspectivas-Vol16-Issue3-fulltext-1082.

Rojas, J. (2001). Los niños y su historia: un acercamiento conceptual y teórico desde la historiografía. Pensamiento Crítico. Revista Electrónica de Historia, (1), 1-39. Recuperado de: http://www.archivochile.com/Ideas_Autores/rojasfj/rojasfj0006.pdf.

Roland, F. (2011). Uma breve genealogia da bioética em companhia de Van Rensselaer Potter.

Bioethikos, 5(3), 302-308. Recuperado de: https://saocamilo-sp.br/assets/artigo/bioethikos/87/A5.pdf.

Tolich, M. (2014). What can Milgram and Zimbardo teach ethics committees and qualitative researchers about minimizing harm?. Research Ethics, 1082), 96-96. doi: 10.1177/1747016114523771.

Tortosa, F., y Civera, C. (2006). Historia de la psicología. Valencia: McGraw-Hill.

Vidal, F. (2000). The Eighteeth Century as "Century of psychology". Jahrbuch für Recht und Ethik, 8, 407-434. Recuperado de: https://www.jstor.org/stable/43579329.

Watson, J. (1913). Psychology as the behaviorist views it. Psychological Review, 20(2), 158–177. doi: 10.1037/h0074428.

Watson, J. (1947). El conductismo. Buenos Aires: Paidós.

Watson, J., y Rayner, R. (1920). Conditioned emotional reactions. Journal of Experimental Psychology, 3(1), 1–14. doi:10.1037/h0069608

Winkler, M., Alvear, K., Olivares, B., y Pasmanik, D. (2014). Psicología comunitaria hoy: orientaciones éticas para la acción. Psicoperspectivas, 13(2), 44-54. doi: 10.5027/psicoperspectivas-Vol13-Issue2- fulltext-353.

Winkler, M., Velázquez, T., Rivera, M., Castillo, T., Rodríguez, A., y Ayala, N. (2016). Ética y formación en psicología comunitaria: análisis de programas de asignaturas en universidades Latinoamericanas. Interamerican Journal of Psychology, 50(1), 23-31. doi: 10.30849/rip/ijp.v50i1.78.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15076

PHENOMENAL REALISM AND SUBJECTIVE-OBJECTIVE DICHOTOMY REALISMO FENOMENAL Y DICOTOMÍA SUBJETIVO-OBJETIVO REALISMO FENOMÊNICO E DICOTOMIA SUBJETIVO-OBJETIVO


Manas Sahu

(Indian Institute of Technology Bombay, India)

manassahu23@gmail.com

Recibido: 12/05/2023 Aprobado: 06/02/2024


ABSTRACT

The resolution of subjective-objective dichotomy is not lies in reduction rather grounded on the synthesis of phenomenal aspect and intentional-representational aspect of experience. We have to acknowledge the limits of both physical and mental objectivity and gradually transcend and expand the scope of physical as well as mental objectivity through neutral perspective. The Nagelian version of phenomenal realism has indicated for resolving the subjective-objective dichotomy by observing the interaction of subjective point of view and objective point of view about the reality from neutral perspective.

Keywords: subjective and objective dichotomy. phenomenal realism. dual aspect theory. physical objectivity. mental objectivity and phenomenality.


RESUMEN

La resolución de la dicotomía subjetivo-objetivo no radica en la reducción sino en la síntesis del aspecto fenoménico y el aspecto intencional-representacional de la experiencia. Tenemos que reconocer los límites de la objetividad física y mental y trascender y expandir gradualmente el alcance de la objetividad física y mental a través de una perspectiva neutral. La versión nageliana del realismo fenoménico se ha indicado para resolver la dicotomía subjetivo-objetivo al observar la interacción del punto de vista subjetivo y el punto de vista objetivo sobre la realidad desde una perspectiva neutral.

Palabras clave: dicotomía subjetiva y objetiva. realismo fenomenal. teoría del doble aspecto. objetividad física. objetividad mental y fenomenalidad.


RESUMO

image

A resolução da dicotomia subjetivo-objetivo não está na redução, mas na síntese do aspecto fenomênico e do aspecto intencional-representacional da experiência. Temos que reconhecer os limites da objetividade física e mental e gradualmente transcender e expandir o escopo da objetividade física e mental através da perspectiva neutra. A versão nageliana do realismo fenomênico indicou resolver a dicotomia subjetivo-objetivo observando a interação do ponto de vista subjetivo e do ponto de vista objetivo sobre a realidade a partir de uma perspectiva neutra.

Palavras-chave: dicotomia subjetiva e objetiva. realismo fenomênico. teoria do duplo aspecto. objetividade física. objetividade mental e fenomenalidade.


Background

In this paper, we are going to discuss the issue of solipsism, the resolution of the subjective-objective dichotomy, phenomenal realist’s perspectives on the limits of physical and mental objectivity, and the plausibility of dual aspect theory. The demand of normative condition for knowledge about other minds through reductionism is implausible. We are going to deal with two categories of objection against the reduction of inner qualitative features of experience to physical objectivity. These are a) Appeal to mental objectivity (i.e., Phenomenal realism proposed by Nagel, Chalmers, and Putnam) b) Appeal to common sense (i.e., Moorian phenomenal realism).

On the one hand, the appeal to mental objectivity approach even though provides the objective normative conditions for knowledge about other minds, however, is unable to defend the proposed objective normative conditions against scepticism due to acknowledging the limits of mental objectivity. On the other hand, Moorian phenomenal realism even though protect against the sceptical threat through the common sensical normative condition for knowledge about other minds and through appeal to pragmatic contradiction, however, it is neither leave any space for expanding the limits of mental objectivity nor physical objectivity. I have argued that the appeal to Moorian transparency thesis by the external reductive representationalist for reduction of inner qualitative aspect of experience to physical objectivity is implausible. Because Moorian phenomenal realism advocated for one kind of epistemic foundationalism through common sense which leave no place for reduction of inner aspect of reality to physical objectivity. The demand of objective normative condition for knowledge about other minds excluding common sense will always leads to pragmatic contraction. The Moorian phenomenal realism even though succeed in reducing the threat of sceptical attack, however, unable to provide any roadmap for expanding the limits of physical and mental objectivity. I have concluded that phenomenal realism through its account of phenomenal transparency thesis provide a neutral standpoint for expanding the scope of physical as well as mental objectivity, at the same time acknowledge the irreplaceable epistemic role of phenomenality and intentionality.

The present paper focuses on the debate regarding plausibility of the phenomenal realist’s attempt for the synthesis between phenomenal subjectivity and phenomenal objectivity which aims to resolve the harder problem (solipsism) and the hard problem-scepticism about phenomenality of experience. In this paper, our objective will be critically analyses the phenomenal realist’s position on non-reduction of phenomenality of experience through the defense of perspectival ontology and resolving subjective- objective dichotomy issue without any appeal to solipsism. Solipsism is the view that the conscious agent can only have access to their own mind and can’t be aware of the existence of other minds. The subject can have direct and immediate access of their own mind.

Phenomenal realism1 is the view that:

  1. The inner phenomenal qualitative properties of experience are real experiential properties.

  2. The intentional properties of experience and phenomenal properties of experience have different irreplaceable epistemic role.

  3. The phenomenal qualitative properties are private and immediate accessible properties.

    In this paper we are going to focus on three phenomenal realists those who advocate for compatibility of subjectivity and objectivity in relation to phenomenal consciousness. Those are:

    1. Thomas Nagel- The View from No Where


      image

      1 This particular paper deals with two kinds of phenomenal realism, namely, phenomenal realism based on acknowledging the limits of mental objectivity advocated by Searle, Nagel, Putnam, and Chalmers. and based on common sense as a tool against reductionism advocated by Moore.

    2. Hilary Putnam- Objectivity without Object

    3. David Chalmers- Dual Aspect Theory


Thomas Nagel on Dichotomy of Phenomenal Subjectivity and Mental Objectivity

The subjective-objective dichotomy has been an unresolvable issue in the history of philosophy. Thomas Nagel advocated that rationality can be treated as a tool for resolving this age-old problem. Because rationality not only provide the ground for objectivity of truth, rather it also acknowledges the peculiar characteristics of phenomenal subjectivity (Nagel; 1986). It’s the tool for reconciliation of subjectivity and objectivity of phenomenal experience without any appeal to dogmatism, scepticism and solipsism. Rationality can justify the epistemic perspectivism as it is common and innate (or potentially exist) in every human beings, at the same time it plays the role of universal authority according to Nagel. The synthesis between idiosyncratical aspect and universality aspect became possible due to rationality. Reason as a tool not only eradicate biasness about perspectivism it also provides a peculiar kind of universal authority and enable us to universalizing the phenomenal concepts.

For Nagel, phenomenal qualitative properties of experience are the properties of subject’s experience rather than properties of the external world. The phenomenal consciousness of the subject can takes place by accessing the objective reality subjectively without the necessity of introspective accessibility. In case of perception, the objective world is being perceived by the subject from their own point of view- the way they have access the object. The subject can never exclude their own point of view even if s/he attempt to ignore while undergone an experience. The subjective perspectival aspect of experience is inescapable for the subject as long as the subject cease to have experience.

Nagel has acknowledged the fact that objectification of mental reality is necessary for addressing the harder problem. For objectification of the mental aspect of reality, the subject need to have:

  1. The ability to acknowledge and understand human perspectives.

  2. Ability of universal concept formation about the phenomenal experience.

  3. Ability to view one’s own experiences from outside as events of the world2.

Nagel (1986) has affirmed that the ability of phenomenal concept formation is innate in every human mind. He construed that:

The pretheoretical concept of mind involves a kind of objectivity which permits us to go some way beyond our own experiences.


Even though the phenomenal concept formation is aligned with the phenomenal subjectivity, however, that does not restrict us from speculating phenomenal conception of objectivity. The phenomenal concepts derived from first person experiences by the subject is not limited within the mental concept ascriptions to their own private experience, rather the same phenomenal concepts can be ascribed to other’s mental states as well, in case they share similar phenomenal states. One can apply those mental concepts from within as well as outside of phenomenal subjectivity. Hence, the phenomenal concepts gained through first person perspective also accommodate in ascribing and generalizing the phenomenal concepts of others which is derived from third person perspective.

The ascription of phenomenal concept is not limited within one species. Some of the phenomenal concepts can also be ascribed to other species (i.e., animals) despite of having different physiological structure and behavior. Even though, the investigation of phenomenal qualitative character of experience from outside of the domain of phenomenal subjectivity- from third person perspective, can enable us in having only partial understanding about phenomenality of experience, however, at least it provides a


image

2 See, Nagel (1986, chapter 2) for elaborated discussion. The externalists like Dretske (1995) and Harman (1990) agree with Nagel on this point that the subject need to see their experiences from outside of their phenomenal perspectivity, however, disagree on the point that the process of objectification of mental aspect of reality does not solely supervene on the faculty of external representation.

general idea about the phenomenality of experience of the subject as well as others. The general understanding of phenomenal qualitative experience will help us in setting the objective normative conditions for phenomenality of experience.

Nagel has accepted that there is a limit to the normative conditions of phenomenality of experience in incorporating all the aspect of phenomenality. He has acknowledged the incompleteness of the phenomenal objectivity- the view that the objective normative conditions will leave some perspectival aspect of phenomenality in his paper “what is it like to be a bat”. That is the reason why Nagel has advised to refrain from the attitude of scientism-every aspect of reality can be explained through science. He argued that, for epistemic objectivity, there is no need to rely on physical objectivity (i.e., physical reductive objectivism) for expanding the level of objective understanding about experience.

Nagel (1986; ch.2) argued that:

Objectivity of whatever kind is not the test of reality. It is just one way of understanding reality.… Still even if objective understanding can be partial, it is worth trying to extend it, for a simple reason. The pursuit of an objective understanding of reality is the only way to expand our knowledge of what there is beyond the way it appears to us. Even if we have to acknowledge the reality of some things that we can’t grasp objectivity, as well as the ineliminable subjectivity of some aspects of our own experience which we can grasp only subjectively, the pursuit of an objective concept of mind is simply part of general pursuit of understanding. To give it up because it cannot be complete would be like giving up axiomatization in mathematics because it cannot be complete.


Nagelian version of phenomenal realism advocates for one kind of epistemic objectivity that acknowledge the epistemic role of phenomenal subjective aspect of experience unlike representationalist3. Even though Nagel and reductive representationalist are on the same page in acknowledging the demand of objectivity for resolving solipsism, however, they differ in addressing the incompleteness of objectivity. Reductive representationalist argued for achieving the objectivity through ontological reduction of phenomenal experience. For instances, Dretskian representationalism argued for ontological-reductive objectivism which Nagel try to avoid in his work. Nagel argued that for objective understanding about phenomenal experience, the ontological reduction through objectification of each and every phenomenal information is neither possible nor required. However, one may have minimal objectivity in case of the qualities of phenomenal experience. There is the need of mental objectivity which includes the conception about experiential property completely detached from physical objectivity.

The subjective point of view that is really exist in this world accommodate the conception of physical objectivity. 4 Nagel (1986; p. 15) construes:

Faced with these facts, one might think that the only conceivable conclusion would be that there is more to reality than what can be accommodated by physical conception of objectivity. But remarkably enough this has not been obvious to everyone. The physical has been so irresistibly attractive, and has so dominated ideas of what there is, that attempts have been made to beat everyone into its shape and deny the reality of anything that can’t be reduced. As a result, the philosophy of mind is populated with extremely implausible position.


Nagel (1986; pp. 23-24) construes:

In each case there is rich evidence of conscious inner life, but only limited application of our own mental concepts-mostly general ones- to describe it…. We are forced, I think, to conclude that all these creatures have specific experiences which can’t be represented by any mental concepts of which we could have first- person understanding. This doesn’t mean that we can’t think about them in that general way, or perhaps in more detail but without first-person understanding We can use the general concepts of experience and

mind to speculate about forms of conscious life whose external signs we can’t confidently identify……… The aim of reaching a conception of the world which does not put us at the center in any way requires the formation of such concepts. We are supported in this aim by a kind of intellectual optimism: the belief that


image

3 See, Sahu (2022) for detailed analysis.

4 Nagel’s (1974) famous article “What is it like to be a bat” defends the irreducibility of phenomenal qualitative character of experience.

we possess an open-ended capacity for understanding that which we have not yet conceived, and that it can be called into operation by detaching from our present understanding and trying to reach a higher-order view which explain it as part of the world.


The objective phenomenology can only assist us in maximal understanding about phenomenal subjective qualitative features of experience. Everything can’t be grasped though objectivity. Nagel has suggested to accept the incompleteness of objectivity, because objectivity is just one way of understanding reality. The reality can’t be entirely encompassed by thought. The world isn’t our world, although it is our subjectively engaged perspectives. At the same time, the world is not entirely objective, because objective reality involves an acknowledgement of its own incompleteness. However, that does not mean the quest for objectivity is entirely redundant. Because objectivity is the best tool for expanding our knowledge from the initial understanding about the world as it appears to us.

The phenomenal concept of a particular human beings, as s/he is an instances of human species, can have maximum similar (even though not identical) phenomenal qualitative features of experience of the human species-phenomenality of experience, in case they share the similar phenomenal information of the particular mental states. A human beings may have similar point of view with fellow human beings, because of sharing same modality of experience and identical phenomenal information. However, it is not possible for human beings to grasp the phenomenality of different species, because they share different phenomenality of experience. For instances, I can neither know nor imagine the point of view of a bat for the simple reason that the phenomenality of human species is not similar with the phenomenality of experience of the bat species. Here the question may arise that as a fellow member of human species, if I can take your point of view, however, can’t take the point of view of a bat, then what is the objective condition that help me in understanding your point of view only, but failed in case of bat? What is the normative condition for knowing other minds? There has been multiple attempt to address the above question in the context of responding to the problem of solipsism, however, none of them able to provide satisfactory answer. These are:


Argument from Analogy

Only the subject can have immediate and direct access to their own phenomenal qualitative features of experience5. The justification for one’s own inner qualitative aspect of experience is grounded on non- inferential reason. However, in case of other’s phenomenal qualitative features of experience, one has to be depended on inferential justification due to the inaccessibility of other’s inner qualitative aspect of experience. The proponent of reductive thesis, for instances, behaviorism, identity theory, reductive naturalism and eliminativism relied upon the deductive inference for resolving the problem of other minds. For instances, the deduction of phenomenal information from the subject’s pattern of behavior and prediction of their metal states come under the preview of deductive inferential justification.6

The argument from analogy is relied upon inductive inference. The correlation between mental states and pattern of behavior can be discovered from one’s own experience and latter can be generalized through observation. From my own first-person perspective, I can know that I am directly acquainted with my mental states as a state of inner qualitative private experiential states, however, in case of other’s, I can partially know about their mental states- the fact that what kind of behavior they exhibit in their ambient environment in a given particular situation. However, by analogy, I can predict the mental states of others from the phenomenal information of my own experience for awareness about other’s experience. For instances, from my own experience, I can inductively conclude that dog-bitten experience is accompanied by a private inner sadness in your as well as my case. As the first proponent of analogy argument John Stuart Mill (1889; p. 243) illustrates:


image

5 See, Sahu (2023) for detailed analysis.

6 I have illustrated the failure of deductive ground of justification. See, Sahu (2023) for comprehensive analysis.

I conclude that other human beings have feelings like me, because, first, they have bodies like me, which I know in my own case, to be the antecedent condition of feelings; and because, secondly, they exhibit the acts and other outward signs, which in my own case I know by experience to be caused by feelings.


The way I interact with my ambient environment in a given situation, people also interact with their own ambient environment with the similar given situation in a similar way. For instances, our behavior while chased and attacked by radicalized zombie will be similar in the particular situation if we share the same phenomenology. By analogy, from my own experience, I can observe that you will exhibit similar kind of behavior while a group of radicalized parasite zombies has been started chasing and attacking you. Even though, I can’t have access to your private mental states, however, through the help of inductive inferential justification, I can derive the particular phenomenal information of pain associated with zombie attack from my own phenomenal information of pain.

The argument of analogy is not entirely uncontroversial at all. There are several ground of attack to the argument of analogy.

Firstly, inductive inference cannot accumulate every instances of experience. The generalization from few instances of experience is misleading and will commit the fallacy of generalization. In case of inductive inferential justification, one single counter fact is enough to disprove the entire hypothesis. The exhibited outward public behavior can’t be accompanied with one kind of mental states, for instances, a doppelganger even though exhibits identical behavior, however, his inner mental states can be different from the subject. Therefore, it establishes the fact that there is no logical connection between mental states and behavioral states and the argument from analogy is misleading.

Secondly, the application of mental concepts such as pain derived from a particular events can’t be publicly applicable due to inaccessibility of other’s mental life. There is neither any mechanism nor any normative condition which will guide us in the accurate application of mental concepts derived from private inner experience in similar instances of other’s experience. One can still raise the question that how do we know how to use the particular mental concepts objectively?

Wittgenstein (1974) in his Philosophical Investigation provided a critical response to the argument from analogy. He contends that the justificatory condition for knowledge about other’s inner mental life does not render on any kind of inferential ground of justification rather deeply rooted on the non-inferential ground of justification through intersubjective communication of language. Wittgenstein alleged the cartesian foundationalism as the source and primary motivation for the problem of other minds. Descartes argument for mind as the privileged and private inner states of experience does not leave any room for objective knowability of other minds. The normative condition of knowledge about other minds is grounded on objective criteria which determine the usage and appropriate application of the particular psychological concepts. From the observation of behavior, body language, the way s/he speak, and utterance, we can know about the mental states of a person. For Wittgenstein, the acknowledgement of private mental states does not mean there cannot be objective account of phenomenal knowledge. He argued that the usage of language is itself established the fact that there is no private language which only represents private mental states. The statement that ‘only the subject can know its own mental states’ is used through objective form of life in a particular social context. The language as a natural system for intersubjective communication is governed by the practice of language game. Therefore, linguistic representation is efficient enough for resolving the problem of other minds.7

The linguistic representation can be used for minimal understanding about mental states; however, it can’t establish indubitable certainty. The utterances and statements of two subjects even though may provide minimal accuracy of understanding during intersubjective communication, however, there is no guaranty that two individual’s linguistic representation will provide accurate and exact representation of thought. For instances, two individuals’ utterances or statements of a table even though linguistically represent the object table, its common characteristics, however, their thought of a table may be different.


image

7 There are objections to linguistic representation and mental representation in the literature, however, we will skip that part and focus on the objective normative condition for knowledge of other minds.

While the subject X utter the word table, s/he is referring to a particular table to which s/he has already came acrossed in his house, whereas when the subject Y utter the word table, s/he is refereeing to her/his own perception of the table to which s/he has come across in her/his room. Here the mental content and object of the two individuals are different even though their content of linguistic representation remained same.

The argument from analogy has the problem of providing objective normative conditions for knowledge about other minds because there is a limitation to our mental representation of thought and linguistic representation of ascribing the phenomenal concepts on others. The mental objectivity cannot incorporate the reality as it. The objective normative condition is grounded on the expansion ability of the limits of thought and language. The acknowledgement of limits of mental objectivity does not mean that we cannot transcend and extend the limits of thought and language. In fact, we are in progress of expanding the boundary of thought and language through discovering new phenomenal concepts and ascription of those phenomenal concepts though new formation of words in language8. We are constantly transcending, expanding and setting the limits of linguistic representation and mental representation in the evolutionary process.

The ability to transcend and expand the limits is inherently inbuild within us. This inherent representational functions of transcending, setting new limits and expanding perspective through dialectical process are a-priorily given to us as a particular representational organism in the dynamics of evolution. If we look at the evolution of human history, then we can find out that we have been performing these inherited representational functions by constantly setting up new limits to our thought and language and gradually expanding them by acknowledging the limits of mental objectivity. Once we deny to acknowledging the incompleteness of mental objectivity and abstained from application of these inherent representational function, we will cease to progress further. Therefore, acknowledgement of the first-person perspectives and including them in the evolutionary process of transcendental dialectics of mental objectivity, instead of excluding them as most of the natural reductive representationalist has proposed, is the demand of the normative condition of mental objectivity. Imagine what could have happened if the perspective of language (i.e., formation of words and their application) in biggening of human civilization has been excluded. The origin of language is itself grounded on first person perspective. No linguistic or mental concept can take place without first person perspective of an organism. The invention of new words, mental concept, and their application, ascription of the new words to a particular mental states must have been originated from one individual subjective experience and later the ascription of word to a mental concept. The particular ascription of word to a mental concept must have been used objectively through intersubjective ascriptions.


Resolution Through Empathetic Identification

There is another ground of objective normative condition for establishing the possibility of knowledge about other minds, popularly known as empathetic identification, developed with the help of several ground of justifications. The empathetic identification9 is the view that I can empathetically take your first-person point of view or try to understand your inner world though conceivability, imagination or with the faculty of reason.


image

8 Wittgenstein (1974) in Philosophical Investigation has also suggested for observing the use of language in a particular form of life for discovering its meaning. In this evolutionary process, we are constantly breaking the limits and setting new boundary for the limits of language.

9 See, Wiseman (1978) for detailed formulation of empathetic identification as a response to scepticism of other minds. As he begins with defining empathetic identification as “When someone imagines himself to be having an experience he is not really having- to see what it would be like to have the experience…” The view that imagination, conceivability and the faculty of reason as the faculty of mind can assist us in knowing the perspective of others.

The Faculty of Imagination

Physical objectivity can only assist us in the accessibility of the physiology of a species, but not the phenomenology of that particular species. The faculty of imagination as a tool for investigating the problem of other minds has been used since Descartes. It’s an objective mechanism that provide an opportunity for knowing about the mental states of others without directly accessing the particular mental states of others rather from the objective domain of outside phenomenal subjectival perspectives. Even though the subject has no direct privileged access to the phenomenal qualitative properties of others, however, people those who have the ability of phenomenal concept formation and have knowledge about use of the faculty of imagination for concept formation from given particular information about instantiation of phenomenal qualitative properties, can imagine how other human beings instantiate their phenomenal qualitative properties from their particular ambient environment.


The Faculty of Conceivability

There is a distinction between imagination and conceivability. Imagination does not follow the normativity of logic unlike conceivability. One can imagine anything without considering the logical necessity and possibilities. The conceivability entails possibility principles have been used in philosophy of mind by the modern philosopher like Hill (1997), Kirk (1974a; & 1974b) and Chalmers (1996) for defending non-reductionism under the influence of Descartes. The conceivability argument can defend the knowledge about other minds. One can conceive from their own experience that a particular mental states such as pain instantiate a particular phenomenal qualitative properties of experience iff the subject and other minds share common physiology, isomorphic environment, stimulus and exhibits similar behavior in a particular ambient environment. The conceivability of the instantiation of a particular phenomenal qualitative properties entails that it is logically possible that same kind of phenomenal qualitative properties can be instantiated in similar cases.

The logical possibility at least entails that there are no contradictory and counter factual instances possible. People those who exhibits similar kind of behavior while undergone an isomorphic ambient environment interaction of the subject establishes the fact that the logical possibility of instantiation of phenomenal qualitative properties is reducible from conceptual level of reality to physical level of reality at least from subject’s own perspectives. Hence, it is possible to reduce the same conceptual reality to physical level of reality in case of others because of sharing isomorphic forms of live, ambient environment, physiology, neurobiological function etc.


The Faculty of Rationality

Rationality can be a tool for intersubjectivity and establish the normative condition for the knowledge about others mental states. The ability of rationalization is universal in case of human beings. Rationality as a category of mind has the similar function of concept formation in every human beings. It demands the instantiation of phenomenal information for performing its phenomenal concept formation and passing the judgement about phenomenal experience. The identical verbal report about a particular phenomenal experience of the subjects establishes the fact that they had instantiated the similar phenomenal information. Because they shared rationality which works as an innate category of mind in every human beings.

The objectivity in case of shared rationality, indistinguishable phenomenal information and verbal report in an isomorphic ambient environment establish the fact that knowledge about other minds is possible. The epistemic rationality acknowledges the universalizability of phenomenal concepts among the subject those who share the physiological, neurofunctional and behavioral indistinguishability. Rationality cannot function without phenomenality especially while dealing with concrete objective reality. Hence, phenomenality became the precondition for rationality without which concrete objectivity aspect of the physical world can’t be achieved. Rationality as a tool has been assist us in the

formation of phenomenal concepts. The phenomenal concepts work as a foundation of empathetic identification that helps us in materializing the principles of phenomenality.

There are some objections against the empathetic identification argument. The empathetic identification cannot be possible in case of other species, because one can’t imagine, conceive, or rationalize, seeing the world the way other species experience their phenomenal states. The empathetic identification, which is construed as thinking, imaging, or rationalizing from the side of another subject’s perspective, can’t provide objective accuracy about phenomenal experience. A sceptic may still raise the question on normative ground of phenomenality- How can the imagination yield phenomenal knowledge of another mind? How do we know the faculty of conceivability, rationality or imagination performs its function accurately, not just fantasizing or superimposing over your phenomenal states?

It is not the case that there is no attempt to provide the normative justification for phenomenality for instances it has been commonly accepted that the subject (X) is phenomenally conscious iff the subject

(X) has a phenomenal states (Y) and there is something like to be in phenomenal states (Y) for the subject (X). This objective normative condition of phenomenality became venerable to attack of scepticism because there is no other way to verify except direct privileged accessibility which is simply not possible for the observer to access except the subject. From the above analysis it became clear that there is a limitation of mental objectivity which is one of the primary reason behind the failure of mental representation in reducing the phenomenal properties to intentional-representational properties.


Nagelian Resolution of Subjective-Objective Dichotomy

Nagel argued that no doubt the phenomenal subjective mental states are publicly inaccessible. Our ability to conceptually distance ourselves from the entire nexus of subjective point of view and interaction with the world, detach from the subjective processes and forms of life that ground our involvement with the world confers upon us a degree of self-consciousness. The expand of objectivity will alienate us from our inner subjective points of view.

For Nagel, the mind-body problem, the problem of scepticism, and freewill arises due to a clash of conflict between two fundamental conceptions of reality such as subjective point of view and objective point of view. The first-person point of view of the world provides the information about the world as it appears to the subject through determination of their senses, culture, and forms of life. The subject has the ability to detach themselves from the subjective standpoint and view the world from the outside third person point of view. By sensing the world from objective standpoint, the subject expanded their conception of reality outwardly and encompassed more information about the reality. The neutral perspective enables the subjects to treat the subjective point of view, the world, and their interaction as objects of a more universal standpoints. The subject in the neutral perspective became a part of the interaction between mind and world at the same time detached itself and see the entire affairs from neutral perspective.

However, there is an inherent problem arises in the Nagelian neutral perspective, that is, the neutral perspective arises out of the subjectively determined view, however, the subject themselves can only attain the detached view from a place within the world. So, the internal tension between two conception of reality remains unresolvable. The subjective condition out of which the more objective view arises really do exist. However, the objective view gains its status as an objective standpoint only by excluding those subjective conditions. If the subjective conditions out of which those objective view arises exist, however then the objective view will run the risk of mistakenly considered itself to be a complete view of the world, when in fact, it isn’t. It runs the risk of hastily and falsely reducing the world of appearances to mere appearances. As Nagel (1986; p. 7) illustrates:

“There are things about the world and life and ourselves that can’t be adequately understood from a maximally objective standpoint, however, much it may extend our understanding beyond the point from which we started. A great deal is essentially connected to particular point of view, or type of point of view,

and the attempt to give a complete account of the world in objective terms detached from these perspectives inevitably leads to false reduction or to over right denial that certainly potentially real phenomena exist at all.”


Nagel has defended one kind of dual aspect theory which holds the view that the self 10 can have both subjective qualitative characteristics as well as objective intentional characteristics independently and perform their epistemic and explanatory role without conflicting with each other as they have different role to play in unveiling process of the reality.


Hilary Putnam on Objectivity and Phenomenality

Hilary Putnam, one of the influential philosopher of the 21st century, is also argued that every aspect of reality can’t be contained within the boundary of physical objectivity. The proponent of physical objectivity has been under the influence of scientism. Science as a discipline should be careful about the biasness of scientism, while engaged in activity of science-while forming and advocating for their scientific theories. Scientism is the view that everything in the universe can be reduced to objective scientific laws.

He has rejected the reduction of phenomenal qualitative features of experience to natural- representational states of the mind based on physical objectivity. At the same time, as an anti-essentialist, he has also rejected the natural isomorphism of mental representational content and natural representational object. His theory of mental objectivity does not render on correspondence of the appearance of the representational object with actual representational object. Hilary Putnam (1960; pp. 138-164) has defended the objective normative criterion for knowledge of other minds through the multiple realizability argument based on the view that physical reductionism, especially type identity theory, cannot true, because, a particular mental states that represent phenomenal qualitative properties of experience can be accessed by different physical states of multiple organism despite of their physical structure.

The same experiential function of phenomenal qualitative character, for instances-pain can be assigned to realize to by different organism like human beings, animal and birds as they have different brain structure and functions. The functional isomorphism11 as an objective condition will not only help us in addressing hard problem but also it will assist us in understanding the other minds. Therefore, the objective understanding of the brain function for Putnam will resolve the normativity issue.

The multiple realizability thesis has been rejected for several reasons i.e., violation of causal closure of the physical principles argued by Kim (1993; pp. 280-283), and Vicente (2006: pp. 149-155), argument from the unreliability of disjunctive property by proposed by Armstrong (1978; p. 20) and argument from coordinate typologies developed by Couch (2004). if we accept the multiple realizability thesis, there can’t be any space left for neuroscience in Putnamian version of functionalism.

6.5 David Chalmer’s Dual Aspect Theory


David Chalmers acknowledged the independent epistemic role of phenomenality and intentionality. He argued that phenomenal qualitative aspect and intentional-representational features of experience are the two aspect of consciousness. The physical-functional properties of experience and phenomenal properties of experience are two distinguishable properties grounded on psychophysical neutral states that is neither belongs to physical nor phenomenal states of experience. The psychophysical neural


image

10 Nagel has preferred to give importance on human brain instead of any metaphysical self.

11 Putnam (1975, pp. 291- 303) in his popular work- Mind, Language and Reality argued that “Two systems are functionally isomorphic if there is a correspondence between the states of one and the states of the other that preserves functional relations.

states that consist of information states (bits) can be represented through information spaces and manifest themselves phenomenally as well as physically at the same time. Chalmers (1996; pp. 279- 286) argued

“An Information space will have two sorts of structure: each complex state might have an internal structure, and each element in this state will belong to a subspace with a topological difference structure of its own. We might call the first of these the combinatorial structure of the space, and the second of these the relational structure of the subspaces. Much of the time, each subspace will have the same relational structure, so we can just speak of the relational structure of the space itself. The overall structure of the space is given by these combinatorial and relational structures together…... Whenever we find an information space realized phenomenally, we find the same information space realized physically. And when an experience realizes an information state, the same information state is realized in the experience’s physical substrates …. Principles concerning the double realization of information could be fleshed out into a system of basic laws connecting the physical and phenomenal domains.”


The phenomenal and physical realizations of information states go simultaneously. The phenomenal and the physical states are grounded on psychophysically neutral-information states. The realization of phenomenal or physical states of experience depends on the way they are atomistically composed. Chalmers argued that his version of the double aspect theory of information provides a plausible solution to the problem of phenomenal-physical conflict. As Chalmers (1996; p. 305) argued:

“The ontology that this leads us to might truly be called a double aspect ontology. Physics requires information states but cares only about their relations, not their intrinsic nature; phenomenology requires information state but cares only about the intrinsic nature. This view postulates a single basic set of information states unifying the two. We might say that internal aspects are physical. Or as a slogan: Experience is information from inside, physics is information from outside.”


The physical states are the representation of the realization of external informational states through external relation as per the laws of physics whereas the phenomenal states are the representation of the realization of intrinsic informational states through intrinsic structure of information states.


Moorian Epistemic Foundationalism and Other Minds

Moorian epistemic foundationalism tried to resolve the normativity issue of understanding about the qualitative features of experience though the ground of common sense. Moore argued that the sceptical attack on the knowledge about existence of other minds can be resolved through the appeal of pragmatic contradiction. The demand for the normative condition of understanding about phenomenality by ruling out the common sensical ground of justification will always leads to pragmatic contradiction. The Nagelian version of normativity conditions for phenomenal qualitative features of experience- the subject X is phenomenally conscious iff X has particular phenomenal states Q, is insufficient for responding to the sceptics. Because the sceptics can still raise the question on the verifiability of phenomenal states and experience.

The nature of phenomenal qualitative features of experience is such that there can’t be an abstract normative condition that can be verified excluding the accessibility of phenomenal properties. The foolish attempt to quantify the qualitative inner aspect of experience can’t be succeeded for the simple reason that it’s private nature itself exclude the abstraction principles. If once any kind of private experiential properties reduced to objective normative condition, then such kind of experiential properties cease to be remain as private experiential properties.

At least from the failure of reductionist, this point became cleared that neither the objective experiential properties can be reduced to subjective properties of experience (as most of the phenomenal intentionalist has made the unsuccessful attempt) nor any private qualitative experiential property can be reduced to objective properties of experience.

On the ground of common sense, it is cleared that we are not mere information representational organism like A.I machines which extracts information from the environment and act as per its modality of representational function. As a human beings, we can have access to the phenomenal experiential

property that is not just merely physical information. The accessibility and non-reducibility of aesthetic experiential properties are itself evident of the fact that the phenomenal information12 is distinct from physical information. Anyone who denied that they can’t have accessibility to the particular phenomenal information while undergone a phenomenal experience, then s/he is committing pragmatic contradiction. We can’t convince them through any kind of objective justification except appeal to their own accessibility of particular phenomenal information.


Conclusion

If we observe the entire history of philosophy of mind, we will find out that the scepticism about other minds has been remained an unresolvable issue. As a phenomenal realist, I acknowledge the fact that the kind of success we have achieved in case of establishing the epistemic foundationalism though self- transparency about the subjective aspect of experience is not similar in the case of establishing the objective normative conditions of the world. As Nagel has suggested us that we have to acknowledge the limits of both physical objectivity and mental objectivity and gradually transcend and expand the limits of objectivity through observing from neutral perspective. The expansion of the limits of objectivity can only possible when we adopt the transcendental dialectics. The dialectic processes of acknowledging both the subjective point of view and objective point of view of experience from a neutral perspective in which we become the observer of entire interaction between the mind and the world, help us in moving towards universal objectivity. Another approach against the problem of other minds is to give importance on phenomenal transparency. Because phenomenal transparency can help us in synthesizing the mental objectivity and physical objectivity. The Moorian approach to scepticism about knowledge of other minds through appeal to pragmatic contradiction can resolves the problem of scepticism about other minds. However, it can’t help us in expanding the limits of mental objectivity. The sceptical attack on the normativity of understanding about other minds can also be addressed though phenomenal transparency. Phenomenal transparency thesis can unveil more objective phenomenal facts through shifting our attention towards the inward journey of mental objectivity.


Reference

Armstrong, D.M. (1978) A Theory of Universals: Universal and Scientific Realism, Vol. 2, Cambridge University Press.

Chalmers, D., (1996) The Conscious Mind-In Search of a Fundamental Theory, Oxford University Press.

Couch, M. (2004) Discussion: A Defense of Bechtel & Mundale, Philosophy of Science, 71, pp. 198- 204.

Hill, C. S. (1997) Imaginability, Conceivability, Possibility and The Mind-Body Problem, Philosophical

Studies, 87, pp. 61-85.

Mill, J.S. (1889) An Examination of Sir William Hamilton’s Philosophy, Longmans’s Green & Co. Nagel, T. (1974) What is It like To Be a Bat? Philosophical Review, 83:4, pp. 435-50.

Nagel, T. (1986) The View from Nowhere, Oxford University Press.

Kim, J. (1993) Supervenience and Mind: Selected Philosophical Essays, Cambridge University Press.


image

12 Phenomenal information is the information derived from the accessibility of inner private qualitative properties of experience. Let me clarify that we can have objective normative condition for the modality of phenomenal information, for instances, physiological structure, neurobiological functions of the brain, stimulus-response in a particular situation etc. However, we cannot be sure about the epistemic normative condition for accessibility of phenomenal information by excluding the subject’s interaction with the environment.

Kirk, R. (1974a) Sentient and Behavior, Mind, 83, pp. 43- 60.

Kirk, R. (1974b) Zombies and Materialists, Proceedings of the Aristotelian Society, 48, pp. 135-52.

Putnam, H. (1960) Mind and Machines, In Hook, S. (Ed.) Dimensions of Mind: A Symposium, (pp. 138- 164), New York University Press.

Sahu, M.K. (2023) Dretske’s Naturalistic Representationalism and Privileged Accessibility Thesis,

Philosophia, 51, pp. 933-955.

Sahu, M.K. (2022) Representationalism, Skepticism and Phenomenal Realism: An Appraisal of the Non- reducibility of Phenomenality, Prometeica: Journal of Philosophy and Science, 25, pp. 51-65

Vicente, A. (2006) On the Causal Completeness of Physics, International Studies in the Philosophy of Science, 20:2, pp. 149- 171.

Wittgenstein, L. (1974) Philosophical Investigation, Blackwell Publication.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15868


CALABOZOS IDEOLÓGICOS Y DRAGONES COGNITIVOS

LAS CIENCIAS DEL COMPORTAMIENTO Y SU ROL EN LA CONCEPTUALIZACIÓN DE LA CRISIS CLIMÁTICA


MASMORRAS IDEOLÓGICAS E DRAGÕES COGNITIVOS

As ciências comportamentais e seu papel na conceituação da crise climática


IDEOLOGICAL DUNGEONS AND COGNITIVE DRAGONS

Behavioral sciences and their role in conceptualizing the climate crisis


Leonardo Bloise

(Universidad de Buenos Aires, Argentina)

leo.bloise@hotmail.com.ar


Carlos Arias Grandio

(Universidad Nacional de Córdoba, España)

carlosargr@gmail.com


Guillermo Folguera (Universidad de Buenos Aires, Argentina) guillefolguera@yahoo.com.ar

Recibido: 02/11/2023 Aprobado: 14/01/2024


RESUMEN

image

En los últimos años han aparecido publicaciones que intentan generar un marco para la aplicación de conocimientos neurocognitivos para la resolución de problemáticas sociales. Bajo el mote de “ciencias de comportamiento”, este campo de estudios que se presenta como profundamente interdisciplinario se propone aportar herramientas para resolver diversas problemáticas sociales, mediante la dilucidación de los mecanismos subyacentes a la conducta humana y su posterior operacionalización en forma de políticas públicas. Enfocamos nuestra mirada en ciertos aspectos epistemológicos e ideológicos que subyacen a estas iniciativas, en particular su conceptualización de la crisis climática como un problema a resolver mediante los avances de las ciencias cognitivas. Observamos, ejemplificamos y problematizamos una serie de premisas: la conducta del individuo como expresión terminal de un proceso “interno” en el cual el ambiente y por extensión lo “social” están subordinados en cuanto a su jerarquía explicativa; la simplificación de las problemáticas a resolver en términos de sesgos y limitaciones cognitivas, de modo tal que los objetivos de la intervención sean los comportamientos y decisiones de actores individuales; la apelación a la biología como sustento explicativo de los constructos psicológicos utilizados a través de narrativas adaptacionistas sobre el desarrollo de funcionalidades cognitivas innatas. Sostenemos que la generación y aplicación de los conocimientos en este tipo de iniciativas se inscribe en una línea ideológica marcada, según la cual las causas principales de la crisis climática no se

hallan en las dinámicas y contradicciones del sistema socioeconómico vigente, sino en las de los sistemas cognitivos individuales.

Palabras clave: ciencias del comportamiento. filosofía de las neurociencias. crisis ambiental.


RESUMO

Nos últimos anos, surgiram publicações que tentam gerar uma estrutura para a aplicação do conhecimento neurocognitivo na resolução de problemas sociais. Sob o nome de "ciências comportamentais", esse campo de estudos, que se apresenta como profundamente interdisciplinar, tem como objetivo fornecer ferramentas para resolver vários problemas sociais, elucidando os mecanismos subjacentes ao comportamento humano e sua posterior operacionalização na forma de políticas públicas. Concentramos nossa atenção em determinados aspectos epistemológicos e ideológicos subjacentes a essas iniciativas, em especial a conceituação da crise climática como um problema a ser resolvido por meio de avanços nas ciências cognitivas. Observamos, exemplificamos e problematizamos uma série de premissas: o comportamento do indivíduo como a expressão terminal de um processo "interno" no qual o ambiente e, por extensão, o "social" estão subordinados em termos de sua hierarquia explicativa; a simplificação dos problemas a serem resolvidos em termos de vieses e limitações cognitivas, de modo que os alvos da intervenção são os comportamentos e as decisões dos atores individuais; o apelo à biologia como suporte explicativo para as construções psicológicas usadas por meio de narrativas adaptacionistas sobre o desenvolvimento de funcionalidades cognitivas inatas. Argumentamos que a geração e a aplicação do conhecimento em tais iniciativas seguem uma forte linha ideológica, segundo a qual as principais causas da crise climática não se encontram na dinâmica e nas contradições do sistema socioeconômico existente, mas na dinâmica e nas contradições dos sistemas cognitivos individuais.

Palavras-chave: ciências do comportamento. filosofia da neurociência. crise ambiental.


ABSTRACT

In recent years, several publications have emerged that attempt to generate a framework for the application of neurocognitive knowledge to solve social problems. Under the moniker of "behavioral sciences", this field of studies, which presents itself as profoundly interdisciplinary, aims to provide tools to solve various social problems by elucidating the mechanisms underlying human behavior and their subsequent operationalization in the form of public policies. We focus our attention on certain epistemological and ideological aspects that underlie these initiatives, in particular their conceptualization of the climate crisis as a problem to be solved through advances in the cognitive sciences. We observe, exemplify and problematize a series of premises: the behavior of the individual as the terminal expression of an "internal" process in which the environment and by extension the "social" are subordinated in terms of their explanatory hierarchy; the simplification of the problems to be solved in terms of cognitive biases and limitations, so that the objectives of the intervention are the behaviors and decisions of individual actors; the appeal to biology as explanatory support for the psychological constructs used through adaptationist narratives on the development of innate cognitive functionalities. We maintain that the generation and application of knowledge in this kind of initiatives is inscribed in a sharp ideological line, according to which the main causes of the climate crisis are not to be found in the dynamics and contradictions of the current socioeconomic system, but in those of individual cognitive systems.

Keywords: behavioral sciences. philosophy of neuroscience. environmental crisis.

Introducción

En los últimos años, han surgido publicaciones que buscan establecer un marco para aplicar los llamados “insights”1 neurocognitivos en la resolución de problemas socioeconómicos y ambientales. Por ejemplo, se han abordado cuestiones como la promoción de hábitos alimentarios saludables y el ahorro energético (Dolan et al., 2012; Banco Mundial, 2014). Este enfoque se enmarca en lo que se conoce como "ciencias del comportamiento," un campo de estudios interdisciplinarios que se basa principalmente en la psicología cognitiva y la neurociencia social. Su objetivo principal es proporcionar herramientas para comprender los mecanismos subyacentes de la conducta humana y diseñar intervenciones a nivel social mediante políticas públicas.

Los primeros avances surgieron en el campo de la economía conductual, especialmente en investigaciones relacionadas con sesgos cognitivos observados en experimentos de toma de decisiones económicas. Estos sesgos desafiaban las expectativas del modelo económico neoclásico, que asume un individuo racional que busca maximizar su utilidad. La identificación de estos sesgos en entornos experimentales llevó a investigaciones que intentaron descubrir sus causas, primero a nivel de constructos psicológicos funcionales y luego, con el avance de la tecnología, a nivel de interacciones entre áreas cerebrales. Además, estas investigaciones se expandieron más allá del ámbito económico hacia disciplinas como la neuroética (que explora los correlatos cognitivos y neurofisiológicos de juicios y decisiones morales) (Greene, 2015) y la neuropolítica (que analiza las decisiones electorales y la formación de perspectivas ideológicas) (Zmigrod, 2021).

Recientemente, ha habido un impulso para integrar y utilizar los "insights" de las ciencias del comportamiento en la lucha contra la crisis climática. Dos volúmenes especiales, publicados en Current Opinion in Psychology y Current Opinion in Behavioral Sciences (abreviados como COP y COBS), presentan enfoques interdisciplinarios destinados a desarrollar modelos de comportamiento humano en respuesta a la crisis climática y diseñar intervenciones más eficaces (van der Linden y Weber, 2022).

Nuestro objetivo es utilizar estos volúmenes como base para analizar aspectos conceptuales y biopolíticos subyacentes a estas iniciativas. Nos preguntamos cómo definen el "comportamiento" como objeto de estudio y área de intervención, y también cómo conciben la "crisis climática" como un problema que puede abordarse mediante intervenciones conductuales. Nuestros objetivos coinciden con otros artículos y proyectos que buscan cuestionar la incipiente "agenda de cambio conductual”, entendida como una manifestación de la creación y justificación de dispositivos de gobierno en las sociedades occidentales por parte de ciertas disciplinas científicas (Rose y Abi-Rached, 2013). Argumentamos que su aparición y consolidación no se deben tanto a avances en la cantidad y sofisticación de las evidencias empíricas y conocimientos objetivos que aportan, sino más bien a la promoción de ciertos "estilos de pensamiento" que se expresan en dispositivos y tecnologías intelectuales de subjetivación (prácticas institucionalizadas, discursos cotidianos y expertos, formación de disciplinas científicas autorizadas). Estos estilos de pensamiento influyen en cómo las personas se comprenden a sí mismas y, en consecuencia, en cómo pueden ser gobernadas, entendiendo el gobierno como la gestión de la conducta de las poblaciones por parte de los Estados a través de procesos biopolíticos (Rose, 2012).

En la Sección 1, se detalla cómo se define y se aplica la idea de comportamiento al abordar cuestiones medioambientales. Esto se basa en la revisión de los volúmenes de COP y COBS previamente mencionados, así como otras publicaciones influyentes. En la Sección 2, se presentan perspectivas críticas de diversas fuentes, incluyendo reflexiones filosóficas conceptuales, análisis sociohistóricos y


image

1 Elegimos mantener el término en su idioma original ya que la traducción más literal como “conocimientos” no captura ciertas particularidades detectadas al analizar su uso. Brevemente, en este contexto “insight” se refiere a cierto saber derivado de un tipo de experimento particular, típico de las ciencias cognitivas. Este tipo de experimento está orientado a establecer relaciones causales lineales mediante el registro de indicadores de conducta de individuos promediados bajo la lógica de la estadística inferencial, siendo los “insights” el conjunto de resultados que se ofrecen y publicitan como base para el desarrollo de intervenciones a nivel poblacional. En la Sección 3 se presentarán algunas características adicionales de los hechos experimentales que se producen y a partir de los cuales se justifican las intervenciones.

genealógicos. Estas perspectivas cuestionan los supuestos centrales que subyacen al desarrollo de las ciencias del comportamiento y sus propuestas de intervención. La Sección 3 explora cómo la noción de naturaleza humana, tal como se plantea en estas disciplinas, lleva a abordar la crisis climática como una versión a escala global del dilema de los bienes comunes. Se argumenta que esta perspectiva se basa en la agregación de acciones individuales realizadas por sujetos que se consideran fundamentalmente egoístas. Finalmente, en la Sección 4, se resumen las principales conclusiones derivadas del trabajo y se plantean posibles direcciones para futuras reflexiones.


Sección 1

Una de las perspectivas preponderantes en las ciencias del comportamiento respecto a la inacción frente a la crisis climática es aquella que propone explicarla en base a la existencia de una serie de “barreras” cognitivas y/o psicológicas, generadas por aspectos inherentes a la funcionalidad de los sistemas cognitivos humanos, tanto en un nivel psicológico como neurofisiológico.

El primer intento exhaustivo de descripción y clasificación de estas “barreras” proviene de una publicación en la revista American Psychologist, titulada “The Dragons of Inaction: Psychological Barriers That Limit Climate Change Mitigation and Adaptation”. Gifford argumenta que existen siete clases de barreras que impiden el cambio de comportamiento hacia hábitos llamados “proambientales”: cognición limitada sobre el problema, visiones ideológicas del mundo que tienden a excluir actitudes y comportamientos proambientales, comparaciones con otras personas de importancia, costos hundidos e inercia conductual, descrédito hacia expertos y autoridades, riesgos percibidos del cambio, y cambio de comportamiento positivo pero inadecuado (Gifford, 2011). Se asume que cada una de estas clases encuentra su explicación en el funcionamiento de alguno o varios mecanismos psicológicos/cognitivos, cuyo output conductual adaptado a un entorno ancestral determinado ya no es apropiado a los problemas actuales de la especie:

“El cerebro humano no ha evolucionado mucho en miles de años. En la época en que alcanzó su desarrollo físico actual, antes del desarrollo de la agricultura, nuestros antepasados se preocupaban principalmente por su grupo inmediato, los peligros inmediatos, los recursos explotables y el tiempo presente. Ninguno de esos factores es naturalmente consistente con la preocupación, en el siglo XXI, por el cambio climático global, que es lento, por lo general distante, y no está relacionado con el bienestar presente de nosotros mismos y de nuestros seres queridos” (Gifford 2011, p. 291).


Considerando esto como punto de partida, Gifford clasifica diversas barreras psicológicas que incluyen numerosos sesgos y conductas contraintuitivas, en su mayoría derivados de investigaciones clásicas sobre la toma de decisiones económicas (Kahneman, 2003). Algunos ejemplos de estas conductas sesgadas incluyen el descuento sistemático de beneficios futuros en favor de la gratificación inmediata, el sesgo de proximidad que limita la consideración de peligros ambientales a gran escala, y el sesgo de familiaridad y pertenencia que fomenta la creación y perpetuación de grupos basados en ideologías negacionistas.

La preferencia por beneficios personales a corto plazo en lugar del bienestar colectivo a largo plazo ha sido objeto de varios experimentos que intentaron relacionar la toma de decisiones en situaciones ficticias de laboratorio con la vida cotidiana. Estos estudios se centran en situaciones en las que los objetivos "proambientales" requieren coordinación y cooperación en detrimento de los beneficios individuales inmediatos (Milinksi et al., 2008; Jacquet et al., 2013). Un procedimiento típico en estos casos implica la simulación de circunstancias de "riesgo colectivo" en las que un grupo de personas contribuye a un fondo común y, si se alcanza una suma predeterminada, cada individuo recibe una recompensa adicional en función de los recursos que haya conservado para sí. Es importante destacar que el término "simulación" se refiere al hecho de que estos experimentos se realizan en un entorno de investigación con restricciones en las actitudes y respuestas de los sujetos experimentales. A lo largo de este artículo, veremos que estas limitaciones suelen ser ignoradas, y se hace referencia a una "naturaleza humana" fundamentalmente estática y universal.

Los investigadores observaron que cuando las recompensas no se expresaban en términos de beneficios monetarios individuales inmediatos, sino que se destinaban a inversiones para reducir el riesgo ambiental en las generaciones futuras, la conducta altruista de los sujetos disminuía significativamente. Los autores han propuesto posibles explicaciones que nuevamente se basan en una condición ancestral determinada evolutivamente y en el funcionamiento de mecanismos neurocognitivos que generan patrones de conducta. La referencia a las funciones cognitivas ancestrales es evidente en uno de los artículos que abre el primer volumen de Nature Human Behavior:

“Las pruebas que sustentan la existencia de barreras cognitivas a las decisiones parecen preocupantes, en parte porque nuestra forma natural de tomar decisiones evolucionó en una época en que los riesgos y los problemas eran locales y tenían horizontes temporales cortos. Sin embargo, la mayoría de los ciudadanos y consumidores son bienintencionados; pocos quieren hacer imposible que las generaciones futuras habiten nuestro planeta. El problema es que otras metas más próximas en distancia y en tiempo se interponen en el paso de las intenciones a la acción (Weber, 2017, p. 2).


Este primer hilo conductor también aparece en el volumen especial de COPS, esta vez en uno de los artículos destacados. En “The evolutionary psychology of climate change behaviors: Insights and applications” se presentan en forma resumida algunos de los supuestos y aseveraciones de la psicología evolucionista, y ejemplos de la utilidad de su marco para explicar ciertos patrones conductuales y proveer posibilidades de intervención (Palomo-Velez y van Vugt, 2021). Se la presenta como aquella disciplina que recupera los saberes de la biología evolutiva y los aplica al discernimiento de las causas y formas del comportamiento humano. En un sentido general, la psicología evolucionista puede entenderse como el estudio del efecto del cambio evolutivo en el desarrollo psicológico (Tooby y Cosmides, 1992). A grandes rasgos, la psicología evolucionista propone explicar el comportamiento actual en términos de adaptaciones cognitivas específicas que son producto de los éxitos reproductivos diferenciales de nuestros antepasados homínidos. Es explícitamente adaptacionista porque explica el desarrollo humano intentando construir las supuestas características de diseño de dominio específico de la mente y, a continuación, realizar ingeniería inversa para identificar a las presiones evolutivas que las habrían seleccionado. Aunque los planteamientos de la psicología evolutiva no suelen hipotetizar vínculos específicos entre determinados conjuntos de genes y las adaptaciones de un fenotipo conductual determinado, sí lo conciben como algo especificado de forma innata, como resultado de la selección positiva que actúa sobre los portadores genéticos de dicho fenotipo. En este marco, se asume que las conductas humanas están en última instancia orientadas a la supervivencia y la reproducción, es decir al aumento del fitness; mientras que la variabilidad de las conductas posibles está restringida por la estructura de los módulos mentales/cognitivos, instanciados en la fisiología cerebral y bajo control genético. Se abre así la posibilidad de relacionar formas de conducta generalizadas con modelos de la genética del comportamiento para lograr explicar las causas aparentemente subyacentes de dicha conducta, y luego diseñar intervenciones que aprovechen esa tendencia en lugar de ir en contra de la “naturaleza humana”:

“Sin embargo, aunque reducir las emisiones pueda parecer racional desde una perspectiva colectiva, pedirle a la gente que deje de hacer lo que le beneficia es sumamente difícil. Los estudios evolucionistas sugieren que quizá debamos hacer justo lo contrario: aprovechar el egoísmo de las personas para motivarlas a actuar a favor del medio ambiente. La teoría del fitness inclusivo, también conocida como teoría de la selección por parentesco, postula que los seres humanos están predispuestos a garantizar la supervivencia y replicación de los genes que comparten con sus parientes. Por tanto, es probable que los individuos cooperen más con aquellos que comparten más de su composición genética. En términos de motivación para la acción proambiental, esto sugiere que las personas cambiarán su comportamiento si sus intereses genéticos a largo plazo están en juego (Palomo-Velez y van Vugt 2021, p. 55).


Ejemplos de este tipo han aparecido en múltiples publicaciones a lo largo de los años (Penn, 2003; van Vugt et al., 2014; Li et al., 2017), siempre bajo la idea central de que tanto las conductas ambientalmente perjudiciales como la forma de contrarrestarlas deben entenderse a la luz del “desfasaje evolutivo” generado por el cambio abrupto del conjunto de inputs del entorno que no pueden ser procesados de forma correcta por los mecanismos cognitivos adaptados al entorno ancestral (Li et al., 2017).

La otra subdisciplina que nutre la literatura concerniente al cambio conductual como herramienta para enfrentar la crisis ambiental es el de la economía conductual o neuroeconomía. En esta línea comienza la descripción de la editorial de COBS sobre las “barreras cognitivas”:

“El término "racionalidad acotada" se refiere al hecho de que los seres humanos tienen una capacidad cognitiva limitada. Mientras que el "homo economicus" puede ser un agente racional perfecto en su capacidad de atender, almacenar y recuperar toda la información relevante a la hora de tomar una decisión, el "homo sapien" está limitado en su capacidad de absorber información y, por tanto, utiliza atajos adaptativos” (van der Linden y Weber, 2021).


Aquí los autores se refieren a un marco teórico particular para explicar el proceso de toma de decisiones por parte del ser humano, proveniente de la psicología cognitiva y conocido generalmente como sistema de procesamiento dual. La versión específica de este sistema tomada como canónica en este documento es aquella desarrollada por Kahneman (2003) y colaboradores. Según esta versión, el ser humano posee dos sistemas de pensamiento, que se diferencian en la manera en que procesan e interpretan los inputs de la estimulación externa con el fin de producir uno o más outputs, ya sean éstos representaciones mentales que puedan encadenarse y procesarse en formas más complejas, o respuestas conductuales de algún tipo. El sistema 1, al cual se le asocia la etiqueta de “automático”, se relaciona con respuestas intuitivas de asociación rápida y de poco uso de recursos cognitivos, mientras que el sistema 2, “deliberativo”, se relaciona con respuestas más lentas basadas en el razonamiento y la consideración deliberada de los factores contextuales relevantes al problema, con un uso intensivo de recursos cognitivos. Los sesgos se definen como errores sistemáticos en la toma de decisiones en contextos experimentales en los cuáles las respuestas de los sujetos se alejan de la respuesta lógica racional esperada al problema. La categorización de estos sesgos en la respuesta, observados mayoritariamente en preparaciones experimentales de juegos económicos, fue el punto de partida para el desarrollo de la economía conductual. Esta área de investigación se funda con el objetivo de contraponerse y superar las limitaciones de la concepción del sujeto de la teoría económica clásica, el Homo economicus (Kahneman, 2003; Camerer, 2013; Dolan, 2012). Este supuesto agente racional toma decisiones en el ámbito social y económico con el objetivo de maximizar sus utilidades, asumiendo una capacidad de cálculo y acceso a la información relevante ilimitados. En base a la construcción de una taxonomía de sesgos cognitivos sistemáticos, se desarrolla un modelo de la estructura mental humana mediante el cual se pretende explicar las anomalías y desviaciones observadas experimentalmente, con el fin de corregir y actualizar el modelo del Homo economicus. La neuroeconomía, por su parte, pretende complementar y sostener este marco a partir de la identificación de los correlatos cerebrales de los sesgos cognitivos observados experimentalmente. En el volumen de COBS, se hace hincapié en las posibilidades que puede abrir el enfoque de la “neuroeconomía ambiental”:

“Los métodos neuroeconómicos, que combinan experimentos conductuales con imágenes cerebrales, pueden ofrecer una perspectiva importante para quienes deseen comprender mejor los mecanismos subyacentes a la toma de decisiones individuales y colectivas en torno al cambio climático. Muchos de los factores relevantes para evaluar el riesgo del cambio climático han sido estudiados por este campo, desde nuestra evaluación de costes y beneficios temporalmente distantes hasta nuestro comportamiento en contextos de acción colectiva.” (Sawe y Chawla, 2021).


Por ejemplo, se mencionan trabajos en los que este enfoque habría resultado exitoso para establecer la efectividad de determinados tipos de comunicación y marketing, al poder predecir las decisiones de consumo promedio de grupos experimentales a partir de neuroimágenes de determinadas áreas cerebrales asociadas a los circuitos de recompensa y aversión (Karmakar y Yoon, 2016; Genevsky et al., 2017, Genevsky y Yoon, 2022). Luego, se propone utilizarlos para evaluar si la estrategia de comunicación respecto a la crisis climática debería enfocarse en los aspectos negativos del problema o en cambio dar un mensaje esperanzador, ya que ambos tipos de estímulo podrían tener un efecto diferencial en la motivación afectiva y por ende en las acciones individuales (Sawe y Chawla 2021, p. 148-149). En líneas similares, un artículo en el volumen de COP propone “utilizar procesos cognitivos conocidos y fundamentados en la neurociencia cognitiva para evaluar hipótesis específicas de la literatura medioambiental” y como ejemplo de posibles preguntas se menciona “cómo las representaciones del cambio climático que inducen miedo provocan un distanciamiento motivacional

como función defensiva o si las imágenes de soluciones climáticas reducen la percepción de la urgencia del cambio climático” (Wang y van der Berg 2021, p. 127). Entonces, la lógica operando aquí sería en primer lugar la identificación de los supuestos sesgos cognitivos en el ámbito de interés y los sistemas o módulos cognitivos involucrados, y luego la correlación con áreas cerebrales asociadas a determinados tipos de procesamiento emocional o de generación de respuestas conductuales. Armados con esta información, las intervenciones para modificar las conductas podrían ajustarse para corresponderse mejor con el funcionamiento de los sistemas neurocognitivos.

Habiendo visto cómo se presentan las disciplinas psicológicas y neurocientíficas preponderantes en las propuestas de intervención de las ciencias del comportamiento en la crisis climática, resumimos entonces algunos puntos centrales que comparten:

Estas generalidades no son propias o exclusivas de las subdisciplinas ni de las iniciativas presentadas aquí, sino que corresponden a una serie de conceptualizaciones heredadas durante el desarrollo de las ciencias enfocadas en el estudio de la conducta y la mente. En la sección siguiente, presentaremos una serie de perspectivas críticas a esta tradición disciplinar, tanto conceptuales como genealógicas.


Sección 2

La apelación al término “ciencias del comportamiento” alude en forma implícita a un supuesto fundamental: que entre las disciplinas consideradas bajo esta categorización (psicología cognitiva, psicología social, neurociencias cognitivas, neuroeconomía, etc) existe algún consenso sobre qué es el comportamiento en tanto objeto de análisis científico. Sería difícil no convencerse de esto si uno considera que, luego de inaugurar a los 90’ como la “Década del Cerebro”, el congreso estadounidense hizo posteriormente algo similar, cuando en el año 2000 se pronunció el inicio de la “Década del Comportamiento” con el objetivo de “centrarse en los conocimientos de las ciencias sociales y del comportamiento y destacar cómo la investigación sobre el comportamiento puede contribuir a afrontar los retos más importantes de la sociedad” (Rose, 2021). A pesar de la aparente certeza sobre el objeto de las ciencias del comportamiento que uno podría intuir si se queda en el ámbito de las clasificaciones burocráticas, eran los mismos actores involucrados en las disciplinas pertinentes los que advertían sobre una proliferación excesiva de caracterizaciones y teorías del comportamiento:

“Sin embargo, no utilizamos un lenguaje coherente -tendemos a no llamar al comportamiento "comportamiento"- sino que utilizamos diversas etiquetas que se refieren a formas y contextos específicos, por ejemplo, fumar, hacer dieta, hacer ejercicio, caminar, utilizar preservativos, dormir, abandonar, participar, asimilar, adherirse, retrasar, derivar, recetar, tomar medicación, someterse a una prueba de cribado/genética, implementación, afrontar, buscar ayuda, apoyo social, práctica basada en la evidencia, absentismo, dolor, discapacidad/limitaciones físicas, actividades de la vida diaria, participación en actividades sociales, uso de sustancias, etc. Aunque precisas en sí mismas, estas etiquetas pueden no atraer

los beneficios de utilizar la etiqueta "comportamiento", tanto para comunicarnos con nuestro mercado potencial como para aprovechar los conocimientos que ofrecen las teorías del comportamiento” (Johnston y Dixon, 2008).


Las etiquetas utilizadas por las autoras para ejemplificar la variedad de aquello a lo que podemos referirnos con “comportamiento” se encuentran dentro de la esfera de la práctica médica y la relación profesional-paciente, ya que es justamente el ámbito de la gestión de la salud aquel al que inicialmente se apuntó como posible beneficiario de las iniciativas de cambio conductual. Es a ese ámbito al que se refieren cuando hablan de “mercado potencial” en el que los conocimientos de la psicología (entendida aquí como psicología cognitiva) podrían tener un rol. Lo que proponen es aunar esfuerzos en clasificar y categorizar a los comportamientos humanos en distintas situaciones bajo algún tipo de criterio que permita asistir al desarrollo y selección de las teorías más adecuadas para explicar sus mecanismos determinantes o subyacentes, análogamente a la creación de la tabla periódica en Química, la clasificación taxonómica Linneana en Biología, y la determinación nosológica de enfermedades en Medicina (Johnston y Dixon, 2008, p. 512). Es decir, estas categorizaciones permitirían discernir mejor qué teorías de las disponibles se acercan a dilucidar las supuestas causas internas de los comportamientos, ya sea en términos de funciones mentales, de mecanismos neurofisiológicos, o de combinaciones de ambos. Ribes-Iñesta (2004), basándose en trabajos de Wittgenstein (1953) y Ryle (1967), traza una genealogía del uso y transformación del término “comportamiento” y se detiene especialmente en una confusión que surge al intentar tomar como insumo para una ciencia del comportamiento a los términos que usamos cotidianamente para referirnos a la vida mental:

“En primer lugar, se supone que, dado que los términos mentales se expresan como verbos y sustantivos, deben corresponder a entidades, estructuras, acciones o actividades; en segundo lugar, dado que los términos mentales no pueden reducirse ostensiblemente a acciones, movimientos o "comportamientos" concretos, se deduce que dichos términos y expresiones no se refieren a lo que se observa directamente. Las acciones y movimientos corporales pueden señalarse, pero las actividades y procesos mentales no pueden identificarse de este modo” (Ribes-Iñesta, 2004, p. 61).


Para ilustrar el primer error, se nos sugiere que contrastemos la diferencia entre “comer” y “pensar”. Mientras que en el primer caso nos referimos a un conjunto de actividades particulares y específicas que per se delimitan el uso apropiado del verbo, como la masticación y la deglución, en el segundo caso no hay una actividad o conjunto de actividades observables concretas que sean el referente específico del uso del verbo, si bien el “pensar” incluye la realización de ciertas actividades. Trabajar bajo ese error es lo que lleva a asumir que si esas actividades supuestamente referidas por los términos mentales no son observables es porque se encuentran ocultas hacia el “interior” de los organismos, en forma de mecanismos cognitivos y neurofisiológicos específicos a cada verbo de tipo mental. Casi al pasar, Ribes- Iñesta nos advierte de la lógica expansiva inherente a operar bajo este error categorial, cuando menciona que “esta característica de los verbos no es exclusiva de los términos mentales "técnicos". Muchos verbos ordinarios implican acciones, pero no describen acciones concretas (por ejemplo, "amar", "convencer", "esperar", "preferir", "elegir", "decidir", etc.); tales términos constituyen una reserva potencial para nombrar nuevos procesos mentales” (Ribes-Iñesta, 2004, p. 62). Es notable que los tres últimos ejemplos mencionados como parte de la “reserva potencial” son especialmente relevantes para las ciencias del comportamiento al momento de indagar en las problemáticas sociales: preguntas respecto a las decisiones y juicios morales (Greene, 2015), a las elecciones políticas e ideológicas (Zmigrod, 2021), y a las preferencias económicas y de consumo (Camerer, 2013; Glimcher, 2004).

Lo que pretendemos es clarificar que “comportamiento” es un término que pertenece a nuestro lenguaje ordinario y que lo usamos principalmente para referirnos de forma abstracta a la manera de actuar de una persona. La explicación del comportamiento de una persona no equivale a describir sus movimientos, ya sean entendidos como acciones de sus sistemas motores observables directamente, o bien como acciones de sus sistemas cognitivos o neurológicos. Podemos ver y describir la acción de alguien en un contexto, pero no estamos viendo su comportamiento, ya que este término forma parte de una manera abstracta de hablar o de referirse a sus acciones circunstanciadas y a las consecuencias de las mismas. Esta confusión conceptual es uno de los pilares sobre los cuales se sostiene la concepción de sujeto o agente que estas disciplinas ayudan a producir y articular. Para ilustrar el punto anterior, nos

referimos a un estudio en el que se han identificado una serie de tipos o paradigmas de formulación del objeto de conocimiento que se han desarrollado a lo largo del tiempo en las distintas psicologías, que se diferencian en las definiciones y las relaciones que proponen entre los conceptos asociados a las palabras mundo, cuerpo, mente, cerebro, y conducta. Esta diferenciación en la formulación actúa en dos niveles. Primero, en el nivel de definición misma de los fenómenos empíricos que constituyen al objeto psicológico, es decir que cada paradigma asume un compromiso ontológico específico acerca de las dimensiones biológica, psicológica, y social. Segundo, en el nivel de la identificación y enumeración de las propiedades analizables de dicho objeto psicológico, es decir un compromiso epistemológico. De entre toda la lista de paradigmas presentados, destacamos al denominado como cerebro-mente-mundo:

En este paradigma la interacción fundamental se da entre el cerebro y la mente. La mente es concebida en el cuerpo, aunque no como una estructura material. Regularmente, se considera que la mente es una función del cerebro transformada en experiencia. El mundo actúa sobre el cuerpo y a través de él sobre el cerebro. El cerebro a su vez actúa sobre el mundo siempre de manera mediada, ya sea por el cuerpo, ya sea por la mente. La mente solo es afectada directamente por el cerebro” (Ribes-Iñesta, 2000, pp. 375-377).


Aquí se enfatiza la escisión entre los fenómenos mentales, puramente internos al individuo y definidos en relación sólo con la actividad cerebral y no entendidos como parte de la actividad de un organismo completo. Generalmente, las teorías y discursos provenientes de la psicología cognitiva pueden enmarcarse en este paradigma, en donde los fenómenos de interés son las operaciones computacionales realizadas sobre las representaciones mentales. El input de estas operaciones es la información proveniente de los sentidos y el output es el comportamiento de respuesta, posterior al procesamiento de la información codificada en las representaciones. Se considera a la mente como instanciada y definida causalmente por el cerebro, y su reconocimiento como soporte material pone límites a las interpretaciones posibles del funcionamiento de lo mental (Yin, 2020). Es en este paradigma que la confusión conceptual respecto a la naturaleza del comportamiento se cristaliza: pasa a ser entendido como el conjunto de outputs generados a partir del procesamiento de los inputs por parte del cerebro en forma indirecta a través de la mente, entendida como el conjunto de las funciones cognitivas. Bajo esta lógica es que aparece el sesgo cognitivo como relevante en términos explicativos y como foco de intervención, ya que es lo que abre la posibilidad de “calibrar” los inputs para obtener los outputs deseados.

Una de las cuestiones en la que nos interesa profundizar es en las condiciones de posibilidad que permiten el establecimiento y la propagación de este particular marco conceptual respecto al sujeto humano y su comportamiento como base para el desarrollo de políticas públicas. El sociólogo y filósofo Nikolas Rose ha desarrollado una línea de trabajo en este sentido, en la que propone explorar la íntima relación que existió y existe entre las disciplinas psicológicas y las formas de gobierno de los Estados liberales modernos (Rose, 2022 (1992)). Según Rose, para poder comprender la expansión del dominio de lo “psi”2 en el ámbito de las artes de gobierno, es necesario conceptualizarlo no como algo análogo en estructura a las ciencias biológicas o físicas, sino como una expertise:

"Utilizo este término para referirme a un tipo particular de autoridad social, desplegado característicamente en torno a problemas, ejerciendo una cierta mirada diagnóstica, sostenida en un reclamo por la verdad, afirmando la eficacia técnica y reconociendo virtudes éticas humanas" (Rose, 2022 (1992), p. 134).


Desde la perspectiva de la expertise, lo que hay no es un único marco teórico y metodológico homogéneo que se traduzca y aplique a la resolución de problemáticas externas, sino una amalgama de saberes y técnicas que constituyen un “saber-hacer” cuya legitimación e institucionalización está ligada no a resolver problemáticas ya dadas, sino a constituirlas en primer lugar como algo abordable por las técnicas y conceptos de la propia expertise. Lo que Rose nos indica con esto es que “las ideas psicológicas deberían ser vistas menos como “modos de pensar” que como “técnicas intelectuales”, como maneras de hacer el mundo pensable y practicable de cierto modo” (Rose 2022 (1992), p. 130). En lo que nos


image

2 En esta categoría el autor engloba a diversas escuelas psicológicas e incluso neurocientíficas, entendiendo que comparten un núcleo conceptual similar al que discutimos anteriormente y son desplegadas con fines similares. Además, no limita la categoría al conjunto de disciplinas entendidas como instituciones académicas, sino que incluye a la circulación y el uso de los conocimientos y discursos “psi” en el ámbito social e institucional extracientífico.

ocupa, el mundo pensable y practicable es el de las poblaciones humanas, entendidas como agregaciones de individuos con un espacio psicológico interior (mental, cerebral, o una ponderación de ambos), cuyas disposiciones conductuales son calculables, medibles, explicables e influenciables en la medida que se comprendan los mecanismos internos mentales y fisiológicos que producen la conducta como output en base a inputs ambientales. Es de esta forma, como técnica intelectual que permite articular una “naturaleza humana” y a la vez intervenir sobre ella que, según Rose, lo “psi” se ha diseminado he infiltrado en los dominios de los gestores de la conducta.

Si evaluamos lo visto sobre las propuestas de las ciencias del comportamiento en base a esta perspectiva, nos encontramos con que detrás de las alusiones a lo novedoso y potencialmente superador del enfoque, de lo que se trata es de una continuación de la dinámica de lo psi como una expertise que permite justificar acciones de gobierno mediante la alusión a la mencionada “naturaleza humana”, a la que a su mundo interior psicológico se le empalman las teorizaciones y conceptos de la biología evolutiva y la neurofisiología. Para Rose, no hay todavía una mutación conceptual como la que se dio en el proceso de colonización por parte de lo “psi” en las prácticas de gestión de gobierno, sino que nos encontramos más bien ante una actualización del vocabulario con el que se articula esa noción de “naturaleza humana” (Abi-Rached y Rose, 2013; Rose, 2014). Sin embargo, esa actualización no es simplemente terminológica, sino que acompaña a un cambio en el entendimiento de las relaciones entre la mente, el cerebro y la conducta como objetos de estudio, bautizada como “mirada neuromolecular”. Esta mirada consiste en un doble proceso de separación: la primera es entre el cerebro y sus mecanismos fisiológicos y el sujeto como organismo completo, que ahora pasa a ser el intermediario con el exterior del núcleo causal cerebral; la segunda es hacia dentro del organismo del propio sujeto, que “se considera ahora diseccionable, reducible a rasgos, comportamientos, células, genes, procesos cerebrales (como la visión o la conciencia), a elementos atómicos: partes neuromoleculares que pueden "diseccionarse" y estudiarse por separado del todo” (Abi-Rached y Rose, 2010, p. 24). Para ver con mayor claridad estas operaciones de separación, podemos tomar como ejemplo al enfoque neuroeconómico, cuyos métodos supuestamente “pueden examinar simultáneamente la heterogeneidad en la toma de decisiones medioambientales a nivel individual, evaluar los mecanismos neuronales que impulsan el comportamiento a nivel agregado o poblacional y predecir la toma de decisiones a nivel de mercado” (Sawe y Chawla, 2021). La separación del cerebro como agente causal del resto del organismo puede verse en la alusión a los mecanismos neurales impulsores, y la reducción a partes aparece en la alusión a la toma de decisiones medioambientales individuales como un objeto de estudio discreto. Puede entreverse aquí como la confusión conceptual que marcamos anteriormente es una herramienta fundamental en este proceso, ya que es lo que permite que los comportamientos sean concebidos como el mismo tipo de “cosa” que las otras que conforman la lista de Rose, y por ende potencialmente indagables por las mismas disciplinas y reducibles a ellas. Con todo, esto no significa ni que el dominio de lo “psi” ni la “mirada neuromolecular” totalizan el discurso respecto a las formas de entender lo psicológico o lo conductual, aunque sí tienen un rol preponderante en la elaboración y justificación de acciones de gobierno. En la sección siguiente recuperamos una reflexión desde la psicología social crítica sobre cómo el enfoque de las ciencias del comportamiento configura los problemas ambientales de una forma empobrecida y contraproducente.


Sección 3

Entonces, ¿qué tipo de problema representa la crisis climática para las ciencias del comportamiento? A través de los diferentes artículos mencionados, se hace evidente que la "tragedia de los bienes comunes" (Hardin, 1968) es una referencia casi obligatoria. Según esta perspectiva, en un escenario en el que múltiples actores tienen acceso a un recurso común, se genera una inevitable tensión entre las tendencias egoístas naturales de explotar ese recurso de manera individual y la necesidad colectiva de regular la explotación para evitar el agotamiento del recurso.

En su crítica a las estrategias de cambio conductual "proambiental," Rathzel y Uzzell (2019) resaltan cómo este concepto influye en el diseño experimental que sirve de base para las conclusiones sobre las

tendencias a corto plazo del comportamiento humano. En particular, los autores analizan un influyente estudio de Gifford et al. (1997), que sentó muchas de las bases metodológicas para futuras investigaciones en ciencias del comportamiento relacionadas con cuestiones ambientales. En dicho estudio, los participantes se organizaban en grupos de seis personas, ubicados uno al lado del otro pero separados por pantallas y se les prohibía comunicarse durante la sesión experimental. Cada participante tenía una computadora frente a ellos, en la que se mostraba una serie de puntos que representaban "recursos" como árboles o peces, a los cuales todos tenían acceso. El objetivo era acumular la mayor cantidad de puntos posible para uno mismo, al mismo tiempo que se evitaba que el contador general llegara a cero. Rathzel y Uzzell subrayan la notable restricción presente en esta configuración experimental:

“En el diseño experimental que han establecido los autores, los participantes (al igual que los actores de una sociedad de mercado capitalista) no pueden aprender nada sobre cómo están utilizando el recurso, ya que sus propios actos no les proporcionan la retroalimentación necesaria. [...] Lo que se supone que es "común" está en realidad controlado por un líder, que está "en el juego" pero "no es del juego", que coloca a la gente en una posición o relación específica pero que no puede ser controlado, por ejemplo, expulsado por los participantes. El acuerdo experimental es una situación en la que no son posibles ni la cooperación ni la participación democrática” (2019, p. 1381-1382).


Los autores denominan al sujeto que se ve limitado en su capacidad de actuación en estas situaciones experimentales como el "individuo deprivado". ¿De qué se le priva? Principalmente, se le priva de sus relaciones sociales en tres aspectos específicos: en primer lugar, se elimina la posibilidad de establecer relaciones horizontales entre los participantes; en segundo lugar, se suprime la capacidad de influir, negociar o revertir las relaciones jerárquicas representadas por el experimentador; por último, se excluye la opción del control colectivo sobre el recurso compartido, lo cual no está dentro de las posibilidades de comportamiento del diseño experimental (2019, p. 1383).

Desde la perspectiva de los autores, lo que se observa en este contexto es una simplificación, en escala reducida, de las condiciones socioeconómicas y las dinámicas de poder que limitan las opciones de acción y las orientan hacia el egoísmo. Paradojalmente, los participantes del experimento tienden a actuar de manera cooperativa, pero en sus informes posteriores subestiman las capacidades cooperativas de los demás participantes, asumiendo un mayor grado de egoísmo general del que se observó en la práctica. Esto refuerza lo que se discutió en la sección anterior, donde se identifica cómo los enfoques psicológicos actúan como tecnologías intelectuales para la producción y perpetuación de ciertas subjetividades. Estos enfoques configuran procedimientos experimentales basados en nociones predominantes y, paradójicamente, terminan reforzando esas mismas nociones como conclusiones. De hecho, los propios participantes ya tenían incorporada la idea del comportamiento "esperado" en ese tipo de circunstancias.

Esta perspectiva sobre cómo un marco teórico psicológico influye en la formación de la subjetividad y en la gestión de la conducta parece estar presente en el análisis de Rathzel y Uzzell, aunque expresada de manera diferente:

“Por mucho que se elaboren y se hagan más complejos estos modelos y teorías del comportamiento individual, nos quedamos con la imagen de un individuo egoísta en el centro al que se añaden cada vez más "factores" influyentes. Esta conceptualización no es casual, ya que el objetivo de estas teorías y modelos es encontrar estrategias para cambiar la forma en que se comportan los individuos. [...] las estrategias de comportamiento que se basan en individuos deprivados, que dan prioridad a su enriquecimiento inmediato, perpetúan y refuerzan estas tendencias. Enseñan a la gente -una vez más- que sólo se debe actuar si se recibe un incentivo o bajo la presión de la coacción, o para encajar en una comunidad, o según las instrucciones de alguien en el poder. (2019, p. 1386).


Contrastemos lo aquí señalado con el comentario que hicimos en la Introducción respecto a mantener el término “insight” en lugar de traducirlo directamente como “conocimiento” o “saber”. El análisis de Rathzel y Uzzell ilumina un aspecto clave de esta distinción: el “insight” en este contexto aparece como resultado de una interpretación que asume que los hechos experimentales reproducen las condiciones “naturales” necesarias del fenómeno que se dice estudiar, y por lo tanto el “insight” derivado de esos

hechos no tendría en principio límites a su aplicabilidad. Desde la perspectiva de las ciencias del comportamiento y sus subdisciplinas, o al menos según lo presentado en los volúmenes de COP y COBS que hemos analizado, las crisis ambientales se ven principalmente como variantes de la "tragedia de los bienes comunes." Esto implica un conflicto entre la tendencia natural y en gran medida uniforme de los individuos a consumir recursos para mejorar su éxito reproductivo y la tendencia a la cooperación impulsada por factores sociales externos. El problema se agrava simplemente por la agregación de estas tendencias naturales individuales, y su inevitabilidad solo puede ser contrarrestada mediante técnicas de comunicación y manipulación que se asemejan más al marketing que a la acción estatal tradicional (Dolan, 2012; Thaler y Sustein, 2009). Este enfoque excluye la posibilidad de una reestructuración radical de las jerarquías sociales y los sistemas de producción, ya que la lógica del mercado se considera inherente al repertorio natural, tanto biológico como psicológico, de los individuos humanos. Si las relaciones sociales existentes se consideran naturales, entonces cualquier cambio radical en ellas carecería de sentido, ya que simplemente se reconfigurarían con el tiempo. La escala del desarrollo sociohistórico, que está influenciada por dinámicas políticas y económicas, se reduce a la escala de comportamientos individuales estáticos, considerados como determinados por la evolución. Desde esta perspectiva, podríamos decir que la crisis climática global se convierte en un problema de gestión de las mentes y cerebros individuales. Sin embargo, esta exclusión o simplificación de las escalas relevantes para la comprensión y mitigación de la crisis climática no se limita solo al aspecto del comportamiento humano. Parece ser parte de un fenómeno más amplio y se refleja en la conceptualización general del problema por parte de organismos intergubernamentales como el IPCC, que, como recordamos, participó como promotor y editor de los volúmenes de COP y COBS que hemos examinado. Un artículo reciente de Francese y Folguera (2023) analizó cómo el IPCC estructura el cambio climático en términos de las escalas y niveles priorizados para su análisis. Los autores destacan un punto de diversidad y disputa importante en la conceptualización del cambio climático como un problema socioambiental, que se relaciona con su estructuración jerárquica:

“Dado un conjunto de ítems (sean entidades, propiedades, relaciones, eventos, procesos o ítems pertenecientes a cualquier categoría lógico-ontológica) de diferentes tipos, tal conjunto se organiza jerárquicamente cuando los diferentes tipos de ítems del conjunto pertenecen a diferentes niveles de una jerarquía. Hay diferentes tipos de jerarquías. Una de las más conocidas son las denominadas jerarquías composicionales que establecen la relación “parte-todo” entre ítems de diferentes niveles (Salthe, 2002). Este tipo de jerarquía se trata, entonces, de estructuras mereológicas, donde los ítems del nivel más “macro” están compuestos por los ítems de los niveles más “micro”” (2023, p. 76).


Si bien las tesis ontológicas que subyacen a la organización de una jerarquía de escalas/niveles pueden ser diversas, los autores destacan que en las ciencias naturales, las jerarquías composicionales suelen estar asociadas a supuestos de tipo reduccionistas, según los cuales se busca que los fenómenos o teorías asociados a un nivel sean explicados en términos de fenómenos y teorías de otro nivel, convirtiendo las relaciones interniveles en relaciones de causa y efecto, en las cuales uno de los niveles involucrados obtiene un privilegio causal y explicativo por sobre el otro:

“Un análisis de los escritos del IPCC permite a su vez reconocer las escalas-niveles inferiores, dimensiones regionales y locales, entendidos estos a partir de su tamaño asociado a los modelos climáticos. Dado el menor peso otorgado a dichos niveles resulta pertinente ver su vínculo con el modo en que efectivamente es configurado el cambio climático desde el propio IPCC y la exacerbación no sólo del aspecto global, sino en cuanto a la prevalencia de las causas, entre las cuales se señala principalmente a los gases de efectos invernadero. Esta acentuación de una única gran causa, parece también asumir diferentes formas de reduccionismo, en donde quizás la más evidente sea la de una reducción explicativa” (2023, p. 85).


Los autores identifican una jerarquización en las escalas, teniendo la global una prevalencia mucho mayor respecto a escalas regionales o locales. Notablemente, observan que esta lógica es reproducida en ciertos proyectos de mitigación (como las plantaciones forestales en Chile y Argentina, o la reciente aprobación del trigo HB4 resistente a la sequía) en la medida en que permite desplazar a la pregunta respecto a los impactos regionales y locales del desarrollo de dichos proyectos. A esta apelación a una única causa se le suma una “pretensión homogeneizadora” y ambas “actúan de manera conjunta para proveer una solución tecnológica al cambio climático” (Francese y Folguera 2023, p.86). La configuración del problema como una cuestión de escala global con una única variable relevante para su

mitigación (en este caso las emisiones de CO2) permite presentar como razonable su abordaje por desarrollos tecnológicos que gestionen la circulación de tales emisiones. Este análisis puede trasladarse a las explicaciones de la actividad humana como responsable del aumento de las emisiones y la aparición de la crisis en primer lugar. En este caso, la escala relevante es la de la decisión individual, y particularmente la configuración de dicha escala correspondiente al marco teórico de las llamadas ciencias del comportamiento. Dada esta jerarquización, lo que aparece como adecuado y razonable es la gestión de las decisiones de consumo de la población, entendida como una agregación de individuos psicológicamente homogéneos. Se colocan las causas del comportamiento cortoplacista y anti-ambiental dentro de una cierta noción de “naturaleza humana”, universalizada por procesos evolutivos y anidada en el funcionamiento de los sistemas cognitivos internos. El problema aquí no es en sí la exclusión de otros niveles o escalas, ya que en tal caso esos niveles podrían aparecer y ser considerados pero en forma relativa o subsidiaria a la primacía explicativa del nivel neurocognitivo individual, como efectos de agregación; la cuestión radica más bien en la tendencia a configurar relaciones de tipo reductivo, lo cual no es contrarrestado necesariamente con la alusión a otras escalas o niveles de complejidad. La inclusión de niveles de análisis per se no implica modificar la lógica reductiva, si al momento de traccionar recursos para intentar resolver problemáticas, las causas se adscriben a un único nivel que se convierte en homogéneo a términos prácticos. Esto implica que la consideración de los niveles explicativos tanto en lo teórico como en lo práctico no responde únicamente a valores epistémicos “internos” propios de la lógica de justificación empírica o científica, sino que también incluye valores socioeconómicos y políticos (Gomez, 2014, Longino, 1996). En particular, la caracterización de las causas humanas de la crisis climática y ambiental en términos de falencias y desfasajes cognitivos individuales y propios de la biología de la especie se complementan bien con soluciones que apuestan a la responsabilidad de consumo individual, mientras que obturan la posibilidad de cuestionamiento de las dinámicas y relaciones de producción.


Sección 4

A lo largo de este trabajo nos preguntamos sobre las implicancias de los desarrollos de las ciencias del comportamiento para la resolución o mitigación de la crisis climática, con un enfoque crítico respecto a la conceptualización del ser humano como agente de decisión y lo que ello implica para la construcción de la problemática ambiental. Detrás de la etiqueta de “ciencias del comportamiento” aparecen supuestos y producciones derivadas de, entre otras, dos subdisciplinas, la psicología evolucionista y la neuroeconomía. Entre sus puntos en común, destacamos la caracterización de la conducta como el output de una serie de procesos internos, siendo la mente/cerebro el eje explicativo. En consecuencia, las relaciones de acople organismo/entorno pasan a un segundo plano en la jerarquía explicativa, ya que la unidad ontológica a partir de la cuál se construye el objeto de estudio es aquella conformada por el sistema nervioso y sus auxiliares sensomotores.

Refiriendo a los estudios de Nikolas Rose, entre otros, consideramos que estamos frente a un caso de profundización y actualización de la influencia de la expertise “psi” en las artes de gobierno de las sociedades occidentales capitalistas modernas, que incorporan y complementan al lenguaje psicológico términos y teorías derivados de la biología evolutiva y de la neurobiología. En este movimiento se refuerza la narrativa de que las variables relevantes para la resolución de las crisis socioeconómicas y en este caso también ambientales son aquellas que permiten alterar o guiar las conductas de los individuos, en tanto y en cuanto dichas conductas son entendidas no como parte de un complejo proceso de co-construcción entre la esfera organísmica (biológica) e individual (psicológica) y la esfera social (sociocultural y económica), sino como un epifenómeno, la expresión final de una serie de procesos y mecanismos internos de la mente/cerebro. Nos encontramos, nuevamente siguiendo a Rose, con un proceso de subjetivación, en el que aquella noción de “individuos deprivados” es operacionalizada y generalizada, de forma tal que se abre un espacio de posibilidades para la elaboración y ejecución de determinado tipo de política pública, avalada por el discurso científico que coproduce y perpetúa esas determinadas formas de pensar a los sujetos humanos. Una ciencia del comportamiento humano que coloca las causas de los procesos sociales, económicos y culturales en el funcionamiento de la

arquitectura de la mente/cerebro se complementa con una visión hegemónica que sistemáticamente propone soluciones individuales en términos de decisiones de consumo.

Esto nos lleva a poner el foco sobre la estructuración jerárquica tanto de los fenómenos complejos que hacen a la crisis ambiental como de sus mecanismos causales y por ende el tipo de soluciones que es posible articular. Lo que observamos a lo largo de este trabajo es que en todos los casos esa estructuración supone una elección activa, no es algo que se corresponde pasivamente a una estructura dada per se en el mundo natural o social en forma de mera referencia. Considerar a las limitaciones cognitivas de la mente humana individual como principal causa y espacio de intervención en la crisis ambiental es, según nuestra postura, ante todo una decisión política, arraigada en una serie de presupuestos ontológicos de tipo esencialista respecto a la cuestión de la “naturaleza humana”. Esos presupuestos son luego codificados en un lenguaje científico y vestidos con ropajes académicos, en este caso bajo el paraguas de las “ciencias del comportamiento” y asumidos como parte de aquellas verdades descubiertas por el método científico y el trabajo interdisciplinario. Ante la adopción y reproducción irreflexiva de estos conceptos, promovemos una explicitación de los valores no epistémicos (morales, políticos, socioeconómicos) que moldean desde su origen a la indagación científica, más aún cuando se trata de proyectos de investigación que se enfocan desde un principio en el diseño e implementación de políticas públicas. Las ciencias no informan a la política de forma unidireccional y desinteresada, sino que son moldeadas por los contextos sociales, políticos y económicos en las que se desarrollan, como cualquier actividad humana.


Bibliografía

Abi-Rached, J. M., & Rose, N. (2010). The birth of the neuromolecular gaze. History of the Human Sciences, 23(1), 11-36. https://doi.org/10.1177/0952695109352407

Camerer, C. F. (2013). Goals, Methods, and Progress in Neuroeconomics. Annual Review of Economics, 5(1), 425-455. https://doi.org/10.1146/annurev-economics-082012-123040

Camerer, C. F. (2013). Goals, Methods, and Progress in Neuroeconomics. Annual Review of Economics, 5(1), 425-455. https://doi.org/10.1146/annurev-economics-082012-123040

Dolan, P. et al. “Influencing Behaviour: The Mindspace Way”. Journal of Economic Psychology 33.1 (2012): 264-277. https://doi.org/10.1016/j.joep.2011.10.009.

Dolan, P., Hallsworth, M., Halpern, D., King, D., Metcalfe, R., & Vlaev, I. (2012). Influencing behaviour: The mindspace way. Journal of Economic Psychology, 33(1), 264-277. https://doi.org/10.1016/j.joep.2011.10.009

Francese, C. F., & Folguera, G. (2023). La estructuración jerárquica del cambio climático y la relación entre sus escalas-niveles. Prometeica - Revista De Filosofía Y Ciencias, (26), 74–90. https://doi.org/10.34024/prometeica.2023.26.14618

Genevsky, A., & Yoon, C. (2022). Neural basis of consumer decision making and neuroforecasting. In

L. R. Kahle, T. M. Lowrey, & J. Huber, APA handbook of consumer psychology (pp. 621–635). American Psychological Association.

Genevsky, A., Yoon, C., & Knutson, B. (2017). When brain beats behavior: Neuroforecasting crowdfunding outcomes. Journal of Neuroscience, 37(36), 8625-8634.

Gifford, R. (2011). The dragons of inaction: Psychological barriers that limit climate change mitigation and adaptation. American Psychologist, 66(4), 290-302. https://doi.org/10.1037/a0023566

Gifford, R., & Hine, D. W. (1997a). 'I’m cooperative, but you’re greedy": Some cognitive tendencies in a commons dilemma. Canadian Journal of Behavioural Science/Revue Canadienne Des Sciences Du Comportement, 29(4), 257.

Glimcher, P. W., Rustichini, A (2004). Neuroeconomics: The Consilience of Brain and Decision.

Science 306,447-452. DOI:10.1126/science.1102566

Greene, J. D. (2015). The rise of moral cognition. Cognition, 135, 39-42. https://doi.org/10.1016/j.cognition.2014.11.018

Hardin, G. (1968). The Tragedy of the Commons. Science, 162(3859), 1243–1248. https://doi.org/10.1126/science.162.3859.1243

Jacquet, J., Hagel, K., Hauert, C., Marotzke, J., Röhl, T., & Milinski, M. (2013). Intra-and intergenerational discounting in the climate game. Nature climate change, 3(12), 1025-1028.

Kahneman, D. (2003). Maps of Bounded Rationality: Psychology for Behavioral Economics. American Economic Review, 93(5), 1449-1475. https://doi.org/10.1257/000282803322655392

Kahneman, D. (2003). Maps of Bounded Rationality: Psychology for Behavioral Economics. American Economic Review, 93(5), 1449-1475. https://doi.org/10.1257/000282803322655392

Karmarkar, U. R., & Yoon, C. (2016). Consumer neuroscience: Advances in understanding consumer psychology. Current Opinion in Psychology, 10, 160-165.

Li, N. P., van Vugt, M., & Colarelli, S. M. (2018). The evolutionary mismatch hypothesis: Implications for psychological science. Current Directions in Psychological Science, 27(1), 38-44.

Milinski, M., Sommerfeld, R. D., Krambeck, H. J., Reed, F. A., & Marotzke, J. (2008). The collective- risk social dilemma and the prevention of simulated dangerous climate change. Proceedings of the National Academy of Sciences, 105(7), 2291-2294.

Palomo-Vélez, G., & van Vugt, M. (2021). The evolutionary psychology of climate change behaviors: Insights and applications. Current Opinion in Psychology, 42, 54-59. https://doi.org/10.1016/j.copsyc.2021.03.006

Penn, D. J. (2003). The evolutionary roots of our environmental problems: Toward a Darwinian ecology.

The quarterly review of biology, 78(3), 275-301.

Räthzel, N., & Uzzell, D. (2019). Critical Psychology–‘Kritische Psychologie’: challenging environmental behavior change strategies. Annual Review of Critical Psychology, 16, 1375-1413.

Ribes Iñesta, Emilio (2004). Behavior Is Abstraction, Not Ostension: Conceptual and Historical Remarks on the Nature of Psychology. Behavior and Philosophy 32.1: 55-68. http://www.jstor.org/stable/27759471.

Ribes Iñesta, Emilio. (2000). Las psicologías y la definición de sus objetos de conocimiento. Revista Mexicana de análisis de la conducta 26.3: 367-383. https://doi.org/10.5514/RMAC.V26.I3.23502.

Rose, N. (2012). Políticas de la vida: biomedicina, poder y subjetividad en el siglo XXI. UNIPE: Editorial Universitaria.

Rose, N. (2021). Governing behaviour. Habits and the science of behaviour change. En Assembling and Governing Habits. Routledge.

Rose, N. S., & Abi-Rached, J. M. (2013). Neuro: The new brain sciences and the management of the mind. Princeton University Press.

Rose, N. S., & Abi-Rached, J. M. (2013). Neuro: The new brain sciences and the management of the mind. Princeton University Press.

Rose, N., & Abi-Rached, J. (2014). Governing through the Brain: Neuropolitics, Neuroscience and Subjectivity. The Cambridge Journal of Anthropology, 32(1). https://doi.org/10.3167/ca.2014.320102

Rose, Nikolas. "The politics of life itself." Theory, culture & society 18.6 (2001): 1-30. https://doi.org/10.1177/02632760122052020.

Ryle, Gilbert. El concepto de lo mental. Argentina: Paidós, 1967.

Sawe, N., & Chawla, K. (2021). Environmental neuroeconomics: How neuroscience can inform our understanding of human responses to climate change. Current Opinion in Behavioral Sciences, 42, 147-

154. https://doi.org/10.1016/j.cobeha.2021.08.002

Thaler, Richard H., y Sunstein, Cass R. Nudge: Improving decisions about health, wealth, and happiness. Penguin, 2009.

van der Linden, S., & Weber, E. U. (2021). Editorial overview: Can behavioral science solve the climate crisis? Current Opinion in Behavioral Sciences, 42, iii-viii. https://doi.org/10.1016/j.cobeha.2021.09.001

van Vugt, M., Griskevicius, V., & Schultz, P. W. (2014). Naturally Green: Harnessing Stone Age Psychological Biases to Foster Environmental Behavior: Naturally Green. Social Issues and Policy Review, 8(1), 1-32. https://doi.org/10.1111/sipr.12000

Wang, S., & van den Berg, B. (2021). Neuroscience and climate change: How brain recordings can help us understand human responses to climate change. Current Opinion in Psychology, 42, 126-132. https://doi.org/10.1016/j.copsyc.2021.06.023

Weber, E. U. (2017). Breaking cognitive barriers to a sustainable future. Nature Human Behaviour, 1(1), 0013.

World Bank. “World development report 2015: Mind, society, and behavior.” The World Bank, 2014.

Yin, Henry. “The Crisis in Neuroscience”. The Interdisciplinary Handbook of Perceptual Control Theory. Elsevier, 2020. 23-48. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-818948-1.00003-4.

Zmigrod, L., & Tsakiris, M. (2021). Computational and neurocognitive approaches to the political brain: Key insights and future avenues for political neuroscience. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences, 376(1822), 20200130. https://doi.org/10.1098/rstb.2020.0130

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15817


EL PROBLEMA DE LA LIBERTAD DESDE LA PROPUESTA SPINOZIANA

THE PROBLEM OF FREEDOM FROM THE SPINOZIAN PROPOSAL O PROBLEMA DA LIBERDADE DA PROPOSTA ESPINOSIANA


Diego Alberto Rivas Diaz

(Universidad Nacional de San Agustín, Perú)

drivasd@unsa.edu.pe

Recibido: 20/10/2023 Aprobado: 13/02/2024


RESUMEN

En este artículo, se aborda, desde una óptica Spinoziana, el problema de la libertad. Spinoza rechaza la libertad como el libre albedrío. Sin embargo, considera que podemos tener agencia (libertad) en tanto, guiados por el conocimiento de las causas de nuestros afectos, actuemos en favor de nuestro conatus. Esta investigación está dividida en tres capítulos: En el primero, se reconstruye, someramente, la posición de Spinoza sobre el libre albedrío; en el segundo, se desarrolla su propuesta de agencia; finalmente, en el tercero, se busca reactualizar las consideraciones de Spinoza en torno a la discusión contemporánea sobre problema de la libertad.

Palabras clave: emociones pasivas. emociones activas. determinismo. libre albedrío. agencia.


ABSTRACT

In this paper, the problem of free will is addressed from a Spinozian point of view. Spinoza rejects freedom as free will. However, he considers that we can have agency (freedom) as long as, guided by the knowledge of the causes of our affections, we act in favor of our conatus. This research is divided into three chapters: In the first one, Spinoza's position on free will is briefly reconstructed; in the second one, his agency proposal is developed; finally, in the third one, it is intended to re-update Spinoza's considerations around the contemporary discussion on the problem of free will.

Keywords: passive emotions. active emotions. determinism. free will. agency.


RESUMO

image

Neste artigo, o problema do livre-arbítrio é abordado a partir de um ponto de vista espinosiano. Espinosa rejeita a liberdade como livre-arbítrio. No entanto, ele considera que podemos ter arbítrio (liberdade) desde que, guiados pelo conhecimento das causas de nossos afetos, atuemos em favor de nosso conatus. Esta pesquisa está dividida em três capítulos: no primeiro, a posição de Spinoza sobre o livre-arbítrio é brevemente reconstruída; no segundo, desenvolve-se sua proposta de agência; finalmente, na terceira, pretende-se reatualizar as considerações de Spinoza em torno da discussão contemporânea sobre o problema do livre- arbítrio.

Palavras-chave: emoções passivas. emoções ativas. determinismo. livre-arbítrio. agência.


Introducción

El problema de la libertad está relacionado con la aparente incompatibilidad entre la experiencia fenoménica de decidir libremente (sentir que nuestra voluntad consciente es la que determina nuestras decisiones) y nuestras nociones causales. Se han planteado diferentes propuestas sobre esta paradoja, y se suelen agrupar en tres clases: Las que defienden la existencia del albedrío, las que niegan la existencia del libre albedrío, y las compatibilistas (el libre albedrío es compatible con el determinismo).

Ahora bien, en el caso de la propuesta de Spinoziana, llama la atención que, a pesar de que se fundamente en una visión monista del universo y que, consecuentemente, se rechace el libre albedrío; se defienda un tipo de agencia (o libertad). En efecto, Spinoza, en la Ética, propone un sentido de agencia que no presupone un vacío para una visión determinista del universo, sino que se fundamenta en las fuerzas causales.

¿De qué que se trata esta “agencia”? Este es, justamente, el propósito del trabajo; a saber, explicar cómo es que, desde una óptica spinoziana, se puede incluir una manera de agenciar nuestras decisiones. La hipótesis que se va a sostener es que la agencia, según Spinoza, se fundamenta en el paso de emociones pasivas a emociones activas; a saber, nuestro cerebro asocia, pre-reflexivamente, objetos exteriores con nuestros afectos; pero si separamos el objeto del afecto y, mediante un ejercicio reflexivo, conocemos las causas que lo generaron, estaríamos ejerciendo nuestra agencia para actuar activamente en favor del crecimiento de nuestro conatus.

Esta investigación está dividida en tres capítulos. En el primero, se reconstruye la posición de Spinoza sobre el libre albedrío. En el segundo, se desarrolla su propuesta de agencia. Por último, en el tercero, se busca reactualizar las consideraciones de Spinoza en torno a la discusión contemporánea del problema de la libertad.


  1. La ilusión del libre albedrío

    Spinoza tiene una visión monista del universo, pues él considera solo hay una sustancia. En este sentido, dentro de su propuesta queda excluida cualquier forma de dualismo. Ahora bien, a pesar de que los cuerpos tienen la misma sustancia, no todos se mueven con la misma velocidad. Es por esta razón que unos pueden afectar a otros.

    Un cuerpo en movimiento o en reposo ha debido ser determinado al movimiento o al reposo por otro cuerpo, que ha sido también determinado al movimiento o al reposo por otro; este otro a su vez lo fue por otro, y así hasta el infinito (Spinoza, 1984, p. 81). Dado que los cuerpos se afectan entre sí, pueden mantenerse unidos mediante un movimiento equilibrado. Es decir, “[…] Lo que constituye la forma de un individuo es una unión de cuerpos; a pesar de su continuo cambio de cuerpos, se mantiene esta forma; por consiguiente, el Individuo conservará su naturaleza” (Spinoza, 1984, p. 83). Spinoza usa el término “conatus” para referirse a la fuerza que une a los cuerpos. Por lo tanto, el conatus es la potencia (apetito) que todos los objetos compuestos tienen y que los impulsa a mantener su forma. “Cada cosa, en cuanto sí, se esfuerza por perseverar en su ser.” (Spinoza, 1984, p. 130). En el caso de los seres vivos, el conatus los impulsa a mantener su equilibrio biológico.

    El cuerpo humano es un sofisticado compuesto de objetos que, en consecuencia, puede ser afectado de diversas maneras. Además, el ser humano, como sostiene Spinoza, experimenta en el alma las afecciones del cuerpo. “Todo lo que sucede en el cuerpo humano debe percibirlo el alma humana; por consiguiente, el alma humana es apta para percibir un gran número de cosas” (Spinoza, 1984, p. 86).

    Es importante señalar que, de acuerdo con Spinoza, el alma y el cuerpo no son sustancias diferentes; de hecho, no son cosas distintas, pues son simplemente dos modos desde los cuales obtenemos conocimiento. Desde esta visión monista, la sustancia tiene atributos, y “el Alma y el Cuerpo, son un solo y mismo Individuo que se concibe tan pronto bajo el atributo del pensamiento como bajo el de la extensión.” (Spinoza, 1984, p. 92). En otras palabras,

    Todo lo que puede percibir un entendimiento infinito como constituyendo una esencia de sustancia, pertenece a una sustancia única, y por consiguiente, que sustancia pensante y sustancia extensa es una y misma sustancia comprendida tan pronto bajo un atributo como bajo el otro. (Spinoza, 1984, p. 73).


    La propuesta Spinoziana rechaza, por consiguiente, la posibilidad de eventos auto-causados; puesto que todos los objetos del universo están sometidos a fuerzas causales. Este determinismo también incluye las decisiones de los seres humanos. Efectivamente, “el ser de la sustancia no pertenece a la esencia del hombre, o, dicho de otro modo, no es una sustancia lo que constituye la forma del hombre.” (Spinoza, 1984, p. 75). En otras palabras, desde esta concepción, no hay espacio para la idea de una voluntad consciente como causa última de nuestras acciones. Por lo tanto, el libre albedrío es incompatible con la posición de Spinoza, pues no hay lugar para “un imperio en otro imperio” (Spinoza, 1984, p. 121).


    Alma y cuerpo: Dualismo de aspectos

    Conocemos dos (Extensión y Pensamiento) atributos de la Sustancia, pues nuestro cuerpo es también la Sustancia, y “el objeto de la idea que constituye el Alma es el Cuerpo, es decir, cierto modo de extensión existente en acto, y no es otra cosa.” (Spinoza, 1984, p. 79). Así pues, dado que son dos aspectos desde los cuales conocemos una misma sustancia, la propuesta spinoziana puede ser considerada como un dualismo de aspectos.

    De estas dos maneras de conocer la sustancia, van a surgir dos modos de describir la realidad; a saber: el lenguaje físico y el lenguaje mental. Las relaciones entre el cuerpo y el alma no son interacciones entre dos objetos diferentes, sino relaciones entre dos aspectos de lo mismo. Pensemos, por ejemplo, en un golpe en la cabeza. Este podría producir, por un lado, una contusión y algunos síntomas (descripción física). Por otro lado, experimentamos dolor (descripción mental). La contusión y el dolor dos maneras de conocer el estado de nuestro cuerpo.


    El surgimiento de las emociones y la potencia de las ideas

    Las maneras con que nuestro cuerpo es afectado por fuerzas externas se manifiestan en el alma como emociones y como imágenes sobre nuestro entorno. Las últimas se generan por las afecciones de nuestros sentidos. Por ejemplo, los rayos solares impactan de tal manera que “cuando miramos al sol, imaginamos que esta distante de nosotros doscientos pies aproximadamente” (Spinoza, 1984, p. 101). A este tipo de conocimiento, es decir, al conocimiento sensorial, Spinoza lo llama “primer género de conocimiento”.

    Del primer género de conocimiento se producen, como en el ejemplo del sol, ideas inadecuadas no por las imágenes sensoriales como tales.

    El error no consiste aquí en la acción de imaginar tomada en sí misma, sino que, mientras imaginamos esto, ignoramos la verdadera distancia del sol y la causa de esta imaginación que tenemos. Pues, aunque sepamos luego que el sol dista más de 600 veces el diámetro terrestre, no dejamos, sin embargo, de imaginar que está cerca de nosotros. (Spinoza, 1984, p. 101).


    La idea o imaginación sobre de una afección del cuerpo es indirectamente producida por el cuerpo exterior, puesto que este afecta nuestro cuerpo; y tal afección se proyecta en el alma como una imaginación. En otros términos, “una imaginación es una idea que indica más bien el estado del cuerpo que la naturaleza del cuerpo exterior” (Spinoza, 1984, p. 194).

    Las potencias de los objetos que afectan nuestro cuerpo pueden aumentarle o restarle potencia a nuestro conatus, o simplemente ser neutrales para este. Estas variaciones del conatus se reflejan en el alma como gozo, si su potencia se incrementa; y tristeza, si disminuye. Asimismo, el conatus se experimenta en el alma como deseo. Esos tres afectos (gozo, tristeza y deseo) son, de acuerdo con Spinoza, las emociones más primitivas. Vale señalar que un mismo objeto podría ser favorable para el conatus de un individuo y desfavorable para otro. “La Música es buena para un melancólico, mala para el afligido; para el sordo no es buena ni mala.” (Spinoza, 1984, p. 191).

    Si relacionamos todo lo señalado hasta ahora con el libre albedrío, diríamos que este es una idea inadecuada. Similarmente al ejemplo del sol, la idea del libre albedrío se produce por la imagen que tenemos de nosotros mismos como agentes que autodeterminan sus decisiones. No obstante, esta creencia es el producto de la ignorancia de las causas de la imaginación.

    Los hombres se engañan al creerse libres; y el motivo de esta opinión es que tienen conciencia de sus acciones, pero ignoran las causas por que son determinadas; por consiguiente, lo que constituye su idea de libertad, es que no conocen causa alguna de sus acciones (Spinoza, 1984, p. 100 - 101).


    Además, la idea de libre albedrío, como la imagen que tenemos al ver el sol, no es un error como tal; sino que es una idea inadecuada en tanto se ignoran sus causas y se tome como una imagen verdadera.

    De acuerdo con la propuesta de Spinoza, la manera en que las fuerzas exteriores afectan nuestro cuerpo es lo que determina las imágenes y los afectos. En este sentido, el que algo nos genere gozo o tristeza no está determinado por una voluntad consciente.

    No hay en el Alma voluntad alguna absoluta o libre, sino que el Alma es determinada a querer esto o aquello por una causa que es determinada también por otra, y esta es a su vez por otra, y así hasta el infinito. (Spinoza, 1984, p. 81).


    Finalmente, tendemos a creen en la idea del libre albedrío porque somos conscientes del deseo que sentimos por aquello que nos causa gozo, y podemos actuar en función de ellos (de nuestros deseos). Pero nuestros deseos están determinados por un conjunto de afecciones corporales. “Los hombres tienen conciencia de sus acciones y apetitos, pero ignoran las causas por las que son determinados a apetecer alguna cosa” (Spinoza, 1984, p. 190).


  2. La libertad Spinoziana

    Conocer las causas sobre una imaginación o idea inadecuada no es suficiente para dejar de creer en esta.

    Las imaginaciones no se desvanecen por la presencia de lo verdadero, en cuanto es verdadero, sino porque se ofrecen imaginaciones más fuertes que excluyen la existencia presente de las cosas que imaginamos” (Spinoza, 1984, p. 194).


    En efecto, la exigencia de una idea depende de su potencia; consiguientemente, una idea inadecuada solo desaparece por otra idea más potente. “Una afección solo puede ser reducida o destruida por otra afección contraria y más fuerte que la afección reducida” (Spinoza, 1983, p. 197). En el caso del libre albedrío, esta idea puede desaparecer solo si una idea contraria (el libre albedrío es una ilusión) tuviese más potencia.

    Dejar de creer en el libre albedrío es un cambio de actitud hacia esta imagen, a saber, hacia la experiencia fenoménica del libre albedrío. Ahora bien, del mismo modo en que seguimos teniendo la imagen sensorial del sol como algo muy cercano, a pesar de conocer la verdadera distancia del sol; la experiencia fenoménica libre albedrío no va a desaparecer, pero vamos a reconocerla como una ilusión.

    La superación de la idea del libre albedrío se da al reconocer que estamos inevitablemente sometidos a una fluctuación de la potencia de nuestro conatus por el modo en que nuestro cuerpo es afectado

    constantemente. Por consiguiente, también hay un sometimiento a las emociones, pues estas son el reflejo en el alma de las afecciones del cuerpo.

    Si los hombres no supieran por experiencia que muchas veces nos arrepentimos de nuestras acciones, y que a menudo, cuando estamos dominados por afecciones contrarias, vemos lo mejor y hacemos lo peor, nada le impediría creer que todas nuestras acciones son libres. Así, un niño cree apetecer libremente la leche, un joven encolerizado la venganza, un cobarde la fuga (Spinoza, 1984, p. 127).


    La asociación entre 1afectos, y objetos

    Hay un tipo de pasividad en el primer género de conocimiento, pues las ideas que surgen de este conocimiento son el producto de la asociación pre-reflexiva entre nuestras experiencias emocionales (de alegría o gozo) y objetos exteriores. Es decir, tendemos a atribuir, pre-reflexivamente, posibles causas a nuestros afectos, y esta unión es lo que constituye una idea o creencia. Por ejemplo, “lo que constituye la forma del Amor o del Odio”, considera Spinoza, “es un Gozo o una Tristeza que acompaña la idea de una causa exterior” (Spinoza, 1984, p. 267). Se sigue, entonces, que de estas ideas se generan emociones (p. ej. las emociones que se producen al escuchar una canción). Estas emociones son llamadas, por Spinoza,“emociones pasivas” o “pasiones”.

    Spinoza considera que, mediante la razón, podemos separar un afecto de un objeto, y asociarlo a sus verdaderas causas. Este tipo de conocimiento es denominado, por Spinoza, como “segundo género de conocimiento”. Mientras las asociaciones mencionadas en el anterior párrafo son pre-reflexivas, este tipo de asociaciones son reflexivas.

    Si separamos una emoción del ánimo, o sea, un afecto, del pensamiento de una causa exterior, y la unimos a otros pensamientos, resultan destruidos el amor y el odio hacia la causa exterior, así como las fluctuaciones del ánimo que brotan de esos afectos (Spinoza, 1984, p. 267).

    Una idea deja de ser inadecuada si asociamos las emociones al pensamiento en función del conocimiento de la verdad. En consecuencia, “una afección, que es una pasión, cesa de serlo tan pronto como formamos de ella una ida clara y distinta” (Spinoza, 1984, p. 267).

    Spinoza llama a las emociones que surgen de las asociaciones reflexivas “emociones activas”. Es como si actuáramos en función de aquello que nos causa gozo y que no nos causa tristeza, pero racionalmente. Algo similar hacen los actores y actrices, pues tienen que evocar emociones conscientemente. En este sentido, somos agentes cuando separamos las asociaciones pre-reflexivas, y unimos, racionalmente, las emociones a sus verdaderas causas; dado que de esta manera podemos acrecentar activamente nuestro conatus. Este paso de emociones pasivas a emociones activas no es incompatible con el determinismo de Spinoza, pues se refiere a actuar utilizando la potencia de las afecciones en favor de nuestro bienestar (conatus).

    Cabe mencionar que Spinoza, en el Libro V de la Ética, se pregunta “cuánto imperio y qué clase de imperio tiene sobre las afecciones para reducirlas y gobernarlas” (Spinoza, 1984, p. 263). Es decir, intenta demostrar el nivel más alto de libertad que podemos alcanzar. Así pues, si bien estamos inevitablemente expuestos a la fluctuación de las emociones, poder actuar activamente en favor del conatus reduce el impacto emocional que limita nuestro entendimiento; en consecuencia, somos capaces de tener aún más agencia. Ahora bien, aunque no tengamos un conocimiento detalladamente perfecto sobre nuestras afecciones, “lo mejor que podemos hacer”, considera Spinoza, “es concebir una conducta recta de la vida, o dicho de otro modo, principios seguros de conducta, imprimirlos en nuestra memoria y aplicarlos sin cesar a las cosas particulares” (Spinoza, 1984, p. 273).


    image

    1 En Spinoza, “la noción de "afecto" se puede aplicar directamente a la mente humana” (Rice, 1977, p. 105).

    Según Spinoza, podemos lograr una idea clara de todas nuestras afecciones. Este grado de libertad o “Beatitud”, como le llama Spinoza, es el amor a Dios; esto es, estar constantemente deseoso de conocimiento. La agencia que tenemos sobre las pasiones proviene de la alegría se siente por conocer; alegría que, al mismo tiempo, no tiene pasiones contrarias. Alcanzar esta libertad no presupone ser un imperio en otro imperio, ni tampoco liberarse de la fluctuación de afectos; sino que nos permite tener una conducta constantemente reflexiva.


  3. Spinoza en la discusión contemporánea sobre el libre albedrío

Las maneras de abordar el problema de la libertad se pueden agrupar en tipos de propuestas: El libertarismo, el compatibilismo y el determinismo.

El libertarismo

Las propuestas libertarias defienden la existencia del libre albedrío y, por lo tanto, se considera que el determinismo es incorrecto. Si no existiese el libre albedrío, los seres humanos seríamos autómatas; en consecuencia, el concepto de responsabilidad moral perdería su sentido. “2Los libertarios consideran que las decisiones morales son un ejemplo paradigmático del tipo de actividad mental que es un buen candidato para no ser determinado” (Baer, et al., 2007, p. 21). En otras palabras,

Sabemos que la paternidad y la sociedad, la estructura genética y la crianza, influyen en lo que nos convertimos y en lo que somos. Pero ¿fueron estas influencias totalmente determinantes o “dejaron algo” para que nosotros seamos responsables? (Fischer, et al., 2007, p. 7).

El indeterminismo suele servir a las propuestas que defienden la existencia del libre albedrío. En efecto, la aparente aleatoriedad a nivel subatómico representa un problema para una concepción determinista, pues presupone vacíos en el tejido de las relaciones causales del universo. Sin embargo, “si el libre albedrío no es compatible con el determinismo, tampoco parece compatible con el indeterminismo” (Fischer, et al., 2007, p. 23). Es decir, el libre albedrío necesita de una voluntad consciente como causa determinante.

De acuerdo con Robert Kane, representante de la propuesta libertaria, los requisitos de una decisión con libre albedrío son “(1) que "depende de nosotros" lo que elegimos y cómo actuamos; y esto significa que podríamos haber elegido o actuar de otra manera” (Fischer, et al., 5). Además, el hecho que dependa de nosotros “sugiere que (2) las fuentes últimas de nuestras acciones se encuentran en nosotros y no fuera de nosotros en factores fuera de nuestro control” (Fischer, et al., 2007, p. 5). En otros términos, el libre albedrío requiere no solo que el agente tenga dos o más opciones de elección, sino también de que sea la causa última de la decisión. Por lo tanto, el determinismo, según Kane, es incompatible con el libre albedrío, pues “el problema es que, de ser cierto el determinismo, nuestra elección entre alternativas sería solo una ilusión, pues solo habría un futuro posible” (Fischer, et al., 2007, p. 6).

Según Kane, no se puede negar el hecho de que gran parte de nuestras decisiones están sometidas a las fuerzas cáusales del universo. Esta idea es apoyada por diversos experimentos, tales como el de Benjamin Libet3. No obstante, para Kane, “el impacto del libre albedrío genuino podría limitarse a decisiones difíciles relativamente raras, a las que se refiere como ''acciones auto-formativas’' (Baumeister, et al., 2010, p. 209).

Las acciones auto-formativas dan lugar a que la voluntad sea la causa determinante de nuestras decisiones; es decir, en palabras de Kane, la “responsabilidad última” (RU).


image

2 Esta y el resto de las traducciones de fragmentos en inglés son propias.

3 Los resultados del experimento de Libet se publicaron en la revista Brain, y la investigation tenía por título “Time of conscious intention to act in relation to onset of cerebral activity (readiness-potential). The unconscious initiation of a freely voluntary act”.

El argumento de RU se centra en un conjunto diferente de preocupaciones sobre las "fuentes", los "fundamentos", las "razones" y las "explicaciones" de nuestra voluntad, carácter y propósitos. (Fischer, et al., 2007, p. 16).


Para sostener el argumento de la RU, Kane reconoce que no es suficiente con apelar a un indeterminismo. En este sentido, él realiza distinción entre términos usados en el lenguaje ordinario, tales como “oportunidad” y” suerte”; y el término “indeterminismo”. En el primer caso, este tipo de expresiones se usan por la falta de conocimiento de las causas de algún evento. Ahora bien, en el caso del indeterminismo, es un concepto metafísico que se entiende como un vacío en los tejidos de las relaciones causales del universo. En consecuencia, del indeterminismo no se sigue una falta de causalidad de ciertos eventos, sino que la causa no es parte de las cadenas causales del universo. Por lo tanto, sobre el libre albedrío, sostiene Kane, “las opciones de auto-formación son indeterminadas, pero no sin causa. Son causadas por los esfuerzos del agente” (Fischer, et al., 2007, p. 3).

Desde una perspectiva Spinoziana, se podría criticar la propuesta de Kane por apoyase en la falta de conocimiento sobre las causas de nuestras decisiones. En otros términos, él se vale de la ignorancia que se tiene sobre el funcionamiento del cerebro.

Los hombres se engañan al creerse libres; y el motivo de esta opinión es que tienen conciencia de sus acciones, pero ignoran las causas por las que son determinadas; por consiguiente, lo que constituye su idea de libertad, es que no conocen causa alguna de sus acciones (Spinoza. 1984, pp. 100 - 101).

Efectivamente, la falta de información por la complejidad causal en el proceso de la toma de decisión es algo de lo que Kane saca provecho para defender la idea del libre albedrío. Por consiguiente, es un postulado incompatible con las consideraciones de Spinoza sobre el tema. Para Spinoza, “los decretos del alma no son otra cosa que los apetitos mismos y varían, consiguientemente, según la disposición variable del cuerpo”. (Spinoza, 1984, p. 127). Por lo tanto, la responsabilidad última sería una idea inadecuada.


El compatibilismo

Del hecho de que Spinoza proponga un tipo de libertad no se sigue que sea compatibilista. Los postulados compatibilistas sostienen que una concepción determinista no excluye necesariamente al libre albedrío. El compatibilismo clásico se concentraba en la compatibilidad entre nuestros deseos y el determinismo. “Los compatibilistas clásicos, incluidos Hobbes, Locke, Hume y Mill, insistieron en que vivir en un mundo determinado no excluye la posibilidad de actuar de la manera que deseamos y de llevar la vida que deseamos” (Baer, et al., 2008, p. 54).

Los compatibilistas se suelen apoyar en los conceptos “poder” y “querer”. Poder hacer o no hacer algo depende de querer e intentar. La voluntad libre se da cuando actuamos en función de nuestra disposición a desear e intentar. Todo depende, dicen, de cómo interpretes la expresión “No hay nada que nadie pueda hacer para cambiar…” Hablar de lo que las personas “pueden” (y “no pueden”) hacer es hablar de sus poderes (Fischer, et al., 2007, p. 11).

Desde Spinoza, se puede estar de acuerdo en que los conceptos en los que se apoyan los compatibilistas

—tales como “querer” y “poder”— pueden incluirse en una visión determinista del universo; sin embargo, el libre albedrío sigue siendo incompatible. Como sostiene Kane, “uno debe mirar más allá de los debates "poder", "capacidad" y "podría haber hecho de otra manera" para defender la incompatibilidad del libre albedrío y el determinismo” (Fischer, et al., 2007, p. 13).

Spinoza considera que es justamente por el “deseo” de algo y el “poder” actuar en función de los deseos que se genera la ilusión del libre albedrío. “Un niño cree apetecer libremente la leche, un joven encolerizado la venganza, un cobarde la fuga" (Spinoza, 1984, p. 127). Por lo tanto, a Spinoza no se le podría considerar como compatibilista.

El determinismo

El determinismo, al igual que el libertarismo, es una posición incompatibilista respecto al problema de la libertad. Los deterministas consideran que el universo está determinado por fuerzas causales y que, por lo tanto, el libre albedrío no existe. En otros términos, “si el determinismo es verdadero, entonces no somos libres.” (Dennett, 2004, p. 119).

En cuanto a la responsabilidad moral, Derek Pereboom, representante del determinismo, sostiene que puede ser explicada sin apelar a la responsabilidad última. En este sentido, él considera que la explicación de la responsabilidad moral no necesita de la disponibilidad de posibilidades y opciones, sino de las cadenas causales que preceden a la acción. La responsabilidad moral de un agente por una acción se explicaría no por la existencia de posibilidades alternativas disponibles para ella, sino más bien por el hecho de que la acción tenga una historia causal de un tipo que permita al agente ser la fuente de su acción de una manera específica (Fischer, et al., 2007, p. 86).

Desde Spinoza, el determinismo podría verse como un cambio de actitud hacia la imagen del libre albedrío. En efecto, los deterministas no pretenden negar la experiencia fenoménica del libre albedrío, sino reconocerla como una ficción. Spinoza, en este aspecto, podría ser considerado como determinista. Derk Pereboom, por ejemplo, sostiene lo siguiente:

Baruch Spinoza sostenía que debido a hechos muy generales sobre la naturaleza del universo, carecemos del tipo de libre albedrío necesario para la responsabilidad moral. Estoy de acuerdo. Más específicamente, argumenta que es debido a la verdad del determinismo que carecemos de este tipo de libre albedrío; él es, por tanto, un determinista fuerte (Fischer, et al., 2007, p. 85).


Pereboom parece acertar en considerar a Spinoza como determinista; sin embargo, el determinismo Spinoziano tiene ciertas características que lo diferencias de otros tipos de propuestas deterministas. Las posiciones deterministas tienen diferentes fundamentos causales (p. ej. leyes físicas, sociales, lógicas, biológicas, culturales, psicológicas, divinas).


Determinismo y agencia en Spinoza

Una dificultad de las propuestas deterministas es el explicar cómo es que a veces, a pesar de tener ciertas inclinaciones, podemos esforzarnos para evitar ciertas acciones o para persistir en ellas. Spinoza procura abordar esta dificultad proponiendo un tipo de agencia; esto es, gestionar racionalmente las emociones en función del conocimiento de sus causas. “Preferiremos, bajo el gobierno de la razón, un bien futuro más grande a otro menor presente, y un mal menor presente a otro más grande futuro” (Spinoza, 1984, p. 244).

Pues bien, en los seres vivos, el conatus podría interpretarse como los mecanismos de autorregulación biológica, es decir, como la homeostasis. “La palabra homeostasis es el término apropiado para el conjunto de regulaciones y el estado resultante de vida regulada” (Damasio, 2005, p. 30). En los organismos complejos, los mecanismos homeostáticos tienen un centro de organización, esto es, un cerebro.

El cerebro está conectado a todo el cuerpo por dos tipos de mecanismos: Los sentidos y los mecanismos emocionales. Mediante los primeros, las afecciones del cuerpo se presentan en la conciencia como imágenes (formas, texturas, sonidos, olores, sabores) del mundo que nos rodea. Antonio Damasio las denomina “imágenes de sondas sensoriales especiales”. Se refiere a partes concretas del cuerpo, como la retina en el fondo del ojo y la cóclea en el oído interno. Las denomino imágenes de sondas sensoriales especiales. Son imágenes basadas en el estado de actividad de aquellas partes concretas del cuerpo que son modificadas por objetos que impactan físicamente sobre dichos dispositivos desde fuera del cuerpo. Este impacto físico toma muchas formas (Damasio, 2005, p. 186). Mediante los segundos, se forman imágenes (experiencias emociones placenteras y/o dispacenteras) sobre el estado corporal actual. Damasio la llama “imágenes de carne”.

Comprende imágenes del interior del cuerpo, obtenidas, por ejemplo, a partir de los patrones neurales superficiales que cartografían la estructura y el estado de vísceras tales como el corazón, el intestino y los músculos, junto con el estado de numerosos parámetros químicos en el interior del organismo (Damasio, 2005, p. 186).


Las imágenes de carne, por lo tanto, le dan el color emocional a nuestros contenidos mentales, y los sistemas que las producen son los mecanismos emocionales.

Las emociones son un tipo de guía para el organismo, pues producen experiencias placenteras, cuando las afecciones son buenas para su estabilidad; y displacenteras, cuando son malas .“Todo lo que sucede en el cuerpo humano debe percibirlo el alma humana; por consiguiente, el alma humana es apta para percibir un gran número de cosas” (Spinoza, 1984, p. 86).

Cabe resaltar que Spinoza usa los términos “dolor” y “placer” no exactamente del mismo modo que “gozo y “tristeza". “El Placer y el Dolor se relacionan con el hombre cuando una parte de él es afectada más que las otras” (Spinoza, 1984, p. 133) Efectivamente, para Spinoza, mientras el gozo y como tristeza son emociones que afectan a todo el cuerpo, el dolor y el placer afectan solo una parte del cuerpo. “El Placer es un Gozo que, relativamente al cuerpo, consiste en que una o algunas de sus partes son afectadas más que otras” (Spinoza, 1984, p. 225).

Spinoza, por consiguiente, cree que hay dolores que pueden extender el conatus y placeres que pueden disminuirlo. “El Placer puede tener exceso y ser malo; el Dolor puede ser bueno en la medida en que el Placer, que es un Gozo, es malo” (Spinoza, 1984, p. 225). En El tratado de la reforma del entendimiento, lo expresa del siguiente modo: “Gozar de los placeres justamente lo necesario para conservar la salud” (Spinoza, 2000, p. 30).

Nuestro cuerpo es constantemente afectado por fuerzas externas; como resultado, se producen imágenes sobre el entorno (objetos) y sobre nuestro cuerpo (afectos). No solo estamos sometidos al modo en que se presentan estos dos tipos de imágenes, sino también a la asociación pre-reflexiva que nuestro cerebro realiza entre ambas; a saber, creencias pre-reflexivas, Una creencia, en este sentido, está constituida por la memoria de una conducta pasada unida a ciertas respuestas emocionales. Toda creencia, por lo tanto, posee una carga emocional, y las emociones que se producen por las creencias pre-reflexivas son pasivas.

En el proceso de la toma de decisiones, imaginamos los posibles escenarios de nuestras opciones de conducta a partir de nuestras creencias. Pablo Quintanilla denomina a este proceso “simulación”. (Quintanilla, 2019, p. 95). Las simulaciones mentales de los posibles futuros escenarios están, consiguientemente, formadas por creencias. Asimismo, las creencias tienen una carga emocional. Como resultado, cada escenario simulado produce una mezcla de emociones agradables y/o desagradables. Es así como, cuando tomamos decisiones, se da una lucha entre las potencias de nuestras imaginaciones. Como menciona Ainslie, “cada interés debe ser el mejor postor en algún momento o se extinguirá; para lograr esto, cada uno puede tener que restringir a los demás” (Ainslie, 2001, p. 73). En este sentido, se produce lo que sostiene Spinoza; a saber: “Una afección solo puede ser reducida o destruida por otra afección contraria y más fuerte que la afección reducida” (Spinoza, 1984, p. 197).

Los seres humanos, en consecuencia, nos vemos sometidos a inclinaciones inconscientes. Spinoza lo expresa del siguiente modo: “Lo que hizo decir al poeta: Veo lo mejor y lo apruebo, pero hago lo peor” (Spinoza, 1984, p. 204). Por ejemplo, como George Ainslie menciona, “sabiendo que, a fin de cuentas, comer otro postre o posponer ir al dentista me hará menos feliz a la larga, no reduce en sí mismo mi deseo de hacer estas cosas” (Ainslie, 2001, p. 37).

En la propuesta Spinoziana, se reconoce este sometimiento a las fuerzas causales que producen creencias y que, por lo tanto, determinan nuestras decisiones. La agencia que se propone está relacionada con una reflexión práctica; es decir, asociar, mediante los mandatos de la razón, adecuadamente nuestras ideas. En este sentido, como sostiene Spinoza,

La razón no exige nada que sea contra Naturaleza, pretende, por consiguiente, que cada uno se ame a sí mismo, busque la utilidad propia, lo que es realmente útil para él, apetezca todo lo que conduce realmente al hombre a una perfección mayor, y absolutamente hablando, que cada uno se esfuerce en conservar su ser (Spinoza, 1984, p. 205).

Desde las consideraciones de Spinoza, se puede explicar cómo es que, a pesar del sometimiento mencionado más arriba, a veces podemos esforzarnos en favor de nuestro conatus. En efecto, si bien estamos sometidos por el modo en que las afecciones de nuestro cuerpo se presentan en nuestra conciencia y por la manera en que nuestro cerebro asocia, pre-reflexivamente, experiencias con reacciones emocionales; podemos, mediante la razón, desasociar y asociar las ideas de nuestras creencias. Este ejercicio reflexivo da lugar a lo que Spinoza llama “el paso de emociones pasivas a emociones activas”. El conocimiento al que se refiere Spinoza para formar ideas adecuadas incluye los dos modos por los que conocemos a la sustancia; esto es: el aspecto físico y el aspecto mental.

Finalmente, la agencia Spinoziana es gradual. Los escenarios mentales sobre nuestras opciones de conducta de nuestras decisiones están compuestos de creencias. Nuestro nivel de libertad depende de las creencias que constituyen los escenarios mentales; a saber, mientras se tenga más creencias reflexivas, mayor es el nivel de libertad.


Conclusiones

La propuesta de Spinoza es incompatible con la libertad como libre albedrío. En efecto, en Spinoza, todos los eventos se rigen por las fuerzas causales del universo. Las decisiones humanas tampoco escapan de la causalidad. El libre albedrío, en consecuencia, estaría excluido de esta concepción.

El libre albedrío es una ilusión. La idea del libre albedrío surge, según Spinoza, porque tenemos conciencia de nuestros deseos y podemos actuar en conformidad con ellos. Sin embargo, hay una serie de causas de las que no somos conscientes.

La propuesta de Spinoza parece ser dualista de aspecto dual. Conocemos la sustancia atreves de imágenes del mundo que nos rodea (imágenes sensoriales) e imágenes del estado corporal actual (emociones). Estas imágenes se producen por las afecciones de fuerzas externas a las que nuestro cuerpo está constantemente sometido.

Las afecciones del cuerpo pueden acrecentar o disminuir el conatus. Las fluctuaciones de la potencia del conatus se experimentan como gozo, tristeza y deseo (las tres emociones primarias de las que surgen el resto de las emociones). Las afecciones que incrementan nuestro conatus se experimentan como gozo; y las que lo disminuyen, como tristeza. En cuanto el deseo, es el conatus mismo en tanto somos conscientes de este.

Nuestras creencias se forman de asociaciones pre-reflexivas y reflexivas entre las imágenes sensoriales y las emociones. Spinoza considera que estamos inevitablemente sometidos a la manera en que experimentamos las afecciones del cuerpo y a la asociación que nuestro cerebro, pre-reflexivamente, realiza entre imágenes sensoriales y reacciones emocionales. Sin embargo, él sostiene que, mediante la razón, podemos desasociar las emociones de las experiencias sensoriales, y volverlas a asociar con sus verdaderas causas.

Las creencias reflexivas nos dan un cierto tipo de agencia. Cuando tomamos decisiones, imaginamos los posibles escenarios de nuestras opciones de conducta a partir de nuestras creencias. Somos más libres en tanto la cantidad de creencias reflexivas que tomamos en cuenta en nuestras decisiones sea mayor.

Bibliografía

Ainslie. G. (2001). Breakdown of will. Cambridge University Press.

Baer, J., Kaufman, J. y Baumeister, R. (2008). Are we free?. Oxford University Press.

Baumeister, R., Mele, A. y Vohs, K. (2010). Free will and consciousness. How might they work?. Oxford University Press.

Damasio, A. (2005). En busca de Spinoza. Neurología de las emociones y los sentimientos.

Crítica.

Dennett, D. (2004). La evolución de la libertad. Paidós.

Fischer, J., Kane, R., Pereboom, D. y Vargas, M. (2007). Four Views on free will. Blackwell. Quintanilla, P. (2019). La comprensión del otro. Fondo editorial PUCP.

Rice, L. (1977). “Emotion, appetition and conatus in Spinoza”. Revue Internationale de philosophie. https://www.jstor.org/stable/23944184.

Spinoza, B. (1984). Ética. Sarpe.

Spinoza, B. (2000). Tratado de la reforma del entendimiento. Elaleph.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15913


LA SOCIEDAD ENFERMA


THE SICK SOCIETY


A SOCIEDADE DOENTE


Francisco Guzmán Marín

(Universidad Pedagógica Nacional, Mayotte)

crowthelastone@gmail.com

Recibido: 15/11/2023 Aprobado: 23/02/2024

“Puede llamarse contemporáneo sólo aquel que no se deja cegar por las luces del siglo y es capaz de distinguir en ellas la parte de la sombra, su íntima oscuridad…, contemporáneo es aquel que percibe la oscuridad de su tiempo como algo que le incumbe y no cesa de interpelarlo, algo que, más que cualquier luz, se dirige directa y singularmente a él. Contemporáneo es aquel que recibe en pleno rostro el haz de tiniebla que proviene de su tiempo.”


Giorgio Agamben (2011)


RESUMEN

La morbidez es el rasgo propio de la postmodernidad. La liberal y vanguardista sociedad postmoderna es una entidad enferma; mental, emocional, física y ambientalmente patológica. Paradójicamente, en la época que más se pondera, reclama, promueve y comercializa la felicidad en cuanto destino humano, los trastornos emocionales del padecer y el sufrimiento se han convertido en el habitus propio de la vida contemporánea; donde el acontecer social se resuelve en la patológica dialéctica de monstruos victimarios y víctimas ofendidas. Parafraseando a Galeano (De la Cruz, 2012), bien es posible sentenciar: »La neutralidad es imposible, somos monstruos o víctimas«.

Palabras clave: sociedad enferma. tribus bio-ideológicas. monstruos. victimismo. sociedad enojada.


ABSTRACT

Morbidity is the characteristic feature of postmodernity. The liberal and avant-garde postmodern society is a sick entity; mentally, emotionally, physically, and environmentally pathological. Paradoxically, at a time when happiness is most pondered, claimed, promoted and marketed as a human destiny, the emotional disorders of suffering and suffering have become the very habitus of contemporary life, where social events are resolved in the pathological dialectic of victimizing monsters and offended victims. Paraphrasing Galeano (De la Cruz, 2012), it is possible to sentence: »Neutrality is impossible, we are monsters or victims«.

image

Keywords: sick society. bio-ideological tribes. monsters. victimism. angry society.

RESUMO

A morbidade é a característica da pós-modernidade. A sociedade pós-moderna liberal e vanguardista é uma entidade doente; mental, emocional, física e ambientalmente patológico. Paradoxalmente, na época em que a felicidade como destino humano é mais considerada, exigida, promovida e comercializada, os distúrbios emocionais do sofrimento e do sofrimento tornaram-se o habitus da vida contemporânea; onde os acontecimentos sociais se resolvem na dialética patológica de monstros vitimizadores e vítimas ofendidas. Parafraseando Galeano (De la Cruz, 2012), é possível dizer: »A neutralidade é impossível, somos monstros ou vítimas«.

Palavras-chave: sociedade doente. tribos bioideológicas. monstros. vitimismo. sociedade irritada.


Problematización General

La morbidez es el rasgo propio de la postmodernidad. La liberal y vanguardista sociedad postmoderna es una entidad enferma; mental, emocional, física y ambientalmente patológica. Y no se trata de una simple metáfora socio-política para legitimar »el acceso a la regencia del sistema de dominio, su conservación y los objetivos históricos que se promueven desde tal emplazamiento«, parafraseando las reflexiones de Delich (1983), a propósito de las estrategias oficiales de redisciplinamiento social del gobierno argentino de la década de los años 70, en el siglo XX, sino, por el contrario, como el verdadero diagnóstico del estado crítico que guarda el ethos mismo de la desencantada vida contemporánea. El enfermizo trastorno infecta todos los órdenes de la existencia socioambiental en el siglo XXI, sin que se pretenda superar o sanar las diferentes afecciones históricas, antes bien, las múltiples fijaciones, trastornos, desviaciones, perturbaciones, etc., de todo tipo, son retroalimentadas, reforzadas y ensalzadas por las estrategias de lo “políticamente correcto” y las dinámicas públicas de la sociedad interconectada.

Los agraviados por el pasado atribuyen el malestar a las taras del desarrollo socio-civilizatorio: el heteropatriarcado, la conquista, la colonización, el esclavismo, la globalización, el neoliberalismo, etc., en función de lo cual pretenden refundar la historia humana, a golpe de la destrucción alegórica y física de las estructuras sociales y los símbolos tradicionales. En cuanto que los ofendidos por el prevaleciente “desorden social”, imputan las afecciones a los excesos derivados de la “progresista lucha” de aquellos: la pérdida de los valores socio-civilizatorios, la liberalidad moral, las amenazas contra la vida, el exceso de democracia y el debilitamiento de las instituciones históricas, entre otros; de ahí que demanden la instauración de un “poder fuerte” que contenga la preocupante degeneración de la sociedad actual. Por su parte, los desencantados críticos del presente acusan los trastornos generales a las propiedades económico-culturales que definen al postmoderno estrato contemporáneo, esto es: el hedonismo ortopédico, el consumismo anestésico, la explotación intensiva y la depredación de los recursos naturales, por mencionar sólo algunos de los factores más importantes al respecto. Y entre el agravio, la ofensa y el desencanto se constituye un ambiente enfermo que no sólo atenta contra los logros de la civilización occidental, sino que pone en riesgo la vida entera en el planeta.

Y aún antes de que las conquistas socio-culturales de la civilización occidental se expandan y arraiguen en el seno de todos los sistemas sociales del siglo XXI, tales como: el Estado de Derecho, la democracia, la libertad de pensamiento y expresión, la tolerancia ideológico-religiosa, el reconocimiento jurídico- político de la sociedad plural e intercultural, la industrialización, etc., merced a la acelerada velocidad de los tecnológicos dispositivos de transportación y comunicación de la aldea global, las afecciones biológicas y mentales rápidamente se convierten en pandemias o endemias mundiales; difíciles de controlar, imposibles de refrenar. Así, en la progresión del efecto mariposa, un nuevo virus es identificado en Wuhan, China, y bien pronto miles de muertos se convierten en morbosa estadística por el mundo entero, la paranoia se apodera de los gobiernos que apenas si atinan a dictar absurdas medidas de contención sanitaria, mientras las redes sociales desbordan de neuróticas imputaciones, teorías conspiracionistas y fake news, conformando una intrincada trama donde resulta demasiado complicado

distinguir la verdad de las ficciones, los hechos de la mitología hermenéutica, las alternativas de las reiteraciones históricas. Lo mismo sucede con los virus emocionales, apenas una hipersensibilidad de la corrección política se siente ofendida, en cualquier rincón del mundo, y de inmediato arden las indignadas redes sociales, con “expertas” opiniones de toda índole y en distintos niveles de descrédito.

El propio conocimiento racional que pretende ser el eje nuclear del devenir del proyecto socio- civilizatorio de Occidente, en cuanto paradigma del progreso histórico humano, también se encuentra infectado del incierto virus de la opinión común extendida. Sin embargo, no se trata de la δόξα (doxa), la “opinión verdadera”, conjetura fenoménica, factible antesala social de la ἐπιστήμη (epistḗmē), que reconoce Platón (1987, 1988a/b), sino, por el contrario, de la denominada postverdad que emana de la supremacía del discurso emocional, con la consecuente relativización de la veracidad y la banalización de la objetividad de los datos empíricos, según advierte Zarzalejos (2017). Aunque tampoco se refiere al viejo arte de la mentira política, la milenaria práctica de la clase dominante de hacer creer al pueblo falsedades saludables, a fin de tornarlo gobernable, como pretende Woldenberg (2020), más bien denota el desencantado debilitamiento de la razón, la verdad, el conocimiento y los hechos testables, en tanto facultad rectora del comportamiento humano, valor definitorio de las interacciones sociales, comprensión privilegiada del acontecer mundano y sustento esencial de las determinaciones político- económicas y jurídico-cognitivas, respectivamente.

No, la postverdad no representa una nueva forma de moda para etiquetar el antiguo arte de la mentira, como suponen Woldenberg (2020) y Berckemeyer (2017), puesto que, en sentido estricto, no se trata de ocultar, deformar o falsear la verdad en sí misma, sino más bien del predominio de la charlatanería (bullshit) generalizada, como fundamento de las decisiones y actuaciones sociales, donde la veracidad de los planteamientos tiene un carácter marginal, cuando no ocioso, frente al argumento emocional a que apela, invoca o declara, siguiendo las reflexiones de Frankfurt (2006). El que miente conoce la verdad, o al menos la intuye, por eso la tergiversa; pero, el charlatán que deriva en la disposición del opinólogo, funda su opinión en el convencimiento de su emoción y demanda la acrítica adhesión de quienes comulgan con el mismo convencido estado emocional, menospreciando la evidencia de los hechos y el valor concluyente de la veracidad.

Así, pues, en la banal era de la postverdad, la democrática sociedad del conocimiento que prometía disponer los saberes construidos por el pensamiento científico-disciplinario, al alcance de toda la población del mundo, ha devenido en la frívola sociedad de la opinión, como le denomina Carrillo Hernández (2019), infectada por el virus del algoritmo de la opinología. Las redes sociales y los propios medios masivos de comunicación son impulsados por la fuerza del algoritmo de la opinión viral, embozada de información; bajo cuya expansiva resonancia pública, suele traducirse en un factor emergente de decisiva influencia sociopolítica. El desarrollo de las TIC, más que contribuir al proceso de racionalización social, previsto por Weber (2004), con el predominio de las legioni di imbecilli, siguiendo las reflexiones de Eco (Nicoletti, 2015), han posibilitado la conformación del ecosistema digital, para la manifestación abierta y permanente de las emociones vehiculadas en la forma de la opinión. En la lógica de la postverdad, el conocimiento es equiparado con la opinión y el opinólogo — en cualquiera de sus modos de representación mediática: influencer, blogger, socialité, celebrity, comentarista, creador de contenido, etc.—, alcanza el mismo nivel que el científico, el docto y el erudito, entre otros.

El proceso del establecimiento del yo emocional como asunto público, en cuanto expresión sustantiva del despliegue de la personalidad y de la subjetividad libre, que trajo consigo el arraigo y expansión de la sociedad interconectada, a través de las redes sociales, en emergente convergencia con la manifiesta ausencia de capacidades para el análisis lógico, la insuficiente preparación en la construcción de argumentos formales y el escaso hábito de agenciarse de información pertinente con el recurso de los textos, en la gran mayoría de las legioni participantes de la Webósfera, propicia el que los opinólogos se atrincheren en la única posición que pueden sentir en tanto propia, esto es: su volátil emoción antes las cosas. En virtud de lo cual, sustituyen la reflexión racional por el denominado razonamiento emocional, es decir, la interpretación veritativa de los hechos de la realidad, mediante el patológico filtro de las

emociones que provocan; percibiendo, en consecuencia, »la racionalidad y la objetividad, impuestas por el dominio estructural, como una suerte de coacción, obstáculo y/o contención de la libertad de las subjetividades«. Así, entonces, la dictadura de la emoción que representa el fundamento de la opinión en red, constituye el régimen de la construcción social de saberes en la época de la postverdad y la locura colectiva, partiendo de los planteamientos de Hughes (2005), Illouz (2007), Han (2014), Murray (2020) y Kaiser (s/f).

El lenguaje tampoco escapa a la infección del virus de las opiniones lastradas de emociones sociales. En la actualidad, atrapado entre las presiones sociales del discurso políticamente correcto, la defensa de la propiedad “asexual”, “neutral” y “aséptica” del sistema léxico-sintáctico-gramatical que sostienen los especialistas de la lengua1 y la demanda de “sanear” la estructura lingüística de su tradicional carácter “sexista”, “patriarcal” y “machista” que plantean los activistas del lenguaje inclusivo, parece perder la economía enunciativa, la claridad comunicativa, el patrón fónico y el equilibrio semántico, entre otros rasgos, para irse convirtiendo en un auténtico galimatías, jerigonza, o jerga, como ya advierte Martínez García (Salas, 2009), donde el sentido esencial del mensaje transmitido es desplazado hacia una posición subsidiaria, marginal o secundaria. Resulta más importante, ahora, la identificación emocional con las presuntas formas “incluyentes” del enunciar, que los contenidos efectivos de la información comunicada. Entre otras múltiples condicionantes, el asunto ya no sólo radica en la legítima visibilización discursiva de la mujer, como reclaman los colectivos feministas, por el contrario, también se exige que el lenguaje trascienda este discriminatorio binarismo de género, con el objeto de satisfacer las necesidades del reconocimiento socio-jurídico de la amplia diversidad de identidades de género y orientación sexual, constitutivas de la comunidad LGBTTTIQ. Cierto, las grandes revoluciones históricas comienzan siempre con una profunda reforma del lenguaje, de acuerdo con Octavio Paz (2006), sin embargo, el emergente trueque de una vocal por la @, x, e o la dualidad a/o, no renueva o corrige la lengua, ni menos aún, revoluciona las prácticas sociales; tan sólo entusiasma egos lastimados, aunque tampoco los sana.

La sintomatología de la enfermedad socio-ambiental que padece el actual estrato histórico, es tan diversa como emociones sociales y desequilibrios de la biosfera ha generado el desencantamiento del mundo, previsto por Weber (1999), a efecto de la explotación intensiva de los recursos naturales, la instauración global del capitalismo salvaje, el desbordamiento de los principios democráticos de la esfera política hacia el resto de las prácticas culturales, la emergente propagación de las bio-ideologías, el incumplimiento de las utopías del proyecto socio-civilizatorio de la modernidad y la creciente disfuncionalidad de las instituciones tradicionales, entre otros fenómenos. Así, la camaleónica sociedad postmoderna asume las distintas disposiciones que le plantean sus inestables estados de ánimo, de donde se deriva: la infancia estresada (González y García, 1995), la adolescencia deprimida (OMS, 2021), las juventudes insatisfechas (Paz, 1968), el movimiento de los indignados (Klein, 2012), la sociedad del cansancio (Han, 2012), las sociedades enojadas (Resina, 2020; o el encabronamiento social, en el contundente lenguaje de Julio Hernández, autor de la columna Astillero [Rosiles, 2017]), la sociedad del miedo (Bude, 2017; Sánchez Barrilao, 2020) y la sociedad infantilizada (Llamazares, 2010), sólo por señalar algunas de las formaciones sociales más destacadas al respecto. Derruidas las alternativas socio-históricas con el estrepitoso derrumbe del Muro de Berlín y el emplazamiento del mundo unipolar, parece que la única posibilidad de las configuraciones sociales, sean la expresión de sus variables emociones. Paradójicamente, en la época que más se pondera, reclama, promueve y comercializa la felicidad en cuanto destino humano, los trastornos emocionales del padecer y el sufrimiento se han convertido en el habitus propio de la vida contemporánea; donde el acontecer social se resuelve en la patológica dialéctica de monstruos victimarios y víctimas ofendidas. Parafraseando a Galeano (De la Cruz, 2012), bien es posible sentenciar: »La neutralidad es imposible, somos monstruos o víctimas«.


image

1 Tales como Álvaro García Meseguer (2001), José Antonio Martínez García (Salas, 2009), Ignacio Bosque (2012), Concepción Company (Álvarez, 2018 y Mendoza, 2019) y la propia Real Academia Española (RAE, 2020), entre otros. “Las lenguas naturales son en sí mismas mecanismos asépticos”, según declara la RAE respecto de la diferencia existente entre sexismo lengua y sexismo de discurso (2020, p. 33).

El Rizoma del Monstruo de la Hidra de Lerna

Existen monstruos, por supuesto que sí; el hecho es del todo imposible de negar. La monstruosidad es apenas un modo posible del ser abierto que es el ser humano, como bien reconoce el humanismo renacentista. La humanidad puede “degradar” en brutales “seres bestiales”, de acuerdo con la prevención de Pico della Mirandola (2009). Real o ficticia, natural o cultural, descubierta o inventada, ingénita o producida, pauta o anomalía, la indiscutible presencia de los monstruos es un fenómeno transversal al contingente devenir de la historia humana, tanto en el ámbito religioso, mitológico, estético-artístico y sexual, como en la dimensión política, económica, científica y técnico-tecnológica. »Los monstruos se encuentran por todos los niveles de la existencia: de lo divino a lo mineral, de lo humano al animal«, parafraseando a Santiesteban (2000).

Históricamente, grosso modo, partiendo del enfoque general dispuesto por Foucault (2007a/b, 2010), es posible reconocer tres puntos de perspectiva para comprender el surgimiento imaginario-fáctico de la monstruosidad en el devenir de la vida humana, a saber: el jurídico-mítico donde el monstruo irrumpe a consecuencia de la impía ruptura del edicto divino, en cuanto agente de expiación del miasma que emana de la polis o como signo premonitorio del inexorable advenimiento de un nuevo orden existenciario; el jurídico-biológico donde el endriago adviene de la desviación o perversión de las leyes naturales, como producto de las mutaciones genéticas, de la indebida copulación consanguínea o del antinatural apareamiento entre diferentes especies; y el jurídico-moral donde el engendro se hace patente por la transgresión intencional de las normas sociales, debido a la déspota imposición, permanente o transitoria, de sus intereses particulares sobre el conjunto de la sociedad, situándose por encima o al margen del pacto que preserva la organización ético-política de ésta. Sintética expresión de la monstruosidad metafórica, fisiológica y conductual.

Pero, en cualquier caso, aun cuando recurrente en el mito, la mutación o el comportamiento, en sí misma, la monstruosidad no constituye un suceso común, sino más bien, un fenómeno excepcional en el ordinario acontecer de la disposición jurídica establecida por la divinidad, la naturaleza o la política, pues, en lo general, »la existencia es pobre de bestias«, parafraseando a Canguilhem (2006); por tanto, significa una determinada anomalía en los estándares del devenir “normal” de la vida, una cierta

»desviación estadística« de la “normalidad”, punto de vista que posibilita su emergente acoplamiento con el adjetivo de “anormal”, a través del uso científico-social, según parece reconocer el médico y filósofo francés (1971). Ligazón semántica que termina por confundirse, mezclarse e intercambiarse, convirtiendo al monstruo en un ser anormal. Y este carácter inusual le hace resistente a todo intento de clasificación, puesto que su propia anomalía, o “anormalidad”, dificulta su posible representación como persona, animal o divinidad, aunque suele encarnar los tres órdenes ontológicos al mismo tiempo, según propone Leñero (2019). Figura intersticial que irrumpe como antítesis del sistema jurídico instaurado y, paradójicamente, factor indispensable de su justificación y legitimidad, siguiendo el análisis de Torrano (2013, 2015); personaje liminar que hace patente la vigencia de la norma y, en tal lance, anticipa las probabilidades de nuevas formas de existencia.

En su grotesca presencia, el monstruo sintetiza la patencia de la alteridad radical, la exterioridad pura, y el desnudo reflejo de la manera en que el ser humano, las sociedades y las culturas fabulan sus límites, pulsiones, miedos y represiones, así como sus particulares formas de legibilidad y modos de ser, concertando los planteamientos de Santiesteban (2000), Vernant (2001) y Giorgi (2009) sobre el tema. El acto de situarse frente al endriago constituye la representación onto-histórica de la metáfora del horrorizado Dorian Gray, ante la terrible denuncia del oculto retrato que le evidencia. Fenómeno liminar, la monstruosidad revela e imputa, descubre y exhibe, esto es, devela las abiertas posibilidades de la existencia y delata las escondidas pasiones del propio ser. Si el Frankenstein resume el moderno optimismo científico y los profundos temores sociales que suscita, respecto de los terroríficos riesgos que este incontrolado poder comporta sobre las “naturales” disposiciones de la existencia, por su parte, el monstruo político compendia la contradictoria trascendencia de las estrategias disciplinarias de dominio, siguiendo las reflexiones de Foucault (2007a), Negri (2007), Filippo del Lucchese (2008, 2019), del Lucchese y Laurent Bove (2008), además de Torrano (2013, 2015).

Empero, mientras el monstruo político representa el Leviatán hobbesiano, aquel dios mortal que mediante el »terror es capaz de conformar las voluntades de todos« los miembros de una comunidad para establecer un determinado orden social, de acuerdo con las ideas del filósofo inglés (2005), y por ende, el análisis de la monstruosidad se centra en las estrategias de control y disciplinamiento del soberano, ya sea por imponer sus intereses particulares al conjunto de la sociedad, como reflexionan Foucault (2000a/b) y Torrano (2013, 2015), o bien, de manera complementaria, por “demonizar” los movimientos opositores, »los gigantes que se revelan«, a fin de destruirlos, someterlos o normalizarlos, según parecen coincidir Negri (2007), Lucchese (2008) y éste junto con Bove (2008); por el contrario, el monstruo biopolítico constituye la Hidra de Lerna, bestia policéfala que, también a través del horror, puede aprisionar a todos los agentes de una sociedad, incluyendo al propio gobernante, dentro de la vorágine moral de »una espiral de virtud imparable y ficticia corrección«, con el objeto expreso de instaurar una cierta disposición normativa, siguiendo las tesis de Malo Ocejo (2021), en función de lo cual, las tecnologías transversales de dominio se proponen universalizar los valores del tribalismo bio- ideológico y, a su vez, “monstruizar” a todos aquellos que de pensamiento, palabra o acto cuestionen o relativicen las conclusiones sociales de su justa indignación. El monstruo político somete irradiando sus propósitos sociohistóricos desde la superestructura al cuerpo social, de la administración pública a las interacciones colectivas, pero, el monstruo biopolítico coacciona de manera rizomática, es decir, desde las dinámicas comunitarias a las relaciones generales y de ahí a los aparatos de Estado, lo cual hace posible que el tradicional »dominado se torne dominante y dictatorial«, retomando la valoración de Liliane de Levy (2021).

El que monstruos erige para condenar moralmente el pensar, el discurso y el comportamiento de los “extraños” al tribalismo bio-ideológico, a su vez, es conminado a actuar de manera monstruosa, pues, ya desde el disponer la reprobatoria mirada del endriago, para transformar en inmoral bestia al otro, incluyendo a las variantes de su propio clan, en la misma baza emplaza un espejo donde se refleja su distorsionado rostro moralizante, partiendo de las advertencias de Nietzsche (2007) y Vernant (2001) sobre el tema. En efecto, la »gente más peligrosa, perversa y simple, además de insufrible, es aquella que está convencida de hacer el bien y troca en apostolado su irreductible y maniqueo combate contra el mal«, parafraseando a Parra (2021). De ahí que no, la tribal lucha bio-ideológica no contribuye a ampliar y consolidar los derechos civiles que abanderan su legitima causa, por el contrario, atentan de manera significativa contra las históricas conquistas de Occidente, respecto de la libertad de conciencia y pensamiento, el derecho jurídico, la democracia política y el respeto irrestricto a la vida, al imponer sistemas de dominio, coacción y exclusión social, más totalitarios y difíciles de combatir que los actuales regímenes políticos a subvertir. Cualquiera sea su fuente de procedencia, el soberano o la tribu bio- ideológica, en sentido estricto, la biopolítica »genera y administra poblaciones de monstruos con la finalidad manifiesta de constituir y preservar una determinada estructura de orden en la sociedad«, según parece asentar como premisa de análisis Guidotto (2007); aún más, en términos históricos, »la monstruosidad ha constituido un estratégico mecanismo de invectiva biopolítica, cuyo propósito nodal es justificar la marginación, el rechazo e, incluso, la muerte de ciertos sectores de la población que son considerados como un peligro biológico y, por tanto, político«, replanteando el corolario de Torrano (2015).

Si la grotesca faz del endriago refleja la íntima monstruosidad de quien con su horrorizada mirada le ha transformado en bestia, entonces, el monstruo biopolítico sólo refracta el patológico estado socio- cultural y político-económico que priva en la época contemporánea. Las emociones de permanente indignación, insatisfacción, ofensa, irritación y enojo, entre otras, constituyen la enfermiza proyección de los monstruos del siglo XXI, al delirio febril de la pandemia de hipermoralización, según le denomina Malo Ocejo (2021). Privada de la utopía que operó como humanística brújula del progresivo mejoramiento político-moral de los pueblos hasta la estrepitosa caída del Muro de Berlín; desencantada de las fallidas promesas del optimista racionalismo moderno; decepcionada de la incapacidad de las instituciones tradicionales para administrar las volubles emociones sociales y en el umbral de una profunda crisis socio-ambiental, cuyos indicadores y efectos ya se resienten, la sociedad postmoderna de la aldea global sólo dispone de evanescentes medios para descargar sus mórbidos estados emocionales, tales como: el consumismo anestésico, el hedonismo ortopédico, el gregarismo virtual

compensatorio, el reformismo revanchista y, desde luego, la histérica identificación y condena de todos los monstruos victimarios que han generado su injusta situación actual de víctima ultrajada. En cuanto el monolítico mundo del ”fin de la historia”, preconizado por Fukuyama (1992), carece de rápidas alternativas viables y sólo puede escindirse entre “indignos e indignados”, de acuerdo con Galeano (De la Cruz, 2012), por defecto, todo aquel que no sea reconocido en la indignante condición de víctima, es un victimario monstruo. Quien no se presente en cuanto »secularmente oprimido, sojuzgado, ofendido, agraviado y humillado, con toda seguridad pasa a convertirse, de inmediato, en miembro activo del deshonroso club de los “verdugos” y los “opresores”«, según reflexiona Javier Marías (2005).

A la hipermoralizada percepción de las tribus bio-ideológicas, la monstruosidad deja de ser un fenómeno excepcional, anómalo, anormal y/o signo anticipatorio de nuevos órdenes factibles de existencia, como se puede advertir con las metáforas míticas y las mutaciones genéticas, para devenir violencia cotidiana, normativa, normalizada y, al propio tiempo, anacrónico remanente de las injustas interacciones político- morales de un pasado patriarcal, esclavista, colonizante, expoliador y segregacionista que no se ha superado, por mencionar sólo algunos de sus perversos rasgos; en función de lo cual, constituye un auténtico lastre para alcanzar la igualdad sustantiva, la equidad social y la inclusión democrática. A despecho de Canguilhem (2006), la postmoderna existencia se ha tornado pletórica de monstruos, cuya terrorífica presencia obstaculiza el progreso político-moral de la sociedad. Por cuanto se ha erosionado del horizonte histórico, la certeza de un futurible social más justo, la resolución de las luchas ideológicas es una irreductible tarea del presente. De ahí, pues, que toda fuente de procedencia, factor, agente o condición de presumible crítica, ataque o violación de los tribales valores bio-ideológicos, ipso facto, debe ser denunciado, perseguido y sancionado con la mayor estridencia pública posible, sin importar la probable veracidad de los hechos o el respeto a cualquier forma de derecho. A la hipermoralidad le es correspondiente el doctrinario fanatismo biopolítico.

En este sentido, la historia se percibe como la monstruosa fuente de procedencia de la violencia fáctico- simbólica institucionalizada, crónica de »una sacra representación mitológica de culpables monstruos e inocentes víctimas«, replanteando la idea de Giglioli (2017), por eso deben ser derruidos los monumentos que glorifican la indignante época opresora; la genitalidad socio-cultural que deriva de la herencia genético-biológica, se advierte en cuanto dictadura bisexista que constriñe el libre desarrollo de la sexualidad personal, según denuncia la Teoría Queer; las lenguas, en su presunta “neutralidad”, representan dispositivos de significación que contribuyen a “naturalizar” la estructura de dominio vigente, al invisibilizar a los sectores tradicionalmente oprimidos y violentados; y la incidental pertenencia a una raza, clase social o género, por defecto, convierte al individuo en deliberado cómplice de un milenario pacto de sometimiento y abuso de los grupos vulnerables, como los afrodescendientes, el proletariado, las mujeres y los niños, verbigracia. La propia construcción de la “normalidad” no es más que un espurio sistema de generación del sentido sociocultural, que legitima la reproducción sistemática del discriminatorio y violento orden instaurado.

La biopolítica monstruosidad no representa el fundamento del hobbesiano homo homini lupus del que deba ser salvada la res pública, como pretende Torrano (2013), sino que la propia dinámica organizativo- estructural de la sociedad postmoderna ha devenido en monstruo total, bajo la hipermoralizada comprensión tribal. En cuanto herederos directos de una agresiva tradición opresora, las naciones “desarrolladas”, la raza blanca, el sistema heteropatriarcal, el género masculino, las élites socio- culturales, las personas cisgénero y los individuos de éxito, entre otras múltiples expresiones socio- históricas, por defecto, son copartícipes de la perpetuación del violento orden represivo que regula las interacciones humanas heredadas de la tradición histórica. Incluso, el reconocimiento de la bestialidad moral excede las márgenes de las relaciones socio-políticas de la polis y comprende, también, las formas naturales de reproducción en la fauna y de alimentación del ser humano, convirtiendo a las hembras en víctimas del abuso de los machos y al consumidor en “cómplice de la opresión animal”, según denuncian los antiespecistas transfeministas libertarios y ecologistas en coincidencia con grupos defensores de los derechos animales. Así, el monstruo biopolítico no es un potencial agresor, indicio de posible criminalidad, como se asocian estos dos rasgos hacia el siglo XVII o XVIII, de acuerdo con los estudios de Foucault (2007a), sino que constituye la indiscutible patencia de la violencia normalizada. »No existe

individuo de los sectores dominantes que no sea opresor, porque además de ser inherente a su origen, es incurable«, parafraseando la visión de DiAngelo (2021), respecto de la White Fragility.

Las múltiples cabezas de la biopolítica Hidra emanan de la patológica proyección de las distintas pasiones de inconformidad, frustración, enojo, desencanto, resentimiento, agravio, etc., en torno de las cuales se aglutinan las diversas tribus, sirviéndose del encorsetamiento de los principios bio-ideológicos, conforme a sus particulares visiones político-morales, con el objeto de dotarles de un cierto acento de racionalidad, a veces hasta los absurdos límites de la parodia. La desmesurada bestia policéfala aflora sus tiránicos rostros por cada resquicio de la vida contemporánea, el gran Leviatán resulta ya incapaz de administrar las volátiles emociones sociales y el sistema confesional más que sanar las subjetividades heridas, ha contribuido a potenciar las estridentes manifestaciones del público descontento.

Desvanecida la importancia demostrativa de los hechos y relativizada la intersubjetividad racional de la verdad, en cuanto fundamento del conocimiento social, el derecho y el orden legal, entre otros aspectos factibles, sólo resta el emocional criterio de las legioni di indignati, quienes, en el postmoderno mundo de la postverdad, se erigen a sí mismas como las legítimas “correctoras” del conocimiento socio- histórico y las exclusivas acusadoras, legisladores, fiscales, jueces, jurado y verdugos del monstruo biopolítico, sustentadas en el inapelable juicio de la opinión tribal. No hay posibilidad de debate, no puede haberla, pues, cualquier tipo de cuestionamiento a los argumentos y acciones de los indignados, representa una inmoral agresión a su histórica condición de subyugados y, por ende, tiende a revictimizarlos —»No se discute con los monstruos, sino que se les condena sin oírlos, aunque perezcan en el aquelarre del linchamiento tribal«, parafraseando a Rothbard (2019), a propósito de la posición de Martin Lutero sobre los herejes—; aún más, rechazar las equívocas o engañosas conclusiones de los falaces silogismos de la tribu bio-ideológica, significa negar, también, la veracidad y licitud de las premisas que originan su justa causa, como bien parece advertir Bosque (2012). »El identificar el principio bio-ideológico con el Bien moral, implica que oponerse a él se convierte, ipso facto, en maldad monstruosa«, reformulando el postulado de Miller (s/f).


La Sociedad del Victimismo

En cuanto correlato del victimario monstruo policéfalo, la ofendida sociedad del victimismo, según le denomina Kaiser (2020, s/f), se constituye por un complejo mosaico de pueblos, tribus, clanes y familias bio-ideológicas que, siempre al amparo de la emergencia socio-histórica, se asocian, enfrentan y compiten entre sí, por el reconocimiento comunitario-cultural y político-jurídico de su propia causa. Las diversas agrupaciones del sistema tribal se organizan en torno de la legítima lucha contra la perpetuación de la estructural desigualdad, segregación y violencia étnica, racial, migratoria, clase y género, entre otras más; pero, a su vez, estas distintas tendencias reivindicadoras se escinden en nuevas fuentes de movilización, como producto de la crítica a puritanismos tradicionales, al intersectarse con otras formas de inequidad social o en la atención de problemas coyunturales.

Allende los jacobinos principios doctrinarios que pueden propiciar la irreconciliable confrontación de las múltiples tribus bio-ideológicas, al grado de orientar hacia sus propios concomitantes las mismas tecnologías de control social que utiliza contra las opresivas cabezas de la Hidra, tales como el wokismo, cancelación, censura, boicot y, desde luego, la infamante estigmatización con el acrónimo escarlata de la monstruosidad biopolítica, en el fondo, todo el sistema tribal comparte la misma pulsión patológica de afirmación identitaria y gregarismo compensatorio, esto es: la victimización. En la postmoderna República de la Virtud, la víctima constituye la representación misma del héroe, por antonomasia. Emergencia socio-histórica que le dota de reconocimiento social, prestigio moral, inocencia connatural, impunidad e inimputabilidad jurídica, al propio tiempo que le convierte en solidaria acreedora de una histórica deuda y obligación indemnizatoria que los opresores, la sociedad y el Estado están conminados a sufragar permanente e indefinidamente, sintetizando los planteamientos de Bruckner (1996), Hughes (2005), Giglioli (2017), Hernández Marcos (2018), Kaiser (2020), Paniagua (2020) y Malo Ocejo

(2021).

Empero, antes de continuar con el análisis del postmoderno Heracles de la denominada cultura de la queja, cuya indignada imagen se refleja nítida en cada uno de los horrores de las múltiples miradas del policéfalo monstruo biopolítico, resulta fundamental deslindar la diferencia sustantiva de la víctima real que dimana de la histórica violencia genérica, focalizada o circunstancial, la cual tiene una existencia tangible, infortunio situado, afectación directa y demandas precisas, que básicamente suelen circunscribirse al »legítimo reconocimiento de su humanidad y derecho a ser, además del apoyo indispensable para superar el traumático trance experienciado, a fin de continuar con relativa “normalidad” su proyecto particular de vida, sin necesidad de prerrogativas, ni derogaciones«, como bien acota Bruckner (1996); respecto de la víctima metafórica que proviene de la impostada extensión socio-conceptual del emergente padecimiento de aquella y, por ende, detenta una presencia abstracto- sectorial, suceder trans-histórico, perjuicio inmanente y reclamos totalitarios que comprenden desde la reforma político-moral de los estados hasta la refundación de la historia humana, pasando, obviamente, por la sanción simbólico-penal de todos los agresores del pasado y del presente. La víctima real se asocia con la materialización de una tragedia excepcional, pero, la víctima metafórica asume el fenómeno del victimismo como una necesaria »fatalidad devenida de la histórica injusticia estructural, que determina el destino doliente para ciertos pueblos, razas, géneros y clases sociales«, entre otros sectores humanos, sintetizando las reflexiones al respecto, del ensayista francés (1996), Hernández Marcos (2018) y Malo Ocejo (2021).

El victimismo opera desde una mitológica máquina bio-ideológica fabricante de ofendidas víctimas y ofensores monstruos político-morales, siguiendo la analítica deriva del profesor universitario español (2018), en función de los roles asignados a los distintos agentes dentro de las interacciones humanas de la historia, la raza, el género y la clase social, sólo por mencionar algunos de los principales factores generales del fenómeno. En consecuencia, por defecto, la sola pertenencia o adhesión a los pueblos originarios, los afrodescendientes, las mujeres, las personas transgénero y los desposeídos, entre otros, hacen a la víctima metafórica, porque se asume heredera legítima del agravio histórico cometido en contra de las víctimas reales; mientras que el exclusivo hecho de corresponder o simpatizar con la sociedad occidental, la raza blanca, el sexo masculino, el cisgénero y/o los sectores privilegiados, hacen a los monstruos biopolíticos, dado que representan los legatarios directos de la injusticia estructural.

De facto, en la binaria hipermoralidad del sistema tribal, »cualquier posición, atributo o prerrogativa social, apreciada por el imaginario colectivo como un bien, ventaja o provecho, se considera algún tipo de privilegio especial, que tiende a la reproducción sistémica de una cierta forma de opresión, entre quienes carecen de tal cosa«, replanteando la premisa de Haidt (2018). Y a fin de no demeritar la presunta “superioridad moral” de la mítica representación teológica de la víctima, derivada del cristianismo, presentándose bajo la impostada figura del mártir autoproclamado, según le denomina Bruckner (1996), los victimistas ostentan las dolientes cicatrices emocionales que produce la patológica sobre- interpretación y consecuente magnificación de los trasfondos, límites e implicaciones biopolíticas de las microagresiones, de acuerdo con el crítico examen de Lukianoff y Haidt (2018). Así, la víctima metafórica convertida en legión, exhibe su abstracto ser tribal, lacerado por las indelebles huellas heredadas de la violencia padecida por las víctimas reales y las actuales heridas abiertas por la omnipresente recurrencia de las “normalizadas” microagresiones sociales.

Bruckner (1996) plantea que existen dos modos fundamentales de evadir la dificultad de ser y, por consecuencia, dos estrategias de irresponsabilidad bienaventurada, tales son: el infantilismo y la victimización, a quienes, merced de su secular divinización, la sociedad otorga la prerrogativa de subjetividad jurídica intocable, exenta de cualquier obligación y responsabilidad jurídico-moral, pero, al mismo tiempo, sujeto de absoluto derecho, retribución, reparación o indemnización, situándoles al nivel del soberano legibus solutus e, incluso, del propio Dios, siguiendo las reflexiones de Hernández Marcos (2018). Por cuanto controla la máquina mitológica que conforma su recriminante presencia socio-histórica, depurada por el sufrimiento, la víctima representa la inocencia sacra, libre de culpabilidad, incapaz de cometer el mal; en virtud de lo cual, carece de necesidad alguna de justificar su existencia, pensamiento y actuación, así como del deber de responder a nada. ¡El sueño de todo tipo de poder! Acorazada en su presunta superioridad político-moral, nadie puede juzgarla o criticarla, ante el

terrible anatema de revictimizarla. Sujeto jurídico que amerita resarcimiento, pero, nunca sujeto ético imputable de pecado, falta o fechoría, sintetizando los planteamientos de Giglioli (2017) y el universitario profesor español (2018).

La política identitaria tribal que constituye la organización y pronunciamiento atomizado por los distintos grupos de interés étnico, racial, género y clase, entre otros, con lo cual se pretende dotar de contenido real a la vanguardista lucha; y la interseccionalidad en cuanto conceptuación y reconocimiento de las identidades y vulnerabilidades particulares y colectivas, con el objeto de alcanzar una determinada posición dentro del sistema de justicia resultante, siempre en permanente redescubrimiento, representan los engranes básicos de la máquina hermenéutica con que se interpreta el mundo del victimismo. Estos mitológicos lentes de interpretación actúan como axiomas centrales del “progreso político-moral” y, por ello mismo, en cuanto dispositivos doctrinarios dirigidos a invalidar cualquier tipo de resistencia u oposición. En el maniqueo silogismo tribal, el desacuerdo con sus dudosas conclusiones, significa, a su vez, la negación de la injusticia estructural que sustenta sus premisas y, por consecuencia “lógica”, del “avance” socio-civilizatorio que abanderan.

Pero, el victimismo no sólo representa una tendencia tribal de base, que se extiende rizomáticamente por todos los sectores de la sociedad postmoderna y asciende hasta los máximos niveles de los aparatos de Estado —tales como las universidades, los tribunales, parlamentos y ministerios de gobierno, entre otros más—, sino que también opera en cuanto fuente de legitimación, gestión y preservación del liderazgo político, de acuerdo con el análisis reflexivo de Giglioli (2017). El líder victimista establece un afectivo pacto de identificación gregaria con sus partidarios, sustentado en el profundo resentimiento social contra los opresores tradicionales —el establishment en los Estados Unidos, la mafia de los poderes fácticos en México—, quienes han privado y continúan conculcando los legítimos derechos de los agraviados. En sentido estricto, no se trata de una nueva forma de mitificación del liderazgo, a la manera weberiana, sino más bien de una cierta estrategia política que permite, por un lado, la emergente aglutinación de las distintas tribus inconformes, indignadas e irritadas con la injusticia estructural prevaleciente, bajo el munus, compromiso y deber moral de fortalecer la presencia del líder; y por otro lado, conformar una sacrificada imagen pública que le posibilite eximirse de las obligaciones comunes, justificar la medianía o ineficiencia ejecutiva, y desde luego, culpabilizar al “abstracto enemigo” de cualquier inconsecuencia. Así, cualquier juicio adverso, crítica o reproche social a la personalidad ética o actos de gobierno del líder-víctima, sin importar su procedencia, de inmediato es desestimado por mala fe, resabio del pasado opresor, intención golpista, falta de respeto y/o complot de los corruptos expoliadores. Investido en la equivalente “superioridad” moral de las víctimas, el liderazgo victimista detenta la misma sagrada inocencia, incapacidad para hacer el mal, impunidad e inimputabilidad jurídico-política. A su vez, por cuanto proviene y pertenece a la tribu, le asiste el derecho del proteccionismo vengador que ampara a todos sus miembros.

El estrepitoso derrumbe de los grandes meta-relatos heredados de la tradición metafísica socio-histórica, el consecuente debilitamiento de las utópicas promesas político-morales modernas y el paulatino desplazamiento de la ilustrada cultura del mérito propio por la liberal cultura de la queja, desembocan sus afluentes en la postmoderna Era de las Víctimas y su correlativo mito etiológico del Imperio del Dolor, de la Religión del Lloriqueo Obligatorio, en cuyo seno se rinde culto a la debilidad afligida, sometiendo a los individuos, clanes, tribus y pueblos a una patológica espiral de victimismo competitivo, del primado del sufrimiento, donde cada cual intenta demostrar que es el más agraviado, indignado y enfurecido, la »más víctima de las víctimas«, es decir, que su particular padecer le convierte en la víctima suprema, el héroe del progreso de la justicia social, la aristocracia del dolor, según explican Bruckner (1996), Giglioli (2017), Hernández Marcos (2018) y Malo Ocejo (2021). Así, en la dialéctica del victimismo, la actuación y convivencia comunitaria se interpreta y pondera desde la emocional posición de la vulnerabilidad, el sufrimiento y la afrenta por cualquier clase de persona, declaración o circunstancia adversa, real o asumida, ante la cual es demandado un pronto resarcimiento de derogaciones y prerrogativas político-morales para la tribu, además de impostergables sanciones simbólico-procesales para el monstruo biopolítico, siguiendo al profesor universitario español (2018).

Dentro de este marco de »promoción del sufrimiento como fundamento de la dignidad humana y, por ende, del héroe global con el cual se incita constantemente a identificarse, esto es, la víctima«, parafraseando a Bruckner (1996), las redes sociales, en abierta confabulación con los distintos dispositivos de los mass media, no sólo tienden a maximizar, hasta la obscenidad, el acontecer de la violencia y las microagresiones, reales o presuntas, contra los tradicionales oprimidos, sino que se tornan inquisitoriales demandantes de las inaplazables reparaciones político-morales de los ultrajados, directos o herederos. Emplazados en la extrajurídica función de abiertos tribunales populares, instigan el sumario juicio de la desinformada muchedumbre, pero cuya maniquea opinión hacen valer por la avasallante fuerza del doctrinario pronunciamiento tribal; al propio tiempo que censuran, demeritan y/o restan importancia a cualquier posible defensa de los inculpados. En síntesis, la violencia estructural normalizada, el primado del dolor, la herencia del agravio y el certificado de incensurabilidad, representan los cuatro pilares básicos de la fanática fe del victimismo, siguiendo el análisis crítico de Giglioli (2017).

El principal residuo emocional del trauma psíquico padecido por la víctima, como producto de la injusta agresión infringida, es el latente temor que le invade la totalidad de la existencia, ante la fatal posibilidad de volver a experimentar y/o revivir de continuo la trágica experiencia que le significa, atribuye público prestigio y redime moralmente; de ahí, entonces, que la bio-ideológica República del Sufrimiento Redentor, crisol histórico donde se fragua la igualdad sustantiva, equidad social e inclusión democrática, deba cimentarse sobre la piadosa religión del miedo y el dolor depurativo, bajo la fanática fe de la corrección político-moral. Así, las múltiples cabezas de la terrible Hidra biopolítica se caracterizan por la amenazadora integración de la inquisitorial mirada de las inocentes víctimas y las feroces fauces de los agresores.


Prolegómeno de Conclusión

Si »la víctima es peligrosa porque daña a todos«, recuperando la visión de Hellinger (2014), a causa de dos inherentes acciones fundamentales, esto es: la conversión de los individuos, sociedades y aparatos de Estado en rehenes de la culpa moral de ser copartícipes, por colusión, omisión o indolencia, de la injusticia estructural que le agravia y el consecuente emplazamiento de estos agentes, como deudores obligados de su impostergable resarcimiento político; la cultura del victimismo, por su parte, representa el claro síntoma de una subjetividad enferma, incapaz de resistir y gestionar con mínima resiliencia, las adversidades y contrariedades de un mundo impertérrito a los deseos, intenciones y expectativas particulares; mientras que, de manera correlativa, la litigante sociedad de la queja constituye la patológica expresión de un narcisismo colectivo insatisfecho —e imposible de satisfacer— del actual sistema político-económico, que resulta incapaz de responder con celeridad y conveniencia a sus volubles exigencias; y el evangelio de la indignación evidencia la maniquea hipersensibilidad político- moral de una comunidad que se siente lastimada, ofendida u olvidada por el desarrollo socio-histórico, en razón de lo cual reacciona con exacerbada violencia ante cualquier calamidad.

La emergente confluencia del victimismo, la queja y la indignación social, conforma el thelos de los

»tiempos de locura colectiva« que reconoce Murray (2020), donde cualquier circunstancia, por mínima que sea, se convierte en detonante de los profundos rencores sociales sedimentados, reales o metafóricos, los cuales se desfogan con irracional y frenética agresión contra todo, sin ningún tipo de indulgencia o concesión, porque el objetivo final es eliminar del escenario al abstracto antagonista, donde el agente material embestido tan sólo constituye un medio de desahogo emocional.

En este mórbido contexto, aun cuando la pugna tribal bio-ideológica hace alarde manifiesto de los “progresistas” estandartes de la igualdad sustantiva, la equidad social y la inclusión democrática como principios rectores de su justa causa, cierto es que en la fría realidad de los hechos: la dogmática Metafísica Binaria de Oposición de los fundamentos, la inflexible coerción de los dispositivos de control social centrados en la administración virtual del miedo, la irreductibilidad de las posiciones político- morales y la evidente parcialidad de las prerrogativas y derogaciones socio-jurídicas exigidas, se orientan más bien hacia la reproducción de las tecnologías de dominio de los totalitarismos extremistas,

que a la consecución de tales metas socio-civilizatorias; por eso mismo, muchas de sus acciones resultan regresivas con respecto la histórica lucha por los derechos humanos, civiles y de género, que generaciones anteriores se esforzaron por alcanzar.

La rigidez de tales tendencias doctrinarias, incluso, propician exacerbados enfrentamientos socio- políticos entre las diversas tribus que, en esencia, aspiran a los mismos propósitos reformadores de las sociedades postmodernas, aunque desde distintas trincheras reivindicativas. »Las mayores atrocidades de la historia han sido cometidas por gente que pensaba estar haciendo el bien«, de acuerdo con Malo Ocejo (2021). En sentido estricto, no existe diferencia moral alguna entre el régimen político que sojuzga por odio, mediante la administración institucional del miedo, y el sistema tribal que somete por rencor histórico, a través de la gestión mediática del temor. Así, abanderando una justa causa, las tribus bio- ideológicas van empedrando el camino al infierno totalitarista de la corrección político-moral.


Referencias bibliográficas

Berckemeyer, Fernando. (2017) La Mentira de la Posverdad, en: UNO d+i, N° 27, Llorente & Cuenca, Madrid, pp. 26-27

Bosque, Ignacio. (2012) Sexismo Lingüístico y Visibilidad de la Mujer, en: El País, https://elpais.com/cultura/2012/03/02/actualidad/1330717685_771121.html (18/10/2021)

Bruckner, Pascal. (1996) La Tentación de la Inocencia. Anagrama, Barcelona Bude, Heinz. (2017) La Sociedad del Miedo. Herder, Barcelona

Canguilhem, George. (1971) Lo Normal y lo Patológico. Siglo XXI, Buenos Aires

(2006) Chapitre V. La Monstruosité et le Monstrueux, en: La Connaissance de la Vie. Librairie Philosophique J. Vrin, París

Carrillo Hernández, Juan Pablo. (2019) Vivimos en la Sociedad de la Opinión y no en la Sociedad del Conocimiento (y la Diferencia es Importante), en: https://pijamasurf.com/2019/03/vivimos_en_la_sociedad_de_la_opinion_y_no_en_la_sociedad_del_co nocimiento_y_la_diferencia_es_importante/ (13/05/2021)

De la Cruz Atencio, Oriol. (2012) Eduardo Galeano: La Neutralidad es Imposible, somos Indignos o Indignados, en: CubaDebate, Contra el Terrorismo Mediático, http://www.cubadebate.cu/fotorreportajes/2012/01/12/eduardo-galeano-la-neutralidad-es-imposible- somos-indignos-o-indignados-fotos/ (28/11/2021)

De Levy, Liliane. (2021) Cuidado con el ‘Wokismo’, en: El País.com.co, https://www.elpais.com.co/opinion/columnistas/liliane-de-levy/cuidado-con-el-wokismo.html (12/01/2022)

Delich, Francisco. (1983) La Metáfora de la Sociedad Enferma, en la revista: Crítica y Utopía. Latinoamericana de Ciencias Sociales, N. 10/11, octubre, CLACSO, pp. 1-10, http://biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/critica/nro10-11/DELICH.pdf (26/09/2021)

Del Lucchese, Filippo. (2008) Le Triangle qui Fait Peur. Antifinalisme et Monstruosité, en: Multitudes, Revue Politique, Artistique, Philosophique, Vol. 2, N° 33, Association Multitudes, Francia, pp. 25-36

Del Lucchese, Filippo y Bove, Laurent. (2008) Tératopolitique: Récits, Histoire, (En)-Jeux, en:

Multitudes, Revue Politique, Artistique, Philosophique, Vol. 2, N° 33, Association Multitudes, Francia,

pp. 19-24

DiAngelo, Robin. (2021) Fragilidad Blanca. Por qué es tan Difícil para los Blancos Hablar de Racismo. Ediciones de Oriente y el Mediterráneo, Madrid

Foucault, Michel. (2007a) Los Anormales. FCE, México

(2007b) 2. La Vida: La Experiencia y la Ciencia, en: Giorgi, Gabriel y Rodríguez, Fermín. (Compiladores) Ensayos sobre Biopolítica. Excesos de Vida. Paidós, Buenos Aires

(2010) 6. Monstruos y Fósiles, en: Las Palabras y las Cosas. Una Arqueología de las Ciencias Humanas. Siglo XXI, México

Frankfurt, Harry Gordon. (2006) On Bullshit: sobre la Manipulación de la Verdad. Paidós, Barcelona Fukuyama, Francis. (1992) El Fin de la Historia y el Último Hombre. Editorial Planeta, Colombia Giglioli, Daniele. (2017) Crítica de la Víctima. Herder, Barcelona

Giorgi, Gabriel. (2009) Política del Monstruo, en: Revista Iberoamericana, Vol. LXXV, Núm. 227, abril-junio, pp. 323-329

González Martínez, María Teresa y García González, María Luz. (1995) El Estrés y el Niño. Factores de Estrés durante la Infancia, en: Aula, No. 7, Ediciones Universidad de Salamanca, pp. 185-201

Guidotto, Nadia. (2007) Chapter 4. Monster in the Closet: Biopolitics and Intersexuality, en: Special Issue: Intersecting Gender and Disability Perspectives in Rethinking Postcolonial Identities, Vol. 4, a Journal of Transnational WAG A DU, Women´s & Gender Studies, http://sites.cortland.edu/wagadu/wp- content/uploads/sites/3/2014/02/guidotto.pdf (22/12/2021)

Haidt, Jonathan. (2018) La Era de la Indignación, en: Letras Libres, febrero, México, pp.28-33 Han, Byung-Chul. (2012) La Sociedad del Cansancio. Herder, Barcelona

(2014) Psicopolítica. Neoliberalismo y Nuevas Técnicas de Poder. Herder Barcelona

Hellinger, Bert. (2014) Didáctica de las Constelaciones Familiares: El Intercambio. Rigden Institut Gestalt, Barcelona

Hernández Marcos, Maximiliano. (2018) El Victimismo, un Nuevo Estilo de Vida. Intento de Caracterización, en: Eikasia, Revista de Filosofía, julio-agosto, Eikasia Ediciones, Oviedo, pp. 239-266

Hobbes, Thomas. (2005) Leviatán o la Materia, Forma y Poder de una República, Eclesiástica y Civil. FCE, Argentina

Hughes, Robert. (2005) La Cultura de la Queja. Trifulcas Norteamericanas. Anagrama, Barcelona

Illouz, Eva. (2007) Intimidades Congeladas. Las Emociones en el Capitalismo. Katz Editores, Buenos Aires

Kaiser, Axel. (s/f) El Culto a la Debilidad. La Nueva Ideología, en la revista: Átomo, https://www.revistaatomo.com/es/2018/10/el-culto-a-la-debilidad/ (18/02/2022)

osquet, Oliver. (2012) El Movimiento de los Indignados: desde España a Estados Unidos, en: El Cotidiano, Núm. 173, mayo-junio, UAM-Azcapotzalco, México, pp. 89-98

Leñero, Carmen. (2019) Monstruos Mexicanos. Secretaría de Cultura/Alas Raíces, México

Lukianoff, Greg y Haidt, Jonathan. (2018) La Mimada Mente Americana, en: Nueva Revista, N° 165, octubre, UNIR, pp. 98-124

Llamazares, Julio. (2010) La Sociedad Infantilizada, en: El País, https://elpais.com/diario/2010/01/17/opinion/1263682804_850215.html (26/10/2021)

Malo Ocejo, Pablo. (2021) Los Peligros de la Moralidad. Por Qué la Moral es una Amenaza para las Sociedades del Siglo XXI. Ediciones Deusto, España

Marías, Javier. (2005) Sufrir no da la Razón, en: El País, https://elpais.com/diario/2005/06/26/eps/1119767217_850215.html (02/02/2022)

Miller, Arthur. (s/f) El Origen Político del Diablo…, en: NiEzNaizNabil, https://nieznaiznabil.com/2016/03/13/arthur-miller-eta-sorgin-ehiza/ (23/01/2022)

Murray, Douglas. (2020) La Masa Enfurecida: Cómo las Políticas de Identidad llevaron al Mundo a la Locura. Ediciones Península, Barcelona

Nicoletti, Gianluca. (2015) Umberto Eco: “Con i Social Parola a Legioni di Imbecilli”, en: La Stampa, https://www.lastampa.it/cultura/2015/06/11/news/umberto-eco-con-i-social-parola-a-legioni-di- imbecilli-1.35250428 (24/04/2021)

OMS. (2021) Salud del Adolescente y el Joven Adulto, en: https://www.who.int/es/news-room/fact- sheets/detail/adolescents-health-risks-and-solutions (26/10/2021)

Paniagua, Pablo. (2020) Enjambres, Censura y Neoinquisición, en: Elmostrador, Blogs y Opinión, https://www.elmostrador.cl/noticias/opinion/columnas/2020/06/24/enjambres-censura-y- neoinquisicion/ (01/02/2022)

Paz, Octavio. (2006) El Arco y la Lira. FCE, México

Parra, Sergio. (2021) Libros que nos Inspiran: ‘Los Peligros de la Moralidad’ de Pablo Malo, en: Xataka Ciencia, https://www.xatakaciencia.com/libros-que-nos-inspiran/libros-que-nos-inspiran-peligros- moralidad-pablo-malo (12/01/2022)

Pico della Mirandola, Giovanni. (2008) Discurso sobre la Dignidad del Hombre. Una Nueva Concepción de la Filosofía. Siglo XXI, España

Platón. (1987) Menón, en: Diálogos II. Gredos, Madrid (1988a) República, en: Diálogos V. Gredos, Madrid (1988b) Teeteto, en: Diálogos V. Gredos, Madrid

Resina, Jorge. (2020) Sociedades Enojadas: Buscando las Bases para Nuevos Acuerdos Democráticos en América Latina, en: Documentos de Trabajo, N° 31, segunda época, Fundación Carolina, Madrid

Rosiles, Luis Felipe. (2017) La Sociedad está Encabronada y se Vengará en Comicios: Astillero. Entrevista a Julio Hernández, en: Quadratin, https://mexico.quadratin.com.mx/sociedad-esta- encabronada-se-vengara-comicios-astillero/ (25/10/2021)

Rothbard, Murray N. (2019) Educación: Libre y Obligatoria. Unión Editorial, Madrid

Salas, E. Peláez. (2009) Martínez: «El Lenguaje de Género, si Prospera, no Dejará de Ser una Jerga», en: http://fundacionvaldessalas.es/wp-content/uploads/2017/02/2009-07-15-El-lenguaje-de- g%C3%A9nero.pdf (18/10/2021)

Sánchez, R. Mauricio. (2021) El ‘Opinólogo’ en Redes Sociales: Opinología sin Criterio, en: Mente+Ciencia, https://www.menteyciencia.com/el-opinologo-en-redes-sociales-opinologia-sin- criterio/ (12/10(2021)

Sánchez Barrilao, Juan Francisco. (2020) Sociedad del Miedo y Desafección Constitucional, en: Revista de Derecho Político, N° 108, mayo-agosto, UNED, España, pp. 87-125

Santiesteban, Héctor. (2000) El Monstruo y su Ser, en: Relaciones, Estudios de Historia y Sociedad, Vol. XXI, No. 81, invierno, El Colegio de Michoacán, A. C., México, pp. 95-126

Torrano, Andrea. (2013) El Monstruo en la Política. Defender la Sociedad del Hombre Lobo, en: Contemporânea, Revista de Sociología da UFSCar, São Carlos, Vol. 3. No. 2, jul-dez, Brasil, pp. 429- 445

(2015) La Monstruosidad en G. Canguilhem y M. Foucault. Una Aproximación al Monstruo Biopolítico, en: Ágora, Papeles de Filosofía, Universidad de Santiago de Compostela, Vol. 34, No. 1, pp. 87-109

Vernant, Jean-Pierre. (2001) La Muerte en los Ojos. Gedisa, Barcelona

Weber, Max. (1999) Ensayos sobre Sociología de la Religión I. Taurus, España

(2004) La Ética Protestante y el «Espíritu» del Capitalismo. Alianza Editorial, Madrid

Woldenberg, José. (2020) el Arte de la Mentira Política, en la revista: Nexos, https://www.nexos.com.mx/?p=50306 (10/10/2021)

Zarzalejos, José Antonio. (2017) Comunicación, Periodismo y ‘Fact-Checking’, en: UNO d+i, N° 27, Llorente & Cuenca, Madrid, pp. 11-13

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15733


¿COMUNISMO SIN COMUNISTAS?

LA HIPÓTESIS COMUNISTA DESDE LA PERSPECTIVA DE J. RANCIÈRE


¿COMMUNISM WITHOUT COMMUNISTS?

The communist hypothesis from the perspective of J. Rancière


¿COMUNISMO SEM COMUNISTAS?

A hipótese comunista na perspectiva de J. Rancière


Karla Castillo Villapudua

(Universidad Autónoma de Baja California, México)

castillo.karla@uabc.edu.mx


Nicol A. Barria-Asenjo (Universidad de Los Lagos, Chile) nicol.barriaasenjo99@gmail.co


Tomás Caycho-Rodríguez

(Universidad Privada del Norte, Perú)

tomas.caycho@upn.pe


Jesús Ayala-Colqui

(Universidad Tecnológica del Perú, Perú)

c24512@utp.edu.pe

Recibido: 02/10/2023 Aprobado: 23/02/2024


RESUMEM

El objetivo de este artículo consiste en abordar algunos argumentos de la filosofía de J. Rancière relacionados con la necesidad de repensar el comunismo. La hipótesis de trabajo insiste en señalar que Rancière no defiende ningún proyecto comunista. Esto al menos por tres razones: no hay igualdad de las inteligencias, el comunista funge como profesor explicador en aras de concientizar a los embrutecidos, el comunismo pertenece a una temporalidad histórica teleológica, lo que a su vez supone un aplazamiento de la emancipación. Finalmente, cerramos este diálogo con las posibilidades presentes de esta otra forma de concebir la igualdad y la emancipación.

Palabras clave: comunismo. igualdad. emancipación. comunismo de la inteligencia.


ABSTRACT

image

The objective of this article is to address some arguments from J. Rancière's philosophy related to the need to rethink communism. The working hypothesis insists on pointing out that Rancière does not defend any communist project. This is for at least three reasons: there

is no equality of intelligence, the communist serves as an explanatory teacher in order to raise awareness among the brutalized, communism belongs to a teleological historical temporality, which in turn implies a postponement of emancipation. Finally, we close this dialogue with the present possibilities of this other way of conceiving equality and emancipation.

Keywords: communism. equality. emancipation. communism of intelligence.


RESUMO

O objetivo deste artigo é abordar alguns argumentos da filosofia de J. Rancière relacionados à necessidade de repensar o comunismo. A hipótese de trabalho insiste em apontar que Rancière não defende nenhum projeto comunista. Isto ocorre por pelo menos três razões: não há igualdade de inteligência, o comunista serve como professor explicativo para conscientizar os embrutecidos, o comunismo pertence a uma temporalidade histórica teleológica, que por sua vez implica um adiamento da emancipação. Por fim, fechamos este diálogo com as possibilidades atuais desta outra forma de conceber a igualdade e a emancipação.

Palavras-chave: comunismo. igualdade. emancipação. comunismo de inteligência.


Introducción

En principio, y para introducir la reflexión, habría que indicar que el comunismo goza de mala fama. Desacreditado, o peor aún, deslegitimado como un error de la historia del que ya no queremos acordarnos. No obstante, a pesar de esta falta de credibilidad vuelve a generar cierta curiosidad ante las crisis del mundo contemporáneo colocándolo de nuevo en el horizonte de la discusión.

En el artículo “el comunismo vuelve entre los filósofos” Claude Morilhat (2013) realiza un mapeo de los nombres de aquellos pensadores que en pleno siglo XXI se dan el tiempo para repensar la idea del comunismo. Entre estas figuras sobresalen los nombres de A. Badiou, Étienne Balibar, Andre Tosel, Slavoj Žižek, y por supuesto, Jacques Rancière el filósofo que nos compete revisar en este texto.

J. Rancière creador de una filosofía política y estética disruptiva, que abarca temas como la emancipación, la igualdad, la crítica, el reparto de lo sensible, y otros, provoca, ocasionalmente, sospechas o paradójicamente desacuerdos. Testigo de los movimientos del 68 y el mayo francés, desde muy joven se embarca en la tarea de formular preguntas y respuestas más allá de las lecciones de su profesor Althusser.

La hipótesis de este trabajo insiste en señalar que Rancière no defiende ningún proyecto comunista. Esto al menos por tres razones: no hay igualdad de las inteligencias, el comunista funge como profesor explicador en aras de concientizar a los embrutecidos, el comunismo pertenece a una temporalidad histórica teleológica, lo que a su vez supone un aplazamiento de la emancipación.

Este trabajo se organiza en tres dimensiones. En la primera, revisamos la crítica al comunismo desde la perspectiva de la igualdad de las inteligencias y la emancipación. En la segunda, la objeción a la hipótesis comunista a través de las figuras del partido y el enemigo, a favor del comunismo de las inteligencias. En la tercera, abordamos los momentos comunistas como acontecimientos que rompen con la rutina de la vida y el trabajo. Por último, problematizamos sobre las implicaciones de repensar la idea del comunismo en el presente.

Comunismo sin comunistas

Rancière (2010) en la conferencia ¿Comunistas sin comunismo? presentada en el coloquio “On the idea of communism” plantea una serie de reflexiones para repensar el significado actual del término comunismo. Ahora bien, el hecho de haber postulado que el término comunista en pleno siglo XXI es la etiqueta del estado o partido que gobierna China, es decir, la nación capitalista más ambiciosa y próspera del planeta, no es un buen augurio: “Ese vínculo presente entre la palabra “comunismo” el absolutismo estatal y la explotación capitalista debe estar presente en el horizonte de toda reflexión sobre lo que puede significar hoy” (Rancière, 2010, p.132). A partir de esta advertencia, el filósofo sospecha sobre los alcances de todo régimen comunista, por el hecho de que a pesar de las buenas intenciones se repiten algunas prácticas capitalistas.

De entrada, Rancière (2010) retoma una sentencia de A. Badiou “La hipótesis comunista es la hipótesis de la emancipación” (p.132). Destacando, en este contexto, el sentido intrínseco de las prácticas emancipatorias en toda cosmovisión comunista. El problema, empero, surge con el estatuto interpretativo del concepto de emancipación. Veamos por qué. En primer lugar, emanciparse supone salir de un estado de minoridad; menor es aquel que necesita guía, cobijo, orientación, enseñanza. Acciones que se vinculan sobre todo con la lógica de la pedagogía de la ilustración, cuyo sustrato básico postula que los ignorantes requieren un intelectual o profesor explicador para alumbrar la conciencia, y de este modo, acabar con la ceguera y minoridad que los habita: “Menor es aquel que necesita ser guiado para no correr el riesgo de perderse siguiendo su propio sentido de la orientación” (Rancière, 2010, p.132).

Por lo anterior, la emancipación en el proyecto político de Rancière cobra sentido si la reconocemos desde la igualdad de las inteligencias y al margen de cualquier proyecto histórico futuro. Lo primero significa que la inteligencia es una, es decir, no existe la inteligencia altiva del intelectual comunista explicador, y lo segundo; que la emancipación no se desprende de una temporalidad teleológica donde al final se alcanzará la libertad.

Para comprender la tesis de la igualdad de las inteligencias es importante conocer la obra el Maestro Ignorante escrita en el año de 1997, obra clave para descifrar el resto de las ideas desarrolladas en otros libros. En ella el autor desarrolla una serie de argumentos a partir de la figura de Joseph Jacotot (1770- 1840), un abogado que por azares del destino se inserta en la docencia sin estar preparado para ello. El ejemplo básico que comparte Rancière, consiste en narrar las hazañas de este personaje, quien, a través de la lectura del Telémaco en un idioma desconocido para sus estudiantes, observó que ellos eran capaces de aprender por sí mismos sin la figura del profesor como amo del saber.

Esto supone pensar que si el comunismo es un proyecto emancipatorio, entonces tomaría en cuenta el principio de igualdad de la inteligencia, y dejaría de lado la figura del intelectual comunista explicador. Asimismo, el partido comunista permitiría que los trabajadores experimentaran otras formas de pensar, sentir y hacer, sin la opresión del orden policial. Sin embargo, desde la óptica del filósofo francés las pretensiones del comunismo carecen de estos mecanismos de eficacia. Veamos, por qué.

En su opinión, ejemplos de emancipación requieren la práctica de un comunismo de la inteligencia, a saber, la suposición que enfatiza la capacidad autónoma al margen de un maestro explicador. Empero, las ideas comunistas no otorgan confianza a la inteligencia de “los cualquiera”, pues continúan reproduciendo la necesidad de un guía que los lleve a la toma de conciencia pues dudan de la capacidad colectiva. Así es clave destacar que: “La hipótesis de emancipación es una hipótesis de confianza. Pero el desarrollo de la ciencia marxista y de los partidos comunistas la mezcló con su contrario, una cultura de desconfianza basada en la presuposición de la incapacidad de la mayoría para ver y comprender” (Rancière, 2010, p.139).

Con la cita anterior, constatamos la falta de credibilidad en la capacidad de “los cualquiera”, a saber, del pueblo, de los embrutecidos, de los trabajadores. Esta falta de fe en el poder emancipatorio de los hombres y mujeres sin capital intelectual, resulta finalmente elitista. Insistiendo, una y otra vez, que sólo

a través del conocimiento que poseen los intelectuales comunistas, los trabajadores se darán cuenta de la explotación que padecen y tomarán conciencia de su condición de clase. No obstante, para el filósofo francés estas aspiraciones pequeño burguesas son jerárquicas y desiguales de antemano, por el hecho de que: “El comunista desempeñó o bien el papel del anarquista pequeñoburgués, impaciente por ver realizadas sus aspiraciones, a riesgo de poner en peligro el andar lento y necesario del proceso, o bien el del militante educado completamente consagrado a la causa colectiva”. (Rancière, 2010, p.142). En consecuencia, el modus operandi del personaje comunista se caracteriza, bajo este enfoque, como un ser inteligente y educado, cuya función social radica en transmitir los procesos operativos del sistema capitalista en sus diversas dimensiones.

De manera similar, esta crítica se relaciona con la objeción que en su momento Rancière realizó a su profesor Althusser (1918-1990). Recordemos que, para el joven pensador el supuesto que postula que la misión del intelectual consiste en explicar los mecanismos de opresión a las clases menos favorecidas, representaba una posición privilegiada que reproducía la desigualdad cognitiva:

Pensemos solamente en la manera en que mi generación pasó de la fe althusseriana por la ciencia, encargada de develar las inevitables ilusiones de los agentes de la reproducción, hasta el entusiasmo maoísta por la reeducación de los intelectuales a través del trabajo en las fábricas y la autoridad de los trabajadores (a riesgo de confundir la reeducación de los intelectuales mediante el trabajo manual con la reeducación de los disidentes mediante el trabajo forzado. (Rancière, 2010, p.140).


Lo anterior señala que la lectura que Rancière desarrolla en torno al comunismo se vincula intrínsecamente con la crítica que en su momento realizó a la estrategia althusseriana de la concientización, en la cual el conocimiento científico era clave para despertar a las masas alienadas de la bruma ideológica. Siguiendo con esta lógica, también vincula la fe cientificista con el entusiasmo maoísta, pues ambas estrategias buscan reeducar ya sea a los trabajadores o a los mismos intelectuales. Pues recordemos:

¿Qué era el marxismo cientificista? Era la idea de que la dominación se fundamenta simplemente en la posesión o la desposesión del saber, la idea de que los proletarios estaban privados del saber de su situación, del saber de lo que le causaba y que, en consecuencia, el papel de los intelectuales consistía en aportarles esa conciencia que les faltaba. (Rancière, 2010, p.81)


Para comentar lo anterior, cabe destacar que Rancière insiste en objetar que los incapaces necesitan de algún saber para liberarse, es decir, por experiencia propia conocen las injusticias del sistema laboral. Por esta razón, no se trata de una falsa conciencia que hay que iluminar, sino que se trata de aceptar que son capaces y que más allá de la etiqueta de ignorantes, ellos ya poseen un saber.

Ahora bien, como mencionamos al inicio de este apartado, otro de los problemas que vislumbra Rancière con la lógica comunista es la temporalidad con la que conciben la emancipación. Al respecto el filósofo francés argumenta que: “si se considera que nos vemos transportados por una especie de corriente de la historia, por el desarrollo del capital, por la transformación de los modos de producción, nunca nos emanciparemos” (Rancière, 2011, p.240). De modo que, resulta necesario abandonar y cuestionar estas premisas, pues para Rancière el capital sigue su curso y lamentablemente no desaparece. Aclarando que esta posición, no coincide con el orden policial del capital, sino que simplemente niega el flujo natural de la historia hacia una sociedad comunista como promesa de salvación:

Desde mi punto de vista, hay que salir de esa temporalidad de los objetivos, del futuro opuesto al presente, o del crecimiento de las potencialidades del presente, las cuales no se definen por cálculos estratégicos, sino por nuevas capacidades que pueden surgir, desarrollarse, confirmarse en cualquier momento. (Rancière, 2011, p.240).


Lo anterior sería uno de los factores que promueven el fracaso del comunismo, pues al estar anclado en algo que va a ocurrir en un tiempo posterior al presente nunca termina por volverse un hecho. Por eso, Ranciére se opone tajantemente a cualquier lógica lineal que implique un tiempo secuencial donde al final aparecería la igualdad, pues, por el contrario, la igualdad es un punto de partida.

En suma, el filósofo francés plantea que una resignificación del término comunista en el contexto actual requiere romper el pacto de las jerarquías cognitivas y apostar por un poder igualitario para cualquiera. No se trata de decir que Rancière está totalmente en contra de cualquier hipótesis comunista, se trata, por el contrario, de señalar aquellas fallas o vacíos que han imposibilitado su potencia emancipatoria por estar viciado de principio por un posicionamiento desigual y una temporalidad progresiva por etapas.

A continuación, abordaremos otros desacuerdos que emanan de esta relectura del comunismo.


Ni partido, ni enemigo, ni proletariado: Comunismo de las inteligencias

Volvemos ahora al punto de partida de este trabajo, si la hipótesis comunista desde la lectura contemporánea de Rancière, sigue atrapada en la desigualdad de las inteligencias y en una idea teleológica de la emancipación por ende sería prudente preguntarnos: ¿Qué otra luz arroja el pensamiento político del filósofo francés? De entrada, hay que recordar que no apuesta por la misión de los partidos políticos como fuentes del bienestar y emancipación colectiva. Pero, ¿Qué razones da Rancière para esta toma de distancia?

En primer lugar, la idea de un partido político sigue edificada bajo la idea del estado protector, aquel que habrá de encargarse de esos pobres trabajadores embrutecidos que ignoran que son explotados. Sin embargo, “los cualquiera” nunca se ha identificado con partido alguno, ni siquiera con una clase proletaria, porque finalmente lo que los vuelve poderosos es la no identificación con las instituciones. La pregunta, entonces, se encamina a indagar en las posibilidades de crear un nombre común sin depender a ninguna institución partidista, pues “Si se responde diciendo “Hace falta un partido”, se está respondiendo con un parche, puesto que se está afirmando que, en definitiva, para unificar hace falta una instancia unificadora”. (Rancière, 2013, p.5).

De este modo, el desinterés de Rancière por defender cualquier institución partidista en aras de un proyecto libertario no tiene sentido. Es decir, estimular la difusión de estas ideas no contribuye a la multiplicación de las capacidades de los sin parte, puesto que sigue propagando modelos jerárquicos entre un amo protector en nombre de un partido y una multitud de embrutecidos. Hace falta entonces cambiar el rumbo de las opciones políticas sin desestimar lo común colectivo como punto de empuje y como clave inicial. Por ello Rancière argumenta “Se trata de saber cómo extraer un nombre común que sea susceptible de nombrar lo que es común como dinámica de acción y como esperanza de porvenir.” (Rancière, 2013, p.6).

Por lo tanto, la tarea más urgente de esta objeción es desmontar la idea jerárquica de la existencia de un comunismo inteligente en manos del partido liberador. El hecho de haber postulado que el intelectual comunista tenía como misión transmitir el conocimiento de los modos de opresión capitalistas, supone cuestionar la poca capacidad del comunismo para igualar la inteligencia por el hecho de que el inteligente desde esta perspectiva política corresponde al militante comunista: “Los comunistas, parecen encontrarse en una posición privilegiada en relación a la clase obrera” (Forero, 2015, p.101). Este hecho, trae como consecuencia la negación de un principio igualitario que paradójicamente aspiran a promover, ignorando de antemano que formular una separación entre el hombre de ciencia y el hombre trabajado entraña una división indisoluble.

Sintetizando, las posibilidades de igualdad y emancipación no residen en la construcción de una organización política partidaria, sino en la potencia multiplicadora de las capacidades de aquellos que eran calificados como incapaces. Por esta razón, la lucha va encaminada en la afirmación de una capacidad común: “La única inteligencia comunista es la inteligencia colectiva a través de estos experimentos” (Rancière,2013, p. 6). De este modo, se apuesta por universalizar la capacidad de “los cualquiera”, erradicando toda suposición que divide las capacidades y los lugares; potenciando el principio de igualdad como rasgo común de un sujeto colectivo.

Ahora bien, como señalamos anteriormente, en la concepción política de Rancière no hay un enemigo a quién tengamos que derribar. Dentro de esta constelación, se elimina toda pretensión de venganza; ya sea desde la militancia, las guerrillas o el activismo estratégico. La presuposición implícita en esta inversión implica la negación de cualquier forma de violencia y enemistad como vía para la igualdad, pues la lucha por la emancipación no implica daño alguno. Sumado a esto, no hay que olvidar que la tesis del enemigo se ha prestado a multitud de malentendidos; pues se daba por sentado que el partido de los trabajadores tenía la fuerza suficiente para derribar el sistema opresor a través de la violencia, sin embargo, pocas veces se preocupaban por propiciar vínculos de solidaridad entre ellos mismos: “Pero la creación de un vínculo o la construcción de lugares de vida social como medio para constituir una fuerza no era una preocupación prioritaria”. (Rancière, 2013, p. 5).

Por ello, sería prudente abstenerse de formular una posible emancipación con relación a la tradición que lucha contra el enemigo, es decir, hacer frente a, bloquear a, o la codependencia a partidos como la institución que unifica y guía al pueblo. Rancière (2023) propone otra cosa: “lugares de encuentro, relevos, extensión de capacidades, nombres capaces de nombrar lo que es común como dinámica de acción y esperanza de porvenir” (Rancière,2013, p.6). En efecto, el sentido último de la organización radica en la pregunta sobre la prolongación de las experiencias disensuales, a saber, aquellos momentos de suspensión de la incapacidad por la multiplicación infinita de las capacidades de “los cualquiera”.

Llegado a este punto, revisaremos algunos de los argumentos que elabora Rancière, para afirmar la posibilidad de momentos comunistas, como una alternativa viable a la concreción de estas ideas políticas.


Momentos comunistas

En el apartado anterior revisamos el comunismo de las inteligencias como una alternativa al comunismo anclado en la desigualdad cognitiva. Asimismo, exploramos las razones que da el filósofo francés para deslindarse de visiones emancipatorias atravesadas por la idea de un enemigo a derribar o partido político al que hay que adherirse.

Sin embargo, los razonamientos de Rancière (2010) con relación al término comunista en la actualidad tiene ciertas concordancias con la reflexión de su colega A. Badiou (1937-s.f), dado que ambos pensadores apuestan por la existencia de momentos políticos. De hecho, los dos estarían en común acuerdo de la posibilidad de momentos comunistas, a saber, hechos históricos donde el debilitamiento de las instituciones y los partidos en el poder se han visto derribados. Ahora bien, en la estrategia reflexiva de ambos pensadores la noción de “momento” debe evitar errores interpretativos, es decir, no es sólo un hecho temporal que aparece y desaparece sin consecuencias políticas para el pueblo, por el contrario, inciden en la configuración de otra temporalidad colectiva:

Los momentos comunistas han demostrado más capacidad de organización que la rutina burocrática. Pero es cierto que esta organización ha sido de desorden respecto de la distribución normal de los cargos, las funciones y las identidades. Si el comunismo es pensable para nosotros, es como la tradición creada por esos momentos, famosos u oscuros, donde los simples trabajadores, hombres y mujeres comunes demostraron su capacidad para luchar por sus derechos y los derechos de todos, para hacer funcionar fábricas, empresas, administraciones, escuelas o ejércitos colectivizando el poder de la igualdad de todos con todos. (Rancière, 2010, p.141).


En este orden de ideas, Rancière no descalifica del todo la hipótesis comunista. En otros términos, su crítica se orienta más bien, a la desigualdad de las inteligencias y a la figura del intelectual comunista. Empero, celebra esos momentos comunistas en los cuales se suspende el orden del tiempo robado, es decir, la distribución de la vida en sólo trabajo que no espera y nada más. En ese sentido, vale la pena repensar de qué manera se pueden sellar los vacíos o estrategias comunistas no del todo resueltas, e incorporarlo a la política desde su carácter afirmativo.

Es legítimo, entonces, apostar por el comunismo como una alternativa ante el caos de la democracia. Sin embargo, esta solución presenta múltiples problemáticas. Por ejemplo, cuando se apuesta por la igualdad comunista como remedio para frenar el narcisismo y consumismo exacerbado no se toma en cuenta el individualismo humano. Frente a esto, surgen bastantes cuestionamientos: ¿con quién? ¿con qué fuerzas subjetivas pretenden construir ese comunismo? El llamado al comunismo futuro se parece más a una profecía heideggeriana que llama a regresar al borde del abismo, a menos que determine formas de acción que se proponen como único objetivo golpear al enemigo y bloquear la máquina capitalista (Rancière, 2013, p.7). En consecuencia, esta falta de concreción remite más bien a una distorsión fantasmática irrealizable, que a una claridad de metas concretas por cumplir a corto plazo. Muchos son los intentos por frenar la maquinaria económica, sin embargo, su ineficacia siempre sobrepasa las buenas intenciones comunistas:

El problema es que, para bloquear la máquina económica, los traders estadounidenses y los piratas somalíes no se han mostrado más eficaces que los militantes revolucionarios. Desafortunadamente, su sabotaje eficaz no crea ningún espacio para ningún tipo de comunismo. (Rancière, 2010, p. 145).


Habría que mencionar, igualmente, que Rancière se muestra escéptico ante cualquier futuro del comunismo que no transforme radicalmente las formas de vivir, sentir y pensar de cualquiera. En principio, habría que indicar que la lógica comunista está contaminada por el proyecto iluminista a través de la pedagogía de la desigualdad, que convierte a los capitalistas en maestros que alumbran a los proletarios ignorantes señalándoles el camino para una igualdad futura. Aunado a esto, también esta contaminación emerge ante una lógica antiprogresista que señala cómo el individuo narcisista ha triunfado sobre cualquier intento de comunidad. Por ello Rancière advierte que:

El proyecto de revivir la hipótesis comunista sólo tiene sentido si cuestiona estas dos formas de contaminación y la manera en que hoy siguen dominando los análisis supuestamente críticos de nuestro presente. Sólo tiene sentido si cuestiona las descripciones dominantes del mundo llamado “postmoderno”. (Rancière, 2010, p.145)


A partir de lo anterior, problematizar las ideas comunistas en el contexto contemporáneo requiere tomar en cuenta sus múltiples fracasos, pero también, atenerse a los diagnósticos de una sociedad postmoderna que ha perdido la esperanza. Por eso, activar la hipótesis comunista requiere de un ajuste temporal, y también de un rediseño de sus alcances, más allá de los aparatos ideológicos que la obstaculizaron.


Conclusiones

La lectura que Rancière desarrolla en torno al comunismo está atravesada por los conceptos fundamentales de su pensamiento: la igualdad de las inteligencias y la emancipación. De esta manera se puede mostrar la inseparabilidad de ambos conceptos, por el hecho de que traza los paisajes de otras formas de vida donde no haya lugar para la política como policía. Razonando a partir de estos supuestos, la pregunta sobre la actualidad o viabilidad de la hipótesis comunista implica recuperar lo que Rancière (2010) nombra la hipótesis de la confianza. Se trata a sí mismo, de un trabajo de indagación sobre las condiciones de posibilidad de este otro comunismo sin partidos y sin liderazgos, donde se afirme la capacidad de los sin parte para alumbrarse por sí mismos.

Por tanto, revisar la hipótesis comunista, desde esta otra perspectiva, trae consigo la urgente tarea de desenmarañar sus modos de posibilidad ante aquellos intelectuales que formulan que el comunismo sea la única alternativa factible a una secuencia histórica posterior al capitalismo. Sin olvidar el lazo indisoluble entre el término comunismo, el absolutismo estatal y la explotación capitalista. (Rancière, 2010, p.145)

Sintetizando, Rancière (2010) no niega la posibilidad del comunismo, advirtiendo que no se trata de concebirlo como proyecto histórico o social. Simplemente elabora una lectura de sus vacíos o partes no del todo resueltas, como la dependencia de un poder estado o de un poder político. También realiza una crítica a la figura del líder comunista cuya función es dar cuenta de la ideología y los múltiples

enmascaramientos en los que viven la clase obrera. Rescatando, ciertos momentos políticos en los cuales la figura del comunismo ha logrado desconectar la vida del orden policial.

Finalmente, los supuestos arriba mencionados son una invitación a repensar ideas desde el tiempo en que vivimos. Sin duda tenemos buenas razones para decir que la propuesta de Rancière da lugar a concebir la lucha política desde la perspectiva de la igualdad y que emanciparse no es una cuestión de espera, ni de barricadas, ni de violencia, pues no hay enemigo a quien derribar. Por el contrario, el trabajo de hoy en día radica en hacer presente la universalidad de los cualquiera como punto básico del principio de igualdad.


Referencias

Forero, R. (2015). La confrontación entre Ranciére y Negri en torno al concepto de revolución en Marx: Análisis del papel de la historia y del sujeto revolucionario en el proceso emancipatorio. [Tesis para obtener el grado de politólogo] Universidad del Rosario. https://repository.urosario.edu.co/server/api/core/bitstreams/b3ad04e4-7e56-41ce-9909-a813cb837018/content

Morilhat. C. (2013). El comunismo vuelve entre los filósofos. En La Pensée , p. 55 -68. Rancière, J. (2003). El maestro ignorante. Laertes.

Rancière, J. (2010). Momentos políticos. Capital Intelectual. Rancière, J. (2019). Disenso: ensayos sobre estética y política. FCE.

Rancière, J. (2011). El tiempo de la igualdad: diálogos sobre política y estética. Herder. Savater, F. (2013). “Hacer algo 'contra' no construye un comunismo positivo” Entrevista al filósofo francés Jacques Rancière:

Reseñas

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.16020


PASIÓN POR LA IGNORANCIA

RESEÑA DEL LIBRO: SALECL, RENATA (2022). PASIÓN POR LA IGNORANCIA. CIUDAD AUTÓNOMA DE BUENOS AIRES: EGODOT. ISBN: 9789878413846


PASSION FOR IGNORANCE

Book review: Salecl, Renata (2022). Passion for ignorance. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Egodot. ISBN: 9789878413846


PAIXÃO PELA IGNORÂNCIA

Resenha do livro: Salecl, Renata (2022). Paixão pela ignorância. Ciudad Autónoma de Buenos

Aires: Egodot. ISBN: 9789878413846


Carlos Tomás Elías

(Universidad Nacional de Salta, Argentina)

ct.elias.1h@gmail.com

Recibido: 17/12/2023 Aprobado: 02/02/2024


Uma imagem contendo segurando, vestindo, homem, placa  Descrição gerada automaticamente

No es exagerado sostener que Renata Salecl ocupa un lugar especial entre los intelectuales contemporáneos. Pasó por instituciones de renombre como la Universidad de Ljubljana, la Universidad de Londres, la Universidad Yeshiva y la Academia de Ciencias de Eslovenia. Estando allí no sólo hizo un trabajo docente encomiable sino que además llevó a cabo investigaciones notables en las que se abocó a diagnosticar algunas de las problemáticas sociales más actuales.

En relación con su labor investigativa, cabe aclarar que esta filósofa, socióloga, estudiosa del psicoanálisis y teórica jurídica de origen esloveno tuvo numerosas publicaciones traducidas a diversas lenguas y con un abordaje interdisciplinar remarcable. Entre sus libros más destacados se pueden mencionar algunos como: Angustia (2018), El placer de la transgresión (2020), La tiranía de la elección (2022) y Humanovirus (2023).

Cuando publicó Pasión por la ignorancia -que vio la luz originalmente en 2020, pero que contó con una traducción al

español solo en 2022- dio lugar a una obra multifacética y altamente relevante para pensar sobre ciertos aspectos del mundo actual. Como sugiere el título, el tema de la ignorancia ocupa un lugar central. A propósito de esto analiza conductas y tendencias humanas mientras recupera aportes propios del psicoanálisis, la sociología, la filosofía, el derecho, las ciencias y la historia.

A lo largo de las páginas, divididas en nueve partes, se explica clara y ordenadamente los claroscuros de la ignorancia. Se presenta su carácter complejo y, por decirlo de alguna manera, rizomático. Más precisamente se exhiben sus conexiones con lo más profundo de la mente y la construcción de la identidad, cómo se relaciona con situaciones traumáticas, sus lazos tanto con la enfermedad como con el amor y el puesto que ocupa con respecto a un conjunto de desarrollos tecnológicos recientes.

En la introducción se advierte que toda época se encuentra marcada por cierta ignorancia, aunque con distintos matices. Se explica que esto se debe en gran medida a que hay formas de relación con el conocimiento que cambian con cada generación y que se construyen tanto colectiva como individualmente. Teniendo esto en cuenta y contemplando el panorama actual, caracterizado por profundos cambios en la naturaleza de lo que se sabe, se evalúa en concepto de ignorancia vigente.

Dando continuidad a lo indicado en el apartado introductorio, el primer capítulo establece consideraciones conceptuales fundamentales. Allí se traza una importante distinción entre dos formas de ignorancia. La primera de ellas asociada a la falta de conocimiento. La segunda, ligada a la ausencia del deseo de saber. Luego se abordan los prejuicios y cargas negativas que se le atribuyeron a ambas formas de ignorancia durante mucho tiempo pese a las bondades y utilidades de cada una. Hacia el final muestra algunas de las manifestaciones más palpables de la ignorancia en una sociedad que, pese a que proclama poseer grandes conocimientos, tiene grandes vacíos que evita reconocer.

Luego, en la segunda sección se recogen hechos y testimonios asociados a grandes eventos históricos como la Guerra de los Diez Días y la Segunda Guerra Mundial. Se revisa el papel que jugaron la memoria y el olvido en quienes se vieron atravesados por algún conflicto armado, así como sus vinculaciones con el consciente y el inconsciente. A partir de hechos y testimonios se considera la necesidad de la ignorancia frente a determinados eventos disruptivos y como requisito a veces indispensable para la continuidad de la vida.

En un tercer momento se habla sobre las paranoias, fantasías y angustias en torno a la genética. Se muestra el modo en que, desde distintos frentes, se presta cada vez más atención a un discurso que tiene a esto como centro. A su vez, a partir de dicha idea, se piensa en posibilidades de prevención y optimización tanto de tiempos como de esfuerzos en la vida humana -teniendo en cuenta cuestiones de salud, relaciones interhumanas y otras tantas propias de la descendencia-. No obstante, también se deja enclaro el vacío de conocimientos al respecto y cómo se ignora algo tan fundamental respecto a ello comolo es la epigenética.

Una cuarta instancia se aboca a la presentación de las formas en que, pese al acceso a la información del que dispone el común de la gente en materia de salud, muchas veces prefiere no prestarle atención. Se evidencia la forma en que algunos enfermos, a causa de ciertos mecanismos de defensa, evitan prestar atención a todo conocimiento que les resulte estresante o intimidante. De igual manera, se habla sobre trastornos como la “salud patológica” en los que algunos sujetos ignoran o minimizan síntomas y malestares dado que les infieren una “herida narcisista”.

En quinto lugar, se describen las expresiones de la ignorancia en los vínculos intersubjetivos. Se comenta el modo en que el amor y el odio dependen de algún margen de no-saber acerca del otro. También se aborda el papel de las redes sociales -y la información que se coloca en ellas- en las construcciones y configuraciones afectivas. Se pone al descubierto el funcionamiento de idealizaciones y desencantamientos que atraviesan a distintos tipos de relaciones.

En la sexta parte de lo escrito se piensa en torno a manifestaciones de la estereotipificación social y los modos de ignorar al otro junto con sus efectos nocivos. Para esto se toma tanto como punto de referencia

como ejemplo al movimiento incel y las categorizaciones que emplean sus integrantes. Así, en cierta medida, se contemplan las angustias y sentimientos de inferioridad a los que se somete gran parte de la población. Se atiende a lo que se podría denominar como las posibles consecuencias de no alcanzar el ideal de éxito deificado por un neoliberalismo de notas machistas y que supone todo un juego de marginalidades y exclusiones.

Previo al cierre de ideas se revisan las relaciones entre el poder y la ignorancia mientras se toma en cuenta lo que sucede con las tecnologías y el llamado big data. Se habla sobre los medios de los que cuentan las empresas comerciales y el Estado para vigilar una población que en medio de su desconocimiento brinda su permiso para ello. Con esto, se pone de manifiesto el entramado de opacidades e invisibilidades que rodean y atraviesan a la gente que cree disponer de un gran caudal de saberes Llegada la conclusión se recuperan algunos de los elementos clave del libro y se hace alusión a losucedido durante la pandemia de COVID-19. Se plantea a la situación sanitaria como uno de los hechos más importantes y desconcertantes del siglo XXI. En ese sentido, se atiende a grandes problemas que implicaron, entre muchas cosas, las reacciones de incredulidad del común de la gente, la proliferación de fake news y el accionar de los políticos pertenecientes a distintas latitudes.

El tema de la ignorancia tiene raíces profundas y antiguas. Además, desde hace siglos constituye uno de los puntos de reflexión más importantes para la filosofía, la ciencia y la teología. No obstante, es interesante el aporte que Salecl genera con su abordaje. Mientras señala algunas de las manifestaciones de este elemento tan humano en el mundo contemporáneo, brinda herramientas para que se pueda pensar en otras más. Se deja entrever el carácter polimorfo de la ignorancia y sus claroscuros. También se recuerda que está inevitablemente ligada a los hombres, pese al modo en que se jactan de ser conocedores y de caminar la senda del progreso.

Este libro puede ser un insumo valioso para quien desee identificar o tratar algunas de las problemáticas vigentes en la sociedad. Se estima que el análisis poliédrico que presenta puede contribuir a la expansión de horizontes de todo aquel que tenga algún interés por la idea de (des)conocimiento y las formas en que pervive.


Editorial Dosier

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15883


A LUZ DE PROMETEU, A SAÚDE MENTAL E A JUSTIÇA SOCIAL

THE LIGHT OF PROMETHEUS, MENTAL HEALTH, AND SOCIAL JUSTICE LA LUZ DE PROMETEO, LA SALUD MENTAL Y LA JUSTICIA SOCIAL

Prometeu, na mitologia grega, contrariou Zeus e levou o fogo aos homens, possibilitando que esses se libertassem das trevas, com a luz emanada do fogo.

Prometeica, tem em seu escopo, a proposta de ser uma revista acadêmica que busca explorar os limites das relações entre a Filosofia e a Ciência, uma revista destinada ao leitor interessado na compreensão do mundo a partir de uma posição, ao mesmo tempo, de objeto e de reflexão da realidade.

Os pesquisadores da saúde mental abordam aspectos da Ciência e da Filosofia, considerando o contexto social e histórico que caracterizam a amplitude e complexidade do fenômeno Saúde Mental. Nisso, se fundamenta o Programa de Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental da Universidade Paulista – UNIP, programa esse que objetiva a formação de agentes inovadores e empreendedores para a construção de uma sociedade mentalmente mais saudável.

Em setembro de 2023, juntamente com a Vice-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Paulista - UNIP, o Programa de Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental realizou o II Encontro Internacional de Práticas Psicossociais em Saúde Mental, dessa vez com o tema “Saúde Mental com Justiça Social”. Um evento que possibilitou encontros e reflexões epistemológicas, filosóficas, científicas e práticas em prol de uma sociedade mais saudável.

O II Encontro Internacional de Práticas Psicossociais em Saúde Mental, reuniu oradores de cinco países, Inglaterra, Portugal, Chile, Uruguai, Argentina e Brasil, todos de renomadas instituições voltadas à pesquisa e prática em saúde mental, apresentando e debatendo suas ações psicossociais fundamentadas na ciência e no pensamento reflexivo, através de palestras e mesas redondas. Tendo sido realizado no formato híbrido, o evento foi assistido por aproximadamente trezentos congressistas presenciais e duzentos e cinquenta on-line em diversos países da América Latina e Europa.

Referente aos posteres de trabalhos de pesquisa, relatos de experiências e ensaios foram recebidos 82 resumos com as propostas para a apresentação. Essas propostas foram provenientes de instituições de ensino e pesquisa dos estados de Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Roraima, Rio de Janeiro e outros. Após avaliação às cegas, realizada pelos membros da comissão científica, tendo o cuidado do parecerista não ser autor do trabalho, 79 propostas foram aprovadas e 77 apresentadas, durante a realização do evento, no formato pôster presencial.

Para composição desse número da Revista Prometeica, foram estabelecidos critérios amplamente transparentes para avaliação e pontuação dos trabalhos selecionados. Uma vez apresentados, presencialmente, por seus respectivos autores principais, todos os trabalhos foram avaliados por pareceristas externos ao grupo realizador e organizador do Encontro Internacional que tivessem títulos de mestre ou doutores e fossem parte do corpo acadêmico de diferentes instituições de ensino públicas e particulares. Cada um dos parecerista recebia uma ficha de avaliação com escala likert variando de 1

a 10 pontos para cada um dos critérios pré-definidos publicados no site do Encontro, desde sua publicação. Ao final da avalição pela dupla de pareceristas, estes foram entregues aos dois responsáveis, um representante discente da graduação em Psicologia da UNIP (Campus Ribeirão Preto-SP) e um do Programa de Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental da UNIP, que digitalizaram os valores atribuídos a cada um dos trabalhos apresentados, com a média dos pontos atribuídos foi realização a classificação do maior para o menor valor em uma planilha do Excel. Enfim, seguindo a classificação final, trinta trabalhos foram convidados a apresentação do manuscrito na versão completa do manuscrito da pesquisa ou relato de experiência ou ensaio para essa publicação. Dos 30 manuscritos 25 retornaram e 22 desses o apresentaram os critérios para a publicação na revista. O total de manuscritos aprovados serão publicados em dois números, contendo 11 manuscritos em cada um.

A Prometeica vem dar luz, vem, cumprindo seu objetivo de ser uma revista acadêmica destinada ao leitor interessado na compreensão do mundo, dar espaço a publicação de trabalhos, nas mais diversas temáticas pertinentes à saúde mental, que provocam uma reflexão profunda sobre os aspectos psicológicos, sociais, filosóficos e práticos de uma sociedade mais justa e salutar, uma sociedade que tanto necessita da “luz prometeica”.


image

Paulo Eduardo Benzoni (Universidade Paulista – UNIP, Brasil) paulo.benzoni@docente.unip.br


Artículos Dosier

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.16245


A PERCEPÇÃO DAS MULHERES SOBRE A MATERNIDADE NA CONTEMPORANEIDADE

WOMEN’S PERCEPTION OF MOTHERHOOD IN CONTEMPORARY LA PERCEPCIÓN DE LA MATERNIDAD EN LAS MUJERES EN LA ÉPOCA

CONTEMPORÁNEA


Selma Aparecida Geraldo Benzoni

(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental e Graduação em Psicologia da Universidade Paulista – UNIP, Brasil)

selma.benzoni@docente.unip.br


Noemi Garcia Baptista (Universidade Paulista – UNIP, Brasil) noemigbpsicologia@gmail.com


Rafael Tadeu Tomaz Musacci

(Universidade Paulista – UNIP, Brasil)

rafael.musacci@gmail.com


Jenifer Mayne Pereira da Silva

(Universidade Paulista – UNIP, Brasil)

vangelfuso@gmail.com

Recebido: 29/01/2024 Aprovado: 29/01/2024


RESUMO

image

Este artigo teve por objetivo identificar e compreender como as mulheres representam a maternidade. Para isso, foram realizadas, através de ligação telefônica, 15 entrevistas com mulheres entre 31 e 40 anos, que têm pelo menos um filho e inseridas no mercado de trabalho, utilizando para isto, um roteiro semiestruturado criado pelos pesquisadores. Através dos dados coletados, foi realizada uma análise qualitativa estruturada em duas categorias, a saber: o sentimento das participantes em relação à maternidade e a percepção da maternidade em meio à outras funções, como esposa e profissional. A partir da articulação entre os relatos das entrevistas com a literatura científica utilizada, foi possível verificar que as mulheres identificam a maternidade como uma grande responsabilidade, que muitas vezes, as fazem abdicar de outras funções também importantes como esposa, profissional, ou a si mesmas enquanto pessoa. Por outro lado, também foi possível averiguar que algumas mulheres, além de representarem a maternidade como uma responsabilidade, também a entronizam como realização, expressando um sentimento de mudanças positivas em suas

vidas. A partir do estudo foi possível ratificar o quanto a maternidade é valorizada pelas mulheres com filho, sendo necessário realizar mais estudos que relacionem a saúde mental de mães, com a sobrecarga e o sentimento de culpa citado por elas.

Palavras-chave: mulher. maternidade. responsabilidade materna.


ABSTRACT

This article aimed to identify and understand how women represent motherhood. To this end, 15 interviews were carried out via telephone with women between 31 and 40 years old, who have at least one child and are in the job market, using a semi-structured script created by the researchers. Using the data collected, a qualitative analysis was carried out structured into two categories, namely: the participants' feelings regarding motherhood and the perception of motherhood in the midst of other roles, such as wife and professional. From the articulation between the interview reports and the scientific literature used, it was possible to verify that women identify motherhood as a great responsibility, which often makes them give up other equally important roles such as wife, professional, or themselves as a person. On the other hand, it was also possible to ascertain that some women, in addition to representing motherhood as a responsibility, also enthrone it as an achievement, expressing a feeling of positive changes in their lives. From the study, it was possible to ratify how much motherhood is valued by women with children, making it necessary to carry out more studies that relate the mental health of mothers, with the overload and the feeling of guilt mentioned by them.

Keywords: woman. maternity. maternal responsibility.


RESUMEM

Este artículo tuvo como objetivo identificar y comprender cómo las mujeres representan la maternidad. Para ello, se realizaron 15 entrevistas telefónicas a mujeres entre 31 y 40 años, que tienen al menos un hijo y se encuentran en el mercado laboral, utilizando un guion semiestructurado elaborado por los investigadores. A partir de los datos recolectados, se realizó un análisis cualitativo estructurado en dos categorías, a saber: los sentimientos de las participantes frente a la maternidad y la percepción de la maternidad en medio de otros roles, como esposa y profesional. A partir de la articulación entre los relatos de las entrevistas y la literatura científica utilizada, se pudo verificar que las mujeres identifican la maternidad como una gran responsabilidad, lo que muchas veces las lleva a renunciar a otros roles igualmente importantes como el de esposa, profesional o de sí mismas como persona. Por otro lado, también se pudo constatar que algunas mujeres, además de representar la maternidad como una responsabilidad, también la entronizan como un logro, expresando un sentimiento de cambios positivos en sus vidas. A partir del estudio se pudo constatar cuánto valoran la maternidad las mujeres con hijos, siendo necesario realizar más estudios que relacionen la salud mental de las madres, con la sobrecarga y el sentimiento de culpa mencionados por ellas.

Palabras clave: mujer. maternidad. responsabilidad materna.


Introdução

A maternidade é uma vivência que foi sendo modificada ao longo do tempo concomitante às mudanças referentes a importância da criança na sociedade (Ariès, 1981). Gradvohl, Osis e Makuch (2014) e Iaconelli (2023) realizam uma reflexão da maternidade e da maternagem desde a Idade Média até os tempos atuais, lançando um olhar sobre a história da maternidade e da mulher e as funções exercidas

pelas mães. Ao valorizar a maternidade com a visão focada na mulher, enquanto organismo, a sociedade entende a mãe biológica como a única responsável pelo cuidado e amamentação de seus filhos, enaltecendo esta posição, que acabou por culminar na associação entre ser mulher e ser mãe.

Giordani et al. (2018) relataram que a interação social, a maternidade e a amamentação são parte de um processo interacional que vai se estruturando socialmente, conforme os papéis que as mães desempenham no percurso das interações. Essa multiplicidade de papéis assumidos por uma única pessoa, fará com que um seja enfatizado em detrimento a outro, e de acordo com o momento e a necessidade, haverá alternância de predominância entre os papéis, ora de mãe-mulher, ora de mulher- mãe, por exemplo.

Somado a estes fatores socioculturais, Rosseti e Gutierrez (2020) trouxeram que as concepções do pensamento médico uniram o biológico e o cultural para criar uma distinção entre homens e mulheres, inclusive quanto aos seus corpos. Assim, o corpo da mulher, como o responsável pela concepção da vida, passou a ser visto como aquele que tem a função de mãe.

A necessidade de ser mãe é uma construção social e histórica que foi vista como algo instintivo, conforme questionado por Badinter (1985). A valorização do instinto materno fez com que as mulheres sentissem a necessidade de “ter que” ser mãe. Lemos e Kind (2017) estudaram sobre a constituição da subjetividade na maternagem e observaram que a responsabilidade exclusiva feminina pela maternagem são baseadas em cobranças permeadas por aspectos biológicos. Enquanto o movimento radical queria mudar essa imagem da mulher relacionada à maternidade, o movimento maternalista trazia que a maternagem – essencial à vida feminina – deveria ser remunerada como trabalho, pois era uma atividade social (Gradvohl, Osis, & Makuch, 2014).

Campos (2020) nota que, baseado em aspectos sociais e históricos, a visão das mulheres participantes de seu estudo sobre a abnegação irrestrita da mãe, resultou em culpas, frustrações e sentimentos de inadequação por não atingirem o ideal da mãe. Este movimento fez com que as mulheres vivenciassem sentimentos ambivalentes, já que ocorre uma busca pelo “ser uma mãe boa” e ter as qualidades perfeitas para serem aceitas e valorizadas socialmente. O mito da boa mãe, que é abnegada e perfeita, permanece até a contemporaneidade (Martins, Abreu, & Figueiredo, 2014).

Segundo Mendes (2017) o papel de mãe como abnegada e perfeita, dificulta às mulheres chegarem a cargos de liderança, já que socialmente é pensado que a prioridade é o cuidado dos filhos e da família e não a vida profissional. Esta visão está pautada no neoliberalismo, no qual o funcionário deve produzir para poder permanecer e se desenvolver profissionalmente em seu local de trabalho. A maternidade ou mesmo a possibilidade da maternidade aparece com uma ameaça sobre a carreira da mulher ocidental, a qual acumulou as atividades de cuidado com os filhos e família com a vida profissional (Iaconelli, 2023).

Garcia e Viecili (2018) descrevem que o compartilhamento das tarefas domésticas, ou relacionadas aos filhos, em conjunto com a ascensão profissional e socioeconômica, quando ocorre de maneira desigual pode contribuir para que exista um sentimento de insatisfação nas mulheres.

Para Behar (2018), as mães abdicam das próprias vontades, ou questões pessoais, para atenderem aos interesses da família e dos filhos, em diferentes situações econômicas ou em uma diversidade de contextos, afirmando a existência de relatos sobre conciliação de papéis, que desencadeia o cansaço e o estresse.

Associado a estes fatores, que vem sendo discutidos desde a entrada da mulher no mercado de trabalho formal no início do século XX, já que anterior a este período muitas mulheres já realizavam trabalhos como babás, lavadeiras, cozinheiras, dentre outros, em março de 2020 viveu-se o isolamento social devido a pandemia da COVID-19. Segundo Silva et al. (2020), a pandemia influenciou a maternidade e afetou a relação mãe e filho através das mudanças nas reações emocionais e comportamentais, tanto nos adultos quanto nas crianças. A autora descreveu que esse abalo emocional proporcionado pela pandemia, aumentou o estresse devido à sobrecarga das demandas familiares e profissionais, gerando assim,

dificuldade de tolerância para lidar com as reações comportamentais e emocionais dos filhos. Da mesma forma, a perda do emprego ou redução da renda familiar auxiliam para a emergência destes conflitos na relação. Tem sido constatado durante a crise sanitária da COVID-19 a desigualdade de gênero na divisão do trabalho, com as mulheres destacando-se como o principal grupo, que em virtude da conciliação da educação em casa, tarefas domésticas e atividades laborais, correm um particular risco de agravos em sua saúde mental (Silva et al., 2020).

Através do que foi apontado é possível questionar como a maternidade é percebida e vivenciada pelas mulheres na contemporaneidade, e se a forma como cada mulher vivencia a maternidade pode influenciar ou não no manejo que a mesma faz em outros espaços sociais. Sendo assim este artigo busca:

  1. compreender como as mulheres percebem a maternidade; b) identificar o que elas consideram como sendo as funções de mãe; c) analisar, a partir da percepção das mulheres-mães, como a maternidade se inter-relaciona com as demais atividades exercidas (profissional, esposa e mulher em si).


Método

A coleta de dados foi realizada no período entre abril a junho de 2020, após aprovação do comitê de ética em pesquisa, tendo sido realizadas 15 entrevistas através de contato telefônico. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi lido e consentido pelas participantes via voz e gravado. A metodologia utilizada para a realização desse estudo foi a qualitativa (Minayo, 2012). Foram participantes deste estudo 15 mulheres (identificadas com o código M seguido do número em ordem de entrevista), com idades entre 31 e 40 anos, casadas ou amasiadas, mães de pelo menos um filho e inseridas no mercado de trabalho.

A técnica utilizada para a coleta de dados foi a da entrevista semiestruturada, pois ela permite liberdade “ao entrevistado falar daquilo que lhe é de significado central, mas em uma estrutura flexível que assegure ao entrevistador que os tópicos considerados cruciais para o estudo sejam cobertos” (Nunes, 2005). O roteiro de entrevista, criado pelos autores do estudo, continha 22 perguntas abordando a relação da mulher com a maternidade, com o casamento e com a vida profissional e com a conciliação dos três papeis e durou em média 20 minutos cada uma.

A análise dos dados coletados foi feita com base nas leituras de referência sendo criadas categorias a posteriori, para interpretação dos dados e comparação desses com a leitura científica realizada anteriormente. A análise de conteúdo, teve como crivo as orientações de Minayo (2012) que é realizada baseada em conceitos, hipóteses, métodos e técnicas que se constroem junto do autor e foi realizada posteriormente à coleta de dados.

Os dados foram agrupados em duas categorias: o sentimento das participantes em relação à maternidade e a percepção das participantes da maternidade em meio às outras funções como esposa e profissional.


Resultados e discussão

Ao investigar a percepção que as mulheres têm a respeito da maternidade, chegamos a duas categorias de análise:

  1. o sentimento das participantes em relação à maternidade, subdividida em maternidade como responsabilidade (a maternidade vista, principalmente, como uma responsabilidade na vida das mulheres participantes), e maternidade como responsabilidade e realização (a maternidade é vista como uma responsabilidade, mas também como uma realização ao ser exercida);

  2. a percepção das participantes, comparando-se a maternidade às outras funções como esposa e profissional, com dados a respeito da percepção das mulheres sobre a conciliação do papel de mãe em consonância com seus outros papeis exercidos: esposa e profissional.

Na categoria do papel de mãe como responsabilidade, podemos observar que em quase todos os relatos, as mulheres apresentam falas sobre dedicarem-se em tempo integral aos filhos, pois mesmo quando estão desempenhando outros papeis como, por exemplo, a vida profissional, o pensamento muitas vezes está nos filhos. Em alguns relatos ficou nítida a percepção de que essas mulheres entendem a maternidade como uma ‘obrigação de tempo integral’, priorizando o ser mãe em detrimento às outras funções, em especial, o cuidado de si mesmas enquanto pessoa.

O que demanda mais do meu tempo hoje, eu te falo que é o de mãe, hoje é o de mãe, porque mesmo que eu esteja na loja trabalhando minha cabeça tá matutando, tá pensando no que eu vou ter que fazer para o meu filho (M1).


[...] Como mãe eu tive que provavelmente assim, praticamente abandonar um pouquinho meu lado como pessoa pra ser mãe [...] (M14).


Podemos compreender esse pensamento através do contexto histórico que envolve as mulheres e a maternidade. Resende (2017) resgata o tema do amor materno divinizando a maternidade como algo natural às mulheres, como traz Badinter (1985, p. 179), no século XIX “o bebê e a criança transformaram-se nos objetos privilegiados da atenção materna”. A partir disso, a mulher passou a sacrificar-se, visando o bem-estar do filho junto a ela. Até este momento, o bebê normalmente era cuidado por outras pessoas e chegava até viver fisicamente distante de sua mãe biológica. Mas, chancelada pela necessidade de cuidados maternos para que pudessem sobreviver, as mulheres burguesas ocuparam o lugar de cuidadoras e passaram a se dedicar ao cuidado dos filhos, sendo, inclusive, muito valorizadas por esta atividade, tornando-as inviabilizadas no âmbito social e profissional, uma vez que elas estavam ganhando visibilidade a partir do Iluminismo (Mendes, 2017; Iaconelli, 2023).

Devido a esse mesmo contexto sócio-histórico-cultural da mulher com a maternidade, segundo Resende (2017), a mulher sofreu uma pressão ideológica, fazendo com que até mesmo as mulheres que não queriam ser mãe tivessem filhos, sendo esta afirmação corroborada pelo que foi encontrado nos relatos das participantes, como citado pela participante M6.

[...] Por exemplo, tudo segue, o lado profissional segue se você não tiver ali, o V (marido) também vai seguir se eu não tiver ali. Agora, a maternidade não, você é responsável, lógico junto com seu parceiro, mas aí eu saio dividindo as coisas, eu acho que a maternidade e a paternidade também, acho que muda muito a sua vida porque você tem a responsabilidade da vida de um outro serzinho, né, não tem... não tem como (M6).


A ideologia da maternidade está presente nas representações sociais que as mulheres fazem da maternidade na atualidade, enfatizando o cuidado com a prole, já que elas eram as únicas capazes de gerar os herdeiros, o que fez com que tivessem que viver de forma privada, o que supostamente, garantiria a paternidade dos filhos (Mendes, 2017). Assim, as mulheres passaram a ficar restritas ao ambiente doméstico e posteriormente ao papel de mãe, e ao se perceber em outros papéis podem ser condenadas e condenarem-se moralmente tanto pelas pessoas (externo) como por si mesmas (interno). A condenação moral interna faz com que o sentimento de responsabilidade se transforme em culpa (Badinter, 1985; Resende, 2017).

[...] Ser mãe e ‘ser’ uma profissão porque eu chego de manhã, fico um pouquinho com elas, aí eu vou trabalhar, volto no almoço e fico um pouquinho com elas, aí volto a trabalhar e a noite fico de novo com elas, eu não sou aquela mãe que não vê a criança, dorme e, vê a noite, não, eu sou a mãe que estou sempre presente, mas graças a Deus eu tive essa oportunidade maravilhosa de ter minha sogra na minha vida (M12).


Pesce e Lopes (2020) trazem o perigo de naturalizar a maternidade como algo inato ao sexo feminino, pois assim, esperar-se-ia que todas as mães desenvolvessem de forma natural um amor incondicional pelos filhos, mas ao entrar em contato com a maternagem, as mulheres entram em um conflito sentindo- se relapsas e irresponsáveis, já que o ideal de mãe é daquela que vive em prol dos filhos, o que é algo que habita no imaginário, pois hoje a grande maioria das mulheres realiza outras atividades além da maternidade. Desta forma, é possível encontrar nos discursos de mulheres o sentimento de culpa e medo

ao não corresponderem ao que é esperado socialmente das mães (Pesce & Lopes, 2020) e internalizado por elas.

Para Francisco et al. (2007), existe a idealização de mães sobre a maternidade não correspondida, mesmo que a vivência dessa maternidade possa ser gratificante. A vivência da maternidade gera angústias por não conseguirem perceber facilmente as necessidades de sua criança, assim como haviam idealizado. Elas passam a considerar que podem prejudicar a criança por não serem boas mães e com isso, são acometidas por sentimento de culpa. Sentimento esse que vai conduzindo para um investimento na relação com esta criança para compensar os primeiros momentos de alguma indisponibilidade. Sendo assim, observa-se no relato das participantes um possível investimento na relação com os filhos, quando relatam sobre a maternidade como a sua ocupação principal e abdicação das demais dimensões de preocupações.

Principalmente de, é... Principalmente o papel de mulher, de esposa. É o que mais a gente deixa de lado, o marido na maternidade, depois que você é mãe ele fica praticamente de lado [...] (M1).


[...] sempre deixo meu papel de esposa para ser mãe (M2).


Pode-se perceber que mesmo executando outras tarefas a participante M1 está pensando no filho, desempenhando mais tempo a essa atividade e M2 sugere um investimento maior na relação com a criança do que com o marido. E por fim M13 no trecho [...] ser mãe é desde a hora, desde você acorda até na hora que vai dormir [...]” aponta para um possível investimento intenso com o filho. Todas essas falas demonstram a percepção que elas têm da maternidade como responsabilidade, sendo condizentes com a subcategoria maternidade como responsabilidade.

Já na subcategoria maternidade como responsabilidade e realização é possível perceber a abdicação e o investimento na relação mãe-filhos, assim como uma realização.

Nossa! Ser mãe, sem dúvida nenhuma! Mãe me transformou em outra pessoa, a melhor mudança da minha vida, a mais sofrida, maternidade é extremamente sofrida. Filho assim, é maravilhoso, mas a gente tem muito sofrimento né, é muito difícil você educar, é a gente abdica muito da vida da gente, é mãe 24 horas por dia né, é um papel bem cansativo, mas muito prazeroso ao mesmo tempo também (M9).


Nota-se que na parte da fala de M9 [...] é mãe 24 horas por dia [...] está implícito o investimento intenso na relação mãe e filho, assim como também é possível perceber um sentimento de realização relacionado à maternidade como no trecho da mesma participante [...] Mãe me transformou em outra pessoa, a melhor mudança da minha vida [...]. Esta realização mostra sinais associados ao ideal de mãe, ao mesmo tempo que abdica de outras funções e se sente realizada pelo investimento com o filho. Tal fala mostra que as mães, ainda, estão presas à valorização desse papel, e encobre a realização que pode ocorrer em outros espaços que elas também se sintam valorizadas, e isso, pode contribuir para a sobrecarga de atividades, levando ao adoecimento mental da mulher (Iaconelli, 2023).

Assim como na subcategoria maternidade como responsabilidade, é perceptível nestes relatos o sentimento de responsabilidade das participantes em exercer a maternidade, porém, se diferenciando dos relatos apresentados anteriormente, pela verbalização do sentimento de realização na fala das participantes.

Sobre o aspecto do sentimento de responsabilidade que aparece em ambas as subcategorias, as mulheres sentem a necessidade de mostrar o quanto o papel de mãe exige delas. Na visão de Halasi (2018), existe um dilema entre a mulher que precisa descansar e ao mesmo tempo precisa se dedicar à criança. Esse conflito foi percebido no relato da maioria das entrevistadas, principalmente, pela intensidade da dedicação relatada por elas. O autor, ainda afirma que, um ideal materno constituído pelo papel de mãe que a mulher exerce transcendendo todos os outros, produz maternidades falsas para essas mulheres, ou o sentimento de culpa, que em seu auge, as deprimem, uma vez que elas percebem a maternidade como uma atividade de maior relevância social e que não estão conseguindo realizar como gostariam ou como são cobradas para tal.

Nos relatos das entrevistadas, a maternidade está em uma perspectiva intensa de responsabilidade, uma tarefa que quando assumida, faz com que a mulher precise se dividir entre suas diferentes atividades, porém, sempre priorizando a maternidade, pois essa é colocada como a função principal em sua vida.

[...] mas eu acredito que ser mãe ocupa mais o tempo, porque o trabalho você vai você tem um horário pra entrar, pra sair, ser mãe é desde a hora, desde você acorda até na hora que vai dormir, eu acho que o papel de mãe ocupa mais, maior tempo (M13).


O que se observa nos relatos das participantes na categoria o sentimento das participantes em relação à maternidade é que a maternidade trouxe sentimentos de abdicação de seu lado pessoal, em detrimento de exercer a maternagem. Mesmo os relatos que trazem em conjunto os sentimentos de responsabilidade com realização, segundo estudo de Campos (2020), podem significar uma ambivalência das experiências subjetivas maternas, assim como a abdicação de outras atividades que não a maternidade.

Segundo Giordani et al. (2018), a interação social produz alternância na multiplicidade dos papéis assumidos pela mulher, ora se sobressaindo um mais que o outro e vice-versa. De acordo com as falas das entrevistas, o papel de mãe aparenta se sobressair ao demais, fazendo-as abdicar de muitos outros papéis em prol dos filhos. Segundo Behar (2018) a abdicação em prol dos filhos ocorre com muitas mulheres em diferentes contextos, onde abdicam do “eu” e de suas vontades, ao passo que persiste uma cobrança social para que assumam vários papéis, em especial o materno; com isso, a dedicação a atividades dentro e fora de casa causa muitas vezes sobrecarga mental, devido ao acúmulo de responsabilidades. As participantes demonstram verbalmente sobrecarga de atividades, tanto do ponto de vista do tempo empregado, quanto da abdicação de outras atividades que não a maternidade, como observado nas falas a seguir.

Ser mãe, você deixa de ser sozinha e tem alguém dependente de você. A responsabilidade triplica. Nunca mais me vi em primeiro plano, tudo por elas e pra elas, se sobrar tempo, dinheiro, oportunidade ai sim, eu, se não, não (M11).


Ah, o papel de mãe né, é... quando você não tem um filho o seu foco é você e o seu marido e ponto, ai quando você tem filho, o marido fica de lado e você também (risos), é... apesar de ser amores diferentes, se você colocar na balança não tem nem comparação, filho é filho pra sempre indiferente do que [...](M15).


Além dos relatos citados anteriormente, como o de M1 no trecho “[...] principalmente, o papel de mulher, de esposa. É o que mais a gente deixa de lado [...]”; no relato de M9 no trecho “[...] mas a gente tem muito sofrimento né, é muito difícil você educar, é a gente abdica muito da vida da gente, é mãe 24 horas por dia né [...]”; de M13 no trecho “[...] ser mãe é desde a hora, desde você acorda até na hora que vai dormir [...]”

O sentido de responsabilidade sobre a maternagem como descrito por Lemos e Kind (2017) no sentido de “ter que” é o imperativo da locução verbal que acompanha a constituição da subjetivação materna e se apresenta em relatos das participantes.

Bom, um ponto positivo de ser mãe... que é uma benção de Deus né, não tem coisa melhor que uma mulher pode ter, e o único ponto negativo que eu vejo é a questão da responsabilidade que eu tenho, no caso, uma vida a mais pra mim pensar e se ocupar (M5).


É notável a locução verbal na fala da participante M5 quando menciona a “responsabilidade que eu tenho”, e no relato de M10, atribui o “ter que” a diversos papéis, incluindo o da maternidade. O mesmo “ter que” ocorre em outros relatos como no da participante M1, quando conta que pensa no que “tem que fazer” para o filho quando chegar; no relato de M14 que descreve que “teve” que deixar o trabalho pela maternidade. Com isso, na visão de Lemos e Kind (2017) esse “ter que” produz identidades pré- fabricadas para o universo feminino, como o “ter que” ser mãe, gerando uma responsabilidade quase que exclusiva de exercer a maternagem.

Albertuni e Stengel (2016) e Iaconelli (2023) relataram que uma grande conquista para as mulheres foram os métodos anticoncepcionais, que romperam as correntes que aprisionavam a mulher à

maternidade, ou seja, não mais a colocando como parte do destino feminino. No entanto, o mesmo não pode ser observado com relação as exigências socioculturais. Os autores ainda citam Sarti (2008), que coloca que a escolha pela maternidade, ou não, passou a fazer parte da realidade feminina, independente dos valores sociais impostos a elas, mas de forma subjetiva pode-se observar tais afirmações.

Albertuni e Stengel (2016) questionaram se o sentimento de completude da mulher só se daria através da maternidade, e trazem que a maternidade ainda está ligada ao destino biológico da mulher, presente no discurso social a respeito da completude da identidade feminina. Assim, a maternidade ainda é considerada o papel principal a ser exercido pelas mulheres, fazendo com que a escolha, de ser ou não ser mãe, possa levar à intolerância social. Mesmo com algumas mudanças observadas na divisão de cuidado com os filhos, essas mudanças ainda são muito incipientes, e muitas vezes são percebidas apenas como uma ajuda e não como uma partilha de responsabilidades. Desta forma, levantamos o seguinte questionamento: algumas mulheres de fato querem exercer a maternidade ou apenas tornam-se mães em busca de sentirem-se completas socialmente quanto a sua identidade feminina?

Em pesquisa realizada sobre a percepção de mulheres quanto ao papel de mães e de pais, Martins, Abreu e Figueiredo (2014) encontraram que as mães se autoassumem como as principais cuidadoras das crianças, pois assim, entregam-se ao processo de aprender e entender a maternidade, visando ser uma mãe competente e presente, ou seja, aquela que ama e que cuida, e sentem satisfação com isso. Isso sugere um questionamento: se essa satisfação seria pela realização em tornar-se mãe, algo muito desejado por muitas mulheres, ou se seria uma forma de evitar a culpa, pois sentem-se na obrigação de serem mães perfeitas?

Deve-se considerar todas as conquistas que as mulheres conseguiram alcançar, porém ainda não se pode falar em igualdade, pois mesmo tendo conquistado o direito de exercer atividade laboral fora do lar, as mulheres ainda precisam dividir seu tempo entre a vida pública e a privada, atendendo as demandas profissionais e as domésticas, como os cuidados dos filhos e do marido, como relatado pela participante M10 “[...] a gente tem que ser mãe tem que ser dona de casa e se puder ajudar na lida com os pagamentos da casa também é muito bom né, é isso que eu penso isso.”

Martins, Abreu e Figueiredo (2014) trazem que a figura paterna fica no plano secundário sobre os cuidados com os filhos, e é mantido assim pelas próprias mulheres, pois querem preservar o bem-estar dos maridos, já que eles exercem atividades laborais, muitas vezes, como provedor principal da família, o que não é uma realidade contemporânea, já que as mulheres têm assumido a responsabilidade de prover a família em conjunto com os homens. No entanto, observa-se que os homens se mantêm nesta posição “mais distante” dos cuidados com os filhos, devido à própria desconfiança das mulheres quanto a qualidade do cuidado que os pais podem oferecerem aos filhos, não havendo assim, queixas das mães em relação aos cuidados prestados pelos pais, já que elas mesmas atribuem essa responsabilidade para si.

As mulheres, mesmo com o suporte recebido por outras mulheres através da rede de apoio, ainda assumem boa parte da responsabilidade dos cuidados com suas crianças. Porém, na contemporaneidade, através das mudanças conquistadas no decorrer da história, as mulheres exercem além do papel de mãe, o de profissional, o que nos leva a segunda categoria de análise quanto a percepção das mulheres sobre a maternidade em meio as outras funções exercidas. Pode-se perceber que, embora a maternidade não tenha sido um impeditivo para o ingresso no mercado de trabalho, como citado por Mendes (2017), a possibilidade da maternidade poderia ser uma dificuldade, pois devido ao exercício de ambos os papéis, existe uma sobrecarga para as mulheres.

O processo de conciliação entre maternidade e profissão é um pouco mais difícil. Tem dias que o filho não está bem, eu quero dar uma atenção melhor e não posso estar 100% presente, mas tenho minha mãe que me ajuda muito, por isso acredito que consegui essa conciliação (M2).


Quando meu filho ficava doente e eu tinha que sair do meu serviço e tinha que deixar o serviço da casa também e ficar cuidando dele até ele ficar bem pra poder retomar as outras atividades. Várias vezes (M3).

É, na época eu deixei de trabalhar, porque eu trabalhava como vendedora numa loja, pra ser mãe, porque ela ia nascer e aí eu abandonei o emprego, preferi sair do emprego pra ter, pra me dedicar só a maternidade (M7).


Então, foi difícil no começo, eu até é... nessa época eu pensei em parar de trabalhar, é justamente porque eu achei que eu não ia conseguir ficar sem ele, né. Então... só que depois, conversando com algumas pessoas e também é... tive muito apoio da minha família, é eu voltei e deu tudo certo. E hoje eu vejo que foi até melhor, falando financeiramente e eu trabalho pra ele mesmo (M8).


Essa sobrecarga se deve ao fato de que, embora tenham citado uma rede de apoio fundamental, são elas as responsáveis por todos os cuidados relacionados aos filhos, seja perante uma visão da sociedade, seja pela visão delas próprias.

Em nosso estudo, a maternidade se apresenta de uma forma que não compromete diretamente a conquista de um cargo de liderança, embora as participantes relatem que a maternidade é o papel que mais demanda tempo e dedicação em suas vidas. Entretanto, se considerarmos alguns relatos, as entrevistadas disseram ter deixado o emprego para se dedicarem à maternidade, como no trecho do relato de M7 “[...] na época eu deixei de trabalhar, porque eu trabalhava como vendedora numa loja, pra ser mãe [...]”, ou terem deixado a função profissional em alguns momentos específicos, seja um dia ou algumas horas, priorizando o atendimento de demandas maternas, assim como no relato de M3 no trecho “Quando meu filho ficava doente e eu tinha que sair do meu serviço [...] até ele ficar bem pra poder retomar as outras atividades. Várias vezes.”

Essas situações podem dificultar que essas mulheres atinjam cargos de liderança, pelo fato de que, quando deixam de exercer a atividade profissional, a mulher vai precisar reiniciar a relação com a empresa que será empregada, e no caso das que priorizam outras demandas que não são as da empresa, seja apenas por um dia ou por horas, a manutenção da relação empregado e empresa pode se comprometer, dificultando assim o atingimento de cargos mais elevados.

Mendes (2017) traz que há uma contradição quanto ao incentivo para a mulher ser inserida no mercado de trabalho, pois é reforçado pela sociedade e por si mesma, que todos os cuidados com os filhos ainda é responsabilidade integral da mulher. Isso acaba por desestimular o ingresso das mães no mercado de trabalho, ou ainda, existe o estímulo, desde que ela seja uma profissional que não deixe de exercer as atividades de cuidado com os filhos. A desigualdade na divisão das tarefas domésticas e do cuidado dos filhos atinge a ascensão profissional das mulheres, e segundo Garcia e Viecili (2018), contribui para a insatisfação das mulheres, como pode ser visto na fala de uma entrevistada.

[...] a mulher ela tem uma, né, uma coisa natural dela que é do cuidar, então ela acha que ela tem que cuidar da casa, ela acha que tem que cuidar de tudo e de repente ela precisa também reconhecer que ela não precisa ser só no cuidado [...] (M4).


Essa insatisfação fica evidente em especial nos relatos da subcategoria “maternidade como responsabilidade” quando as participantes trazem uma visão da maternidade como responsabilidade, e as fazem abdicar de outros aspectos, às vezes desejados por elas.

A partir do aspecto da insatisfação, e outros supracitados, como o sentimento de culpa, a sobrecarga mental, abre-se o seguinte questionamento: qual é a condição da saúde mental das mulheres que exercem a maternidade? Através dos relatos das participantes, notamos que várias delas tiveram de abdicar de outros aspectos de suas vidas para se dedicarem a maternidade, e que segundo Behar (2018), pode causar, muitas vezes, sobrecarga mental devido ao acúmulo de responsabilidades. O autor também constatou a existência de mulheres com cansaço e estresse pela dedicação intensa à maternidade.

Encontramos nos relatos das participantes que, mesmo exercendo outras funções, a de ser mãe sempre é sobressalente, sendo em muitas vezes, representada como uma responsabilidade intensa e atrelada a um sentimento de culpa e de cobrança. Com isso, segundo Halasi (2018) a culpa das mães com relação à maternidade, em seu auge, pode as deprimir. Observando nos relatos das entrevistas em nossa pesquisa, mesmo quando o papel de ser mãe se sobressai aos demais, os outros papéis ainda são exercidos em

alguma medida, deixando-as sobrecarregadas pela tentativa da conciliação desses papéis. Além disso, o estudo de Behar (2018) demonstrou que a conciliação de demais papéis com o materno pode ser um fator capaz de provocar estresse, cansaço e muitas frustrações.

Rosseti e Gutierrez (2020) relatam tanto a respeito da fonte de prazer, quanto de sofrimento que a maternidade pode trazer para a mãe devido à ambivalência de sentimentos afetando a saúde mental da mãe. Dessa forma, percebe-se que muitas dessas mulheres não cuidam de si mesmas, tendo sua atenção e cuidados voltados para os filhos, enquanto tentam conciliar a maternidade com outros papéis, e abrem mão dos cuidados consigo mesmas. Assim, surge o seguinte questionado sobre a atuação dessas mães diante da maternidade: se essa mãe não estiver cuidando de si mesma, ela vai conseguir cuidar dos filhos? E a qualidade da relação estabelecida entre mãe e filho, como fica?

Outra questão importante de mencionar é sobre a relação de maternidade, ou a execução da maternagem sendo afetada durante o período de pandemia da COVID-19, que poderia permear tanto os aspectos das representações da maternidade, quanto à questão da saúde mental, porém, houve apenas uma menção sobre esse aspecto nas falas das participantes.

Do mesmo jeito (risos), bem tranquilo, sem passar mal. Só que a diferença é que eu tô em casa porque eu tô afastada do serviço, né. Tô... sou do grupo de risco pro Covid, então tô afastada do serviço. Eu tô aproveitando a gestação assim, de maneira integral, né, sem pensar em outras coisas (M3).


A relação da saúde mental da mulher em desempenhar a maternidade e a maternagem, é uma temática que merece ser mais exploradas em pesquisas futuras.


Considerações finais

Observa-se que a maternidade é representada como uma grande responsabilidade na vida das mulheres, onde muitas vezes dedicam seu tempo integralmente aos filhos, e/ou tem de abdicar de outras atividades de suas vidas, como profissional e esposa, bem como de si mesmas como pessoa.

Observou-se neste estudo que a responsabilidade com a maternidade é extrema e idealizada; também apareceram relatos que demonstram sentimento de culpa e insatisfação, mostrando a ambivalência deste espaço ocupado pelas mulheres na maternidade e justificando o amor aos filhos acima de tudo.

Essas mulheres encontram-se sobrecarregadas, especialmente quando são mães e têm uma vida profissional, evidenciando o grande desafio de conciliação entre ambos os papéis. Somado a esta sobrecarga, há toda a história sobre a cobrança social em cima das mulheres para o exercício da maternidade, o que acaba por gerar, ao mesmo tempo, um intenso sentimento de desejo, responsabilidade e culpa nas mulheres que são ou planejam ser mães.

Com relação ao aspecto do estudo ter sido realizado bem no início da pandemia no Brasil em 2020, aparenta não ter ocorrido um impacto deste aspecto nas falas. O estudo foi realizado no início do isolamento social devido a pandemia advinda da COVID-19. Estudos posteriores mostraram que a maternidade associada às demais atividades desempenhadas pelas mulheres podem deixá-las sobrecarregadas, já que muitas acumulam diferentes atividades, como forma de vivenciarem de maneira efetiva a vida pública e a privada.

É importante refletir sobre a possibilidade de divisão de tarefas no cuidado com os filhos como uma alternativa para equilíbrio da saúde mental das mulheres, sem que isso gere sentimento de culpa por deixarem a prole. Lembrando que, além de existir instintivamente um sentimento de cuidado materno na mulher quando ela se torna mãe, existe também toda uma construção sociocultural e histórica de que esse cuidado é dever das mulheres, e que elas devem assumir completamente a maternidade. Infelizmente, quando essas cobranças internas e externas não são bem administradas pela mulher-mãe, podem resultar em sobrecarga física e mental. Por isso, destacamos a importância de conscientizar, de

forma educativa, homens e mulheres sobre a nova realidade vivida pelas as mulheres e a importância da maternidade em conjunto com os seus demais papéis, além de priorizar a saúde mental feminina.


Referências bibliográficas

Albertuni, P. S., & Stengel, M. (2016). Maternidade e novos modos de vida para a mulher contemporânea. Psicologia em Revista, 22(3). 709-728, 2016. https://doi.org/10.5752/P.1678- 9523.2016V22N3P709

Ariès, P. (1981). História Social da Criança e da Família (2ª ed.). LTC.

Badinter, E. (1985). Um amor conquistado: o mito do amor materno. Trad. Waltensir Dutra. Nova Fronteira.

Behar, R. C. R. (2018). A maternidade e seu impacto nos papéis ocupacionais de primíparas [Monografia em Terapia Ocupacional, Universidade Federal da Paraíba]. Repositório do Campus da UFPB. https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/12177

Campos, P. A. (2020). Maternidade e cuidados na primeira infância [Tese de doutorado em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica]. Repositório PUC-RJ. https://www.maxwell.vrac.puc- rio.br/48362/48362.PDF

Francisco, V. L., Pires, A., Pingo, S., Henriques, R., Esteves, M. A., & Valada, M. J. (2007). A depressão materna e o seu impacto no comportamento parental. Análise Psicológica, 25(2). 229-239. https://doi.org/10.14417/ap.442

image

Garcia, C. F., & Viecili, J. (2018). Implicações do retorno ao trabalho após licença-maternidade na rotina e no trabalho da mulher. Rev. de Psicologia, 30(2). 271-280. https://www.scielo.br/pdf/fractal/v30n2/1984-0292-fractal-30-02-271.pdf

image

Giordani, R. C. F., Piccoli, D., Bezerra, I., & Almeida, C. C. B. (2018). Maternidade e amamentação: identidade, corpo e gênero. Ciência & Saúde Coletiva, 23. 2731-2739. https://doi.org/10.1590/1413- 81232018238.14612016

Gradvohl, S. M. O., Osis, M. J. D., & Makuch, M. Y. (2014). Maternidade e formas de maternagem desde a idade média à atualidade. Pensando Famílias, 18(1). 55-62. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v18n1/v18n1a06.pdf

Halasi, F. S. (2018). A mulher brasileira contemporânea e a maternidade da culpa [Dissertação em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica]. Repositório PUC-SP. https://repositorio.pucsp.br/jspui/handle/handle/21668

Iaconelli, V. (2023). Manifesto antimaternalista. Zahar.

image

Lemos, R. F. S., & Kind, L. (2017). Mulheres e Maternidade: faces possíveis. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 17(3). 840-849. https://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/37675/26491.

image

Martins, C. A., Abreu, W. J. C. P., & Figueiredo, M. C. A. B. (2014). Tornar-se pai e mãe: um papel socialmente construído. Rev. de Enf. Referência, 4(2). 121-131. http://dx.doi.org/10.12707/RIII1394.

Mendes, A. P. (2017). Labirinto de cristal: mulheres, carreira e maternidade uma conciliação possível? [Dissertação de mestrado em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Repositório PUC-SP. https://repositorio.pucsp.br/jspui/handle/handle/20561

Minayo, M. C. S. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc. Saúde Coletiva,

17(3). 621-626. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000300007

Nunes, M. L. T. (2005) Entrevista como instrumento de pesquisa. In M. M. K. Macedo, L. K. Carrasco (Org.). (Con)textos de entrevista: olhares diversos sobre a interação humana (pp. 207-222), Casa do Psicólogo.

Pesce, L. R., & Lopes, R. C. S. (2020). “O lado B da maternidade”: um estudo qualitativo a partir de Blogs. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 20(1). 205-230. http://dx.doi.org/10.12957/epp.2020.50825

Resende, D. K. (2017). Maternidade: uma construção histórica e social. Rev. da Graduação em Psicologia da PUC Minas, 2(4). 175-191. https://periodicos.pucminas.br/index.php/pretextos/article/view/15251

Rosseti, D. M. G. S., & Gutierrez, D. M. D. (2020). A maternidade de mulheres em sofrimento psíquico: uma revisão de literatura. Braz. J. Hea. Rev., 3(6). 15691-15712. https://doi.org/10.34119/bjhrv3n6-006

Silva, I. M., Schimdt, B., Lordello, S. R., Noal, D. S., Crepaldi, M. A., & Wagner, A. (2020). As relações familiares diante da COVID-19: recursos, riscos e implicações para a prática da terapia de casal e família. Pensando Famílias, 24(1). 12-28. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v24n1/v24n1a03.pdf

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.16247


CARACTERIZAÇÃO DA DEMANDA DE ATENDIMENTO PSICOLÓGICO NA PANDEMIA


CHARACTERIZATION OF THE DEMAND FOR PSYCHOLOGICAL CARE IN THE PANDEMIC


CARACTERIZACIÓN DE LA DEMANDA DE ATENCIÓN PSICOLÓGICA EN LA PANDEMIA


Samanta Benzi Meneghelli

(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental

Universidade Paulista – UNIP, Brasil) samanta.meg@hotmail.com


Ana Paula Parada

(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental

Universidade Paulista – UNIP, Brasil) ana.parada@docente.unip.br

Recebido: 29/01/2024 Aprovado: 29/01/2024


RESUMO

Caracterizar a demanda de atendimento psicológico e compreender a experiência dos profissionais que atuaram na pandemia do COVID-19, em uma plataforma de atendimento psicológico on-line. Realizou-se uma análise documental e entrevista semiestruturada com 20 psicólogos que atuaram no mínimo 6 meses na plataforma entre mar/2020 à dez/2022, em que foram atendidos um total 15.963 pacientes. Dentre as demandas, prevaleceram ideação suicida com planejamento, ansiedade e depressão. O perfil prevalente dos pacientes atendidos na pandemia corresponde à literatura, em períodos não pandêmicos, bem como a prevalência de sintomas ansiosos e depressivos. Porém, destacou o surgimento do alto número de pacientes com ideação suicida, o que sugere um agravamento dos transtornos mentais, despertado pela pandemia, além de uma dificuldade comum aos entrevistados, relacionada a clareza dos critérios clínicos utilizados para determinação da gravidade dos casos. Os psicólogos apontaram dificuldades no manejo destes casos graves, intensificados pelo impacto emocional pandêmico também sentido por eles, junto ao despreparo para sua atuação online, as percebendo como limitações. Apesar do despreparo, a alta demanda incitou os profissionais aderirem as especificidades da modalidade. Estes relataram ter buscado aporte teórico e apoio emocional para manterem os recursos internos, cognitivos e emocionais, necessários ao setting terapêutico. Pode-se concluir que os resultados evidenciaram a importância de se refletir sobre os critérios de avaliação clínica utilizados para compreensão da severidade dos casos, sem deixar de considerar os recursos internos dos pacientes relativos à sua capacidade de sofrer, os quais podem ser identificados quando mantida a capacidade de rêverie do profissional.

image

Palavras-chave: COVID-19. sofrimento emocional. teleterapia. enquadramento em psicologia. manejo psicológico.

ABSTRACT

Characterize the demand for psychological care and understand the experience of professionals who worked during the COVID-19 pandemic, on an online psychological care platform. A document analysis and semi-structured interview were carried out with 20 psychologists who worked at least 6 months on the platform between Mar/2020 and Dec/2022, in which a total of 15,963 patients were served. Among the demands, suicidal ideation with planning, anxiety and depression prevailed. The prevalent profile of patients treated during the pandemic corresponds to the literature, in non-pandemic periods, as well as the prevalence of anxious and depressive symptoms. However, it highlighted the emergence of a high number of patients with suicidal ideation, which suggests a worsening of mental disorders, triggered by the pandemic, in addition to a common difficulty for interviewees, related to the clarity of the clinical criteria used to determine the severity of cases. Psychologists pointed out difficulties in managing these serious cases, intensified by the emotional impact of the pandemic also felt by them, along with their lack of preparation for their online activities, perceiving them as limitations. Despite the lack of preparation, the high demand encouraged professionals to adhere to the specificities of the modality. They reported having sought theoretical support and emotional support to maintain the internal, cognitive and emotional resources necessary for the therapeutic setting. It can be concluded that the results highlighted the importance of reflecting on the clinical assessment criteria used to understand the severity of cases, without forgetting to consider the patients' internal resources related to their capacity to suffer, which can be identified when maintained the professional's ability to reverie.

Keywords: COVID-19; emotional suffering. teletherapy. framework in psychology. psychological management.


RESUMEN

Caracterizar la demanda de atención psicológica y comprender la experiencia de los profesionales que trabajaron durante la pandemia de COVID-19, en una plataforma de atención psicológica en línea. Se realizó un análisis documental y entrevista semiestructurada a 20 psicólogos que trabajaron al menos 6 meses en la plataforma entre marzo/2020 y diciembre/2022, en los que se atendió un total de 15.963 pacientes. Entre las demandas prevalecieron la ideación suicida con planificación, la ansiedad y la depresión. El perfil prevalente de pacientes atendidos durante la pandemia corresponde a la literatura, en periodos no pandémicos, así como la prevalencia de síntomas ansiosos y depresivos. Sin embargo, destacó la aparición de un elevado número de pacientes con ideación suicida, lo que sugiere un empeoramiento de los trastornos mentales, desencadenado por la pandemia, además de una dificultad común para los entrevistados, relacionada con la claridad de los criterios clínicos utilizados para determinar la gravedad de los casos. Los psicólogos señalaron las dificultades para gestionar estos casos graves, intensificadas por el impacto emocional de la pandemia que también ellos sienten, junto con su falta de preparación para sus actividades en línea, percibiéndolas como limitaciones. A pesar de la falta de preparación, la alta demanda animó a los profesionales a adherirse a las especificidades de la modalidad. Refirieron haber buscado apoyo teórico y apoyo emocional para mantener los recursos internos, cognitivos y emocionales necesarios para el entorno terapéutico. Se puede concluir que los resultados resaltaron la importancia de reflexionar sobre los criterios de evaluación clínica utilizados para comprender la gravedad de los casos, sin olvidar considerar los recursos internos de los pacientes relacionados con su capacidad de sufrir, los cuales pueden identificarse cuando se mantiene la capacidad del profesional. a ensueño.

Palabras-clave: COVID-19. sufrimiento emocional. teleterapia. marco en psicología. manejo psicológico.

Introdução: Reflexões sobre o contexto pandêmico e saúde pública brasileira

O primeiro caso da doença COVID-19 foi registrado na cidade de São Paulo, em 26 de fevereiro de 2020 (Ministério da Saúde, 2020), e posteriormente foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde [OMS] em 11 de março de 2020 como uma pandemia (Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública [COE], 2020).

Em definição, a COVID-19 é uma doença respiratória infectocontagiosa causada pelo vírus SARS-CoV- 2, com sintomas comuns como tosse seca, febre, cansaço e perda de paladar e/ou olfato, entre outros (Who, n.d). O espectro clínico varia desde manifestação assintomática/resfriado até uma pneumonia grave (Lima, 2020).

Devido à alta demanda de infectados que necessitaram de internações, houve uma sobrecarga nos serviços de saúde, agravados pela falta de investimento na estrutura física, treinamento de equipes, a falta de respiradores para o tratamento e equipamentos de segurança para os profissionais (Lacaz et al., 2019; Romero & Delduque, 2017; The Lancet, 2020), o que ocasionou a propagação e milhões de infecções, hospitalizações e mortes.

A estratégia adquirida pela Organização Mundial da Saúde, Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária e Conselho Federal de Química (Câmara Municipal de São Paulo, n.d.), consistiu na redução dos impactos pandêmicos na tentativa de diminuição de picos de contaminação e da taxa de mortalidade, por meio de estratégias que incluíram isolamento social, distanciamento físico e quarentena, além de medidas preventivas como higiene pessoal e uso de máscaras.

A pandemia se configurou como uma crise provocada pela ruptura no tecido social, com a quebra do mundo presumido, representando a incerteza das concepções e modelos construídos internamente em forma de orientação, controle e segurança da vida. Pelo fato de ser repentina e inesperada, não houve uma ideia sobre o que se era, tampouco de como o mundo estava (Parkes, 1998).

Nesse sentido, a saúde mental, social e econômica sofreu mudanças significativas. O uso de tecnologias se expandiu, assim como problemas de saúde decorrentes de mudanças nos hábitos alimentares e estilo de vida, com a diminuição da prática de atividade física, aumento do tabagismo, do consumo de bebidas alcoólicas, na constatação de piora de hábitos comportamentais que expõe os sujeitos a outros riscos ao longo da pandemia, favorecendo adoecimentos ou intensificação de sofrimentos físicos/mentais já preexistentes (Malta et al., 2020).

Os dados epidemiológicos e os estudos clínicos evidenciam que a saúde experimentou uma grave crise humanitária, econômica e de fator de vulnerabilidades, exacerbando a violência, pobreza e desigualdade social, configurando uma desproteção social e piora do bem-estar populacional (Castro, 2020). Pacientes com transtornos mentais e ideação suicida ficaram desamparados diante da falta de estratégia em gerenciamento de crises pelas redes locais de saúde, o que implicou no agravamento de casos e no aumento da suscetibilidade de toda a população ao desenvolvimento de quadros psicopatológicos (Shigemura et al., 2020), evidenciando que os agravos a saúde não se restringem ao sistema respiratório, compondo uma patologia grave, altamente letal e de ordem multissistêmica (Greve et al., 2020).

Os dados estimados é de que quase metade da população mundial desenvolva alguma patologia de ordem mental, favorecido pela dimensão da epidemia, do estado de vulnerabilidade social e das estratégias e ações governamentais na disposição de cuidado emocional (Fundação Oswaldo Cruz, 2020).

A falta de coordenação entre a esfera da união, estado e município foi escassa, com falta de políticas públicas eficazes, controle nos sistemas de saúde e na contenção da progressão acelerada dos infectados, por meio de políticas de preservação de renda, superação das condições de subdesenvolvimento, em valorização a vida, ao cuidado, a democracia e garantias sociais que foram ameaçadas (Carvalho et al., 2020 na imprensa).

A vigência de uma política ultraneoliberalista e negacionista, repercutiu em graves implicações, relacionados a uma postura de minimização da gravidade do COVID-19, ignorando as medidas sanitárias de contenção, com a promoção do misticismo da imunidade e da cura, o uso de medicações não comprovadas cientificamente, enfraquecendo a adesão as ações de controle como o distanciamento social, pela crença na “imunização de rebanho” e naturalização da morte (Calil, 2021).

O resultado direto foi o atraso nas campanhas de vacinação, o aumento na propagação do vírus e a emergência de novas variantes (Castro, 2020), disseminadas em fake news, ao qual ocorreu a redução da consciência social, aumentando o medo, provocando pânico e insegurança na população (Galhardi et al., 2020). Em conjunto com a necropolítica e o neoliberalismo, como fontes estratégicas governamentais que desassistiram os vulneráveis, açoitando o sofrimento social, frente a banalização da morte (Seixas, 2020; Sousa, 2021).

Em reflexos, o desmonte e o desmantelamento do Sistema Único de Saúde [SUS], que sofreu com as múltiplas ações, metas e projetos contrários ao pacto do SUS, que objetiva otimizar e aprimorar o serviço (Reis et al., 2006). Dentre essas, a instauração da Proposta de Emenda Constitucional [PEC] nº 95 (2016), para o congelamento de gastos públicos com o sufocamento dos serviços de saúde, que sofre com seu subfinanciamento e a precariedade de ordem estrutural, instrumental e profissional. Além disso, mudanças na Política Nacional de Saúde Mental [PNSM], pelo Ministério da Saúde, intitulada a “Nova Política de Saúde Mental” através da Nota técnica nº 11 (Ministério da Saúde, 2019), representaram um retrocesso aos paradigmas manicomiais com enfoque hospitalocêntrico, ignorando a Lei nº 10.216 (2001), configurando uma contrarreforma psiquiátrica (Lima, 2019).

Para enfrentar esses desafios, foram necessárias o poder do povo na participação do coletivo, enquanto atores sociais na resistência para desalienação contra as artimanhas políticas, o que implicou no empenho e na continuidade dos cuidados a saúde pelos profissionais, mesmo em circunstâncias de angústias e incertezas; a universidade, como espaço amplificador de debates e informações sociais científicas, e ao SUS, apesar do subfinanciamento e da sua desvalorização, ter lutado contra o COVID-19, não esmorecendo na sua missão, visto a importância dessas instância na superação dos obstáculos da saúde pública (Hallal, 2020).


A evolução da tecnologia como ferramentas de cuidado a saúde mental: principais marcos

A origem da internet remonta ao contexto da Guerra Fria na década de 1960, um período caracterizado por um intenso apoio popular e governamental ao investimento em ciência e tecnologia avançadas, que se intensificou principalmente após o desafio apresentado pelo programa espacial soviético, o qual representava uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos.

A internet não é um caso isolado na história da inovação tecnológica, que geralmente está associada à guerra, por exemplo, o esforço científico e de engenharia realizado durante a Segunda Guerra Mundial, que foi fundamental para o desenvolvimento da revolução da microeletrônica, assim como a corrida armamentista durante a Guerra Fria, que facilitou ainda mais o avanço tecnológico. Nesse contexto, surgiu a Arpanet, criada como uma plataforma robusta para a transmissão de dados militares sigilosos e para a interconexão de departamentos de pesquisa em todo os Estados Unidos. No entanto, a Arpanet tornou-se obsoleta a partir de fevereiro de 1990, e o acesso à rede foi aberto aos cientistas, por meio da National Science Foundation, ampliando gradualmente o acesso em larga escala com o surgimento da World Wide Web (Castells, 2003).

Assim, no decorrer do tempo, a evolução tecnológica e as ferramentas mediadoras da conectividade passaram por transformações significativas. Paralelamente, o propósito e o impacto da internet também se modificaram, consolidando-se como um poderoso meio de comunicação que influenciou a subjetividade humana (Souza et al., 2020).

O uso da tecnologia nos cuidados em saúde mental é um dos componentes, e que foram impulsionados por marcos significativos que moldaram essa modalidade, sendo esses:

  1. Início da Internet e Experimentos em Psicoterapia on-line: O germe do atendimento psicológico on- line teve início na década de 1960, mesmo antes da existência da internet como a conhecemos atualmente. Nesse período, experimentos de psicoterapia foram conduzidos utilizando programas de computador na intenção de substituírem psicoterapeutas humanos em certos contextos. Em 1966, isso pode ocorrer novamente com o famoso aplicativo de computador denominado "ELIZA", ao qual foi desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts [MIT], que simulava um terapeuta rogeriano. Esses programas simulavam terapeutas e respondiam a perguntas, estabelecendo os primeiros passos na direção do atendimento on-line (Green, 2004).

  2. Evolução dos aplicativos de terapia on-line: Em 1969, houve a demonstração da comunicação entre computadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles [UCLA] e Stanford, o que marcou o início do desenvolvimento da internet atual, em que após 3 anos, os computadores das mesmas universidades simularam uma sessão de psicoterapia durante a Conferência Internacional sobre Comunicação de Computadores em outubro de 1972, explorando o potencial dessa nova tecnologia no campo da saúde mental (Ainsworth, 2002).

  3. Fóruns Anônimos e Suporte On-line: No final da década de 1980 e início da década de 1990, fóruns on-line anônimos como o "Dear Uncle Ezra" da Universidade de Cornell desempenharam um papel crucial ao oferecer suporte psicológico. Esses fóruns inspiraram a criação de serviços semelhantes, como o "Ask Ralphie" da Universidade do Colorado Boulder e o "Go Ask Alice" da Universidade de Columbia (Vernon, 2003; The Cornell Daily Sun, 2012).

  4. Expansão da Internet no Brasil: A internet foi inserida de modo restritivo para a comunicação científica e tecnológica, através da criação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa em 1989, como a primeira infraestrutura com objetivo de formulação de uma rede nacional de internet, para intercâmbio da comunidade acadêmica e disseminação da rede, proposta do Ministério da Ciência e Tecnologia [MCT], tendo abertura comercial apenas em 1995 (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa [RNP], 2020; Cunha & Mccarthy, 2005). Desde 1990, com a alavancada da informatização e acessibilidade a computador em países subdesenvolvidos economicamente, programas de inclusão digital foram necessários para ampliar a conexão, sendo no Brasil em 2000, na cidade de Curitiba, em que ocorreu a primeira inclusão de ponto de acesso à internet em uma biblioteca pública (Dias, 2011). Assim, as Tecnologias da Informação e Comunicação [TICs] avançaram, compreendidas por Morigi e Pavan (2004), como impactantes das relações humanas, permitindo novas formas de comunicação para além do presencial, mediadas por diferentes recursos tecnológicos independentes de tempo e espaço definidos.

  5. Telessaúde e Programas de Educação em Saúde: Em 2005, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa [RNP] criou a Rede Universitária de Telemedicina [RUTE/RNP], introduzindo o conceito de telessaúde. Essa iniciativa permitiu a troca de informações médicas e a educação em saúde por meio da tecnologia, expandindo a aplicação das Tecnologias da Informação e Comunicação [TICs] para além do ambiente acadêmico, integrando-se a estratégias de políticas como os programas de educação permanente regionais do Sistema Único de Saúde [SUS] (Silva & Moraes, 2012).

  6. Inserção da Telessaúde no Sistema Único de Saúde [SUS]: A utilização da Telessaúde no SUS foi formalizada com a Portaria nº 35 de 2007, criando o Programa Nacional de Telessaúde, que tinha como objetivo aprimorar o atendimento de saúde primária, de modo que se expandiu para nove núcleos localizados em diferentes estados do país.

  7. Fortalecimento da Telessaúde no Brasil: A telessaúde no Brasil ganhou impulso com a Portaria nº

    2.546 (2011), em que expandiu o Programa Nacional de Telessaúde para o Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes. Esse programa visa fortalecer e ampliar a oferta de educação em saúde para profissionais do SUS, com foco especial nas equipes da Estratégia Saúde da Família [ESF] através dos

    Núcleos estaduais, dispondo de Teleconsultoria, Teleducação, Tele diagnóstico e Segunda Opinião Formativa (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa [RNP], 2022).


    A prática do atendimento psicológico on-line

    No exterior, a psicoterapia on-line é difundida há mais de 10 anos, com resultados promissores, compilados pelo estudo de Pieta e Gomes (2014) e Donnamaria e Terzis (2011). Essas pesquisas mencionaram uma série de benefícios, dentre eles está a ampliação da cobertura de atendimento psicológico, a redução das filas de esperas e a conscientização da saúde mental populacional, porém a maior parte das pesquisas são internacionais, evidenciando a escassez de pesquisas nacionais sobre o tema.

    Já no Brasil, em contraste com a consolidação da modalidade de atendimento on-line no exterior, a prática ainda é incipiente. No entanto, os dados demonstraram que os atendimentos mediados pelas TICs já estavam em crescimento, o qual se intensificou pela emergência a saúde na pandemia (Viana, 2020), em que foi necessário a transformação dos meios e métodos de cuidado com a transição para a modalidade on-line(Almondes & Teodoro, 2021).

    Outro ponto, implica também considerar as críticas sobre o modelo já explorados pela literatura, que se concentra na perda do contato pessoal, aumento da resistência terapêutica, questões éticas e as dificuldades no trabalho quando em manejo emergencial (Siegmund & Lisboa, 2015). Dessa forma, o espectro dos impactos positivo/negativo e considerações acerca das potencias/limites, precisam ser ampliados, não apenas enquanto indicação ou contraindicação, mas considerando as diversas mudanças e o desenvolvimento da prática, permitindo que o fator historicossocial seja absorvido e transmutado junto à técnica, como no enquadre acerca do setting, o contrato terapêutico, as modalidades de atendimento on-line (síncrono ou assíncrono), grupal ou individual, visando acessibilidade e continuidade de serviços de saúde mental, no aspecto da prevenção, promoção e intervenção de saúde, pautada em um movimento dialético.

    Nessa perspectiva, foi realizado um estudo longitudinal acerca da temática, através de um levantamento de estudos, guias e linhas de orientações internacionais como American Psychological Association [APA]; International Society for Mental Health Online [ISMHO] e Consiglio Nazionale Ordine Psicologi [CNOP], para a prática on-line, com o desenvolvimento de 4 domínios norteadores a partir dos resultados encontrados na pesquisa de Antúnez e Silva (2021), em que dispomos das informações de um modo estrutural, servindo como um guia reflexivo dos cuidados necessários:

    1º DOMINIO ÉTICO: Domínio primordial, que atravessa todos os outros domínios, reafirmando da importância normativa, através da abrangência da Telessaúde. No caso da Psicologia, o Código de Ética do Psicólogo, tem como objetivo garantir a adequada postura e o estabelecimento da relação do profissional com os seus pares, assegurando uma conduta que legitime valores como a Declaração dos Direitos Humanos e que considere a realidade sociocultural. Existiram várias resoluções acerca dessa temática, mas sua legalização efetiva é recente, através da resolução nº 11/2018 (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2018), possibilitando a prática dos Psicólogos de modo remoto, mediante registro profissional ativo e cadastro na plataforma e-Psi.

    Quando no período da pandemia, o CFP alterou alguns artigos da resolução, lançando uma nova resolução de nº 04/2020 (CFP, 2020), sobre as condições da prestação de serviços remotos nesse período, possibilitando os atendimentos a pessoas e grupos em situação de urgência e emergência, vítimas de desastres ou que estivessem em situação de violação de direitos ou de violência, ao qual anteriormente deveriam ser encaminhadas para o atendimento presencial.

    A partir disso, deve-se considerar para a prática do atendimento on-line:

    1. Competência profissional de formação e aprimoramento: São exigências necessárias para o domínio de ferramentas, para que em situações emergenciais e de imprevistos, o profissional esteja apto a ter a melhor decisão, sempre estando atualizado através de formações e trocas profissionais.

    2. Conhecer a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais [LGPD] (2018): É essencial o conhecimento da lei que regulamenta os direitos e deveres dos usuários da internet no seu país ou região que possuem suas próprias regulamentações. No Brasil é a LGPD (2018), e oferece substrato para o tratamento dos dados sensíveis do paciente, como: os dados pessoais, raça, etnia, opinião política, convicção religiosa ou filosófica e dados de saúde.

    3. A escolha da modalidade e da ferramenta mais adequada ao trabalho: estar ciente de quais são as modalidades de atendimento e ferramentas disponíveis e autorizadas para a atuação on-line possibilitará uma escolha ética (ex: Presencial/On-line; Síncrono/Assíncrono/Híbrido). Um exemplo, é a modalidade de atendimento psicológico on-line em situações de urgência, emergência, desastres e violação de direitos humanos em que era vedado, até a Portaria 04/2020 possibilitar tal intervenção. Essas informações, podem ser apreendidas através das resoluções, portarias, guias, materiais e orientações profissionais disponíveis pelo CFP, possibilitando mapear os riscos e benefícios da intervenção como um todo de modo contínuo, assim como estabelecer qual o alcance do trabalho pela categoria, mediante a oferta do serviço através das TICs, para que seja possível a garantia de tais preceitos éticos.

    4. Características para escolha do ambiente de trabalho: O ambiente deve ser silencioso, bem iluminado, confortável, de modo a preservar a privacidade, o sigilo e a confidencialidade, com limites bem preservados e livres de possíveis interrupções, garantindo a qualidade da imagem e áudio. Bem como, considerar a impossibilidade da garantia total da segurança dos dados coletados.

    5. Realize um termo de ciência com o paciente: O profissional deve ter o domínio sobre os passos anteriores, dominando o serviço que está oferecendo, de modo a informar de modo claro sobre as especificidades do on-line, acerca das condições éticas e tecnológicas, dos riscos e benefícios e tornar o atendimento acessível a quem o procura. O termo deve conter: Características do serviço - Modalidade/Armazenamento dos Dados (como serão realizados, quais medidas de segurança em caso de emergência ou procedimento de exclusão dos dados mediante solicitação do paciente/Riscos e Benefícios/Seleção da Plataforma de Atendimento/Alternativa a desconforto a tecnologia; Dados do Profissional - Localização Física/Registro Profissional; Dados do Paciente – Localização Física/Contato de pessoas de confiança geograficamente próximas para situação emergencial, para que sejam orientados e estejam conscientes sobre a escolha de solicitar o atendimento nesse formato.

2º DOMINIO TECNOLÓGICO: As tecnologias possuem uma liquidez na evolução, e é dever do profissional que atua com a mediação dessas ferramentas, a formação nesse domínio disposto em:

  1. Autoavaliação e avaliação tecnológica do atendimento psicológico: O profissional necessita verificar os seus equipamentos antes de iniciar a prestação de serviços através das TICs, assim como a capacidade da sua banda larga. Orienta-se possuir 2 provedores de internet caso haja alguma oscilação ou interrupção do serviço, no entanto, considerando a realidade brasileira e os altos custos com internet, sugerimos pelo menos uma segunda opção mais rentável como conexão móvel 5g para casos de problemas técnicos. O que vale também para os eletrônicos utilizados, como computadores cabeados com internet que possuem conexão mais estável, enquanto celulares em conexão móvel ou Wi-Fi possuem maiores oscilações na rede, sendo preferível a seleção de um computador/notebook para realização das sessões, bem como possuir um outro equipamento como plano alternativo, para caso ocorra algum problema técnico. Complementarmente, a avaliação tecnológica do atendimento também precisa alcançar os recursos do paciente, que deve ser investigado quanto ao seu suporte de conectividade e habilidades com a tecnologia. Caso haja dificuldades de manejo ou precariedade nos aparelhos utilizados em ambas partes, isso interferirá o contato, e consequentemente o tratamento, sendo desaconselhável o início do tratamento nessas ocasiões.

  2. Escolha da ferramenta tecnológica adequada: A seleção da melhor ferramenta para realizar o atendimento de saúde, precisa ser questionada quanto:

3º DOMINIO CLÍNICO: A partir dessa categoria, não se contempla mais telessaúde, mas adentra o campo estritamente da telepsicologia.

  1. Adequação, postura e treino: A compreensão sobre atendimento psicológico on-line, acerca dos impactos negativos, limites, a partir dos estudos e registros acadêmicos. A habilidade e a relação do profissional com o universo tecnológico.

  2. Identidade do profissional: A construção de uma persona do profissional, está atrelado as motivações para o atendimento on-line, impressões da ferramenta, se faz sentido a prática a partir do que se atende e busca oferecer, explorando as relações do profissional com o universo tecnológico, assim como o aspecto pessoal, para definir os conceitos sobre sua percepção e potência interventiva.

  3. Motivações do paciente para o atendimento on-line: Buscar compreender o que embasou a escolha do paciente na busca dessa modalidade de atendimento ao invés de um atendimento presencial.

  4. Avaliações contínuas: O profissional deve estar atento a todas as mudanças manifestadas no atendimento, compreendidos em um:

Plano terapêutico (avaliação do ambiente/avaliação subjetiva).

Uso: Como impacta a inserção da internet na vida do paciente e os impactos percebidos com o trabalho terapêutico on-line, por exemplo, se ampliou a forma de se relacionar com a internet para além de entretenimento, constituído também como um espaço para o autocuidado.

Ambiente corresponsável: Verificar se o cuidado com o ambiente (vide domínio ética) está preservado. A corresponsabilidade no atendimento on-line precisa estar clara para o paciente, pois o mesmo interfere com seus elementos internos, como crenças, pensamentos e peculiaridades que um presencial não existiria.

Avaliação do ambiente/setting: Avaliação contínua do profissional no atendimento on-line é essencial, a fim de observar os aspectos que participam da dimensão do atendimento, como questões de saúde física e emocional, cultural, crise social, ambiental e subjetiva, que precisam ser analisadas, e que podem ser compreendidas através do setting.

Mudanças físicas e subjetivas: Como o tratamento modificou aspectos externos como aparência e internos como os modos de ser e se relacionar. Se houve prejuízos, em que medida, um exemplo fictício, se intensificou quadro de agorafobia e ansiedade ou aumentou sentimentos de solidão; identificar suas potencias: possibilitou tratamento em horários mais flexíveis devido ao trabalho; economizou em tempo e finanças. Considerando as: Características da personalidade; condições e riscos psicológicos; aspectos de riscos (ex. ideação suicida e presença de armas em casa); vitalidade; aspectos de vida; avaliação física e identificar as novas formas que o corpo está presente na virtualidade.

Em caso de risco psicológico, necessidade de estabelecer um plano emergencial: Considerar a melhor conduta em situações de maior risco, como a quebra do sigilo ou o respeito diante do desejo de não compartilhar com alguém de confiança. Em caso de extremo risco (ex: riscos a vida; agressão), enfatiza-se a importância da supervisão e contato com equipe multiprofissional. Para isso, é preciso ter um maior detalhamento extenso do plano, quanto maior o nível de criticidade do atendimento: quem é a pessoa; as redes de suporte; disponibilidade de locomoção aos serviços de saúde; quais são os recursos que possui; envolvendo o paciente no plano, conscientizando dos riscos e possibilitando ajudá-lo. Tratando-se indispensável ter minimamente um contato para emergência física, e pautado em resolução/diretrizes no on-line para a condução de um socorro na modalidade, sendo uma avaliação que deve estar presente em cada sessão.

4º DOMÍNIO CULTURAL: A autora acrescenta esse domínio que perpassa todos os anteriores, influenciando na qualidade e adesão do tratamento. Pretende compreender qual o modo de viver e significar do paciente, através da regionalidade, valores e determinantes da saúde. Analisando os aspectos subjetivos e coletivo do sofrimento, da eficácia da rede de saúde, e qual a especificidade do atendimento presencial não ter sido a primeira escolha.

Com base nessas considerações, torna-se evidente que poucas plataformas/instituições e até mesmo profissionais autônomos estavam alinhados com os princípios discutidos. Isso não significa que haja um dogma a respeito, mas atuar como profissionais da saúde mental em constante estado de urgência, não proporciona uma conexão com o paciente, essa que não está limitada aos cabos da rede de internet ou ao encontro de corpos pela via da sensorialidade material, mas amparadas na ética que dispõe de um lugar de repouso e protetor, em que a mente do profissional torna-se disponível para enfrentar qualquer evento tempestuoso da relação, construindo um ambiente interno suficientemente bom, em que a maior capacidade e potência real do trabalho, seja on-line ou presencial, não esteja limitado a nível geográfico, e sim a da ligação emocional, para que o processo analítico possa ser transforma(dor).


Método

O estudo adotou uma abordagem metodológica qualitativa exploratória-descritiva, tendo como objetivo geral compreender as dimensões do COVID-19 na experiência emocional e na práxis dos profissionais de psicologia no atendimento on-line, através da análise dos alcances e limites e principais demandas psicológicas identificadas.

Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, registrado sob o número de parecer 5.501.936, os dados foram coletados.

Foram recrutados a partir de uma plataforma multiprofissional de saúde remota, através da divulgação interna e da técnica “bola de neve”, tendo como critérios de inclusão, serem profissionais da área da Psicologia Clínica, de ambos os sexos, que trabalham ou trabalharam na prestação de atendimento psicológico on-line na instituição por pelo menos 6 meses durante a pandemia do COVID-19.

Participaram 20 profissionais, sendo 17 mulheres e 3 homens, todos com uma média de idade de 32 anos, em que 5 eram recém-formados. Cada indivíduo foi identificado por um código exclusivo para garantia da confidencialidade, através da abreviação de participante (P) junto ao número da entrevista realizadas de 1 até 20.

Os dados foram coletados através de um questionário sociodemográfico, para estabelecer o perfil sociodemográfico e identificação de suas características psicossociais, análise documental para obter o número total de atendimentos e demais dados da clientela atendida e/ou atendimento realizado, como uma técnica exploratória e complementar aos outros instrumentos utilizados (Lüdke & André, 1986) e aplicação de uma entrevista semiestruturada, como um roteiro facilitador para abertura e ampliação na conversação com o sujeito, através de perguntas preestabelecidas, porém com a possibilidade de se discorrer sobre o assunto, possibilitando um aprofundamento adequado do fenômeno estudado (Minayo, 2014), em que foram explorados três enfoques: 1) Percepção da Trajetória Profissional; 2) Percepção da experiência do COVID-19 e 3) Percepção da prática profissional on-line no contexto do COVID-19, realizadas pelo software Skype em no máximo dois encontros, com duração média de 1h30min. cada.

Em seguida, os dados foram analisados, sendo inicialmente o questionário sociodemográfico a e análise documental através do recurso de estatística básica (frequência, média e somatória total) para compreender de forma conjunta os dados quanti e qualitativos e a entrevista semiestruturada pelo método da análise temática (Braun & Clarke, 2006), devido à sua adequação aos objetivos do estudo e seu caráter flexível.


Resultados e Discussão

De acordo com os resultados da análise documental, do período de mar/2020 até ago/22 foram atendidas 15.963 pacientes, com maior prevalência no ano de 2021 com crescimento nos meses de julho à dezembro.

O perfil da demanda de atendimento, variou na faixa etária dos 13 aos 98 anos, correspondendo ao gênero em 73,03% feminino com idade média de 32 anos e 26,97% masculino, com 30 anos.

As demandas mais prevalentes foram avaliadas pelos profissionais constituindo: ansiedade, depressão e ideação suicida. Tais dados, corresponderam à literatura em períodos não pandêmicos, em relação a prevalência de sintomas ansiosos e depressivos (Botega & Smaira, 2012; Bruscato, 2006).

Destacou-se então, neste período, o surgimento do alto número de pacientes com ideação suicida, o que sugere um agravamento dos transtornos mentais, despertado pela crise externa e concreta imposta pela pandemia (Shigemura et al., 2020), promovendo a reflexão de qual é a sociedade que estamos vivenciando, com os diversos escancaramentos mencionados acima, mesmo que a pandemia cesse, os efeitos ainda permanecerão na população, profissionais de saúde e pessoas vulneráveis por um longo período (Fiorillo & Gorwood, 2020), tendo sido considerada uma crise sanitária e socioeconômica em desconsideração a crise da saúde mental.

Diante disso, o atendimento psicólogo on-line mostrou-se eficaz com a possibilidade desse cuidado, pelo estabelecimento de vínculo terapêutico e na sua potencialidade como uma alternativa viável (Belo, 2020; Correia et al., 2023), principalmente diante das medidas de contenção, como na ampliação do acesso aos serviços de Psicologia, no reconhecimento da profissão e em trabalhos já existentes, como o Centro de Valorização da Vida [CVV] - contra o suicídio), no qual as vantagens ultrapassaram as desvantagens percebidas, a partir de intervenções que continuaram a promover a saúde (Connolly et al., 2020).

Em contrapartida, desafios técnicos quanto ao despreparo para a atuação on-line foram apontados pelos profissionais.

P15 – [...] eu me sinto despreparada ainda, pra fazer avaliação psicológica, no on-line [...].

P7 – [...] Nas demandas de urgência e emergência. Eu acho que tem a questão da impotência [...].

P6 – [...] chega ali na-na ideação, quando você chega ali na-na automutilação [...] depressão bem forte, acho que é isso que eu consideraria [...].

Aspectos intensificados pelo impacto emocional pandêmico sentido por eles, ao lidar com suas próprias urgências e emergências internas no contexto.

P14 - [...] o medo, eu acho que foi muito, muito marcante! Do tipo, o que vai acontecer? Eu ficava tipo pensando, meu será que eu vou morrer? Duzentas mil pessoas, não é possível, o que que vai acontecer?

P13 – [...] imagina quantas pessoas não ficaram numa situação dessa? Porque tipo assim, eu preciso trabalhar, se não trabalhar não entra o dinheiro. E minhas contas não vão parar de vim. Eu fiquei meio ansioso, comecei a passar lá com a com a Psiquiatra de novo [...]

P20 - Eu não consegui manter a minha qualidade de vida [...] o meu padrão de vida [...] me afetou muito emocionalmente, né? No quesito até de saber quem eu sou, como que eu vivo, então se eu tinha acesso algumas situações antes, eu já não tenho mais, né?

Pontos que refletiram na dificuldade do manejo e da avaliação psicológica dos casos, especialmente da demanda avaliada como grave, as percebendo como limitações de atendimento.

P3 - [...] eu não sei te dizer, se às vezes o que era grave pro paciente eu tava avaliando como grave [...] a gente fica calejado, na pandemia e na (plataforma de atendimento on-line - sigiloso) o calo era muito maior [...] toda hora tinha alguém com muita dor, então tudo era [...] era muito grave [...].

A equação que busca relacionar a quantidade de dor emocional com a gravidade do caso clínico, evidencia uma lacuna na compreensão da dinâmica de tal sofrimento e a qualidade dos recursos do paciente, com a possibilidade de uma avaliação oracular e patologizante (Bion, 1994, 1973).

Isso demonstra, que as situações limites e existenciais continuam a afetar os profissionais de Psicologia, causando angústias e inseguranças a nível emocional, por se responsabilizarem pela vida do paciente, sendo algo comum encontrado em outros trabalhos (Ferracioli & Santos, 2022), principalmente no contexto da pandemia.

Tais desconfortos no manejo clínico, com a percepção de ser um tratamento temido, resulta em encaminhamentos prematuros e relutância em atender o paciente, principalmente para terapeutas em estágios iniciais de suas carreiras (Levi-Belz et al., 2019), que com a intensificação dessas demandas, resultaram em dificuldades na atenção e no cuidado prestado.

P8 – [...] uma temática que assusta é da ideação suicida mesmo [...] não tem como, então nesse sentido, eu acho que eu ainda me sinto um pouco despreparada [...].

É fundamental que o próprio profissional esteja em um estado de acolhimento em relação às suas próprias dificuldades emocionais, permitindo-se assim encontrar-se com as necessidades emocionais do paciente, e que as possa metabolizar (Meneghelli & Balieiro, 2020). Isso contrasta com o enfoque avaliativo baseado em um parecer nosológico generalista, que não leva em consideração a singularidade do sujeito, resultando no empobrecimento do encontro entre a dupla paciente-terapeuta propiciando intervenções saturadas e protocolares.

Esses processos podem ocorrer a partir da construção de um setting mental, que transcende o setting na modalidade on-line ou presencial, centrados no vínculo terapêutico estabelecido. Nesse contexto, o profissional, por meio de sua disponibilidade interna, entra em contato com a dor do paciente, criando um espaço-mente que abrigue o sofrimento e possa ser simbolizado e pensado, em um holding (Winnicott, 1971).

É necessário reexaminar a abordagem de avaliação psicológica utilizada, deve-se questionar a resposta emocional como um fator patológico, visto que é natural sentir ansiedade ou inquietude em tempos de incerteza. Ampliando a perspectiva, é importante entender que o sofrimento não é uma doença, mas uma resposta emocional às situações difíceis e parte da condição humana (Whitaker, 2020).

Para isso, critérios de avaliação da gravidade não deve se restringir à mobilização da dor e a intensidade, deve ser identificado os seus significados, o comprometimento na rotina e seus recursos de enfrentamento ao conter a dor e sofrimento, distinguindo de uma outra dinâmica que naquele momento não consiga conter a dor, mas é contido por ela, sendo necessário ampliação das formas de cuidado com o paciente construídos na relação, podendo também incluir mediante as necessidades da dupla, o fortalecimento do cuidado com uma ajuda multiprofissional.

Cada sessão deve ser considerada uma nova oportunidade de avaliação, compreendendo quais são as motivações conscientes ou inconscientes, a capacidade do indivíduo de mobilizar recursos internos e externos para enfrentar os desafios emocionais, a qualidade do vínculo estabelecido no trabalho psicoterápico e com isso os movimentos de transferência e contratransferência, defesas predominantes e resistências, assim como as razões que o levaram a buscar o atendimento, estabelecendo diálogo no tratamento com os aspectos saudáveis da mente, que o levaram a buscar ajuda.

A proposta do processo psicoterapêutico, para além de uma avaliação da gravidade é o cuidar, sendo necessário ofertar um espaço de acolhimento para que qualquer experiência emocional possa ser manifesta. Como complementado por Ferracioli et al. (2019), isso possibilita a criação de recursos para que auxiliem o paciente a lidar com a sua vulnerabilidade, não de forma solitária, mas amparado pelo despertar da crença da valorização da vida apesar da dor, inerente a todo ser humano.

Ao invés de desconectar emocionalmente o paciente através de encaminhamentos, possa estar junto a ele em seu processo de se perceber no seu desconforto, o que pode ser obstruído pela urgência de não o sentir, como por exemplo a busca de medicalização psiquiátrica imediata, uso de álcool e outras drogas, compulsões e entre vários outros meios que possam interromper o processo de elaboração caso não possa contar com o acolhimento do outro. No entanto, quando possível esse ambiente, poderá reconhecer a existência do que ele sente e o que está contido nele, em um processo de responsabilização, ao invés de uma projeção do que sente. A obstrução nesse momento, trata-se de não querer reconhecer, mas saber sobre isso, não sendo possível por ainda não ter sido nomeado, em que se faz necessário reconhecer a existência do desconforto e tolerar a dúvida, e então respeitar o que reconheceu, como parte da mente, podendo se responsabilizar como parte de si, abrindo-se a possibilidade de transformação (Martino, 2023).

Nesse sentido, a capacidade do profissional em praticar a "rêverie" (Bion, 2021) revelou-se essencial para compreender a confusão interna vivenciada pelo paciente, visto que a Psicologia se constrói na incerteza e na habilidade de tolerar esse espaço confuso, que faz parte da desorganização interna do indivíduo, mas também para se pensar no papel profissional, permitindo assim sua atualização e validação técnica e teórica, a partir da própria continência interna pela ferramenta do afeto.

Uma outra ótica compreendida, é pensar no contexto da pandemia como um modelo clínico, em que as crises emergidas em um setting não decorrem apenas mediante ao impacto concreto do COVID-19. Trata-se do que a relação terapêutica enfrenta para além da pandemia de modo atemporal, visto que o próprio paciente traz para o setting o estado emocional de emergência diante do desconforto do seu sofrimento, assim como o próprio profissional pode estar vivenciando em sua vida crises pessoais, com interferência no trabalho analítico. Para isso, pensar nessas implicações, favorece outro critério avaliativo de caráter psicoterapêutico de que contextos emergenciais/crises não devem ser analisados de modo externo, mas interno, como uma dinâmica da vida em que as mudanças se realizam a partir dessas crises.

Com isso, todos os profissionais a partir da inquietação da práxis promoveu mudanças, seja de modelo de atendimento, estratégia, manejo ou intervenção.

P10 - [...] a Psicologia pode olhar pra isso com olhos de-de ampliação, de técnicas, eu acho que isso foi um marco, muito, muito significativo [...] o alcance que esse trabalho vai tendo, como os serviços eles vão tendo que se reinventar, usar muito da criatividade [...].

A disponibilidade para a (re)invenção da prática clínica, implica na desconstrução das certezas, limites da capacidade terapêutica não só da abordagem terapêutica, mas do atendimento em geral e do papel profissional. No contexto psicanalítico, essas mudanças têm raízes que remontam aos primórdios da psicanálise com Sigmund Freud, e foram impulsionadas por contribuições significativas de outros teóricos. Ferenczi (1992) introduziu o conceito de "elasticidade da técnica", reconhecendo a necessidade de adaptar o método psicanalítico às particularidades de cada caso. Dessa forma, a pandemia pode ser considerada um fator desencadeante, agindo como uma força que estica e rearranja as perspectivas terapêuticas existentes. Entre outros, como Melanie Klein (1997), que contribuiu para a evolução da prática clínica ao enfatizar a importância do atendimento infantil e Winnicott (1999), que ampliou a demanda de atendimento psicanalítico para casos mais graves.

P17 – [...] abertura ao aprendizado... e... é eu vejo, vejo como essa questão assim, de enriquecer repertório, de assim, estudar coisas de Psicologia, mas também estudar coisas de culturas de artes, o Psicólogo precisa estar aberto a adentrar várias realidades assim, não só que ele conhece. Se isso acompanhar ele assim ao longo da sua trajetória profissional, ele vai tá apto, a tá com qualquer pessoa de qualquer lugar, mas precisa de ter uma abertura, pra viver isso assim, pra adentrar um mundo do outro. É o que eu acredito (risos).

O que requer uma ética fundamentada na disposição de enfrentar o traumático que se apresenta na relação terapêutica, que demanda coragem, sensibilidade e uma postura de confronto com o desconhecido, diante do “assombro, inédito e o infinito” (Silva, 2017, p. 86), tal como o inconsciente em sua infinidade, por meio de um ambiente inventivo, no qual o diálogo estabelecido na dupla terapêutica está pautado em um dispositivo analítico do “sentir com” (Barbosa, 2022), em uma atitude de abertura no encontro com a verdade, novo e a transformação.


Considerações Finais

As diversas transformações caleidoscópicas que ocorreram no contexto da pandemia do COVID-19 e que reverberaram globalmente, nos fez questionar como isso impactou a atuação on-line e a experiência emocional dos profissionais de Psicologia. Estes, confrontados não apenas com a dor outro, mas também com suas próprias angústias, enfrentaram um período em que o contato físico adquiriu conotações de perigo iminente, exigindo também uma reconfiguração de suas práticas em meio ao cenário virtual.

Os dados revelaram um aumento significativo na demanda por atendimento psicológico, com um pico em 2021, e uma prevalência de sintomas de ansiedade, depressão e ideação suicida entre os pacientes atendidos. O atendimento psicológico on-line se mostrou eficaz e essencial para fornecer suporte em meio às medidas de contenção, no entanto, os profissionais enfrentaram desafios técnicos e emocionais, incluindo a sobrecarga de trabalho, a sensação de despreparo para avaliação psicológica e manejo de casos graves, como a ideação suicida, identificando como uma limitação do trabalho terapêutico.

No entanto, apesar desse despreparo inicial, a alta demanda por serviços de saúde mental incitou os profissionais a vivenciarem a modalidade on-line e a repensarem a práxis, o que oportunizou o desenvolvimento de uma nova postura profissional e prática fundamentada em novos valores, para o nascimento de um profissional que além da ética, seja criativo e interventivo, que não se enrijece aos saberes já concebidos, ao considerar o afeto um poderoso instrumento.


Referências

Ainsworth, M. (2002). ABC's of "Internet Therapy": e-therapy history and survey. Metanóia. https://metanoia.org/imhs/history.htm

Almondes, K. M., & Teodoro, M. L. M. (2021). Terapia on-line (1ª ed.) Hogrefe.

Antúnez, A. E., & Silva, N. H. L. P. (2021). Consultas terapêuticas on-line: na saúde mental (1ª ed.). Manole.

Barbosa, C. O. (2022). Expansão de uma Psicanálise inventiva e acessível. In R. D. Martino (Org.). Psicanálise do acolhimento: sobre a aplicabilidade na prática clínica (pp. 132-138). Vitrine Literária Editora.

Belo, F. (2020). Clínica psicanalítica on-line: breves apontamentos sobre atendimento virtual (1a. ed). Zagodoni.

Bion, W. (1973). Atenção e interpretação: uma aproximação científica à compreensão interna na psicanálise e nos grupos. Imago.

Bion, W. (1994). Estudos psicanalíticos revisados (3ª ed., W. M. de M. Dantas Trad.). Imago. (Trabalho original publicado em 1967. Título original: Second thoughts).

Bion, W. (2021). O aprender com a experiência (1ª ed., E. H. Sandler Trad.). Blucher. (Trabalho original publicado em 1962).

Botega, N. J., & Smaira, S. I. (2012). Morbidade psiquiátrica no hospital geral. In N. J. Botega (Org.),

Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência (pp. 31-42). Artmed.

Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research In Psychology, 3(2), 77-101, http://dx.doi.org/10.1191/1478088706qp063oa

Bruscato, W. L. (2006). A psicologia no hospital da misericórdia: um modelo de atuação. In W. L. Bruscato, C. Benedetti, & S. R. A. Lopes (Orgs), A prática da psicologia hospitalar na Santa Casa de São Paulo: novas páginas em uma antiga história (Cap 1, pp. 17-31). Casa do Psicólogo.

Calil, G. G. (2021). A negação da pandemia: reflexões sobre a estratégia bolsonarista. Serviço Social & Sociedade, (140), 30–47. https://doi.org/10.1590/0101-6628.236

Câmara Municipal de São Paulo. (n.d.). Informação no combate ao CORONAVÍRUS. Prevenção contra o novo coronavírus. http://www.saopaulo.sp.leg.br/coronavirus/prevencao-contra-o-novo-coronavirus/

Carvalho, L., Pires, L. N., & Xavier, L. de L. (2020). COVID-19 e desigualdade no Brasil. http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.27014.73282

Castells, M. (2003). Lições da história da internet. In M. Castells (Org.), A galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade (1ª ed., pp. 13-33, M. L. X. de A. Borges Trad.). Jorge Zahar Editora.

Castro, J. A. de. (2020). Proteção social em tempos de Covid-19. Saúde em Debate, 44(spe4), 88–99. https://doi.org/10.1590/0103-11042020E405

Centro de operações de Emergência em Saúde Pública. (2020, março). Doença pelo coronavírus 2019: ampliação da vigilância, medidas não farmacológicas e descentralização do diagnóstico laboratorial. Boletim Epidemiológico. http://maismedicos.gov.br/images/PDF/2020_03_13_Boletim- Epidemiologico-05.pdf

Connolly, S. L., Miller, C. J., Lindsay, J. A., & Bauer, M. S. (2020). A systematic review of providers’ attitudes toward telemental health via videoconferencing. Clinical Psychology: Science and Practice, 27(2), e12311. https://doi.org/10.1111/cpsp.12311

Conselho Federal de Psicologia. (2018). Resolução CFP nº 11 /2018 de 11 de maio de 2018. https://atosoficiais.com.br/cfp/resolucao-do-exercicio-profissional-n-11-2018-regulamenta-a-

prestacao-de-servicos-psicologicos-realizados-por-meios-de-tecnologias-da-informacao-e-da- comunicacao-e-revoga-a-resolucao-cfp-n-112012?origin=instituicao

Conselho Federal de Psicologia. (2020). Resolução CFP nº 04 /20 de 26 de março de 2020.

Correia, K. C. R., Araújo, J. L. de, Barreto, S. R. V., Bloc, L., Melo, A. K., & Moreira, V. (2023). Saúde mental na universidade: atendimento psicológico online na pandemia da Covid-19. Psicologia: Ciência e Profissão, 43, 1-16, e245664. https://doi.org/10.1590/1982-3703003245664

Cunha, M. B. da, & Mccarthy, C. (2005). Estado atual das bibliotecas digitais no Brasil. In C. H. Marcondes, H. Kuramoto, L. B. Toutain, & L. Sayão (Orgs.), Bibliotecas digitais: saberes e práticas (1ª ed., pp. 25-54). IBCT.

Dias, L. R. (2011). Inclusão digital como fator de inclusão social. In M. H. S. Bonilla & N. D. L. Pretto (Orgs). Inclusão digital: polêmica contemporânea (v. 2, pp 61-90). EDUFBA.

Donnamaria, C. P., & Terzis, A. (2011). Experimentando o dispositivo terapêutico de grupo via internet: primeiras considerações de manejo e desafios éticos. Revista da SPAGESP, 12(2), 17-26. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677- 29702011000200003&lng=pt&tlng=pt.

Ferenczi, S. (1992). Elasticidade da técnica psicanalítica. In S. Ferenczi, Psicanálise IV, (pp. 25-36). Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1928).

Ferracioli, N. G. M., Oliveira-Cardoso, É. A. de, Vedana, K. G. G., Pillon, S. C., Miasso, A. I., Souza,

J. de, Risk, E. N., Oliveira, W. A. de, Leonidas, C., & Santos, M. A. dos. (2019). Os bastidores psíquicos do suicídio: uma compreensão psicanalítica. Vínculo, 16(1), 01-17.

https://dx.doi.org/10.32467/issn.1982-1492v16n1p17-28

Ferracioli, N., & Santos, M. A. (2022). Manejo online do comportamento suicida na ótica de psicólogas(os) brasileiras(os): primeiras ponderações. Psicologia, Saúde & Doenças, 23(2), 566-

573.https://doi.org/10.15309/22psd230228

Fiorillo, A., & Gorwood, P. (2020). The consequences of the COVID-19 pandemic on mental health and implications for clinical practice. European Psychiatry, 63(1), E32, http://dx.doi.org/10.1192/j.eurpsy.2020.35

Fortim, I., & Cosentino, L. A. M. (2007). Serviço de orientação via e-mail: novas considerações.

Psicologia: Ciência E Profissão, 27(1), 164–175. https://doi.org/10.1590/S1414-98932007000100014

Fundação Oswaldo Cruz. Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia COVID-19. (2020). Cartilha Saúde Mental e Atenção Psicossocial - Recomendações para Gestores. https://portalke.fiocruz.br/documento/saude-mental-e-atencao-psicossocialna-pandemia-covid-19- recomendacoes-para-gestore

Galhardi, C. P., Freire, N. P., Minayo, M. C. de S., & Fagundes, M. C. M. (2020). Fato ou fake? uma análise da desinformação frente à pandemia da Covid-19 no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 25(suppl 2), 4201–4210. https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.28922020

Green, D. (2006). Ground rules in online psychotherapy. (Doctoral thesis, Part One, Not published), City, University of London. https://openaccess.city.ac.uk/id/eprint/8508/

Greve, J. M. D., Brech, G. C., Quintana, M., Soares, A. L. de S., & Alonso, A. C. (2020). Impacts of Covid-19 on the immune, neuromuscular, and musculoskeletal systems and rehabilitation. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, 26(4), 285–288. https://doi.org/10.1590/1517- 869220202604ESP002

Hallal, P. C. (2020). Resistência e resiliência em tempos de pandemia. Ciência & Saúde Coletiva, 25(9), 3342–3342. https://doi.org/10.1590/1413-81232020259.20312020

Klein, M. (1997). A psicanálise de crianças (L. P. Chaves, Trad.). Imago. (Trabalho original publicado em 1932).

Lacaz, F. A. de C., Reis, A. A. C. dos, Lourenço, E. Â. de S., Goulart, P. M., & Trapé, C. A. (2019). Movimento da reforma sanitária e movimento sindical da saúde do trabalhador: um desencontro indesejado. Saúde em Debate, 43(spe8), 120–132. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S809

Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm

Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm

Levi-Belz, Y., Barzilay, S., Levy, D., & David, O. (2019). To treat or not to treat: the effect of hypothetical patients' suicidal severity on therapists' willingness to treat. Archives of Suicide Research, 24(3), 355-366. https://doi.org/10.1080/13811118.2019.1632233

Lévy, P. (1999). A infra-estrutura técnica do virtual. In P. Lévy (Org.), Cibercultura (1ª ed., pp. 29-44, C. I. da Costa Trad.). Editora 34.

Lévy, P. (2011). O que é o virtual?. (2ª ed., P. Neves Trad.). Editora 34.

Lima, C. M. A. de O. (2020). Information about the new coronavirus disease (COVID-19). Radiologia Brasileira, 53(2), V–VI. https://doi.org/10.1590/0100-3984.2020.53.2e1

Lima, R. C. (2019). The rise of the psychiatric counter-reform in Brazil. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 29(1), e290101. https://doi.org/10.1590/S0103-73312019290101

Lüdke, M., & André, M. E. D. A. (1986). A análise documental. In M. Lüdke & M. E. D. A. André (Orgs.). Pesquisa em educação: abordagens qualitativas (1ª ed., pp. 38-44). Editora Pedagógica e Universitária.

Malta, D. C., Szwarcwald, C. L., Barros, M. B. de A., Gomes, C. S., Machado, Í. E., Souza Jr, P. R. B.

de ., Romero, D. E., Lima, M. G., Damacena, G. N., Pina, M. de F., Freitas, M. I. de F., Werneck, A. O., Silva, D. R. P. da ., Azevedo, L. O., & Gracie, R. (2020). A pandemia da COVID-19 e as mudanças no estilo de vida dos brasileiros adultos: um estudo transversal, 2020. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 29(4), e2020407. https://doi.org/10.1590/S1679-49742020000400026

Martino, R. D. (2023, Maio 29). Perceber, reconhecer, respeitar, responsabilizar-se, transformar - Prof. Renato Dias Martino [Vídeo]. YouTube. https://youtu.be/EzgWZZ4YXFQ?si=kwqVO8IIb05K9jh-

Meneghelli, S. B., & Balieiro, M. C. (2020). A escuta da ausência. In V. Fondo, & G. Sironi (Eds.), [Apresentação de trabalho]. Fronteiras 33º Congresso Latinoamericano de Psicanálise (1a. ed., Cap. 50, 558-560). Virtual. http://montevideo2020.fepal.org/#libro

Ministério da Saúde. (2019). Nota Técnica Nº 11 de 4 de fevereiro de 2019. Esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas. Diário Oficial da União. https://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2019/02/0656ad6e.pdf

Ministério da Saúde. (2020). Coronavírus: Brasil confirma primeiro caso da doença. Sistema Universidade Aberta do SUS. https://www.unasus.gov.br/noticia/coronavirus-brasilconfirma-primeiro- caso-da-doenca

Minayo, M. C. S. (2014). O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. (14ª ed.). Hucitec.

Morigi, V. J., & Pavan, C. (2004). Tecnologias de informação e comunicação: novas sociabilidades nas bibliotecas universitárias. Ciência da Informação, 33(1), 117–125. https://doi.org/10.1590/S0100- 19652004000100014

Ong, W. J. (2002). Writing is a technology . In W. J. Ong (Org.), Orality & literacy: orality & literacy the technologizing of the word (1ª ed., pp. 80-82). Routledge.

Parkes, C. M. (1998). Obtendo uma nova identidade. In C. M. Parkes. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta (3ª ed., pp. 113-119, M. H. F. Bromberg, Trad.). Summus Editorial.

Pieta, M. A. M., & Gomes, W. B. (2014). Psicoterapia pela Internet: viável ou inviável?. Psicologia: Ciência E Profissão, 34(1), 18–31. https://doi.org/10.1590/S1414-98932014000100003

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. (n.d.). Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic. JANUS

- Laboratório de Estudos de Psicologia d Tecnologias da Informação d Comunicação.

https://www.pucsp.br/clinica/orientacaoonline_janus.html

Portaria n.º 2.546/2011 do Ministério da Saúde. Redefine e amplia o Programa Telessaúde Brasil, que passa a ser denominado Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes (Telessaúde Brasil Redes). Diário Oficial da União. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2546_27_10_2011.html

Portaria n.º 402/2010 do Ministério da Saúde. Institui, em âmbito nacional, o Programa Telessaúde Brasil para apoio à Estratégia de Saúde da Família no Sistema Único de Saúde, institui o Programa Nacional de Bolsas do Telessaúde Brasil e dá outras providências. Diário Oficial da União. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt0402_24_02_2010_comp.html

Proposta de Emenda Constitucional nº 95 de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial da União. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm

Rede Nacional de Ensino e Pesquisa. (2020). Nossa história. https://www.rnp.br/sobre/nossa- historia#:~:text=A%20RNP%20foi%20criada%20em,uso%20de%20redes%20no%20pa%C3%ADs

Rede Nacional de Ensino e Pesquisa. (2022). Programa Telessaúde Brasil Redes.

https://www.rnp.br/inovacao/solucoes/telessaude-brasil-redes

Reis, D. O., Araújo, E. C. de, & Cecílio, L. C. de O. (2006). Políticas públicas de saúde no Brasil: SUS e pactos pela saúde. Módulo Político Gestor. [Especialização em Saúde da Família pela Universidade aberta do Sistema Único de Saúde]. https://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1/modulo_politico_gestor/Unida de_4.pdf

Romero, L. C. P., & Delduque, M. C. (2017). O congresso nacional e as emergências de saúde pública.

Saúde e Sociedade, 26(1), 240–255. https://doi.org/10.1590/S0104- 12902017156433

Seixas, R. L. da R. (2020). Da biopolítica a necropolítica e a racionalidade neoliberal no contexto do COVID-19. Voluntas: Revista Internacional de Filosofia, 11(e50), 1-11

https://doi.org/10.5902/2179378643939

Shigemura, J., Ursano, R. J., Morganstein, J. C., Kurosawa, M., & Benedek, D. M. (2020). Public responses to the novel 2019 coronavirus (2019‐nCoV) in Japan: mental health consequences and target populations. Psychiatry And Clinical Neurosciences, 74(4), 281-

282.http://dx.doi.org/10.1111/pcn.12988

Siegmund, G., & Lisboa, C. (2015). Orientação psicológica on-line: percepção dos profissionais sobre a relação com os clientes. Psicologia: Ciência e Profissão, 35(1), 168–181. https://doi.org/10.1590/1982- 3703001312012

Silva, A. B., & Moraes, I. H. S. de. (2012). O caso da Rede Universitária de Telemedicina: análise da entrada da telessaúde na agenda política brasileira. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 22(3), 1211–1235. https://doi.org/10.1590/S0103-73312012000300019

Silva, P. V. da. (2017). Estamos disponíveis ao encontro?. SIG: Revista de Psicanálise, 6(2), 85-86. https://sig.org.br/bkp/wp-content/uploads/2019/02/Edicao11-Completa.pdf

Sousa, C. R. de M. (2021). A pandemia da COVID-19 e a necropolítica à brasileira. Revista de Direito, 13(01), 01–27. https://doi.org/10.32361/2021130111391

Souza, V. B., Silva, N. H. L. P., & Monteiro, M. F. (2020). Psicoterapia on-line: manual para a prática clínica (1ª ed.). Ed. das Autoras.

The Cornell Daily Sun. (2012, 29 novembro). Dear uncle Ezra shuts down temporarily, citing need to adapt to web. https://cornellsun.com/2012/11/29/dear-uncle-ezra-shuts-down-temporarily-citing-need- to-adapt-to-web.

The Lancet. (2020). COVID-19: protecting health-care workers. The Lancet, 395(10228), 922. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30644-9.

Viana, D. M. (2020). Atendimento psicológico online no contexto da pandemia de Covid-19: online psychological care in the context of covid’s pandemic 19. Cadernos ESP, 14(1), 74-79. https://cadernos.esp.ce.gov.br/index.php/cadernos/article/view/399.

Vernon, M. (2003, 7 outubro). Uncle Ezra remains C.U.'s secret advisor. The Cornell Daily Sun. https://cornellsun.com/2003/10/07/uncle-ezra-remains-c-u-s-secret-advisor

Whitaker, R. (2020). O impacto psicológico da pandemia: contra a patologização de nosso sofrimento. In Amarante, P., Amorim, A., Guljor, A. P., Silva, J. P. V. da, & Machado, K. (Orgs.). O enfrentamento do sofrimento psíquico na pandemia: diálogos sobre o acolhimento e a saúde mental em territórios vulnerabilizados (23ª ed., pp 28-31). IdeiaSUS/Fiocruz; Laps/Ensp/Fiocruz; Abrasme. https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/handle/icict/48838/cap.pdf?sequence=2&isAllowed=y

Winnicott, D. W. (1971). Playing and reality. Tavistock

Winnicott, D.W. (1999). Tipos de psicoterapia. In C. Winnicott, R. Shepherd, & M. Davis (Eds.), Tudo começa em casa (3ª ed., pp. 93-103, P. Sandler, Trad.). Martins Fontes.

World Health Organization. (n.d.). Coronavirus disease (COVID-19). Health topics. https://www.who.int/health-topics/coronavirus#tab=tab_1.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.16250


ESTRESSE OCUPACIONAL E BEM-ESTAR

UM RECORTE DA CIDADE DE FRANCA (SP) EM COMPARAÇÃO COM O BRASIL1


OCCUPATIONAL STRESS AND WELL-BEING

A view of the city of Franca (SP) compared to Brazil


ESTRÉS Y BIENESTAR LABORAL

Una mirada de la ciudad de Franca (SP) en comparación con Brasil


Paulo Eduardo Benzoni

(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental

Universidade Paulista – UNIP, Brasil) paulo.benzoni@docente.unip.br

Andréa Richinho Silveira Cruz

(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental

Universidade Paulista – UNIP e

Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC – Franca SP, Brasil)

andrearichinho@gmail.com

Recebido: 30/01/2024 Aprovado: 30/01/2024


RESUMO

O estresse percebido afeta diretamente a sensação de bem-estar e sabe-se que o trabalho é uma das principais fontes de estresse. Neste artigo, objetivou-se analisar a percepção de estresse e bem-estar entre trabalhadores da cidade de Franca (SP) em comparação com o restante do Brasil. Participaram 291 trabalhadores, sendo 110 de Franca (Grupo Franca – GF) e 181 do restante do Brasil (Grupo Brasil – GB). Do total amostral, a maioria foi de mulheres (67,4%) em idade economicamente ativa (75,6%), sem filhos (52,92%), com ensino superior ou pós-graduação (74%), trabalhando em comércio e serviços (61,5%) e em regime celetista (55%). Os participantes responderam, on-line, a dois instrumentos para avaliar a percepção de estresse e bem-estar. Utilizou-se o teste t e correlação de Pearson para análises das variáveis estudadas. Observou-se que o bem-estar indica significativa (p ≤ 0,001) correlação negativa com a percepção de estresse na amostra como um todo (GF r = - 0,40 e GB r = -0,50) e, apesar de não terem sido identificadas diferenças significativas entre os grupos, a cidade de Franca não apresentou correlação significativa com os fatores estressores relativos à carga e ao ambiente de trabalho. Todos os demais fatores estressores (financeiro, social, cognições, família, saúde e relaxamento) apresentaram correlações maiores no GB do que no GF. Os dados sugerem que, apesar de o estresse afetar diretamente a sensação de bem-estar, a vivência fora dos grandes centros urbanos, em cidades menores, parece proporcionar uma relação mais adequada com o trabalho.


image

image

1 Pesquisa financiada pelo Programa Individual de Pesquisa para Docentes da Vice-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Paulista – UNIP.

Palavras-chave: estresse. trabalho. bem-estar.


ABSTRACT

The perceived stress directly affects the feeling of well-being, and it is known that work is one of the main sources of stress. In this article, the objective was to analyze the perception of stress and well-being among workers in the city of Franca (SP) in comparison with the rest of Brazil. 291 workers participated, 110 from Franca (Franca Group – GF) and 181 from the rest of Brazil (Brazil Group – GB). Of the total sample, the majority were women (67.4%) in economically active age (75.6%), without children (52.92%), with higher education or postgraduate studies (74%), working in commerce and services (61.5%) and under a CLT regime (55%). The participants responded online to two instruments to assess their perception of stress and well-being. The t test and Pearson correlation were used to analyze the studied variables. It was observed that well-being indicates a significant (p ≤ 0.001) negative correlation with the perception of stress in the sample (GF r = -0.40 and GB r = -0.50) and, despite the lack of significant differences between the groups, the city of Franca did not show a significant correlation with the stressors related to workload and work environment. All other stressors (financial, social, cognitions, family, health and relaxation) showed higher correlations in BG than in FG. The data suggests that, although stress directly affects the feeling of well-being, living outside large urban centers, in smaller cities, seems to provide a more adequate relationship with work.

Keywords: stress, work, well-being.


RESUMEN

El estrés percibido incide directamente en la sensación de bienestar y se sabe que el trabajo es una de las principales fuentes de estrés. En este artículo, el objetivo fue analizar la percepción de estrés y bienestar entre los trabajadores de la ciudad de Franca (SP) en comparación con el resto de Brasil. Participaron 291 trabajadores, 110 de Franca (Grupo Franca – GF) y 181 del resto de Brasil (Grupo Brasil – GB). Del total de la muestra, la mayoría eran mujeres (67,4%) en edad económicamente activa (75,6%), sin hijos (52,92%), con estudios superiores o de posgrado (74%), trabajando en comercio y servicios (61,5%) y bajo régimen CLT (55%). Los participantes respondieron en línea a dos instrumentos para evaluar su percepción del estrés y el bienestar. Para analizar las variables estudiadas se utilizó la prueba t y la correlación de Pearson. Se observó que el bienestar indica una correlación negativa significativa (p ≤ 0,001) con la percepción de estrés en el conjunto de la muestra (GF r = -0,40 y GB r = -0,50) y, a pesar de no tener, aunque se encontraron diferencias significativas Identificados entre los grupos, la ciudad de Franca no mostró correlación significativa con los estresores relacionados a la carga de trabajo y al ambiente de trabajo. Todos los demás factores estresantes (financieros, sociales, cognitivos, familiares, de salud y relajación) mostraron correlaciones más altas en GB que en FG. Los datos sugieren que, aunque el estrés afecta directamente a la sensación de bienestar, vivir fuera de los grandes centros urbanos, en ciudades más pequeñas, parece proporcionar una relación más adecuada con el trabajo.

Palavras-chave: estrés. trabajar. bienestar.


Introdução

O estresse e o bem-estar têm sido assuntos de diversos trabalhos e publicações, seja na literatura científica como na literatura e meios de publicação voltados ao público em geral. No tocante ao campo

do trabalho e emprego, entende-se que os dois conceitos, estresse e bem-estar, se fazem extremamente presentes, dadas as suas particularidades de influência na saúde do trabalhador e na produtividade.

O estresse foi inicialmente conceituado por Hans Selye, um médico no Canadá que passou a perceber uma espécie de “reação inespecífica” em seus pacientes e, inicialmente o descreveu como uma “Síndrome de Adaptação Geral – SAG” (Selye, 1950), consistindo em uma resposta neuropsicofisiológica do organismo a qualquer evento capaz de colocar a integridade física e psicológica do indivíduo em perigo e caracterizando-se, assim, como um mecanismo biológico de autopreservação (Selye, 1959). Compreendido como uma resposta de luta e fuga, o processo de estresse é composto por um estímulo estressor que desencadeia a chamada resposta de estresse, a qual se manifesta em fases. De acordo com o grau que se apresenta, o estresse vai se estabelecendo em fases, sendo a primeira de alerta, considerada o estresse natural, a segunda de resistência, na qual o indivíduo se mostra ainda resistindo ao estresse e a terceira a mais perigosa, a exaustão, na qual o organismo não apresenta mais forças para reagir (Benzoni, 2023). Cada uma dessas fases apresenta uma sintomatologia específica, sendo que na fase de alerta, na qual o organismo começa a se preparar para responder às demandas dos estressores que está vivenciando, é comum o aparecimento de sintomas físicos como ter as mãos e pés frios, sentir secura na boca, nó no estômago e desconfortos estomacais, aumento de suor devido a alterações na temperatura corporal, tensão e enrijecimento muscular, aperto da mandíbula com sensação de tensão no maxilar e, por vezes ranger os dentes, diarreia passageira, insônia, taquicardia, comumente descrita como “batedeira”, respiração acelerada, hipertensão arterial súbita e passageira, mudança de apetite com perda ou excesso de apetite e sintomas psicológicos, tais como aumento súbito de motivação, entusiasmo súbito, vontade súbita de iniciar novos projetos (Lipp, 2005). Esses sintomas da fase de alerta duram em torno de vinte e quatro horas, pois são sinais de que o organismo está se preparando para responder, lutando ou fugindo, aos estressores.

Na segunda fase, a fase de resistência, o organismo sob pressão dos estressores está ainda suportando a pressão e os sintomas físicos mais comuns, segundo o Inventário de Sintomas de Stress de Lipp (Lipp, 2005), são problemas com a memória, um constante mal-estar generalizado sem conseguir identificar uma causa específica, formigamento das extremidades, sensação de desgaste físico constante, mudança de apetite com aumento ou redução do mesmo, aparecimento de problemas dermatológicos como micoses, coceiras e outros, aumento da pressão arterial, sensação de cansaço constante, gastrite e possível surgimento de úlcera e uma tontura com a sensação de se estar flutuando. Entre os sintomas psicológicos que podem se manifestar na fase de resistência tem-se a sensibilidade emotiva excessiva, muitas dúvidas quanto a si próprio e à competência pessoal, o pensamento constantemente em um só assunto, uma irritabilidade excessiva e diminuição do desejo sexual.

A fase mais perigosa do estresse é a fase de exaustão, nela o organismo já manifesta, através dos sintomas comuns a essa fase, que não tem mais forças para lidar com as demandas estressoras às quais está exposto e, então, entra em estado de prostração caracterizado pelos sintomas físicos de a sensibilidade emotiva excessiva, muitas dúvidas quanto a si próprio e à competência pessoal, o pensamento constantemente em um só assunto, uma irritabilidade excessiva e diminuição do desejo sexual. Entre os sintomas psicológicos mais comuns na fase de exaustão tem-se: sentir-se impossibilitado de trabalhar, pesadelos, sensação de incompetência em todas as áreas da vida, vontade de fugir de tudo, uma apatia, depressão ou raiva prolongada, sensação de cansaço extremo, ficar pensando ou falando sempre a mesma coisa, uma irritabilidade sem um motivo específico, angústia ou ansiedade constante, hipersensibilidade emotiva e perda do senso de humor (Lipp, 2005).

Assim, o indivíduo pode ter um estresse transitório, de baixa ou grande intensidade, que pode evoluir e alcançar um estado de degradação que leva o sistema imunológico a ficar debilitado e ocasionar doenças de grande seriedade (Lipp, 2003; Münzel & Daiber, 2018; Pfau & Russo, 2015; Selye, 1959).

Baqutayan (2015) e Faro e Pereira (2013) consideram que atualmente há certa imprecisão conceitual do termo estresse, com diferentes perspectivas e compreensões, desde a perspectiva de Selye, baseada no modelo de resposta do organismo ao estresse e que se foca nos sintomas do mesmo, a perspectiva relativa

aos eventos estressores, atribuída a Holmes e Rahe e a perspectiva cognitiva de Lazarus. A perspectiva cognitiva de Lazarus (Lazarus, 2000; Lazarus & Folkman, 1984) é a que melhor se adequa à discussão aqui proposta. Lazarus (2000) afirma que o estresse é considerado uma resposta individual do organismo quando as experiências negativas percebidas excedem sua capacidade de mudá-las ou superá-las, sem, contudo, gastar muito esforço.

Para a perspectiva cognitiva, apenas quando um estressor (E) é avaliado como uma demanda que supera a capacidade adaptativa (O) é que surgem reações adaptativas de estresse (R). Desta forma, o estresse só ocorre mediante a percepção de experiências que ultrapassam a capacidade do indivíduo lidar de forma satisfatória com a situação ou ainda quando as respostas eliciadas pelo contato com o estressor extrapolam o nível de competência disponível para enfrentar a situação (Faro & Pereira, 2013 p. 88).


Partindo disso, nota-se que o estresse se estabelece quando as estratégias de enfrentamento da pessoa são insuficientes para lidar ou resolver o problema.

O estressor pode ser compreendido como o estímulo desencadeador da resposta de estresse e refere-se a um evento ambiental que perturba significativamente a dinâmica do indivíduo, resultando em um estado de alerta que altera o equilíbrio fisiológico do organismo (Oken et al., 2015). Caracteriza-se como uma ameaça potencial sem previsibilidade, controle ou possibilidade de ser evitado, o que desafia o indivíduo a reagir, gerando respostas fisiológicas e comportamentais (Franklin et al., 2012). Uma vez que o estresse perturba a dinâmica do indivíduo, a ponto de gerar desequilíbrios que culminam em problemas orgânicos de saúde (Esch & Estefano, 2010; Werdecker & Esch, 2018), pode-se concluir que o bem-estar do indivíduo é diretamente afetado quando a pessoa se encontra em estado de estresse elevado.

Há que se considerar o estresse vivenciado e o estresse percebido, entendendo-se que o grau de estresse que o indivíduo vivencia, dependerá da percepção que o mesmo tem sobre os estressores que está experimentando. Levando em conta o conceito de estresse percebido, parte-se do modelo proposto por Benzoni (2023) de percepção do estresse. A partir da perspectiva relacional de estresse de Lazarus (Lazarus, 1966, 1995, 2000; Lazarus & Folkman, 1984), Benzoni (2023) amplia a compreensão dos mecanismos de avaliação cognitiva e aponta que a intensidade percebida do estressor se dá em função dos processos perceptivos, envolvendo valores e crenças individuais construídos durante todo o processo de socialização do indivíduo (Benzoni, 2014; Benzoni & Lipp, 2009; Berger & Luckmann, 1990), sendo interpretada a partir do contexto psicossocial (Berger & Luckmann, 1990; Carvalho, 2022; Freeman et al., 2020; Okruszek & Chrustowicz, 2020; Verissimo, 2019). Uma vez percebidos e atribuídos significado e intensidade ao estressor, a resposta de estresse será modulada, a princípio, a partir da vulnerabilidade e da sensibilidade emocional do indivíduo (Everly & Lating, 2004), dos processos relacionados às funções executivas do cérebro (Sprague et al., 2011), dos processos metacognitivos (Drigas & Mitsea, 2021; Sariçam, 2015; Spada et al., 2008; Wells & King, 2006) e da inteligência emocional (Armstrong et al., 2011). Da percepção de estresse, o organismo passa a se preparar para reagir aos estressores e, como resultado disso, surgem os sintomas que são elencados descritos por Lipp (2005).

O conceito de bem-estar também se relaciona fortemente com a percepção e tem sua origem na questão da felicidade e na busca da humanidade por ela. Martin Seligman, criador da Psicologia Positiva, iniciou seus trabalhos a partir da conceituação de felicidade, no entanto, sendo reconhecida como algo muito subjetivo, e buscando uma conceituação objetiva de construtos teóricos, ele migrou para a conceituação de bem-estar, gerando um construto baseado em cinco elementos: a emoção positiva, que compreende experimentar emoções positivas como felicidade, contentamento, orgulho, esperança, otimismo, segurança e gratidão; o engajamento, que compreende a imersão profunda em atividades que levam a utilizar as próprias forças com foco, atenção e motivação; o relacionamento, que envolve ter relações positivas, seguras e confiáveis; o significado, que compreende a sensação de pertença social, a sensação de fazer parte de algo maior que o próprio indivíduo; e as realizações, que compreendem a busca pelo sucesso, pelo domínio, por colocação das próprias competências no jogo da vida (Rashid & Seligman, 2019; Seligman, 2019).

No que tange às questões do trabalho, Donaldson et al. (2022), a partir de uma metanálise, apontam que a saúde física, a mentalidade, os ambientes físicos de trabalho e a segurança econômica podem ser vistos como blocos de construção essenciais e muito relevantes para o bem-estar relacionado com o trabalho, sugerindo o modelo de Rashid e Seligman (2019) de bem-estar para uso em contextos organizacionais. Ao analisar ambientes de trabalho enxutos, Huo et al. (2022) demonstraram que a intensificação do trabalho conduz a uma piora do bem-estar, em função de maior exaustão emocional. Contudo, esse processo é moderado pelo apoio do gestor direto, o que amortece a relação entre exaustão emocional e bem-estar, sugerindo que os riscos prejudiciais à saúde decorrentes da elevada intensidade de trabalho em ambientes enxutos podem ser reduzidos por meio de melhor apoio da supervisão.

O bem-estar como objetivo fundamental do desenvolvimento social tem se difundido muito, a ponto de, em 2011, a Organização das Nações Unidas o reconhecer como um objetivo humano básico e uma aspiração humana universal (Krys et al., 2021). A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em seu relatório de políticas sobre a felicidade global, de 2018, considera que “embora o crescimento do PIB seja fundamental para alcançar uma série de objetivos importantes ... ele deve ser sempre reconhecido como um meio para outros fins, e não como um objetivo em si mesmo” (OECD, 2018, p. 203). Tal organização propõe que o bem-estar da população seja uma medida da riqueza da nação. Na mesma linha, Kemp e Fisher (2022) abordam a questão do bem-estar, da saúde integral e da transformação social e sugerem que ações nos níveis individual, comunitário e ambiental proporcionam oportunidades de mudanças positivas que podem ser restringidas ou facilitadas por fatores socioestruturais que estão além do controle imediato do indivíduo.

Tratando-se de um conceito que pode ser fortemente influenciado pela cultura, Delle Fave et al. (2016) consideram que, apesar de todas as diferenças culturais, há uma similaridade substancial na definição de felicidade entre os países, sempre identificada como harmonia interna, balanceamento entre pontos positivos e negativos da vida e autopercepção das várias faces do próprio eu de cada um; a harmonia familiar e os bons relacionamentos sociais também são descritos como componentes da felicidade. Ainda no aspecto das variáveis culturais, mais especificamente na questão do bem-estar, Krys et al. (2021) pontuam que, dependendo do contexto cultural, as pessoas definem bem-estar de várias maneiras, por exemplo, satisfação com a vida, emoções positivas e ausência de emoções negativas, contentamento, harmonia, realização, relacionamentos fluidos e outros conceitos que vão ao encontro do construto proposto por Rashid e Seligman (2019).

Considerando que a percepção de estresse e bem-estar está diretamente relacionada às condições ambientais e idiossincráticas do indivíduo e que fatores referentes às condições de trabalho, relações interpessoais no trabalho, fatores econômicos e culturais podem influenciar diretamente essa percepção, objetivou-se, nesse trabalho, analisar a percepção de estresse e bem-estar entre trabalhadores da cidade de Franca (SP), comparando-a com o restante do Brasil.


Participantes

Participaram desta pesquisa 291 trabalhadores, sendo 110 da cidade de Franca, denominados Grupo Franca – GF e 181 do restante do Brasil, excluindo a cidade de Franca, denominados Grupo Brasil – GB. Do total amostral, a maioria foi de mulheres (67,4%) em idade economicamente ativa (75,6%), sem filhos (52,92%), com ensino superior ou pós-graduação (74%), trabalhando em comércio e serviços (61,5%) e em regime celetista (55%).


Método

Para a realização deste estudo, utilizou-se uma amostra não probabilística por acessibilidade, composta por 291 participantes, todos trabalhadores que responderam a uma bateria de instrumentos on-line.

Para a coleta de dados, a fim de caracterizar a amostra, foi utilizado um questionário fechado com questões referentes a idade, sexo, estado civil, número de filhos, escolaridade e cidade de moradia.

Para avaliação da percepção de estresse foi utilizado o IPEEB – Inventário de Percepção de Estresse e de Estressores de Benzoni (Benzoni, 2019, 2023), instrumento de autorrelato composto por 42 afirmativas referentes a estressores cotidianos. As 42 afirmativas estão divididas em oito domínios, sendo eles: estressores financeiros; estressores do ambiente de trabalho; cognições e comportamentos estressores; estressores do ambiente familiar; estressores das condições de saúde; estressores das condições de relaxamento; estressores relativos à carga de trabalho; e estressores dos relacionamentos sociais. As afirmativas têm um caráter de evento ou situação do cotidiano e são avaliadas em uma escala Likert que varia de 0 a 4 de acordo com a intensidade e a controlabilidade percebida do estressor.

Para avaliação da percepção de bem-estar foi utilizada a Escala de Satisfação com a Vida (Satisfaction with Life Scale – SWLS), de Diener et al. (1985), instrumento de fácil preenchimento, composto por cinco itens que devem ser graduados a partir de uma escala Likert que varia de 1 a 7.

Os dados foram coletados de maneira on-line por meio da ferramenta Google Forms, onde foram inseridos os instrumentos e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O link do formulário foi divulgado em redes sociais, como Facebook, Instagram e WhatsApp, com um texto de apresentação da pesquisa e o link de acesso aos interessados em participar. O texto com o respectivo atalho foi compartilhado várias vezes nas redes sociais entre os meses de maio a setembro de 2023.

O link inicialmente permitia o preenchimento e a assinatura digital do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; na sequência, era preenchida a ficha de identificação sociodemográfica e, por fim, respondidos os instrumentos.

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética (CEP) da universidade de filiação dos autores, por meio da CAAE 66931823.5.0000.5512 e parecer 5.943.164. Aos participantes que solicitaram devolutiva dos seus resultados, o retorno foi agendado em horário e meio adequados, de forma digital.

O IPEEB e a Escala de Satisfação com a Vida foram analisados segundo a orientação dos seus respectivos autores, e os dados demográficos apresentados por meio de estatística descritiva. Para análise dos dados totais, foi utilizado o cálculo do alfa de Cronbach para verificação da confiabilidade do instrumento e dos dados nos dois grupos compreendidos pela pesquisa.

Os dados foram organizados por grupos GB e GF, procedendo-se a uma análise detalhada por meio do teste t para amostras independentes nos diferentes agrupamentos e correlação de Pearson entre as variáveis percepção de estresse e bem-estar nos agrupamentos. Para todos os cálculos foi utilizado o software Statistical Pocket for Social Sciences 21 (SPSS).


Resultados

No que se refere à consistência dos dados, foram observados valores de alfa de Cronbach de 0,97 para os 42 itens do IPEEB e de 0,84 para os cinco itens da Escala de Satisfação com a Vida, ambos para a amostra total.

A pesquisa contou com 291 participantes que foram divididos em dois grupos, sendo eles o GF – Grupo Franca, somente com trabalhadores da cidade de Franca (SP), e o GB – Grupo Brasil, com trabalhadores de todo o País, exceto da cidade de Franca. O GF foi composto por 110 participantes, sendo 42 do sexo masculino (38,2%) e 68 do sexo feminino (61,8%), com idade distribuída pelas fases do ciclo vital (Griffa & Moreno, 2001) – 32 (29,1%) na fase final da adolescência (18 a 24 anos), 41 (37,3%) na fase

adulta jovem (25 a 39 anos), 36 (32,7%) na meia idade (40 a 64 anos) e 1 (0,9%) na terceira idade e

velhice (acima de 65 anos) –; destes, 57 eram solteiros (51,8%), 41, casados (37,3%), 9, separados

(8,2%) e 3, viúvos (2,7%). Quanto ao número de filhos, 69 não tinham filhos (62,7%), 34 (30,9%) tinham

de um a dois filhos e 7 (6,4%) tinham três filhos ou mais. A escolaridade concentrou-se em ensino médio (49,9%) e superior (28,2%), com 2 participantes com ensino fundamental completo (1,8%) e 23 pós- graduados, lato sensu e stricto sensu (20,9%).

Já o GB foi composto por 181 participantes distribuídos pelo Brasil, sendo 53 do sexo masculino (29,3%) e 128 do sexo feminino (70,7%), com idade distribuída pelas fases do ciclo vital (Griffa & Moreno, 2001) – 37 (20,4%) na fase final da adolescência (18 a 24 anos), 64 (35,4%) na fase adulta jovem (25 a

39 anos), 69 (43,6%) na meia idade (40 a 64 anos) e 1 (0,6%) na terceira idade e velhice (acima de 65 anos). Quanto ao estado civil, 77 eram solteiros (42,5%), 85, casados ou em união estável (47%), 17, separados (9,4%) e 2, viúvos (1,1%). No que diz respeito ao número de filhos, 86 não tinham filhos (47%), 76 tinham de um a dois filhos (42%) e 20 (11,1%) tinham três filhos ou mais. A escolaridade do grupo se concentrou nos níveis de ensino superior (42%) e pós-graduação lato sensu e stricto sensu (37%).

Tabela 1: Correlações entre os indicadores de percepção de estresse e percepção de bem-estar nos grupos de trabalhadores GF e GB



Bem-estar




Correlações

Franca


Brasil



Pearson

p

Pearson

p

Financeiro

-0,35

0,001

-0,47

0,001

Ambiente de trabalho

-0,12

Não significativa

-0,26

0,001

Carga de trabalho

-0,15

Não significativa

-0,17

0,025

Cognições

-0,44

0,001

-0,50

0,001

Família

-0,30

0,010

-0,35

0,001

Saúde

-0,22

0,020

-0,34

0,001

Condições de relaxamento

-0,33

0,001

-0,34

0,001

Social

-0,32

0,001

-0,40

0,001

Percepção geral de estresse

-0,40

0,001

-0,50

0,001

A partir da Tabela 1, é possível verificar que a percepção de bem-estar se correlaciona negativamente com a percepção de estresse em todos os fatores avaliados no GB, sendo todas essas correlações significativas a p ≤ 0,05, indicando que, quanto mais se percebe o estresse em suas diferentes origens, menor é a percepção do bem-estar. Porém, no GF, os fatores percepção dos estressores no ambiente de trabalho e percepção dos estressores relativos à carga de trabalho não apresentaram correlação com o bem-estar, indicando que os fatores relacionados ao estresse percebido no ambiente de trabalho não interferiram na percepção de bem-estar.

Os maiores indicadores de correlação foram na percepção geral de estresse (GF r = -0,40 e GB r = -0,50) e na percepção de cognições, relativos aos pensamentos e comportamentos estressores (GF r = -0,44 e GB r = -0,50). O GB também apresentou correlação mais indicativa no fator relativo aos estressores financeiros (GB r = -0,47).


Discussão

A amostra foi, em sua maioria, de mulheres (GF = 61,8% e GB = 70,7%), com idade se concentrando na faixa mais intensa de atividade economicamente ativa, ou seja, de 18 a 39 anos (GF = 66,4% e GB = 55,8%) que, segundo Griffa e Moreno (2001), corresponde ao período de construção da vida adulta. Esse aspecto é um indicador de quanto os participantes podem estar vinculados às suas atividades laborais.

Segundo Benzoni (2023), a intensidade percebida do estressor se dá em função dos processos perceptivos, envolvendo valores e crenças construídos durante todo o processo de socialização do indivíduo (Benzoni, 2014; Benzoni & Lipp, 2009; Berger & Luckmann, 1990), cuja interpretação é feita a partir do contexto psicossocial individual (Berger & Luckmann, 1990; Carvalho, 2022; Freeman et al.,

2020; Okruszek & Chrustowicz, 2020; Verissimo, 2019). Franca, no interior do estado de São Paulo, é uma cidade de médio porte, com sua economia baseada na indústria. Por não se tratar de um grande centro urbano, com população estimada em 355.901 habitantes (Franca, 2021), pode-se supor que a qualidade de vida se mostra melhor que nos demais centros brasileiros. Nesse sentido, supõe-se que questões socioestruturais que estão além do controle imediato do indivíduo, sobretudo nos grandes centros urbanos, e que interferem diretamente na percepção de bem-estar (Kemp & Fisher, 2022), podem estar mais bem estruturadas nessa cidade, permitindo uma melhor percepção do construto.

Os resultados apontaram que os trabalhadores de Franca não correlacionam as questões de trabalho com o bem-estar e, nesse aspecto – de não haver correlação entre estresse percebido no trabalho e bem-estar –, a partir de Donaldson et al. (2022), que consideram que os ambientes físicos de trabalho e a segurança econômica podem ser vistos como blocos de construção essenciais para o bem-estar, questiona-se se o ambiente laboral dos trabalhadores de Franca oferece maior segurança física e econômica, o que pode estar impactando na não correlação entre a percepção de estresse no trabalho e bem-estar. Avaliando os dados sobre renda e produto interno (PIB) per capita apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2023), apesar de ser a cidade de posição 74ª em termos de quantidade populacional, Franca se encontra na posição 1.289 (renda) e 1.414 (PIB per capita, de 28.518,78) entre os 5.570 municípios do País. Perante o estado, também ocupa uma posição discreta, sendo a 21ª cidade em população, 333ª em termos de renda e 270ª em relação ao PIB per capita, o que contrasta com o resultado encontrado neste estudo. Analisando-se os indicadores de educação, saúde e qualidade de vida, eles colocam a cidade entre as melhores do estado, porém, ela ainda está distante dos melhores indicadores de renda e riqueza produzida. Tanto a Fundação Seade como o IBGE apresentam Franca com indicadores de renda abaixo da média das cidades de mesmo porte populacional (IBGE, 2023). Outro fator que pode estar atrelado ao resultado encontrado é que a percepção negativa de bem- estar em ambientes com elevada intensidade de trabalho pode ser reduzida por meio de melhor apoio da supervisão (Huo et al., 2022), o que permite aventar a hipótese de que, sendo uma cidade que, além da pecuária e da produção de café, tradicionalmente é voltada para a indústria de calçados, principalmente masculinos, atendendo tanto ao mercado interno quanto ao de exportação. Desde 2010, Franca exportou quase 3,5 milhões de pares de calçados para 59 países (Sindicato da Indústria de Calçados de Franca, 2023), assim, as lideranças dentro das organizações podem estar se mostrando mais bem preparadas nesse aspecto. Segundo o IBGE (2023), a cidade se classifica com o maior grau de especialização regional com o quociente de localização (QL), um instrumento que permite comparar a média de especialização econômica dos municípios em determinada atividade. A especialização econômica de Franca é muito superior à média brasileira, atingindo um resultado 36,7 vezes superior, colocando-a como o principal cluster brasileiro da atividade em questão (IBGE, 2023).

Sabe-se que, dependendo do contexto cultural, haverá diferenças na definição e percepção de bem-estar (Krys et al., 2021), porém, sua relação com a percepção de estresse é notória. Entendendo que o estresse, em especial quando vivenciado em excesso, pode ser o gatilho de inúmeras doenças físicas e psicológicas, conclui-se que sua relação com o bem-estar deve ser inversamente proporcional, ou seja, quanto mais percepção de estresse, menos percepção de bem-estar. Porém especificamente no que se relaciona ao trabalho, entre os pesquisados desse estudo, o fato de os trabalhadores do GF não associarem a percepção de bem-estar com as questões relacionadas à percepção de estresse no trabalho pode estar relacionado aos fatores até aqui discutidos, no que tange as diferenças culturais que influenciam a percepção de bem-estar.

Este estudo apresentou limitações quanto ao desconhecimento do segmento econômico no qual os trabalhadores pesquisados atuam, variável que poderia agregar informações mais robustas à discussão, porém, seria necessário um número muito maior de participantes para fazer tal análise. Potencialmente, o estudo traz informações relevantes, indicando que a percepção de bem-estar pode não estar atrelada às condições de trabalho em função de algumas variáveis sociais, econômicas e culturais.

Considerações finais

Entendendo que o bem-estar se fundamenta em processos perceptivos, os quais se relacionam diretamente com a percepção de estresse, objetivou-se analisar a relação entre essas variáveis em função do contexto sociourbano no qual as pessoas vivem e trabalham.

Os dados apontaram para uma melhor qualidade de vida e melhor percepção de bem-estar entre trabalhadores de menores centros urbanos, como o caso da cidade de Franca, no interior do estado de São Paulo. Uma vez identificado que Franca apresenta melhores condições estruturais de desenvolvimento humano, faz-se necessário identificar essas condições para que elas possam ser trabalhadas em outras cidades do Brasil.

Com o aumento da importância e da preocupação sobre o bem-estar, inclusive por instituições internacionais como a OCDE, é preciso que novos trabalhos compreendam, de forma consistente, a importância de se criar condições que o favoreçam em grandes centros populacionais, respeitando as diferenças sociais, econômicas e culturais.


Referências

Armstrong, A. R., Galligan, R. F., & Critchley, C. R. (2011). Emotional intelligence and psychological resilience to negative life events. Personality and Individual Differences, 51(3), 331–336. https://www.researchgate.net/publication/229324277_Emotional_intelligence_and_psychological_resilienc e_to_negative_life_events

Baqutayan, S. M. S. (2015). Stress and coping mechanisms: A historical overview. Mediterranean Journal of Social Sciences, 6(2), 479–488. https://www.researchgate.net/publication/276847037_Stress_and_Coping_Mechanisms_A_Historical_Ove rview

Benzoni, P. E. (2014). Estilos parentais e stress dos filhos: quando a combinação desses fatores pode levar ao desenvolvimento de transtornos psicológicos. In M. E. N. Lipp (Org.), Stress em crianças e adolescentes (pp. 165-179). Papirus.

Benzoni, P. E. (2019). Construction and validation of the Adult Stressors Inventory (ASI). Trends in Psychiatry and Psychotherapy, 41(4), 375–386. https://doi.org/10.1590/2237-6089-2018-0079

Benzoni, P. E. (2023). Controle do estresse em 8 encontros: guia para profissionais com protocolo cognitivo para aplicação. Sinopsys.

Benzoni, P. E., & Lipp, M. E. N. (2009). Interação entre práticas parentais e sensibilidade límbica na determinação do stress crônico. Boletim Academia Paulista de Psicologia, 77(02/09), 345–353. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/bapp/v29n2/v29n2a11.pdf

Berger, P. L., & Luckmann, T. (1990). A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento (8. ed.). Vozes.

Carvalho, E. M. (2022). Psicologia ecológica: da percepção à cognição social. In M. J. A. Souza & M. M. Lima Filho (Orgs.), Escritos de filosofia V: linguagem e cognição (Cap. 15). Editora Fi.

Delle Fave, A., Brdar, I., Wissing, M. P., Araujo, U., Solano, A. C., Freire, T., Hernández-Pozo, M. D. R., Jose, P., Martos, T., Nafstad, H. E., Nakamuram J., Singh, K., & Soosai-Nathan, L. (2016). Lay definitions of happiness across nations: the primacy of inner harmony and relational connectedness. Frontiers in Psychology, 7, Art. 30. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2016.00030

Diener, E., Emmons, R. A., Larsen, R. J. & Griffin, S. (1985). The Satisfaction with Life Scale. Journal of Personality Assessment, 49, 71–75.

Drigas, A., & Mitsea, E. (2021). Metacognition, stress – relaxation balance & related hormones. International Journal of Recent Contributions from Engineering, Science & IT (iJES), 9(1), 4–

16. https://doi.org/10.3991/ijes.v9i1.19623

Esch, T., & Stefano, G. B. (2010). The neurobiology of stress management. Neuroendocrinology Letters, 31(1), 19–39.

https://www.researchgate.net/publication/255685315_The_neurobiology_of_stress_management

Everly, G. S., & Lating, J. M. (2004). Personality-guided therapy for posttraumatic stress disorder. American Psychological Association.

Donaldson, S. I.; Zyl, L. E & Donaldson, S. I. (2022) PERMA+4: A Framework for Work-Related Wellbeing, Performance and Positive Organizational Psychology 2.0. Frontiers in Psychology. 12(81724).

Faro, A., & Pereira, M. E. (2013). Estresse: revisão narrativa da evolução conceitual, perspectivas teóricas e metodológicas. Psicologia, Saúde & Doenças, 14(1), 78–100. http://www.scielo.mec.pt/pdf/psd/v14n1/v14n1a06.pdf

Franklin, T. B., Saab, B. J., & Mansuy, I. M. (2012). Neural mechanisms of stress, resilience and vulnerability. Neuron, 75(6), 747–761. https://doi.org/10.1016/j.neuron.2012.08.016

Freeman, J. B., Stolier, R. M., & Brooks, J. A. (2020). Dynamic interactive theory as a domain-general account of social perception. Advances in Experimental Social Psychology, 61, 237–287. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8317542/

Griffa, M. C., & Moreno, J. E. (2001). Chaves para a psicologia do Sdesenvolvimento. Paulinas.

Huo, M. L., Boxall, P., & Cheung, G. W. (2022). Lean production, work intensification and employee wellbeing: Can line-manager support make a difference? Economic and Industrial Democracy, 43(1), 198–

220. https://doi.org/10.1177/0143831X19890678

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2023). Panorama – Franca. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/franca/panorama

Kemp, A. H., & Fisher, Z. (2022). Wellbeing, whole health and societal transformation: Theoretical insights and practical applications. Global Advances in Health and Medicine, 11, 1–16. doi: 10.1177/21649561211073077

Krys, K., Park, J., Kocimska-Zych, A., Kosiarczyk, A., Selim, H. A., Wojtczuk-Turek, A., Haas, B. H., Uchida, Y., Torres, C., Capaldi, C. A., Bond, M. H., Zelenski, J. M., Lun, V. M., Maricchiolo, F., Vauclair, C., Šolcová, I. P., Sirlopú, D., Xing, C., Vignoles, V. L., … Adamovic, M. (2021). Personal life satisfaction as a measure of societal happiness is an individualistic presumption: Evidence from fifty countries. Journal of Happiness Studies, 22, 2197–2214. https://doi.org/10.1007/s10902-020-00311-y

Lazarus, R. S. (1966). Psychological stress and the coping process. McGraw-Hill.

Lazarus, R. S. (1995). Psychological stress in the workplace. In R. Crandall & P. L. Perrewé (Eds.),

Occupational stress: A handbook (pp. 3-14). Taylor & Francis.

Lazarus, R. S. (2000). Toward better research on stress and coping. American Psychologist, 55(6), 665–673. Lazarus, R. S., & Folkman, S. (1984). Stress appraisal and coping. Springer Publishing Company.

Lipp, M. E. N. (2003). O modelo quadrifásico do stress. In M. E. N. Lipp (Org.), Mecanismos neuropsicofisiológicos do stress: teoria e aplicações clínicas (pp. 17-21). Casa do Psicólogo.

Lipp, M. E. N. (2005) Manual do inventário de sintomas de stress para adultos de Lipp (ISSL). 3ª. ed. Casa do Psicólogo.

Münzel, T., & Daiber, A. (2018). Environmental stressors and their impact on health and disease with focus on oxidative stress. Antioxidants & Redox Signaling, 28(9), 735-740. DOI: 10.1089/ars.2017.7488

OECD, Global Happiness Policy Report. 2018.

Oken, B. S., Chamine, I., & Wakeland, W. (2015). A systems approach to stress, stressors and resilience in humans. Behavioural Brain Research, 282, 144–154. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4323923/

Okruszek, L., & Chrustowicz, M. (2020). Social perception and interaction database: A novel tool to study social cognitive processes with point-light displays. Frontiers in Psychiatry, 11(123), 1–9. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2020.00123

Pfau, M. L., & Russo, S. J. (2015). Peripheral and central mechanisms of stress resilience. Neurobiology of Stress, 1, 66–79. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4260357/

Rashid, T., & Seligman, M. (2019). Psicoterapia positiva: manual do terapeuta. Artmed.

Sariçam, H. (2015). Metacognition and happiness: The mediating role of perceived stress. Studia Psychologica, 57(4), 271–283. https://doi.org/10.21909/sp.2015.03.699

Spada, M. M., Nikčević, A. V., Moneta, G. B., & Wells, A. (2008). Metacognition, perceived stress, and negative emotion. Personality and Individual Differences, 44(5), 1172–1181. https://doi.org/10.1016/j.paid.2007.11.010

Seligman, M. E. P. (2019). Florescer: uma nova compreensão da felicidade e do bem-estar. Objetiva.

Selye, H. (1950). Stress and the general adaptation syndrome. British Medical Journal, 4667, 1383–1392. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2038162/pdf/brmedj03603-0003.pdf

Selye, H. (1959). Stress: a tensão da vida. Ibrasa.

Sindicato da Indústria de Calçados de Franca. (2023). Setor calçadista. https://sindifranca.org.br/setor- calcadista/

Sprague, J., Verona, E., Kalkhoff, W., & Kilmer, A. (2011). Moderators and mediators of the stress- aggression relationship: Executive function and state anger. Emotion, 11(1), 61–73. DOI: 10.1037/a0021788

Verissimo, D. S. (2019). A percepção social à luz de uma concepção praxiológica da intencionalidade.

Revista de Abordagem Gestáltica, 25(3), 302–312. http://dx.doi.org/10.18065/RAG.2019v25n3.9

Wells, A., & King, P. (2006). Metacognitive therapy for generalized anxiety disorder: An open trial. Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry, 37(3), 206–212. DOI: 10.1016/j.jbtep.2005.07.002

Werdecker, L., & Esch, T. (2018). Stress und Gesundheit. In R. Haring (Ed.), Gesundheitswissenschaften

(pp. 347-359). Springer. 022-02884-y

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.16254


SAÚDE MENTAL DE ESCOLARES E A CONVIVÊNCIA COM A DEPRESSÃO MATERNA RECORRENTE E GRAVE COM E SEM COMORBIDADE COM TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE


SCHOOL CHILDREN’S MENTAL HEALTH AND MATERNAL DEPRESSION WITH AND WITHOUT COMORBIDITY OF BORDERLINE PERSONALITY DISORDER


SALUD MENTAL DE ESCOLARES Y DEPRESIÓN MATERNA CON Y SIN COMORBILIDAD CON TRASTORNO LIMÍTROFE DE PERSONALIDAD


Daniel Fernando Magrini

(Psicólogo Clínico, Ribeirão Preto, SP, Brasil)

magrini.df@gmail.com


Danubia Cristina de Paula

(Centro Universitário Barão de Mauá, Faculdade de Psicologia. Ribeirão Preto, SP, Brasil)

danubiacpaula@gmail.com


Fernanda Aguiar Pizeta

(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil)

fepizeta@gmail.com


Sonia Regina Loureiro

(Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, SP, Brasil)

srlourei@fmrp.usp.br

Recibido: 30/01/2024 Aprobado: 30/01/2024


RESUMO

O impacto para a saúde mental dos filhos da gravidade da depressão materna (DM), em comorbidade com outros transtornos, carece de estudos. Objetivou-se comparar indicadores de saúde mental de escolares, considerando grupos diferenciados pela gravidade da DM com e sem comorbidade com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB). Foram avaliadas 90 díades mães-crianças, distribuídas em três grupos, sistematicamente avaliados: Grupo Depressão (GD) - mães com indicadores de sintomas atuais de depressão e histórico de episódios anteriores, sem indicadores de TPB, Grupo Depressão em Comorbidade com TPB (GD-TPB) - mães com sintomas depressivos atuais e histórico de episódios anteriores com comorbidade com indicadores de TPB, e Grupo de Comparação (GC) - mães sem histórico de sintomas depressivos nem indicadores de TPB. As crianças, de ambos os sexos, tinham idade entre seis e 10 anos. Procedeu-se às avaliações em sessões individuais: a) com as mães

image

- Questionário Geral e Questionário Sobre a Saúde do Paciente, Entrevista Clínica TPB e Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ); e b) com as crianças - Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven. Tratou-se os dados por procedimentos

estatísticos (p ≤0,05). As crianças do GD-TPB apresentaram, com significância estatística, média maior que GD e GC quanto ao escore de problemas total, conduta, hiperatividade e problemas de relacionamento. Verificou-se associação da gravidade da DM com TPB com mais problemas de saúde mental infantil, caracterizando um grupo clínico preferencial para intervenções em saúde mental.

Palavras-chave: depressão. transtorno de personalidade borderline. relações mãe-filho. criança. saúde mental.


ABSTRACT

The impact of the severity of maternal depression (MD) comorbid with other disorders on children’s mental health is seldom studied. Hence, the objective was to compare schoolchildren’s mental health indicators addressing groups differentiated by MD severity with and without comorbidity of Borderline Personality Disorder (BPD). Ninety mother- child pairs were assigned to three groups and were systematically assessed: Depression Group (DG) – mothers with indicators of current symptoms of depression and a history of previous episodes, without BPD indicators; Depression comorbid with BPD(DG-BPD) – mothers with current depressive symptoms and a history of previous episodes in comorbidity with BPD indicators; and Comparison Group (CG) – mothers with no history of depressive symptoms nor BPD indicators. The children of both sexes were between six and 10. The assessments were performed in individual sessions: a) with mothers – General Questionnaire and Patient Health Questionnaire, BPD Clinical Interview, and Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ); and b) with children – Raven’s Colored Progressive Matrices Test. Data were treated using statistical procedures (p ≤0.05). Children from the DG-BPD presented statistically higher means than the DG and CG on the total problem score, conduct, hyperactivity, and relationship problems. An association was found between the severity of MD and BPD and more frequent child mental health problems, characterizing a preferential clinical group for mental health interventions.

Keywords: depression. borderline personality disorder. mother-child relations. child. mental health.


RESUMEN

El impacto de la gravedad - de la depresión materna (DM), en comorbilidad con otros trastornos - para la salud mental de los hijos carece de estudios. Se objetivó comparar indicadores de salud mental de escolares, considerando grupos diferenciados por la gravedad de la DM con y sin comorbilidad con Trastorno de Limítrofe de Personalidad (TLP). Fueron evaluadas 90 díadas madre-niño, distribuidas en tres grupos, sistemáticamente evaluados: Grupo Depresión (GD) - madres con indicadores de síntomas actuales de depresión e histórico de episodios anteriores, sin indicadores de TLP; Grupo Depresión en Comorbilidad con TLP (GD-TLP) - madres con síntomas depresivos actuales e histórico de episodios anteriores en comorbilidad con indicadores de TLP; y, Grupo de Comparación (GC) - madres sin histórico de síntomas depresivos ni indicadores de TLP. Los niños, de ambos sexos, tenían edad entre seis y 10 años. Se procedió a evaluar en sesiones individuales: a) con las madres - Cuestionario General y Cuestionario Sobre la Salud del Paciente, Entrevista Clínica TLP y Cuestionario de Capacidades y Dificultades (SDQ) y b) con los niños - Test Matrices Progresivas Coloridas de Raven. Los datos se trataron con procedimientos estadísticos (p ≤0,05). Los niños del GD-TLP presentaron significación estadística con media mayor que GD y GC en lo que se refiere al puntaje de problemas total, conducta, hiperactividad e problemas de relacionamiento. Se verificó asociación de la gravedad de la DM con TLP con más problemas de salud mental infantil, caracterizando un grupo clínico preferencial para intervenciones de salud mental.

Palabras clave: depresión. trastorno de personalidad limítrofe. elaciones madre-hijo. niño. salud mental.


Introdução

Os problemas de saúde mental infantis são prevalentes no mundo e, segundo a metanálise de Polanczyk et al. (2015), realizada em 27 países e que envolveu 41 publicações, incluindo o Brasil, os transtornos mentais em crianças e adolescentes apresentam taxas de prevalência de 13,4% no mundo, com destaque para ansiedade (6,5%), comportamento disruptivo (5,7%), da hiperatividade e déficit de atenção (3,4%) e depressão (2,6%). No Brasil, a prevalência foi abordada pelo estudo epidemiológico de Paula et al. (2015), com uma amostra de 1.676 adolescentes e crianças entre seis e 16 anos, sendo identificada a taxa geral de 13,1% de transtornos mentais, com valores maiores na região central (18,5%) e no Sudeste (14,5%), sendo predominantes os transtornos de ansiedade, disruptivos e de déficit de atenção e hiperatividade.

Os problemas de saúde mental na infância têm ganhado destaque especialmente a partir dos encaminhamentos frequentes para instituições de atendimento em serviços de saúde mental. No Brasil, segundo Aguiar et al. (2018), em serviços-escolas de psicologia e psiquiatria, o público infantil tem se tornado mais frequente, afirmando que tais problemas na infância, quando não tratados, podem se agravar posteriormente, colocando em risco o desenvolvimento infantil. Com base na análise de prontuários de atendimentos de um serviço de psiquiatria infantil, Machado et al. (2014) relataram o predomínio na infância de queixas relativas a problemas externalizantes (agressividade e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) e menor taxa de encaminhamento relativo a problemas internalizantes (ansiedade e depressão), chamando a atenção que estes problemas tendem a se intensificar no período próximo e durante a adolescência. Em estudo realizado em uma Unidade Básica de Saúde, Fatori et al. (2018) identificaram a prevalência de 18,3% de problemas externalizantes e 30,7% de internalizantes. Independente do predomínio de determinados tipos de problemas, o que pode depender de especificidades das amostras, há um consenso nos estudos sobre a importância da identificação precoce de tais dificuldades. Nesse sentido, é relevante identificar condições de risco e de proteção para os problemas de saúde mental na infância. Dentre os principais fatores que influenciam negativamente o desenvolvimento infantil, estão incluídos os problemas de saúde mental das mães, em especial a convivência com a depressão, a qual se configura como uma condição de adversidade para os filhos em diferentes idades.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão, comumente denominada de transtorno depressivo maior, caracteriza-se por manifestações que podem ser de longa duração e intensidades que variam de moderado a grave, associados a sofrimento e prejuízos nas interações sociais, no trabalho e na escola (World Health Organization [WHO], 2020). A depressão tem alta prevalência e impacto mundial, atingindo 280 milhões de pessoas, afetando mais mulheres do que homens, sendo o Brasil o país com maior número de pessoas com depressão da América Latina (WHO, 2023). Segundo Brito et al. (2022), tendo por referência a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), a prevalência da depressão autorreferida na população geral brasileira adulta foi de 10,2%, com taxa de 14,1% para as mulheres. De acordo com a CID-11, as manifestações do transtorno depressivo maior podem ocorrer com intensidade e duração diversa, em diferentes níveis de gravidade clínica dos sintomas, sendo classificados de acordo com os episódios em únicos ou recorrentes, com ou sem sintomas psicóticos (WHO, 2019). A depressão apresenta várias comorbidades, e em amostras clínicas a comorbidade com o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) pode chegar a 70% (Goodman et al., 2010).

O impacto da depressão materna para filhos de diferentes idades é amplamente reconhecido, como mostrado nas metanálises de Goodman et al. (2011) e Sutherland et al. (2021), sendo associada a mais problemas de comportamento internalizante e externalizante, à psicopatologia geral e ao afeto negativo das crianças em idade escolar. Segundo a revisão sistemática de Pizeta et al. (2013), a qual analisou um amplo número de estudos sobre o impacto da sintomatologia depressiva materna nas crianças, foram constatadas associações entre o transtorno depressivo das mães e os problemas comportamentais e de

saúde mental de crianças em idade escolar. Relataram que, independente dos delineamentos dos estudos, foi verificada para as crianças expostas à depressão materna maior vulnerabilidade emocional e comportamental, além de manifestações depressivas, com mais altos escores no total de problemas de comportamento e saúde mental, e em escalas específicas do Questionário de Capacidades e Dificuldades (Strengths and Difficulties Questionnaire em inglês, denominado SDQ). Diferentes estudos empíricos têm demonstrado as associações da depressão materna aos problemas de saúde mental infantil, quanto ao escore total do SDQ e escalas específicas (Reyes et al., 2019) e problemas internalizantes e externalizantes (Bolsoni-Silva & Loureiro, 2020; Bolsoni-Silva et al. 2016).

Embora muitos estudos reiterem a condição de adversidade da depressão materna para os escolares, poucos estudos abordam o impacto da gravidade da depressão para a saúde mental infantil. Dentre esses estudos, inclui-se o estudo empírico de O’Connor et al. (2017) que avaliaram o grau em que a gravidade/cronicidade da história de depressão materna se relacionou a variação nos sintomas de internalização e externalização de crianças de oito a 12 anos. Além disso, relataram que quando do convívio com os sintomas depressivos maternos atuais, independente do histórico de gravidade do transtorno depressivo, as crianças apresentaram mais sintomas internalizantes e externalizantes. A comorbidade da depressão com TPB caracteriza-se como uma condição clínica de maior gravidade, com diferentes impactos para os filhos, se associando a presença de mais dificuldades gerais quanto à saúde mental (Steele et al. 2019; Petfield et al., 2015). No estudo de Kluczniok et al. (2018) foi verificada a associação dessa comorbidade a mais problemas internalizantes e externalizantes das crianças.

Considerando que tal condição clínica de comorbidade da depressão com TPB é frequente, especialmente em amostras clínicas, o presente estudo se insere nessas lacunas, destacando a necessidade de mais pesquisas sobre a influência para a saúde mental infantil quando da convivência com essa condição de adversidade. Assim, objetiva-se comparar os indicadores de saúde mental de crianças em idade escolar, considerando grupos diferenciados pela gravidade da depressão materna, com e sem comorbidade, com Transtorno de Personalidade Borderline.


Método

O presente estudo teve delineamento transversal e de comparação entre grupos, com amostra não aleatória e de conveniência.


Aspectos éticos

Apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (FMRP-USP), segundo os Processos CEP- HCFMRP № 3.190.579/2019 e CEP-HCFMRP № 4.247.877/2020, o estudo respeita todos os cuidados éticos com pesquisas envolvendo seres humanos, de acordo com o disposto na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Nas avaliações realizadas com as mães, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sob as formas verbal, escrita e por meio de leitura compartilhada. No Termo estavam as informações a respeito dos objetivos do estudo, da ausência de prejuízos ou danos decorrentes da participação e do rigor com o sigilo das informações obtidas na pesquisa. Foi esclarecido que a participação era voluntária, ressaltando que a desistência era admissível em qualquer momento do estudo, sem qualquer prejuízo para elas ou seus filhos. O consentimento das mães foi solicitado mediante autorização por escrito para sua própria participação e para a participação de seu filho. Foi obtida, ainda, a anuência das crianças para participação no estudo, por meio da assinatura do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).

Com a emergência sanitária da pandemia de Covid-19, decretada em março de 2020, as atividades de pesquisa junto às unidades de saúde foram canceladas pela Secretaria Municipal da Saúde, tendo por base a publicação de decreto específico. Após 120 dias, em julho do mesmo ano, sem uma definição favorável do

cenário da pandemia, optou-se por submeter para apreciação um adendo, junto ao CEP-HCFMRP-USP, solicitando mudanças que viabilizassem a retomada da coleta. Tal solicitação foi apreciada e aprovada.

Conforme a aprovação do adendo, adotou-se a continuidade da coleta na modalidade remota com as mães do Grupo Comparação, e presencial com as mães dos Grupos Clínicos. Conforme recomendações do CEP, com as crianças de todos os grupos as coletas permaneceram presenciais, ocorrendo remotamente apenas quando, de acordo com os critérios sanitários, a cidade se encontrasse na fase laranja, caracterização dada pelas normativas do governo do estado de São Paulo num momento de controle e atenção que permitia eventuais liberações, atendendo aos cuidados sanitários recomendados quanto ao distanciamento social e o uso de máscara.

A devolutiva dos dados foi oferecida às participantes e realizada conforme o seu interesse e, quando constatada a necessidade, mães e crianças foram orientadas e encaminhadas para atendimento junto a rede de saúde.


Participantes

Para a definição de quantos participantes teriam neste estudo, foi realizado um cálculo amostral com margem de erro de 10% e intervalo de confiança de 95% e, a partir disso, estimou-se uma amostra razoável com um n variando entre 29 e 49 participantes para os dois grupos clínicos Depressão e Depressão em comorbidade com TPB. Definiu-se, assim, que seria realizada uma busca ativa de participantes e que cada um dos três grupos teria pelo menos 30 participantes. Os grupos clínicos tiveram por fonte um Centro de Atenção Psicossocial III, do interior paulista, e os participantes do Grupo Comparação foram indicados por outros participantes.

Foram incluídas no estudo 90 díades mães-crianças distribuídas em três grupos, com 30 díades cada, diferenciados pela saúde mental materna, sendo: Grupo Depressão (GD), tendo as mães indicadores clínicos de depressão atual e histórico de episódios anteriores, sem comorbidade com indicadores de TPB, sistematicamente avaliados, em seguimento clínico em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS); Grupo Depressão em comorbidade TPB (GD-TPB), tendo as mães indicadores clínicos de depressão atual e histórico de episódios anteriores, em comorbidade com indicadores de TPB, sistematicamente avaliados, em seguimento clínico em um CAPS; e Grupo Comparação (GC), tendo as mães ausência de indicadores de sintomas atuais de depressão e de indicadores clínicos de TPB, sistematicamente avaliados, sem histórico de episódios depressivos e de indicadores de TPB tratados clinicamente em serviço de saúde mental.

Como critérios de inclusão das mães nos grupos, considerou-se: a) idade entre 25 e 45 anos (média de idade para GD de 36 anos e 1 mês/Desvio Padrão (DP) = 6,10; para o GD-TPB de 35 anos e 8 meses/DP

= 5,61; e para GC de 35 anos e 6 meses/DP = 5,87); e b) ausência de relato de doenças crônicas graves (dentre elas: câncer, AIDS, cardiopatias, doenças neurológicas degenerativas, doenças infecciosas incapacitantes, entre outras que compõem a lista de doenças graves e incapacitantes no art. 151 da Lei 8.213/91 de Planos de Benefícios da Previdência Social).

Para inclusão das crianças nos grupos, estas foram identificadas a partir de suas mães, tendo como critérios: a) inclusão de apenas uma criança por família; b) faixa etária entre seis e 10 anos de idade (para GD as crianças apresentaram média de idade de 8 anos e 7 meses/DP = 1,35; para as de GD-TPB, com média de 9 anos e 1 mês/DP = 1,26; e em GC a média foi de 8 anos e 5 meses/DP = 1,46); c) serem filhos biológicos de suas mães e residirem com a família de origem; d) ausência de deficiências físicas aparentes e/ou relato de doenças crônicas. Como controle de viés, foram excluídas crianças com nível intelectual abaixo da média. Quando presentes nas famílias mais de uma criança, incluiu-se aquela que permitisse o balanceamento nos grupos quanto ao sexo. Foram incluídos no grupo GD, 16 meninos e 14 meninas, no GD-TPB, 12 meninos e 18 meninas e no GC, 13 meninos e 17 meninas.

Quanto ao perfil sociodemográfico geral da amostra, não foram identificadas diferenças significativas quanto a: faixa etária das mães; escolaridade materna, sendo que a maioria das mães na amostra total e nos três grupos referiu ter estudado mais que oito anos – correspondente ao ensino médio (67,8%); cor, tendo a maioria das mães da amostra total informado a cor branca; número de filhos, sendo que na amostra total e nos três grupos a maioria das mães relatou ter de um a três filhos; escolaridade do chefe da família, a qual predominou na amostra geral ter estudado mais que oito anos – equivalente à escolaridade maior que o nível fundamental; classificação socioeconômica das famílias, de forma que a maioria das famílias incluídas no estudo se inseria nas classes C e D; e recebimento de Bolsa Auxílio, a qual não era recebida pela maioria das famílias incluídas.

As diferenças estatisticamente significativas identificadas foram quanto a: configuração familiar, com predomínio de famílias biparentais no GC, compostas por mulheres que viviam com companheiro, estando casadas ou em união estável, podendo ser o pai ou padrasto da criança incluída no estudo, enquanto que nos grupos GD e GD-TPB identificou-se menor frequência de famílias biparentais; superlotação residencial, sendo que na amostra total predominou o número de famílias com habitações que não caracterizavam a presença de tal indicador, e nas comparações entre grupos, as mães de GD referiram mais superlotação em seus lares em comparação a GD-TPB e GC, não havendo diferenças entre esses dois grupos.


Instrumentos

Para inclusão das mães nos grupos GD e GD-TPB, foram utilizados:

  1. Questionário sobre a Saúde do Paciente-9 (PHQ-9), utilizado para o rastreamento de sintomatologia depressiva, desenvolvido e validado por Kroenke et al. (2001), para avaliar a sintomatologia depressiva atual e sua gravidade por meio do autorrelato dos pacientes. O PHQ-9 é composto por nove questões, que examinam a presença dos sintomas de depressão nas duas últimas semanas, de acordo com os critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), sendo que o escore total pode variar entre zero e 27. O PHQ-9 apresentou bons indicadores quanto a suas propriedades psicométricas, inclusive no Brasil (Osório et al., 2009). Para o presente estudo, adotou-se valores iguais ou superiores a 10 como critério de inclusão no GD e GD-TPB, e a presença da depressão atual. A presença de escores inferiores a 10 no PHQ-9 foram direcionadas ao GC.

  2. Entrevista Clínica Semiestruturada para Avaliação do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) – com roteiro construído pelos autores para a identificação da comorbidade com TPB, o qual foi elaborado com base nos indicadores e critérios diagnósticos da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde CID-10 (1989/2014) e do Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais DSM-5 (American Psychiatric Association [APA], 2014), tendo tal diagnóstico ganhado características dimensionais junto ao CID-11. O roteiro foi composto por 20 questões e aborda quatro categorias de indicadores, a saber: a) autoconhecimento, identidade e relações pessoais; b) humor instável; c) impulsividade; e d) riscos ou história de autolesão suicida. Adotou-se como critério para a consideração da presença de indicadores clínicos de TPB, em concordância com as proposições do DSM-5 (APA, 2014), a identificação positiva de pelo menos cinco dos nove critérios identificados para o diagnóstico como condição para a inclusão de mães no GD-TPB e de exclusão para o GD e GC.

Para inclusão das crianças nos três grupos GD, GD-TPB e GC, utilizou-se o Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven – Escala Especial – teste psicológico de inteligência não-verbal, que possui bons indicadores psicométricos no Brasil (Paula et al., 2018). O desempenho no referido teste foi controle de viés, sendo condição nível intelectual dentro da média, expresso pelo percentil maior ou igual a 25.

Para o estudo propriamente dito, as mães responderam ao:

  1. Questionário Geral – elaborado para a sondagem de informações sociodemográficas e algumas condições específicas dos participantes e de suas famílias quanto a condições relativas ao acompanhamento de saúde das mães e crianças.

  2. Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ), utilizado para avaliar a saúde mental infantil. Desenvolvido por Goodman (1997) e traduzido e validado para a realidade brasileira por Fleitlich et al. (2000), tem por objetivo avaliar o comportamento das crianças e jovens de dois a 17 anos, tendo por referência os últimos seis meses. A versão utilizada neste estudo foi a destinada para os pais. O SDQ é de uso livre (disponível em: www.sdqinfo.com), composto por 25 itens, os quais são subdivididos em cinco escalas que avaliam: Recursos, Escalas de Comportamento Pró-Social; Problemas Externalizantes, que incluem escalas específicas para Problemas de Conduta e Hiperatividade; e Problemas Internalizantes, que incluem escalas específicas para Sintomas Emocionais e Problemas de Relacionamentos com os Colegas. Cada item é pontuado como zero, um e dois, e o escore de cada uma das escalas varia entre zero e 10 pontos, e o escore total de problemas pode ter como pontuação máxima de 40 pontos, que corresponde à soma da pontuação das quatro escalas de dificuldades. A validade e a fidedignidade do instrumento no Brasil foram verificadas por Woerner et al. (2004), que relataram boas qualidades psicométricas. Para a amostra do presente estudo, o Alfa de Cronbach foi 0,75.


Procedimentos

A coleta de dados foi iniciada em maio de 2019 e concluída em novembro de 2021, o que contemplou o período de pandemia da Covid-19, adotando-se os procedimentos sanitários necessários para a realização da coleta de dados.

As avaliações foram realizadas com as mães dos três grupos, em sessões individuais, presenciais ou por telefone, seguindo a sequência de aplicação: Questionário Geral, SDQ, PHQ-9, e Entrevista Clínica Semiestruturada para Avaliação do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), com duração média de aproximadamente 40 minutos, em uma única sessão. Para as aplicações dos instrumentos seguiu-se as prescrições e recomendações de cada técnica. Os itens dos instrumentos e as alternativas de respostas foram lidas e as participantes informavam verbalmente suas respostas as quais foram assinaladas nos protocolos pelos aplicadores previamente treinados. Todas as mães assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), precedendo a inclusão no estudo. As participantes mulheres/mães dos grupos clínicos foram avaliadas preferencialmente na data do retorno agendado no serviço de saúde mental referido.

Com as crianças dos três grupos, as avaliações foram realizadas em sessões presenciais e, após serem esclarecidos os objetivos do estudo e assinarem o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), realizava-se um breve rapport, oferecendo materiais gráficos como, lápis de cor, canetas hidrográficas, lápis grafite e folhas de sulfite, propondo a realização de um desenho livre. Na sequência, aplicava-se o Raven, com tempo médio aproximado de 20 minutos. As avaliações foram realizadas nas dependências do serviço de saúde ou nas residências das famílias, de acordo com a disponibilidade dos participantes, e por meio de visita pré-agendada, foram respeitadas as condições de privacidade e conforto, sendo que no período da pandemia os protocolos de segurança sanitária preconizados foram respeitados.

Os dados foram codificados e inseridos em uma planilha do Excel, validados por dois pesquisadores independentes, para posterior tratamento estatístico por meio do programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 25.0. Procedeu-se a codificação dos dados segundo as recomendações técnicas de cada instrumento. Os dados relativos à Entrevista Clínica Semiestruturada para Avaliação do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) foram categorizados conforme os critérios do DSM-

5. Os dados provenientes do PHQ-9, da Entrevista Semiestruturada e do Raven foram usados como critérios de seleção das díades e sua nos grupos. Foi verificada a normalidade dos dados por meio dos testes de Kolmogorov-Smirnov, com correlação de significância de Liliefors, e de Shapiro-Wilk, cujos resultados nortearam as escolhas posteriores dos métodos de análise. Nas comparações utilizou-se o teste

TesteKruskal Wallis, com post hoc de Dunn, para verificar a direção das diferenças. Adotou-se nas

análises o nível de significância de p≤ 0,05.


Resultados

Os dados relativos às comparações entre os grupos estão apresentados na Tabela 1. Na comparação, identificou-se diferenças significativas quanto ao Escore Total de Problemas, bem como em relação a Problemas Externalizantes, incluindo Problemas de Conduta e Hiperatividade, e a Problemas Internalizantes quanto a Problemas de relacionamentos com colegas. Em relação à Escala de recursos, que permite a avaliação de comportamentos pró-sociais do SDQ, também foram identificadas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos. Verificou-se a ausência de diferenças significativas entre os grupos quanto à escala Sintomas Emocionais relativa a Problemas Internalizantes.

Na comparação grupo a grupo, identificou-se que as crianças do grupo GD-TPB apresentaram a maior média de Escore no Total de Problemas se comparadas às crianças de GD e GC, sendo que entre esses dois grupos não houve diferença com significância estatística. Tal diferença também foi notada em relação aos Problemas Externalizantes, tanto para a escala de Problemas de Conduta quanto para a de Hiperatividades, evidenciando que as crianças de GD-TPB apresentaram escores médios maiores que as crianças dos demais grupos em ambas as escalas. Quanto aos Problemas de Relacionamento, as crianças de GD-TPB apresentaram escores maiores de dificuldades em relação às crianças do GC, não havendo diferenças entre esse grupo e o GD quanto a tal indicador de saúde mental infantil.

Quanto à escala de recursos do SDQ, relativa ao Comportamento Pró-Social, verificou-se que o GD- TPB apresentou média significativamente menor que o GD e o grupo de comparação, os quais não diferiram entre si.


Tabela 1 – Comparações entre os grupos (GD, GD-TPB e GC) quanto aos indicadores comportamentais das crianças

(SDQ) (n=90)

Grupos

GD

GD-TPB

GC



SDQ

M(DP)

Mediana

M(DP)

Mediana

M(DP)

Mediana

Valor do teste

p-valor


Escore Total


13,97(1,49)

13,00


19,60(1,26)

19,00


10,67(0,89)

11,50


21,14


0,000**b>a,c

Problemas Externalizantes






Problemas Conduta

2,63(0,42)

2,50

4,20(0,46)

4,00

1,80(0,35)

1,50

15,51

0,000** b>a,c

Hiperatividade

4,07(0,50)

4,50

6,13(0,53)

6,00

2,67(0,47)

2,00

18,02


0,000** b>a,c

Problemas Internalizantes






Sintomas Emocionais

4,43(0,50)

4,00

5,83(0,48)

6,50

4,47(0,48)

4,00

5,04

0,080

Problemas Rel. Colegas

2,63(0,46)

2,00

3,57(0,37)

4,00

1,80(0,27)

2,00


10,51


0,005*b>c

Recursos






Comportamento

Pró-Social

9,03(0,20)

9,00

7,90(0,41)

8,50

9,67(0,13)

10,00

16,88

0,000**b<a,c

Nota: M = Média; DP = Desvio Padrão; p-valor referente ao teste de Kruskal-Wallis, com post hoc de Dunn/ * p ≤ 0,005;

** p ≤ 0,001;/ a =GD Grupo Depressão; b =GD-TPB Grupo Depressão em comorbidade com TPB; c =GC Grupo Comparação; SDQ = Questionário de Capacidades e Dificuldades; Rel. = relacionamentos.

Discussão

O presente estudo buscou comparar os indicadores de saúde mental de crianças em idade escolar, considerando grupos diferenciados pela gravidade da depressão materna com e sem comorbidade com TPB. Verificou-se nas comparações entre os grupos que as crianças que convivem com a depressão materna com comorbidade com TPB apresentaram mais indicadores de problemas total e específicos, tanto em relação aos comportamentos externalizantes como internalizantes, além de menos comportamentos pró-sociais, o que evidencia a presença de mais dificuldades e de menos recursos de proteção para o enfrentamento das tarefas de desenvolvimento e demandas cotidianas, incluindo a condição de adversidade da depressão materna com comorbidade com o TPB.

Os dados evidenciaram que a depressão materna com TPB influencia a saúde mental infantil de forma diferenciada em relação à convivência com a depressão materna grave e atual, mas sem comorbidade com TPB, e as díades que não conviviam com indicadores de depressão por parte das mães. Tal dado reitera os achados relatados por Steele et al. (2019) e Petfield et al. (2015) que constataram que essa condição clínica das mães, de maior gravidade, se associa a mais dificuldades gerais dos filhos. Por outro lado, ao estudar dois grupos clínicos em que a depressão materna se caracterizou pela combinação das condições de cronicidade, pela presença de histórico de transtorno depressivo em seguimento de longa duração em serviço de saúde mental e pela presença de sintomas atuais, avaliados pelo PHQ-9, o presente estudo avança quanto ao proposto por O’Connor et al. (2017), mostrando especificidades quanto à gravidade, quando da comorbidade com TPB. Pontos em comum foram também identificados quanto a comparação de problemas de comportamento pelo SDQ em crianças que convivem com a depressão materna, tal como descrito por Reyes et al. (2019), que identificaram a prevalência de problemas quanto ao escore Total e à escala específica de Hiperatividade do SDQ de crianças que conviviam com a depressão materna, associando ainda maiores escores em diferentes domínios do SDQ a problemas comportamentais e emocionais das crianças que tinham mães com depressão. Nesse sentido, a presença da gravidade do quadro clínico de saúde mental materna pode ser destacada como condição relevante a ser considerada em ações de prevenção, avaliação e tratamento da saúde mental infantil

As associações dos problemas de saúde mental infantil a convivência com a depressão materna com comorbidade reitera o apontado amplamente na literatura (Sutherland et al., 2021; Pizeta et al, 2013; Goodman et al., 2011;). Contudo, destaca-se que diferentemente de outros estudos que consideraram outras condições de adversidade cumulativas à depressão materna, como destacado na revisão sistemática de Pizeta et al. (2013), o presente estudo não incluiu dados relativos a outras condições estressoras para as famílias e para seus membros, bem como não contou com variáveis de proteção para além dos indicadores de comportamento pró-social das crianças. Nesse sentido, destaca-se que as crianças do GD e GC apresentaram maiores escores de recursos de socialização, condição que pode ser associada à minimização, conjuntamente com outras variáveis de proteção, do impacto de adversidades para o desenvolvimento infantil. Tal aspecto remete ao sentido de as crianças contarem com menor repertório de habilidades sociais, o que reitera os dados do estudo de Bolsoni-Silva et al. (2016), conduzido com amostra da comunidade e mães com sintomas atuais de depressão, sem especificação do histórico do transtorno. A socialização das crianças é um importante recurso adaptativo na idade escolar, sendo que o desenvolvimento das habilidades sociais pode ser prejudicado em função dos cuidados dispensados pelas mães com depressão com relação aos seus filhos, como foi relatado por Bolsoni-Silva e Loureiro (2020), bem como pelas dificuldades de saúde mental das crianças. Pondera-se, então, possível associação entre dificuldades combinadas, menos repertório adaptativo e mais problemas de relacionamento das crianças do GD-TPB.

Além disso, de forma especulativa, pode-se destacar que, embora o presente estudo não tenha abordado indicadores de proteção, todas as mães incluídas no estudo estavam em seguimento em um Centro de Atenção Psicossocial III, recebendo atendimento psicofarmacológico e psicossocial. Possivelmente, tal condição, na ausência da comorbidade, poderia estar minimizando a influência da adversidade foco (depressão), o que poderia indicar ainda que tal oferta de tratamento seria condição insuficiente para

promover recursos mais efetivos para o desenvolvimento saudável de crianças quando da exposição à maior gravidade da depressão em comorbidade com TPB.

Destaca-se, assim, que as crianças do grupo GD-TPB apresentaram indicadores sugestivos de dificuldades de saúde mental que se manifestam por mais problemas e menos recursos, caracterizando adversidades cumulativas para o processo de socialização. Tal cenário de problemas cumulativos pode também ter impacto para a própria família e para os cuidadores dessas crianças, sendo, portanto, uma condição que sugere a necessidade de cuidados sistemáticos em saúde mental para promoção e tratamento de dificuldades dos escolares e que podem decorrer ou afetar as condições de saúde mental materna, em um interjogo de variáveis de risco e proteção.


Conclusão

Este estudo verificou indicadores de saúde mental em crianças em idade escolar que convivem com a depressão materna com comorbidade com TPB, as quais apresentaram mais indicadores de problemas de saúde mental em relação com as crianças que convivem com a depressão materna grave sem comorbidade e com as crianças que convivem com mães sem tais indicadores de saúde mental. Poucos estudos abordaram essa condição de comorbidade, o que se constitui em uma efetiva contribuição do estudo na compreensão da associação entre variáveis de saúde mental materna-infantil.

O peso distinto da gravidade da depressão, no caso, quando da presença da comorbidade com TPB coloca em foco a relevância da cronicidade, gravidade e comorbidade da depressão com outros transtornos, evidenciando que múltiplas influências concorrem para a saúde mental infantil.

O estudo apresentou alguns limites, tais como: delineamento transversal; número de participantes do estudo relativamente pequeno, embora decorra de cálculo amostral; e ter tido as mães como exclusivas informantes sobre a saúde mental infantil. Por outro lado, foram tomados alguns cuidados metodológicos, tais como a avaliação sistemática da comorbidade por meio de entrevista diagnóstica, a avaliação feita por avaliadores treinados e com experiência clínica, a homogeneidade dos grupos clínicos quanto à presença de indicadores de depressão atual e à exclusão de crianças com alguma limitação intelectual.

Considera-se que os dados do presente estudo têm implicações para a prática clínica e podem direcionar novos estudos, tendo como sua principal contribuição a identificação de mais problemas de saúde mental infantil, com sintomas externalizantes e internalizantes, quando da convivência com a depressão com comorbidade com TPB. Evidencia-se, assim, que o grupo de crianças que convivem com mães com depressão com comorbidade pode ser prioritário para programas de intervenção em saúde mental, considerando a diversidade de problemas de saúde mental que apresentaram e a presença de menos indicadores de recursos pró-sociais.


Referências bibliográficas

Aguiar, B. D. M., Rafihi-Ferreira, R. E., Alckmin-Carvalho, F., Emerich, D. R., & Moura, C. B. D. (2018). Similaridades e diferenças de crianças/cuidadores atendidos em serviço-escola de psicologia e psiquiatria. Psico-USF, 23(1), 109-125. https://doi.org/10.1590/1413-82712018230110.

American Psychiatric Association (2014). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-5 (5a ed.). Artmed.

Bolsoni-Silva, A. T., & Loureiro, S. R. (2020) Behavioral problems and their relationship to maternal depression, marital relationships, social skills and parenting. Psicologia: Reflexão e Crítica, 33(1), 1-

13. https://doi.org/10.1186/s41155-020-00160-x.

Bolsoni-Silva, A. T., Loureiro, S. R., & Marturano, E. M. (2016). Comportamentos internalizantes: associações com habilidades sociais, práticas educativas, recursos do ambiente familiar e depressão materna. Psico, 47(2), 111-120. http://dx.doi.org/10.15448/1980-8623.2016.2.20806.

Brito, V. C. A., Belo-Corassa, R., Stopa, S. R., Sardinha, L. M. V., Dahl, C. M., & Viana, M. C. (2022). Prevalência de depressão autorreferida no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde 2019 e 2013. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 31(1), e2021384. https://doi.org/10.1590/SS2237- 9622202200006.especial.

Fatori, D., Brentani, A., Grisi, S. J. F. E., Miguel, E. C., & Graeff-Martins, A. S. (2018). Prevalência de problemas de saúde mental na infância na atenção primária. Ciência & Saúde Coletiva, 23(9), 3013- 3020.

Fleitlich, B., Cortázar, P. G., & Goodman, R. (2000). Questionário de capacidades e dificuldades (SDQ). Infanto - Revista de Neuropsiquiatria da Infância e Adolescência, 8(1), 44-50. https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-275954.

Goodman, R. (1997). The Strengths and Difficulties Questionnaire: a research note. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 38(5), 581-586. https://doi.org/10.1111/j.1469-7610.1997.tb01545.x.

Goodman, M., New, A. S., Triebwasser, J., Collins, K. A., & Siever, L. (2010). Phenotype, Endophenotype, and Genotype Comparisons Between Borderline Personality Disorderand Major Depressive Disorder. Journal of Personality Disorders, 24(1), 38-59.

https://doi.org/10.1521/pedi.2010.24.1.38.

Goodman, S. H., Rouse, M. H., Connell, A. M., Broth, M. R., Hall, C. M., & Heyward, D. (2011). Maternal depressionandchildpsychopathology: a meta-analyticreview. ClinicalChildand Family PsychologyReview, 14(1), 1-27. https://doi.org/10.1007/s10567-0100080-1.

Kluczniok, D., Boedeker, K., Attar, C. H., Jaite, C., Bierbaum, A. L., Fuehrer, D., Paetz, L., Dittrich, K., Herpertz, S. C., Brunner, R., Winter, S., Heinz, A., Roepke, S., Heim, C., & Bermpohl, F. (2018). Emotional availability in mothers with borderline personality disorder and mothers with remitted major depression is differently associated with psychopathology among school-age dchildren. Journal of Affective Disorders, 231, 63-73.https://doi.org/10.1016/j.jad.2018.02.001.

Kroenke, K., Spitzer, R. L., & Williams, J. W. (2001). The PHHQ-9: validityof a brief depression severity measure. Journalof General Internal Medicine, 16(9), 606-613. https://doi.org/10.1046/j.1525- 1497.2001.016009606.x.

Machado, C. M., Luiz, A. M. A. G., Marques Filho, A. B., Miyazaki, M. C. D. O. S., Domingos, N. A. M., & Cabrera, E. M. S. (2014). Ambulatório de psiquiatria infantil: prevalência de transtornos mentais em crianças e adolescentes. Psicologia: teoria e prática, 16(2), 53-62. http://dx.doi.org/10.15348/1980- 6906/psicologia.v16n2p53-62.

O’Connor, E. E., Langer, D. A., & Tompson, M. C. (2017). Maternal Depression and Youth Internalizing and Externalizing Symptomatology: Severity and Chronicity of Past Maternal Depression and Current Maternal Depressive Symptoms. Journal of Abnormal Child Psychology, 45(3), 557-568.

https://doi.org/10.1007/s10802-016-0185-1.

Osório, F. L., Mendes, A. V., Crippa, J. A., & Loureiro, S. R. (2009). Study of the discriminative validity of the PHQ-9 and PHQ-2 in a sample of Brazilian women in the context of primary healthcare. Perspectives in Psychiatric Care, 45(3), 216-227. https://doi.org/10.1111/j.1744-6163.2009.00224.x.

Paula, C. S., Coutinho, E. S., Mari, J. J., Rohde, L. A., Miguel, E. C., & Bordin, I. A. (2015). Prevalence of psychiatric disorders among children and adolescents from four Brazilian regions. Revista Brasileira de Psiquiatria, 37, 178-179. DOI https://doi.org/10.1590/1516-4446-2014-1606.

Paula, J. J., Schlottfeldt, C. G. M. F., Diniz, L. F. M., & Mizuta, G. A. A. (2018). Matrizes Progressivas Coloridas de Raven – CPM: Manual Técnico. Pearson Clinical Brasil.

Petfield, L., Startup, H., Droscher, H., & Cartwright-Hatton, S. (2015). Parenting in motherswith borderline personality disorder and impact on child out comes. Evidence-Based Mental Health, 18(3), 67-75.https://doi.org/10.1136/eb-2015-102163.

Pizeta, F. A., Silva, T. B. F., Cartafina, M. I. B., & Loureiro, S. R. (2013). Depressão materna e riscos para o comportamento e a saúde mental das crianças: uma revisão. Estudos de Psicologia, 18(3), 429- 437, 2013. https://doi.org/10.1590/S1413-294X2013000300003.

Polanczyk, G. V., Salum, G. A., Sugaya, L. S., Caye, A., & Rohde, L. A. (2015). Annual research review: a meta-analysis of the worldwide prevalence of mental disorders in children and adolescents. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 56(3), 345-365. https://10.1111/jcpp.12381.

Reyes, A. N., Bach, S. L., Amaral, P. L., Jansen, K., Molina, M. R. A. L., Spessato, B. C., & Silva, R.

A. (2019). Emotional and behavioral problems in children of depressed mothers: a school-based study in Southern Brazil. Psychology, Health & Medicine, 24(1), 14-20.

https://doi.org/10.1080/13548506.2018.1499942.

Steele, K. R., Townsend, M. L., & Grenyer, B. F. S. (2019). Parenting and personality disorder: an overview and meta-synthesis of systematic reviews. PLoSOne, 14(10). e0223038. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0223038.

Sutherland, S., Nestor, B. A., Pine, A. E., & Garber, J. (2021). Characteristics of maternal depression and children’s functioning: a meta-analytic review. Journal of Family Psychology, 36(5), 671-680. https://doi.org/10.1037/fam0000940.

Woerner, W., Fleitlich-Bilyk, B., Martinussen, R., Fletcher, J., Cucchiaro, G., Dalgalarrondo, P., Lui, M., &Tannock, R. (2004). The strengths and difficulties questionnaire over seas: Evaluations e applications of the SDQ beyond Europe. EuropeanChildandAdolescentPsychiatry, 13(Suppl 2), ii47- ii54.http://dx.doi.org/10.1007/s00787-004-2008-0

World Health Organization. (2019). ICD-11 implementation or transition guide. http://surl.li/gkndh. World Health Organization. (2020). Depression. http://www.paho.org/pt/topicos/depressao.

World Health Organization. (2023). Depressive Disorder (Depression).https://www.who.int/news- room/fact-sheets/detail/depression

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15881


A APRESENTAÇÃO DO MUNDO DO TRABALHO AOS ADOLESCENTES EM UM PROGRAMA DO SENAC

UM RELATO DE EXPERIÊNCIA


PRESENTATION OF THE WORLD OF WORK TO ADOLESCENTS IN A SENAC PROGRAM

An experience report


PRESENTACIÓN DEL MUNDO DEL TRABAJO A ADOLESCENTES EN UN PROGRAMA DEL SENAC

Un reporte de experiencia


Ricardo Felipe Teodoro Garcia

(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental

Universidade Paulista – UNIP e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC – Franca SP, Brasil)

ricardo.ftpsi@gmail.com


Selma Aparecida Geraldo Benzoni

(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental e Graduação em Psicologia da Universidade Paulista – UNIP, Brasil)

selma.benzoni@docente.unip.br

Recebido: 30/01/2024 Aprovado: 30/01/2024


RESUMO

image

A Instituição Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, oferece o programa “Preparação para o mundo do trabalho”, com o objetivo formar profissionais competentes para atuar no ambiente profissional. Esse relato teve a finalidade de refletir a proposta da unidade curricular 1 do programa, a qual versou sobre a história do mundo do trabalho, relações trabalhistas, emprego e profissão e busca provocar reflexões que atravessam o cotidiano do adolescente. Para tal foi utilizado o material disponibilizado pela Instituição ao facilitador e a experiência vivida pelo autor ao ministrar o conteúdo proposto. Nesta unidade curricular discutiu-se: 1) o trabalho formal e sua relação ou não com o cotidiano dos adolescentes; 2) as dificuldades das instituições para contratar o jovem aprendiz, em especial com vulnerabilidade social. A aula foi dividia em quatro momentos: apresentação dialogada da temática, apresentação de conceitos por slides pelo facilitador, apresentação de um vídeo do “Charlie Chaplin: tempos modernos” e discussão final associando todas as etapas anteriores. O docente pôde observar que os adolescentes ampliaram sua compreensão sobre o mundo do trabalho, colocando-se como cidadão com direitos e deveres, percebendo-se como parte de um processo de construção do mundo. Observou-se uma maior autonomia e espaços de trocas saudáveis entre os pares, os adolescentes e seu facilitador, assim como com as suas famílias, relatados por elas em ocasiões posteriores. Portanto, o manejo de aula possibilitou novas experiências, ocupando outros espaços sociais, ampliando as oportunidades e possibilidades do adolescente no mundo, fomentando a saúde mental.

Palavras-chave: adolescência. trabalho. desenvolvimento. atividade formativa. experiência.


ABSTRACT

The National Commercial Learning Service Institution offers the “Preparation for the world of work” program, with the aim of training competent professionals to work in the professional environment. This report aimed to reflect the proposal of curricular unit 1 of the program, which dealt with the history of the world of work, labor relations, employment and profession and seeks to provoke reflections that permeate the adolescent's daily life. To this end, the material made available by the Institution to the facilitator and the experience lived by the author when teaching the proposed content was used. This curricular unit discussed:

1) formal work and its relationship or not with the daily lives of adolescents; 2) the difficulties faced by institutions in hiring young apprentices, especially those with social vulnerability. The class was divided into four moments: dialogued presentation of the theme, presentation of concepts through slides by the facilitator, presentation of a video of “Charlie Chaplin: modern times” and final discussion combining all previous stages. The teacher was able to observe that the teenagers expanded their understanding of the world of work, positioning themselves as citizens with rights and duties, perceiving themselves as part of a world-building process. Greater autonomy and spaces for healthy exchanges were observed between peers, adolescents and their facilitator, as well as with their families, reported by them on later occasions. Therefore, classroom management enabled new experiences, occupying other social spaces, expanding the adolescent's opportunities and possibilities in the world, promoting mental health.

Keywords: adolescence. work. development. training activity. experience.


RESUMEN

El Institución Nacional de Servicio de Aprendizaje Comercial ofrece el programa “Preparación para el mundo del trabajo”, con el objetivo de formar profesionales competentes para desempeñarse en el entorno profesional. Este informe tuvo como objetivo reflejar la propuesta de la unidad curricular 1 del programa, que abordó la historia del mundo del trabajo, las relaciones laborales, el empleo y la profesión y busca provocar reflexiones que permeen el cotidiano del adolescente. Para ello se utilizó el material puesto a disposición por la Institución al facilitador y la experiencia vivida por el autor al impartir el contenido propuesto. Esta unidad curricular discutió: 1) el trabajo formal y su relación o no con la vida cotidiana de los adolescentes; 2) las dificultades que enfrentan las instituciones para contratar jóvenes aprendices, especialmente aquellos con vulnerabilidad social. La clase se dividió en cuatro momentos: presentación dialogada del tema, presentación de conceptos a través de diapositivas por parte del facilitador, presentación de un video de “Charlie Chaplin: tiempos modernos” y discusión final combinando todas las etapas anteriores. La docente pudo observar que los adolescentes ampliaron su comprensión del mundo del trabajo, posicionándose como ciudadanos con derechos y deberes, percibiéndose como parte de un proceso de construcción del mundo. Se observó mayor autonomía y espacios para intercambios saludables entre pares, adolescentes y su facilitador, así como con sus familias, relatadas por ellos en ocasiones posteriores. Por lo tanto, la gestión del aula posibilitó nuevas experiencias, ocupando otros espacios sociales, ampliando las oportunidades y posibilidades del adolescente en el mundo, promoviendo la salud mental.

Palabras clave: adolescencia. trabajar. desarrollo. actividad formativa. experiencia.

Introdução

A Instituição Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial [Senac], tem como modelo educacional formar pessoas cidadãs, autônomas e empreendedoras, nesse sentido incentiva o protagonismo pessoal, onde o sujeito possa ser autor e ator de sua própria história. A missão do Senac é “Educar para o trabalho em atividades do comércio de bens, serviços e turismo” (Senac, 2020).

Como uma das propostas de formação, o Senac disponibiliza, em horário contrário à escola regular, o programa “Preparação para o mundo do trabalho”, com o objetivo de formar os adolescentes para serem profissionais competentes para e na atuação no ambiente profissional.

No Senac a qualificação profissional tem como base sete “marcas formativas” importantes para atingir o objetivo proposto do programa: 1) domínio técnico científico; 2) atitude empreendedora; 3) visão crítica; 4) atitude sustentável; 5) atitude colaborativa; 6) atitude saudável e, 7) protagonismo juvenil, social e econômico. Para o desenvolvimento das marcas formativas, os discentes vivenciam situações hipotéticas, elaboradas com vista no processo de ensino aprendizagem, que possam refletir sobre as possíveis competências pessoais e profissionais a serem utilizadas no ambiente de trabalho. As situações são criadas a partir de problematizações, de situações do cotidiano corporativo, que são apresentadas pelo docente e os discentes são desafiados a buscar soluções, as quais são mediadas pelos docentes levando em consideração as competências que estão sendo desenvolvidas nas aulas, oferecendo recursos para a resolução crítica das situações apresentadas e que possam ser generalizadas. Nessa metodologia, o discente reconhece suas potencialidades e experimenta autonomia, como indivíduo ativo na construção de seu próprio conhecimento. Geralmente, essas produções e resultados são apresentados em diversos formatos para o grupo e comunidade escolar - vizinhos, setores e outros (Senac, 2005, p.19), o que auxilia na criatividade e na investigação do aluno, que são reconhecidas e valorizadas. A avaliação do processo de aprendizagem discente se dá através de um processo utilizando como instrumentos a autoavaliações dos discentes e rodas de conversas entre os discentes e o docente, com o propósito de refletir sobre as soluções encontradas, validando as competências e habilidades desenvolvidas pelos mesmos e reafirmando as marcas formativas no alunado. (Senac, 2005).

O processo utilizado no Senac é chamado de metodologia ativa (Melo & Sant’Ana, 2013), essa considera que o homem se relaciona com o meio de forma consciente, intencional e reflexiva, através do pensamento, linguagem e trabalho buscando sentido em suas ações, desenvolvendo competências através de aulas dinâmicas e estratégicas, capazes de transportar o aluno fomentando o protagonismo para a atuação da e na prática corporativa.

O ensino-aprendizagem se dá através da construção realizada pelo discente em sua relação com o docente, com os demais discentes e o objeto de conhecimento (Paiva et al., 2016). A capacidade de construção só é possível quando o discente acredita em sua capacidade de construir o conhecimento novo, relacionando o que já sabe com os novos conhecimentos adquiridos no grupo (docente e outros discentes) e em pesquisa ativa, transformando o conhecimento. Como consequência desse processo os saberes podem ser internalizados e compartilhados em um processo dual de ensino e aprendizagem imbricando em uma aprendizagem com significado. O discente torna-se autor do seu próprio conhecimento, vislumbra a partir da vivência uma visão ampla, capaz de relacionar conteúdos de diversos aspectos da vida pessoal e profissional. (Melo & Sant’Ana, 2013).

Segundo Almeida (2023) a construção do conhecimento ocorre através das relações interpessoais que irão acontecer através do “amor a alguém a alguma coisa”, ou seja, para aprender habilidades é importante existir “paixão e desejo”, pois quando há carência desses afetos, há impossibilidade de explorar o cuidado, e é a partir desse cuidado que os sentimentos poderão mover-se. Portanto, o vínculo entre docente e discente é imprescindível para que o processo de ensino-aprendizagem aconteça, ou seja, criar uma atmosfera de confiança é ao mesmo tempo vincular-se com o alunado e possibilitar espaços onde a experiência possa acontecer, sendo esse movimento um investimento do grupo para esse processo formativo de desenvolvimento.

Em todo processo de ensino-aprendizagem os vínculos positivos, são importantes e esses só ocorrerão quando houver respeito a diversidade como preconiza a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos [DUBDH], da Unesco, divulgada em 2005, “nenhum indivíduo ou grupo deve ser discriminado ou estigmatizado por qualquer razão, o que constitui violação à dignidade humana, aos direitos humanos e liberdades fundamentais” (Unesco, 2006, p.8). Tal pontuação se faz necessária dada a diversidade dos alunos e a aprendizagem deve ser pautada na construção da civilidade, condição essencial para o convívio corporativo.

Considerando que os discentes se encontram em um período denominado no Ciclo Vital como adolescência e a aprendizagem utilizada considera o discente como um ser ativo, é relevante considerar as características próprias deste período de desenvolvimento. De acordo com Silva et al. (2021) a adolescência é um momento de intensa transformação biopsicossocial, que influencia na construção da identidade, definindo valores comportamentais, ocasionando maior suscetibilidade aos confrontos emocionais e sociais e ao mesmo tempo, sofrimento psíquicos.

É relevante salientar que a principal característica do adolescente é a imaturidade, simultaneamente, quer ser alguém em algum lugar, demonstra adversidades em aceitar falsos resultados e tende a se isolar. A mudança vem das considerações e os cuidados ambientais suficientemente bons, que faz com que atue de forma mais madura (Oliveira & Fulgencio, 2009). Os adolescentes buscam por adaptação no meio, com seus corpos, que estão em plenas metamorfoses biológicas, estabelece novas relações e precisam do abastecimento de suas necessidades de instinto, relacionais e de ideologias. Dessa maneira, é importante que a família e os demais ambientes deem suporte ao adolescente para que este possa sentir- se confiável e que o seu amadurecimento pessoal ocorra de forma completa e sem desorientação.

Considerável evidenciar algo apontado por Winnicott, que ao falar sobre adolescentes, afirma que não há criação sem uma base de tradição. Coutinho (2015) amplia a perspectiva clínica para questões sociais comparando o adolescente com o cultural, ou seja, o adolescente necessita do conflito com as tradições da cultura para se reinventar, ao mesmo tempo em que a cultura precisa da ousadia transformadora dos jovens para se renovar. E, geralmente esse movimento se dá no ambiente escolar. Winnicott (2022) vincula o psíquico e o social, com o que repercute na adolescência, desse modo, os adolescentes demandam da sociedade que ofereçam capacidade para as suas experiências subjetivas e ainda ressalta que a adolescência traz uma exigência de renovação social operando como um indicador da “saúde” de alguma sociedade.

De acordo com Oliveira e Fulgencio (2009), o adolescente busca se desenvolver dentro de um grupo, ou seja, para que o sujeito possa existir é importante um espaço de cultura, encontros e definições criadas que são compartilhadas. O ambiente exerce um papel importante na vida das pessoas dando vasões para experiências significativas, que podem resultar em dificuldades devido às condições ambientais negativas, como o trabalho infantil, a negligência parental e a violência intrafamiliar e extrafamiliar.

O adolescente pode buscar como recurso o isolamento, que pode provocar a dificuldades de sociabilização em grupos. Sabe-se que as relações iniciais configuram a formação psíquica dos indivíduos, ou seja, os primeiros anos de vida da criança e posteriormente, na adolescência configurar- se como aspectos não saudáveis, acarretando a disfunções intensas, que podem ser frutos da ausência de integração anterior. Se tudo ocorre dentro do esperado, a sociedade terá um adolescente que pode tolerar a frustação e ao mesmo tempo que oferece ao adolescente, suporte e confiança para que este consiga desenvolver-se de maneira saudável em sociedade.

Uma sociedade capitalista, como a nossa, mostra a realidade das vulnerabilidades dos adolescentes que encontram dificuldades de inserção, principalmente no mundo do trabalho, devido a questões econômicas e sociais (Pereira & Oliveira, 2023), o que amplia a discrepância na inserção do mercado profissionais para adolescentes em vulnerabilidade social e econômica.

Como forma de contribuir para que esses adolescentes garantam presença no programa e consigam se desenvolver, é oferecido pela justiça do trabalho uma bolsa estímulo no valor de R$300 reais, assim o

nível de evasão poderá ser minimizado. Ainda segundo, Pereira e Oliveira (2023), para os jovens e adolescentes que vivenciam a vulnerabilidade ou “situações de pobreza”, sofrem com a falta de políticas públicas que são habilitadas para suprir “diretrizes básicas de acesso a inclusão”.

Quando se tem políticas públicas que convergem para inclusão da juventude e adolescência, há um desenvolvimento de sujeitos trabalhando em tarefas que atuam na geração de rendas, assim sendo, é permitido a saída de episódios de “vulnerabilidade social e econômica”, em busca de efetivar os objetivos econômicos. (Pereira & Oliveira, 2023, p.19). Acredita-se, refletindo nesse vértice, que a escola é um espaço social, onde além de expor conhecimentos tem o papel de oferecer civilidade ao discente. Oliveira e Fulgencio (2009), ainda ressalta que é nesse ambiente que alguns comportamentos tendem a aparecer, e que podem se camuflar na família dos adolescentes, nesse caso, o facilitador/professor precisa criar um vínculo, “elo afetivo” com os discentes para identificar as dificuldades que aparecem nesse contexto, intervindo para garantir saúde física e mental ao mesmo. Experiências dolorosas podem se tornar traumáticas para o aluno, caso não sejam percebidas nesse contexto, por isso, é importante um espaço de escuta para que essas situações possam emergir.

Pensando nisso, o professor é aquele que na escola dá sustentação para relações saudáveis, onde o cuidado e o manejo são parte integral desse processo, de acordo com Almeida (2023), as ações educativas promovem evoluções pertinentes, em contrapartida, essas ações não são iminentes. Portanto, é importante ressaltar que o vínculo entre docente e discente é fundamental para a construção de sujeitos críticos e responsáveis.


Objetivo

Esse artigo proposto tem o objetivo de realizar uma produção, através de relato de experiência, onde o fator principal é expor a intervenção realizada com alunos em uma unidade curricular do programa “Preparação para o mundo do trabalho” na perspectiva de contribuir para a construção de conhecimentos, garantindo condições éticas.


Metodologia

Este artigo usou como metodologia o relato de experiência compreendendo-o como a construção de um roteiro que resulta de um método constante de maturação, que é mesclado por: “elaboração, participação, orientação e apresentação dos estudos” (Mussi, Flores & Almeida, 2021), contribuindo com o conhecimento científico.

O relato de experiência aqui apresentado ocorreu em formato de aula realizada em agosto de 2023, no programa “Preparação para o mundo do trabalho” que ocorre com aulas de 3 horas e 30 minutos de duração, duas vezes por semana, num período de 6 meses, com uma carga horária total de 160 horas. O conteúdo do programa é dividido em quatro unidades curriculares: a) reconhecer a importância do trabalho para a constituição da identidade, inserção social e transformação da sociedade do adolescente;

b) fundamentar as escolhas pessoais e profissionais dos adolescentes com base no equilíbrio entre desejos, necessidades e oportunidades; c) preparar os adolescentes para a inserção crítica no mundo do trabalho, equacionando as novas configurações e organizações do trabalho, relações humanas e tecnológicas; e d) uma unidade chamada de projeto integrador, que visa integrar as informações das demais unidade de formação. (Senac, 2005).

Na aula analisada nesse relato teve a presença de 20 adolescentes de 14 até 18 anos, que versava sobre a unidade curricular I, cujo propósito é reconhecer a importância do trabalho para a constituição da identidade, inserção social e transformação da sociedade, onde o docente apresenta um panorama geral sobre o funcionamento do mundo do trabalho e suas nuances. Todos os alunos que frequentaram esta aula do curso “Preparação para o mundo do trabalho” são de uma cidade do interior do estado de São Paulo, de porte pequeno e são de um grupo de vulnerabilidade social e com antecedente de trabalho

infantil. Esses alunos frequentam a escola regular no período contrário ao programa e recebem uma bolsa de R$300,00 mensais, para cobrir custos do curso como alimentação e vestuário, o transporte é oferecido pela Prefeitura da cidade, reduzindo as ausências e evasões.

Para essa aula foi utilizado o material disponibilizado pelo Senac (2005) ao docente, no qual há o planejamento de aulas do curso, bem como o plano de oferta, que sinaliza toda operação do curso aos facilitadores do programa. Para o registro da experiência utilizou-se um diário de campo da experiência vivida pelo autor, que é facilitador no programa.

A experiência se deu com a aula dividia em quatro momentos: 1) inicialmente foi apresentada a temática “mundo do trabalho” aos discentes, a fim de que verbalizassem o conhecimento prévio sobre o assunto, com a técnica de brainstorming, fomentando a participação dos alunos com o que vem à mente incentivando e valorizando a participação de todos. (Senac, 2015, p. 8); 2) Em seguida o docente usou slides para apresentar o cenário histórico, social e cultural do mundo do trabalho utilizando a exposição dialogada, que consiste em sintetizar informações sob determinada temática, realizando analogias com os conhecimentos prévios que apareceram na estratégia inicial utilizada (brainstorming), estabelecendo diálogo mediado entre docente e discente; 3) Foi exibido o vídeo “Charlie Chaplin: tempos modernos”, como estratégia disparadora para sensibilizar os alunos a realizarem uma análise crítica da vivência dos trabalhadores e o quanto as condições e atuações no mundo do trabalho estão associadas ao passado e ao presente e refletir como poderá ser no futuro; 4) como estratégia de encerramento da aula foi realizada uma roda de conversa associando todas as etapas anteriores, com o propósito de ampliar o conteúdo discutido e avaliar a compreensão dos alunos, fazendo parte do processo avaliativo proposto pelo Senac (Senac, 2005).


Resultados e Discussão

Para melhor compreensão sobre a intervenção e discussão serão apresentadas as quatro etapas da participação e trocas entre discentes e docente. O grupo de adolescentes que compuseram essa turma do curso de qualificação, já se mostravam integrados devido a uma etapa anterior, na qual o Senac promoveu um Programa de Integração de Novos Cursos [PINC], que tem como objetivo inicial fazer com que os membros do grupo se conheçam para que seja possível estabelecer trocas mais assertivas.

Apesar do preparado inicial com os alunos, na apresentação do mundo do trabalho aos discentes, utilizando o brainstorming como recurso pedagógico, os alunos demonstraram timidez para expressarem suas opiniões, não apresentavam muitas reflexões e censura, no entanto no decorrer da atividade, conforme um ou outro aluno foi se posicionando, os demais participantes do grupo se sentiram mais à vontade para expressarem sobre as seguintes reflexões, “local onde se ganha o pão”, “identidade”, “lugar de trabalho”, frases e palavras que foram ganhando forma no decorrer das discussões.

Após a discussão inicial e como estratégia para compreensão dos conceitos levantados, o docente apresentou em slides traçando uma linha do tempo sobre o mundo do trabalho, refletindo desde o homem pré-histórico, produção familiar, artesã, até como questões da revolução industrial, taylorismo, fordismo, produção enxuta e o processo de globalização. Os discentes e o docente puderam fazer paralelos e analogias com o brainstorming realizado, compreendendo que o mundo do trabalho tem uma história e que enfrentou vários desafios. É interessante observar que as associações realizadas pelos discentes com o momento atual, ou seja, compreender que houve mudanças significativas, mas que ainda vivemos situações que são pregressas nessa linha do tempo. Como também constataram que o trabalho infantil e trabalho informal, é algo crescente em nosso país, apesar do progresso ocorridos no Brasil e nas leis brasileiras como o Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA], 1990). Aprender esses aspectos, na percepção dos alunos, fez com que também pudessem ser-se parte do processo de erradicação do trabalho infantil, ao mesmo tempo em que trouxe consciências e mudanças de paradigmas.

Com a exibição do vídeo do “Charlie Chaplin: tempos modernos”, os discentes puderam constatar o funcionamento do mundo do trabalho, relembrando as reflexões de linha de base do (brainstorming),

como também da exposição dialogada através dos slides propostos pelo docente, puderam refletir o parâmetro de aspectos do mundo do trabalho no passado, bem como pensar essas características no presente e direcionar reflexões do mundo pós moderno, levantando questionamentos importantes, tais como a interferência da inteligência artificial, da robotização e dos relacionamentos interpessoais.

A roda de conversa foi realizada em formato de círculo com os discentes e cada um, sem seguir uma ordem, de acordo com o sentimento de cada adolescente, puderam discutir os atravessamentos dos conhecimentos adquiridos em aula e no cotidiano de cada um, pontuando a importância de conhecer a história para intervir na mesma, bem como trazer experiências e vivências de seus familiares e amigos existindo em situações que foram questionadas na teoria, como trabalho formal e informal, contrato de trabalho sem a carteira assinada, os diversos tipos de trabalhos atuais, empregabilidade e desemprego. As trocas foram fundamentais para desenvolver a visão crítica dos alunos e que possam ter domínio técnico cientifico de como é o funcionamento do mundo do trabalho.

A intervenção realizada possibilitou perceber que os discentes ampliaram seus repertórios conhecendo sobre o conteúdo proposto. Esse conhecimento humano liga-se ao saber escolar experiências complementares e da cultura, a mobilidade associada ao espaço, mostrando a interligação entre os diferentes aspectos. Segundo Dias (2017), para Winnicott, a premissa básica em sua teoria do amadurecimento pessoal, existem dois fatores importantes: a predisposição natural ao amadurecimento e a vivência constante de um ambiente facilitador.

Refletindo com base na visão winnicottiana, realizando analogia com a intervenção proposta, pode-se pensar que para o desenvolvimento integral do adolescente é importante que se tenha um ambiente (neste caso a escola) que facilite esse processo. Portanto, os facilitadores devem criar circunstâncias para que o aluno possa aprender. Associado a essa perspectiva, a metodologia ativa utilizada pelo Senac, propõe que o ambiente sala de aula ofereça ao aluno autonomia e protagonismo para criar, ou seja, exercer a sua criatividade e desenvolver a partir daí competências importantes para o mundo do trabalho.

Ainda segundo Dias (2017), a criança pode não se tornar real, caso ela não tenha um ambiente que lhe ofereça sustentação para facilitar seu processo de maduração, por isso é importante e fundante criar espaços de escuta e de trocas entre aluno e professor para que, principalmente, o aluno consiga construir o seu processo de conhecimento individual, como pode ser observado na troca existente entre discentes e docente, para a construção do conhecimento individual os alunos precisaram sentir-se acolhidos pelo docente e pelo colegas, só assim puderam se expressar.

Percebe-se que os adolescentes que participaram desta aula vivenciam situações de vulnerabilidade social, que para Winnicott (2019), quando a criança não vivencia em seu lar “sentimentos de segurança” ainda enxerga possibilidades de esperança fora desse local, como na escola, busca suporte externo como forma de não enlouquecer, é como se inicialmente o adolescente dependesse da estabilidade oferecida pelo docente nesta aula, para que posteriormente se torne independente na busca de conhecimento com pensamento crítico e capaz de protagonizar a própria história.

De certa forma, a instituição e docência conduz para que nesse espaço (escola), o adolescente possa encontrar segurança para se posicionar, como por exemplo nas atividades propostas. O brainstorming visa evidenciar de forma espontânea aquilo que o aluno traz em sua bagagem, representando para o mesmo como a potência para poder confiar em suas próprias produções, dando a esses alunos sustentação para o crescimento e até mesmo utilizando a metodologia ativa como estratégia de desenvolvimento.

A metodologia ativa Melo e Sant’ana (2012) de trabalho utilizada pelo facilitador visa possibilitar que os discentes construam o seu próprio conhecimento participando ativamente de todo o seu processo de ensino-aprendizagem, propondo a construção do conhecimento e agregando ao que o aluno já vivencia no cotidiano, ou seja, valoriza o conhecimento prévio ao mesmo tempo em que apresenta o conhecimento técnico cientifico, utilizando o banco de estratégias de ensino aprendizagem (Senac, 2015), que pretende facilitar a aprendizagem do aluno, buscando dar sentido a proposta do conteúdo, oportunizando analogias relacionadas ao mundo do trabalho.

Dentro dessa proposta onde o discente sente que tem um espaço de confiança para se colocar, alguns alunos comentam sobre atuar no mundo do trabalho dentro da informalidade, ou seja, alguns alunos vivenciam situações de trabalho infantil, que é o trabalho conduzido por crianças e adolescentes sem idade mínima permitida, sistema que é apoiado pela legislação. (Criança Livre de Trabalho Infantil, n. d.).

Atualmente no Brasil, quem ainda não completou 16 anos, não pode trabalhar, exceto na condição de jovem aprendiz, amparado pela Lei n. 10.097/2000, que tem como objetivo oferecer aos jovens e adolescentes a oportunidade do primeiro emprego, sendo subsidiado por uma escola profissionalizante que dê sustentação para que este possa trabalhar e desenvolver as suas competências, além de estar matriculado no ensino formal, sendo este um pré-requisito do programa para frequentar os programas promovidos pelo Senac.

Oferecer a possibilidade de os alunos conhecerem sobre o mundo do trabalho e fazer trocas de conhecimentos e afetivas, discutirem sobre as problemáticas que vivenciam e que estão envoltas na dinâmica do mundo do trabalho, amplia a capacidade dos adolescentes de fazer escolhas mais assertivas em suas vidas profissionais e pessoais. Na discussão aparece as questões referentes aos direitos de cada pessoa como cidadã, dotada de direitos e deveres, pertencendo há um mundo de diversidades e de injustiças, contribuindo para a reflexão sobre o papel de cada pessoa na sociedade em sua transformação, fomentando a civilidade e como cidadão que faz referências de sua realidade com o mundo em que vive, relacionando essas situações com o mundo do trabalho, sendo capaz de refletir perspectivas de futuro.

As trocas se deram de forma saudável, onde cada adolescente se respeitou e também compreendeu a realidade de seus pares, desenvolvendo empatia, com um olhar autônomo de identificar o conhecimento como algo que lhe tira do senso comum e o lança em espaços mais reais para que haja mudança de comportamento e daí em diante possa disseminar conhecimento e construir espaços mais justos.

Esse caminho, por onde transcorreu a aula, possibilitou validar situações de saúde mental, onde o discente pode apresentar insights significativos de mudanças de paradigmas que o fizeram enxergar o mundo do trabalho de forma diferente, com outros contornos e perspectivas diferentes. Segundo Winnicott (2019), a base da saúde mental do adulto tem a sua construção na infância, e esse aspecto fica claro na adolescência.

Segundo Maia e Garcia (2003), a resiliência dirige-se a “capacidade dos indivíduos de superar os fatores de risco” quando há mostra, a partir daí fortalece comportamentos de adaptação que caminham para adequação, posto isso, a escola é um lugar onde conflitos acontecem e o discente treina o tempo todo a sua resiliência.


Considerações Finais

Frente ao exposto, o facilitador pode observar que os adolescentes deste grupo, puderam ampliar sua compreensão sobre o mundo do trabalho. Colocam-se como cidadão com direitos e deveres; percebem- se como parte de um processo de construção do mundo; fomentou a autonomia e espaços de trocas saudáveis, entre os pares de adolescentes e seu facilitador. Os adolescentes e suas famílias, relatados por elas em ocasiões posteriores, que o que foi observado pelo facilitador (docente) tem se ampliado para o ambiente familiar. O manejo de aula e a proposta dos conteúdos contribuiu para que os adolescentes pudessem se sentir acolhidos e respeitados para construir um conhecimento significativo e aplicável em seu cotidiano, ampliando a sua inserção na sociedade e contribuindo para uma vida mais salutar.


Referências

Almeida, A. P. (2023). Por uma ética do cuidado: Winnicott para educadores e psicanalistas. (Vol. 2). Blucher.

Coutinho, L. G. (2015). O adolescente e a educação no contemporâneo: o que a psicanálise tem a dizer.

Cadernos de Psicanálise, 37(33), 155-174. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cadpsi/v37n33/v37n33a08.pdf.

Criança Livre de Trabalho Infantil. (n. d.). O que é trabalho infantil?

https://livredetrabalhoinfantil.org.br/trabalho-infantil/o-que-e/

Dias, E. O. (2017). A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. (4ª. ed.). Editorial.

Maia, M. V. M.; & Garcia, I. S. (2003). Sobrevivendo às adversidades: tentativas de articulação entre resiliência e Winnicott. [Apresentação de trabalho]. 2º Encontro Nacional sobre o pensamento e a Clínica de D.W. Winnicott.

Melo, B. C., & Sant’Ana, G. (2012). A prática da metodologia ativa. Comunicação em Ciências Saúde, 23(4), 327-339. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/artigos/pratica_metodologia_ativa.pdf

Mussi, R. F. D. F., Flores, F. F., & Almeida, C. B. D. (2021). Pressupostos para a elaboração de relato de experiência como conhecimento científico. Revista práxis educacional, 17(48), 60-77.

Oliveira, D. M. D., & Fulgencio, L. P. (2009). Contribuições para o estudo da adolescência sob a ótica de Winnicott para a educação. Psicologia em Revista, 16(1), 67-80. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-11682010000100006.

Paiva, M. R. F., Parente, J. R. F., Brandão, I. R., & Queiroz, A. H. B. (2016). Metodologias ativas de ensino-aprendizagem: revisão integrativa. SANARE-Revista de Políticas Públicas, 15(2), 145-153. https://sanare.emnuvens.com.br/sanare/article/view/1049/595

Pereira, E. S., & Oliveira, L. J. (2023). Programa “ação jovem” e a ordem econômica constitucional – o fomento para a redução das desigualdades sociais e regionais através de políticas públicas de valorização e inserção no trabalho no estado de São Paulo. Revista Argumentum, 24(2), 263-287. file:///C:/Users/Sonia/Downloads/1489-4497-1-PB.pdf

Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. (2005). Proposta pedagógica. Revitalizado em 2005 Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. (2015). Banco de estratégias de ensino-aprendizagem.

Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (2020). Sobre o Senac. https://www.sp.senac.br/sobre-o- senac

Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. (2022). Plano de curso. Qualificação profissional preparação para o mundo do trabalho: Eixo Tecnológico: Gestão e Negócios. Versão 1.

Silva, J. C. P. D., Cardoso, R. R., Cardoso, Â. M. R., & Gonçalves, R. S. (2021). Diversidade sexual: uma leitura do impacto do estigma e discriminação na adolescência. Ciência & Saúde Coletiva, 26, 2643-2652.

Unesco (2006). Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos [DUBDH] (A. Tapajós e M. M. Prado Trad.). http://www.bioetica.org.br/?siteAcao=DiretrizesDeclaracoesIntegra&id=17

Winnicott, D. W. (2022). Processos de amadurecimento e ambiente facilitador: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. (I. C. S. Ortiz Trad.). Martins Fontes.

Winnicott. D. W. (2019). Privação e delinquência. Editora Wmf. Martins Fonte.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.16257


DA ORIENTAÇÃO ESPECIALIZADA A PROFESSORES QUE LECIONAM EM CASOS DE TEA

RELATO DE EXPERIÊNCIA


SPECIALIZED GUIDANCE FOR TEACHERS WHO TEACH IN CASES OF ASD

Experience report


ORIENTACIÓN ESPECIALIZADA PARA PROFESORES QUE ENSEÑAN EN CASOS DE TEA

Informe de experiencia


Josiane Andrade Yamane

(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental

da Universidade Paulista – UNIP, Brasil)

josiyamane@gmail.com


Angela Cristina Pontes Fernandes

(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental

da Universidade Paulista – UNIP, Brasil) angela.fernandes1@docente.unip.br

Recebido: 30/01/2024 Aprovado: 30/01/2024


RESUMO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado pela presença de déficits persistentes na comunicação e interação social, além de padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades. Como forma de viabilizar a inclusão das crianças autistas no ambiente escolar, a orientação dos professores que atuam com este público é de suma importância. O objetivo do estudo é apresentar a experiência de orientação feita para os professores que lecionam para alunos autistas, acompanhados pelo Núcleo de Atenção ao TEA, da cidade de Monte Alto-SP, no período de junho de 2022 a junho de 2023. Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, embasado na ciência ABA (Análise do Comportamento Aplicada) e relacionado às vivências com os professores em orientações, realizadas mensalmente. Como resultado, observou-se a dificuldade dos docentes em acolher estes alunos, direcionar atividades, lidar com comportamentos disruptivos e no manejo das atividades de vida diária. Discute-se a importância de uma ferramenta de apoio para proporcionar aos docentes maior respaldo teórico à prática com alunos autistas, para contribuir na inclusão, aprendizagem e socialização no ambiente escolar. Esta experiência ampliou as vivências sobre a perspectiva do professor na inclusão escolar de crianças com TEA, lançando luz sobre a necessidade de formação teórica e instrumentalização dos docentes, considerando as particularidades de neurodesenvolvimento e comportamento desta população e contribuindo para a maior eficácia da assistência educacional inclusiva.

image

Palavras-chave: autismo. inclusão escolar. comportamento disruptivo.

ABSTRACT

Autism Spectrum Disorder (ASD) is characterized by the presence of persistent deficits in communication and social interaction, as well as restricted and repetitive patterns of behaviors, interests and activities. As a way of enabling the inclusion of autistic children in the school environment, guidance from teachers who work with this population is extremely important. The purpose of the study is to present the guidance experience carried out for teachers who teach autistic students, accompanied by the ASD Care Center, in the city of Monte Alto-SP, from June 2022 to June 2023. This is a descriptive study, of the experience report type, based on the science ABA (Applied Behavior Analysis) and related to experiences with teachers in orientations, carried out monthly. As a result, teachers found it difficult to welcome these students, direct activities, deal with disruptive behaviors and manage daily activities. The importance of a support tool to provide teachers with greater theoretical support for practice with autistic students is discussed, to contribute to inclusion, learning and socialization in the school environment. This experience expanded the experiences of the teacher's perspective on the school inclusion of children with ASD, shedding light on the need for theoretical training and instrumentalization of teachers, considering the particularities of neurodevelopment and behavior of this population and contributing to the greater effectiveness of inclusive educational assistance.

Keywords: autism. school inclusion. disruptive behavior.


RESUMEN

El Trastorno del Espectro Autista (TEA) se caracteriza por la presencia de déficits persistentes en la comunicación y la interacción social, así como patrones restringidos y repetitivos de conductas, intereses y actividades. Como forma de posibilitar la inclusión de niños autistas en el ambiente escolar, la orientación de los docentes que trabajan con esta población es de suma importancia. El objetivo del estudio es presentar la experiencia de orientación realizada para profesores que enseñan a estudiantes autistas, acompañados por el Centro de Atención al TEA, en la ciudad de Monte Alto-SP, de junio de 2022 a junio de 2023. Se trata de un estudio descriptivo, del tipo relato de experiencia, basado en la ciencia ABA (Análisis de Comportamiento Aplicado) y relacionado con experiencias con docentes en orientaciones, realizado mensualmente. Como resultado, a los maestros les resultó difícil dar la bienvenida a estos estudiantes, dirigir actividades, lidiar con conductas disruptivas y gestionar las actividades diarias. Se discute la importancia de una herramienta de apoyo para brindar a los docentes un mayor soporte teórico para la práctica con estudiantes autistas, para contribuir a la inclusión, el aprendizaje y la socialización en el ambiente escolar. Esta experiencia amplió las experiencias sobre la perspectiva del docente en la inclusión escolar de niños con TEA, arrojando luz sobre la necesidad de formación teórica e instrumentalización de los docentes, considerando las particularidades del neurodesarrollo y comportamiento de esta población y contribuyendo a la mayor efectividad de la asistencia educativa inclusiva.

Palabras clave: autismo. inclusión escolar. comportamiento perturbador.


Introdução

O tema proposto partiu da observação em campo das dificuldades dos professores na inclusão do aluno autista. O trabalho do Núcleo de Atenção ao Transtorno do Espectro Autista, da cidade de Monte Alto- SP, é baseado na ciência da Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behavior Analysis – ABA), a qual destaca a importância da intervenção terapêutica em todos os ambientes frequentados pelo indivíduo, para ampliar os estímulos de mediação. Além da intervenção clínica com a criança, foram

realizadas visitas regulares à instituição escolar, e o acompanhamento docente foi realizado pela coordenadora do referido núcleo, que é fonoaudióloga especialista em ABA aplicada ao autista, em observações, levantamento de dados e orientações.

O ambiente escolar é o local onde a criança permanece por uma carga horária extensa, dessa forma, traçar objetivos e manejos com os profissionais atuantes na escola garante o melhor desenvolvimento nos casos de Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Devido a importância da parceria entre docente e escola para o sucesso da intervenção terapêutica, tornou-se objetivo deste estudo, ouvir as dificuldades dos professores que lecionam para o público em questão, e orientar com dados e manejos baseados em evidências. Trata-se de um relato experiência a respeito da importância e contribuição da orientação especializada na atuação dos professores no ambiente escolar.

A partir da prática relacionada à literatura, espera-se direcionar a assistência educacional inclusiva, lançando luz sobre a necessidade de formação teórica e instrumentalização dos docentes na consideração das particularidades de neurodesenvolvimento e comportamento dos alunos autistas.

O transtorno do Espectro Autista na infância foi inicialmente descrito pelos psiquiatras Leo Kanner (1894-1981) e Hans Asperger (1906-1980). Kanner (1943) em sua obra Autistic Disturbances of Affective Contact, refere que desde 1938 chegou a seu conhecimento casos de crianças com condições peculiares de desenvolvimento, e descreveu 11 crianças com autismo que foram caracterizadas por ele com uma incapacidade inata de realizar o contato afetivo habitual.

Atualmente, setenta e oito anos após a publicação de Kanner, o TEA é entendido como uma subcategoria dos Transtornos do Neurodesenvolvimento, ou seja, uma condição neurobiológica que se manifesta no início do desenvolvimento da criança e acarreta prejuízo em sua funcionalidade global. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: texto revisado - DSM-5-TR (APA, 2023) refere os dois prejuízos que devem estar presentes nas fases iniciais do desenvolvimento, a saber: presença de déficits persistentes na comunicação social e na interação social, em vários contextos e; padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades. Sua classificação como espectro se deve à diversidade e complexidade de sintomas, representando um continuum que envolve desde déficits muito específicos e pontuais que acometem os indivíduos, a comprometimentos globais em sua funcionalidade e adaptação (Cavaco, 2014; APA, 2014).

Além destes critérios diagnósticos já mencionados, são propostos os sintomas especificadores do comprometimento intelectual ou de linguagem concomitante, associação com outra condição médica ou genética conhecida, comorbidade com outro transtorno do neurodesenvolvimento, mental ou comportamental (APA, 2015).

O Centro de Controle de Prevenção de Doenças (CDC) do governo dos EUA divulga, a cada dois anos, a pesquisa de prevalência do TEA. A última divulgação, de 2020, indicou que 2,8% da população dos Estados Unidos é autista; uma relação de 1 em cada 36 pessoas.

O diagnóstico de TEA permanece essencialmente clínico e é feito a partir de observações da criança e entrevistas com pais e/ou cuidadores. O uso de escalas e instrumentos de triagem padronizados ajudam a identificar problemas específicos, sendo importantes para o rastreamento e a triagem de casos suspeitos. A partir da identificação dos sinais de alerta, podem ser iniciadas a intervenção e o monitoramento dos sinais e sintomas ao longo do tempo (Gadia, Tuchman, & Rotta, 2004). Quanto maior a visibilidade sobre o TEA, maior o interesse em pesquisa, resultando em recursos e ferramentas para diagnóstico (Aydos, 2019).

Gadia (2015) alerta que a identificação precoce do diagnóstico e as intervenções realizadas em crianças com TEA podem determinar o prognóstico, incluindo maior rapidez na aquisição da linguagem, facilidade nos diferentes processos adaptativos e no desenvolvimento da interação social, aumentando

sua chance de inserção em diferentes âmbitos sociais. O tratamento é baseado em intervenções multiprofissionais com vistas ao desenvolvimento das habilidades de comunicação e interação social, à regulação do comportamento e o favorecimento das interações familiares. A intervenção farmacológica, como outra possibilidade de tratamento, visa a atenuação dos problemas comportamentais (Araújo & Schwartzaman, 2014).

Chawarska e Volkmar (2005) constataram em sua pesquisa que 30% a 54% dos pais, de crianças diagnosticas com TEA, observaram os primeiros sinais antes dos 12 meses de idade da criança. Lampreia (2009) aponta que os primeiros sintomas podem ser observados entre 6 e 8 meses, como ausência de contato visual, de comportamentos de busca e de engajamento em interações sociocomunicativas, tais como sorrisos e balbucios; além de dificuldades de autorregulação.

À despeito do amplo espectro de acometimento no desenvolvimento e funcionalidade, muitas crianças com TEA deparam-se com limitações na realização de atividades corriqueiras, como higiene e alimentação, as quais podem estar associadas a comportamento rígidos, agressivos ou repetitivos. A necessidade de cuidados diferenciados e a dependência dos pais e demais cuidadores é acentuada, havendo a necessidade de manejos diferenciados e cuidados direcionados (Pinto et al., 2016). Neste contexto, a ciência da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) vem se destacando como intervenção promissora, com vistas a promoção da inclusão escolar da criança autitas (Gomes & Silveira, 2016).

Inclusão origina do verbo em latim includere, colocar algo ou alguém dentro do espaço, e é aplicado às pessoas com necessidades especiais e acessibilidade. No dicionário Aurélio (Ferreira, 1986), inclusão é definido como “ato ou efeito de incluir, compreender, inserir”. É um conceito primordial na garantia da equitatividade de todos na sociedade. Busca a igualdade e respeito à diversidade, valorizando os indivíduos independente das diferenças físicas, culturais, sociais.

Inclusão escolar pode ser compreendida como um trabalho de articulação do sistema educacional, propiciando escuta, possibilidades de desenvolvimento integral, além de atender aos valores humanos (Sekkel, Zanelatto, & Brandão, 2010). Considera-se também que, o desenvolvimento, ou não, do aluno com necessidades educativas está relacionado ao perfil do professor e seu planejamento pedagógico (Ferreira, 2007).

A troca e a mediação estabelecida pelos pares e professores, conforme mencionado por Vygotski (1995), desempenham medidas primordiais no desenvolvimento e na aprendizagem. A interação social e a colaboração são meios pelos quais as crianças adquirem novos conhecimentos, desenvolvem habilidades de comunicação, aprimoram suas capacidades de resolução de problemas e aprendem a entender e respeitar as diferenças individuais. Portanto, incluir as crianças autistas na Educação Infantil, em um ambiente estruturado e estimulante, proporciona trocas de experiências essenciais à aprendizagem.

O estudo de Lemos, Salomão e Agripino-Ramos (2014) ressalta a importância do envolvimento ativo dos professores no processo educacional das crianças com TEA, reconhecendo suas necessidades individuais, compreendendo o funcionamento cognitivo, recorrendo à informações detalhadas sobre suas habilidades, dificuldades, preferências, estratégias facilitadoras de engajamento, para desta forma, promoverem praticas pedagógicas inclusivas e adaptativas, e fornecerem um direcionamento adequado ao processo de ensino-aprendizagem.

Sabe-se que educação é garantida pela Constituição Federal (1988) como um direito fundamental. Em 1994, a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), que preconiza a educação para todos, abre espaço para o campo das necessidades educativas especiais, criando para todas as crianças, sem distinção, oportunidades pedagógicas adequadas, em todas as modalidades de ensino. Sassaki (2005) aponta a necessidade da sociedade, em um processo contínuo e acolhedor, se modificar de modo a atender as pessoas, qual seja sua deficiência, de tal forma que se eliminem os fatores de exclusão.

O Capítulo V da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB nº 9.394/1996, dispõe sobre os direitos dos educandos com necessidades especiais, garantindo serviço especializado, profissionais capacitados, currículos, métodos e técnicas para tender às necessidades deste público.

Em 2008, dentro da Política Nacional de Educação Especial (PNEE) na perspectiva da educação inclusiva, o Decreto n° 6.571/2008, dispõe sobre o Atendimento Educacional Especializado (AEE), para atender o público-alvo da educação inclusiva, ou seja, alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino regular da rede pública. O AEE é um serviço de apoio à sala de aula comum que tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas.

Com a finalidade de complementar ou suplementar o desenvolvimento da aprendizagem, em 2009, o Conselho Nacional de Educação (CNE), pela Resolução CNE/CEB nº 04/2009, instituiu as diretrizes operacionais para o AEE na Educação Básica. Em seu 9º artigo, a resolução prevê que a elaboração e a execução do plano de AEE são de competência dos professores que atuam na sala de recursos multifuncionais ou centros de AEE, em articulação com os demais professores do ensino regular, com a participação das famílias e em interface com os demais serviços setoriais da saúde e assistência social.

No âmbito do TEA, em 27 de dezembro de 2012, foi instituída a Lei n° 12.764, que preconiza a esta população, garantias como: saúde adequada; estímulo à pesquisa científica; capacitação dos profissionais especializados para atendimento; acompanhante especializado em sala de aula (caso necessário); matrícula em qualquer escola, sem a possibilidade de recusa por parte da instituição de ensino. Para haver inclusão do aluno autista em uma sala regular deve-se conhecer suas especificidades, preparar o ambiente, formar, capacitar e aperfeiçoar os professores para que a inclusão seja realizada de fato (Teodoro, Godinho, & Hachimine, 2016).

De acordo com o Censo Escolar (2022), chegou-se a 1,5 milhões o número de alunos matriculados na educação especial, com a maior concentração no ensino fundamental (65,5%). Em 2018 havia 92% de alunos incluídos passando para 94,2% em 2022. Quanto a oferta da educação inclusiva, destaca-se o maior percentual de inclusão nas escolas públicas. De 2021 para 2022 a inclusão na Educação Infantil saltou de 106 mil crianças matriculadas para 174 mil, considerando o autismo, com 429 mil alunos.

Os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP (2019), referem o crescente percentual de alunos com deficiências, TEA e altas habilidades matriculados nas redes públicas, sobretudo na educação Básica em 2018, tornando-se, a inclusão, um grande desafio nas escolas.

Lançadas as bases teóricas e garantias legais da inclusão para crianças com TEA, a prática tem sido uma árdua tarefa, sobretudo no ambiente escolar. Silva, Molero e Roman (2016) destacaram em seu artigo a dificuldade da escola em traçar estratégias de inclusão, estando, muitas vezes, em dissonância com a equipe de saúde. Sant’Ana (2005) demonstrou em seu estudo que professores, cientes de suas dificuldades e falta de preparo, necessitam do apoio de especialistas para a promoção da inclusão.

Apesar das garantias asseguradas pela legislação, a realidade se difere da teoria. Observamos escolas que garantem a matrícula a todos os alunos, depreciando a permanência e desenvolvimento deles, deixando de assegurar a equidade, falta de formação dos professores e ausência de recursos adequados (Sartoretto, 2010). A lenta e gradual implementação de mudanças na educação inclusiva é influenciada por uma série de fatores interconectados como: a adequação das instalações físicas; disponibilidade de recursos financeiros; a escassez de materiais didáticos adaptados e recursos humanos capacitados; o estabelecimento de diretrizes precisas que delineiem as responsabilidades a cada profissional da equipe escolar; a conscientização sobre a diversidade, promovendo sensibilização e educação contínua; além de, tornar real a própria definição da educação inclusiva (Braun, 2012).

Lago (2007) relata a sensação de impotência percebida pelos professores, por não conseguirem intervir efetivamente no aprendizado do aluno com necessidades especiais em sua sala de aula, e destaca que essa sensação pode vir da falta de qualificação na formação universitária docente e nas práticas tradicionais de ensino.

Podemos citar o artigo de Gomes e Souza (2011), que destaca a atuação dos psicólogos no ambiente escolar, com foco nas necessidades educativas especiais dos alunos, contribuindo para um ambiente inclusivo e acolhedor, elaborando uma abordagem pautada em práticas contextualizadas, reflexivas e críticas e, visando em um comprometimento social, tanto com os alunos quanto com seus professores.

Desta forma, faz-se necessário considerar os aspectos singulares de cada aluno em diferentes contextos, a fim de ampará-los de forma global, com a interação dos profissionais de diversas áreas de forma integrada, corroborando com os pressupostos da ciência moderna (Franco, Alves, & Bonamino, 2007). Conhecer o aluno nas suas especificidades e garantir um ambiente acolhedor são medidas importantes ao receber um aluno autista (Teodoro, Godinho, & Hachimine, 2016).

Nesse sentido, a ciência da Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behavior Analysis – ABA), é uma abordagem científica baseada nos princípios de Skinner (citado por Martone & Santos-Carvalho, 2012) sobre o condicionamento operante, que sugere que os comportamentos são aprendidos e modelados pelo meio que está inserido (Martone & Santos-Carvalho, 2012). Mediante as comprovações empíricas de Skinner, a ABA passou a ser considerada uma das intervenções que contribui significativamente para os casos de TEA (Makrygianni et al., 2018; Alves et al., 2020; Yu et al., 2020; Liao et al., 2020). Trata-se de uma ciência que tem como objetivo o estudo da função do comportamento, auxiliando a integrar o indivíduo nos ambientes em que está inserido (Lear, 2004; Gomes & Silveira, 2016). Partindo dos princípios da abordagem comportamental, utiliza estratégias para modelar ou ensinar novos comportamentos, com o foco em aumentar os comportamentos desejados e extinguir os disruptivos.

Considere-se que a intervenção comportamental traça planejamentos para uma estimulação intensiva e sistemática da criança com TEA, a fim de aproximar, ao máximo, o seu desenvolvimento ao da criança típica (Anderson, 2007). A principal característica do ABA são os reforçamentos positivos em que os comportamentos e habilidades são registradas precisamente, a fim de acompanhar o desempenho da criança. Como forma de complementar os estímulos e tornar o ensino intensivo, a família e a escola são envolvidas (Bezerra, 2018).

Essas modificações comportamentais, que tem por objetivo auxiliar as pessoas com TEA, dentro da ótica comportamental, contemplam um universo de possibilidades de intervenção e manejo, elaborando assim, planos individualizados de ensino, a fim de considerar as necessidades principais de modificação da criança no espectro, bem como a melhor condução terapêutica (Mascaro, 2018; Odom, Hall, & Suhrheinrich, 2020; Salgado-Cacho, Moreno-Jiménez, & Diego-Otero, 2021).

Costa, Nakandakare e Paulino (2018) afirmam em seu estudo que a aprendizagem é uma barreira para o autista, devido suas individualidades e a insensibilidade do sistema educacional. Através da pesquisa em campo, destacam o despreparo das escolas, ausência de profissionais capacitados, além de comprovar a predominância de uma quantidade ínfima de professores treinados para lecionar à alunos com TEA.


Metodologia

Esta pesquisa trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, relacionado às vivências dos professores que receberam orientações mensais nas escolas do município de Monte Alto-SP com crianças atendidas pelo Núcleo de Atenção ao TEA, serviço prestado pelo Sistema Vida de Saúde de Monte Alto, durante o período letivo, de junho de 2022 a junho de 2023. O objetivo do estudo foi estabelecer uma compreensão das dificuldades dos docentes com os alunos autistas, fornecendo base para investigação e pesquisas posteriores.

Segundo Daltro e Faria (2019), o relato de experiência é uma narrativa legitimadora da experiência enquanto fenômeno científico, que tem caráter de uma síntese provisória, aberta à análise para produções de saberes novos e transversais.

Considerando o número crescente de diagnósticos de TEA e a dificuldade escolar com a inclusão e acolhimento destes alunos, direcionar atividades, lidar com os comportamentos disruptivos e no manejo das atividades de vida diária, vê-se imprescindível a descrição do trabalho de orientação docente, realizado como auxílio ao fornecimento de informações, estratégias e ferramentas eficazes neste contexto de trabalho ainda tão pouco instrumentalizado.

É essencial a formação específica dos professores na atuação do autismo, com o objetivo de entender e assegurar o ensino dos alunos autistas, oportunizando estratégias de ensino e manejos adequados baseados em evidências, para lidar com comportamentos desafiadores e disruptivos, além de desempenhar uma intervenção comportamental positiva. Cabe destacar as dificuldades sensoriais frequentes no TEA, que requer a adaptação do ambiente, minimizando os estímulos aversivos e estímulos convenientes e gradativos.

O trabalho multidisciplinar, mediante as orientações realizadas pelo profissional da área da saúde, garante uma intervenção abrangente e fornece à instituição escolar informações e meios para as demandas trazidas na inclusão dos alunos com TEA.

As orientações foram registradas nos prontuários de cada criança, pontuando as dúvidas e dificuldades relatadas pelos docentes e as condutas sugeridas pelo terapeuta, além de acompanhar a aplicação do manejo e consequências da intervenção, para posteriormente, comparar os dados e o desenvolvimento do aluno.


Descrevendo a experiência

Graduada em Fonoaudiologia e Especialista em Análise do Comportamento Aplicada ao TEA, coordeno o Núcleo de Atenção ao TEA, do Sistema Vida de Saúde da cidade de Monte Alto, interior de São Paulo. Em outubro de 2023 o Núcleo completou dois anos de trabalho, exercendo terapias multidisciplinares baseados na ciência ABA e, atualmente conta com 14 profissionais (Psicólogos, Fonoaudiólogos, Terapeutas Ocupacionais, Fisioterapeutas e Psicopedagogas), atendendo, em média, 57 beneficiários, na faixa etária de um ano e meio a dezenove anos.

O trabalho de uma equipe multidisciplinar envolve a colaboração de profissionais de diversas áreas, abordando as demandas de maneira abrangente, reconhecendo as complexidades, contribuindo com informações específicas e perspectivas para alcançar o objetivo de forma integral.

Considerando a necessidade de intervir em todos os ambientes em que nossos usuários estejam inseridos, o Núcleo de Atenção ao TEA realiza orientações periódicas às escolas parceiras, visitando-as no início do ano letivo, com a apresentação dos alunos matriculados e acompanhamento ao longo de todo o ano.

Os materiais de apresentação do aluno, elaborados a cada início de ano, contemplam informações relevantes como identificação, habilidades conquistadas, comportamentos positivos e negativos, brinquedos de preferência ou hiperfocos e habilidades trabalhadas. Consta ao verso, a equipe que o atende e contato para interação.

Primeiramente, traçamos as intervenções em colaboração com o Departamento Municipal de Educação, para posteriormente visitar as escolas. Essa abordagem permite uma compreensão aprofundada do sistema educacional, diretrizes e desafios de cada escola, além do consentimento e apoio dos responsáveis.

Atualmente, a presença do profissional especialista no ambiente escolar é consentida pela direção, não obstante, que há escolas que omitem informações, ou ainda, não aceitam a visita dos terapeutas; sendo uma situação desafiadora e preocupante. O desenvolvimento educacional dos alunos e o bem-estar físico e mental devem ser o principal objetivo. Portanto, é fundamental que a escola forneça um ambiente acolhedor, inclusivo e adaptado, realizando um trabalho em colaboração e que busque soluções que promovam uma educação inclusiva e de qualidade.

A conscientização da Secretaria de Educação é de extrema importância no desempenho de melhorias no sistema educacional, compreensão das necessidades e desafios na área da educação. De maneira a formular políticas educacionais alinhadas com as demandas da sociedade, podemos elencar algumas atribuições da Secretaria de Educação Municipal: direcionar recursos de forma efetiva; observar os desafios dos educadores e implementar formações direcionadas à melhoria da qualidade do ensino; levantar a necessidade físicas e instrumentação das escolas; observar e motivar a participação das famílias na vida escolar do aluno. Medidas estas, permitem que a Secretaria de Educação esteja preparada para enfrentar os desafios emergentes, garantindo que a educação seja um propulsor do desenvolvimento social e humano.

Por meio deste acompanhamento cuidadoso, era recorrente a constatação de professores, já no início do ano, ansiosos, temerosos e com muitas dúvidas, sobre como lidar, em sala de aula, com as crianças no espectro autista, em todas as suas especificidades, tanto no âmbito do manejo comportamental, quanto na programação, estruturação e adaptação das atividades educativas e materiais. Assim, o Núcleo de Atenção ao TEA era procurado por estes professores, antes mesmo do início das aulas, com intuito de conhecer o aluno, suas dificuldades, hábitos e preferencias, conduta que resulta em processos positivos durante todo ano letivo.

Desde sua fundação, até o presente momento, o Núcleo, como um ambiente terapêutico intensivo que não acompanha as férias escolares, se prontifica a responder estas demandas, dando suporte e oferecendo, além da orientação, aos professores e auxiliares, momentos com seus futuros alunos no ambiente terapêutico, oportunizando uma relação efetiva entre os profissionais e antecipação na formação do vínculo afetivo, atenuando os impactos comportamentais do início do ano letivo.

Os beneficiários do serviço são as crianças e adolescentes matriculados em escolas parceiras, cujos responsáveis consentem com a intervenção e orientação. Atualmente, a orientação dedicada aos professores se estrutura a partir dos seguintes tópicos:

A partir dos dados coletados foi possível constatar conquistas positivas no desenvolvimento dos alunos beneficiários. Com o trabalho em conjunto com os professores para a organização do PEI, estruturação de materiais adaptados aos recursos e dificuldades de cada aluno, bem como de orientação/reflexão sobre como lidar com comportamentos difíceis ou disruptivos, torna-se possível traçar uma compreensão conjunta e unificada sobre o aluno, além de uma linha de base do momento atual de seu desenvolvimento, de modo a organizar e oportunizar de maneira mais eficiente sua aprendizagem.

Destaca-se aqui, que as dificuldades encontradas, que não são poucas, direcionaram o trabalho em torno de estudos, pesquisas e reflexões sobre a busca das diversas possibilidades de auxiliar a inclusão de cada

um dos beneficiários, oferecendo às instituições escolares informações e instrumentalização teórica e técnica para uma prática pedagógica mais efetiva.

Garantir o suporte adequado às necessidades individuais é dever da escola no processo educacional, com foco na abordagem individualizada, adaptada às características e capacidades de cada aluno com autismo como: ambiente estruturado, considerando sensibilidades sensoriais; dificuldades físicas ou suporte comunicativo adaptado; elaboração de um Plano Educacional Individualizado, com metas, estratégias de ensino e reavaliações periódicas; favorecer a interação social, habilidades de comunicação e de grupo, e; promover a conscientização da equipe escolar, alunos e familiares.

Considerando que as dificuldades de aprendizagem estão relacionadas aos pré-requisitos de aprendizagem e às barreiras comportamentais, a oportunidade de estímulos direcionados e manejos adequados, diminuem o sofrimento dos alunos com TEA e suas famílias, positivando o ambiente e, consequentemente, auxiliando em seu desenvolvimento.


Considerações finais

Mediante o referencial teórico estudado e os dados coletados em campo, podemos destacar as dificuldades dos docentes diante a atuação com crianças autistas no ambiente escolar, desde seu acolhimento até o direcionamento de atividades e manejo comportamental. A inclusão de crianças com TEA é um tema multifacetado, mostrando a necessidade de integrá-los na sociedade a nível da educação, saúde e vida social.

Observa-se que apesar das crescentes pesquisas relacionadas ao TEA e inclusão, há um déficit de instrumentos que auxiliem de maneira prática, os professores acolherem e conduzirem a aprendizagem, realizando as adaptações a partir de um olhar diferenciado.

A parceria entre os terapeutas e professores é essencial para corroborar de maneira integral e eficaz no desenvolvimento do autista, garantindo uma visão abrangente de cada caso, pontuando as necessidades e capacidades, de modo a traçar objetivos e intervenções bem-sucedidas. Esta comunicação deve ser regular, com o propósito de realizar os ajustes necessários às intervenções, assegurando que estejam alinhadas as demandas do indivíduo.

Elaborar uma ferramenta de apoio para proporcionar aos docentes maior respaldo teórico à prática com autistas é de suma importância para contribuir na inclusão, na aprendizagem e socialização no ambiente escolar, com estratégias eficazes e assertivas.

Esta experiência proporcionou ampliar as vivências sobre a perspectiva do professor na inclusão escolar de crianças com TEA, lançando luz sobre a necessidade de formação teórica e instrumentalização da equipe escolar, considerando as particularidades de neurodesenvolvimento e o comportamento desta população, contribuindo, assim, para a maior eficácia da assistência educacional inclusiva.

A inclusão escolar eficaz de indivíduos com TEA não beneficia apenas o aluno, mas sim, enriquece a escola, ao promover informações, respeito e principalmente empatia. A interação entre a equipe de saúde e educação resulta em ganhos em todos os ambientes que o autista está inserido, permitindo acompanhar de forma contínua o seu ciclo de desenvolvimento, os processos de crescimento, maturação e evolução. E, independente do diagnóstico, oportuniza ao aluno aprender, crescer e desenvolver, conquistando seu papel na sociedade.


Referências bibliográficas

Alves, F. J., Carvalho, E. A., Aguilar, J., Brito, L. L. & Bastos, G. S. (2020). Applied behavior analysis for the treatment of autism: a systematic review of assistive technologies. IEEE Access -

Multidisciplinary Open Access Journal, 8, 118664-118672.

https://doi.org/10.1109/ACCESS.2020.3005296

Anderson, M. (2007). Tales from the table: Lovaas/ABA intervention with children on the autistic spectrum. Pentonville: Road London.

Araújo, C. A. & Schwartzman, J. S. (2011). Transtorno do espectro do autismo. São Paulo: Memnon.

Associação Americana de Psiquiatria - APA. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. DSM-5. (5a ed.). Porto Alegre: Artmed. Recuperado de https://www.institutopebioetica.com.br/documentos/manual-diagnostico-e-estatistico-de-transtornos- mentais-dsm-5.pdf

Associação Americana de Psiquiatria - APA. (2023). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: texto revisado. DSM-5-TR. Porto Alegre: Artmed.

Aydos, V. (2019). A (des)construção social do diagnóstico de autismo no contexto das políticas de cotas para pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Anuário Antropológico, 44(1), 93-116.

Bezerra, M. F. (2018). A importância do método aba - reanálise do comportamento aplicada - no processo de aprendizagem de autistas. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, 6(10), 189-204.

Braun, P. (2012). Uma intervenção colaborativa sobre os processos de ensino e aprendizagem do aluno com deficiência intelectual [Tese de doutorado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro]. Repositório da UERJ. http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/10337

Cavaco, N. (2014). Minha criança é diferente? Diagnóstico, prevenção e estratégia de intervenção e inclusão das crianças autistas e com necessidades educacionais Especiais. Rio de Janeiro: Wak Editora.

Chawarska, K. &Volkmar, F. R. (2005). Autism in infancy anda early chidhood. In F. R. Volkmar, R. Paul, A., Klin & D. Cohen (Eds.), Handbook of autismo and pervasive developmental disorders (vol. 1, 3rd ed., pp. 223-246). Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.

Constituição da República Federativa do Brasil. (1988). Brasília, DF: Senado Federal. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

Costa, B. S., Nakandakare, E. B., & Paulino, E. (2018). A inserção do autista no meio acadêmico e profissional de tecnologia da informação. Refas: Revista Fatec Zona Sul, 4(4).

Daltro, M. R., & Faria, A. A. (2019). Relato de experiência: uma narrativa científica na pós- modernidade. Estud. pesqui. psicol., 19(1), 223-237. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v19n1/v19n1a13.pdf

Decreto n˚ 6.571 (2008, 17 de setembro). Dispõe sobre o atendimento educacional especializado, regulamenta o parágrafo único do art. 60 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e acrescenta dispositivo ao Decreto no 6.253, de 13 de novembro de 2007. Brasília, DF. Recuperado de https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2008/decreto-6571-17-setembro-2008-580775- publicacaooriginal-103645-pe.html

Ferreira, A. B. H. (1986). Novo dicionário da língua portuguesa (2. ed.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Ferreira, S. (2007). O enigma da inclusão: das intenções às práticas pedagógicas. Educação e Pesquisa, 33(3), 543-560. https://doi.org/10.1590/S1517-97022007000300011

Franco, C., Alves, F., & Bonamino, A. (2007). Qualidade e equidade em educação: reconsiderando o significado de “fatores intra-escolares”. Ensaio - Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 15(55), 277-297.

Gadia, C. (2015). Aprendizagem e Autismo. In N. T. Rotta, L. Ohlweiler, & R. S. Riesgo. Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar (pp. 368-377). Porto Alegre: Armed.

Gadia, C., Tuchman, R., & Rotta, N. T. (2004). Autismo e doenças invasivas do desenvolvimento. Jornal de Pediatria (Rio de Janeiro), 80(2 supl), 583-594. Recuperado de https://www.scielo.br/pdf/jped/v80n2s0/v80n2Sa10.pdf

Gomes, C. & Souza, V. L. T. (2011). Educação, Psicologia Escolar e Inclusão: aproximações necessárias. Revista Psicopedagogia, 28(86), 185-193.

Gomes, C. G. & Silveira, A. D. (2016). Ensino de habilidades básicas para pessoas com autismo: manual para intervenção comportamental intensiva. Curitiba: Appris.

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2019). Resumo Técnico: Censo da Educação Básica 2018. Brasília: INEP. Recuperado de https://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_censo

_educacao_basica_2018.pdf

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2023). Censo Escolar da Educação Básica 2022: Resumo Técnico. Brasília, DF: INEP. Recuperado de https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/resumo_tecnico_cen so_escolar_2022.pdf

Kanner, L. (1943). Autistic Disturbances of Affective Contact. Nervous Child, 2, 217-50.

Lago, M. (2007). Autismo na escola: ação e reflexão do professor [Dissertação de Mestrado em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. Repositório da UFRS. https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13077/000638908.pdf

Lampreia, C. (2009). Perspectivas da pesquisa prospective com bebês irmãos de autistas. Psicologia: ciência e profissão, 29(1), 160-171.

Lear, K. (2004). Ajude-nos a aprender: um programa de treinamento em ABA (Análise do Comportamento Aplicada) em ritmo autoestabelecido (2a ed.). Toronto.

Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (1996, 20 de dezembro). Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB. Brasília, DF. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm

Lei nº 12.764 (2012, 27 de dezembro). Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e altera o § 3o do art. 98 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Brasília, DF. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivl_03/_ato2011- 2014/2012/lei/l12764.html

Lemos, E. L. M. D., Salomão, N. M. R., & Agripino-Ramos, C. S. (2014). Inclusão de Crianças Autistas: um Estudo sobre Interações Sociais no Contexto Escolar. Revista Brasileira de Educação Especial de Marília, 20(1), 117-130.

Liao, Y., Dillenburger, K., He, W., Xu, Y., & Cai, H. (2020). A systematic review of applied behavior analytic interventions for children with autism in Mainland China. Review Journal of Autism and Developmental Disorders, 7(4), 333-351. https://doi.org/10.1007/s40489-020-00196-w

Makrygianni, M. K., Gena, A., Katoudi, S., & Galanis, P. (2018). The effectiveness of applied behavior analytic interventions for children with Autism Spectrum Disorder: A meta-analytic study. Research in Autism Spectrum Disorders, 51, 18-31. https://doi.org/10.1016/j.rasd.2018.03.006

Martone, M. & Santos-Carvalho, L. (2012). Uma revisão dos artigos publicados no Journal of Applied Behavior Analysis (JABA) sobre comportamento verbal e autismo entre 2008 e 2012. Revista Perspectivas, 3(2), 73-86.

Mascaro, C. A. A. C. (2018). O Plano Educacional Individualizado e o estudante com deficiência intelectual: estratégia para inclusão. Revista Espaço Acadêmico, 18(205), 12-22. Recuperado de https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/43318

Odom, S. L., Hall, L. J., & Suhrheinrich, J. (2020). Implementation Science, Behavior Analysis, and Supporting Evidence-based Practices for Individuals with Autism. European journal of behavior analysis, 21(1), 55–73. https://doi.org/10.1080/15021149.2019.1641952

Pinto, R. N. M., Torquato, I. M. B., Collet, N., Reichert, A. P. S., Souza Neto, V. L., & Saraiva, A. M. (2016). Autismo infantil: impacto do diagnóstico e repercussões nas relações familiares. Rev Gaúcha Enferm., 37(3), 1-9. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.61572

Resolução CNE/CEB nº 4 (2009, 2 de outubro). Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Brasília, DF: Ministério da Educação. Recuperado de http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf

Salgado-Cacho, J. M., Moreno-Jiménez, M. D. P., & Diego-Otero, Y. (2021). Detection of Early Warning Signs in Autism Spectrum Disorders: A Systematic Review. Children (Basel, Switzerland), 8(2), 164. https://doi.org/10.3390/children8020164

Sant’ana, I. M. (2005). Educação inclusiva: concepções de professores e diretores. Psicologia em Estudo, 10(2), 227-234

Sartoretto, M. L. (2010). A educação especial na perspectiva da inclusão escolar: recursos pedagógicos acessíveis e comunicação aumentativa e alternativa. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial.

Sassaki, R. K. (2005). A postura inclusiva de toda a comunidade escolar. São Paulo.

Sekkel, M. C., Zanelatto, R, & Brandão, S. B. (2010). Ambientes inclusivos na educação infantil: possibilidades e impedimentos. Psicologia em Estudo, Maringá, 15(1), 117-126.

Silva, C. C. B., Molero, E. S. S., & Roman, M. D. (2016). A Interface entre Saúde e Educação: percepções de educadores sobre educação inclusiva. Psicologia Escolar e Educacional, 20(1), 109-115.

Teodoro, G. C., Godinho, M. C. S., & Hachimine, A. H. F. (2016). A inclusão de alunos com Transtorno do Espectro Autista no Ensino Fundamental. Research, Society and Development, 1(2), 127-143. https://doi.org/10.17648/rsd-v1i2.10

UNESCO. (1994). Declaração de Salamanca e o Enquadramento da Acção: na área das necessidades educativas especiais. Salamanca, Espanha: Unesco. Recuperado de https://pnl2027.gov.pt/np4/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=1011&fileName=Declaracao_Salam anca.pdf

Vygotski, L. S. (1995). Obras escogidas III. Problemas del desarollo de la psique. Madri: Visor.

Yu, Q., Li, E., Li, L., & Liang, W. (2020). Efficacy of Interventions Based on Applied Behavior Analysis for Autism Spectrum Disorder: A Meta-Analysis. Psychiatry investigation, 17(5), 432-443. https://doi.org/10.30773/pi.2019.0229

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.1


RELATO DE EXPERIÊNCIA ATRAVÉS DE VIVÊNCIAS PROFISSIONAIS E A INSERÇÃO DA ESPIRITUALIDADE NOS CUIDADOS PALIATIVOS


EXPERIENCE REPORT THROUGH PROFESSIONAL EXPERIENCES AND THE INSERTION OF SPIRITUALITY IN PALLIATIVE CARE


REPORTE DE EXPERIENCIA A TRAVÉS DE EXPERIENCIAS PROFESIONALES Y LA INSERCIÓN DE LA ESPIRITUALIDAD EN CUIDADOS PALIATIVOS


Janaina Luiza dos Santos

(Universidade Federal Fluminense, Brasil)

janainaluiza@id.uff.br


Alexandre Diniz Breder

(Secretaria de Saúde de Nova Friburgo/RJ, Brasil)

alexandre_breder@ufrj.br


Irene Bulcão

(Universidade Federal Fluminense, Brasil)

irenebulcao@id.uff.br


Ana Carolina Ferreira Castanho (Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental e Graduação em Psicologia da Universidade Paulista - UNIP, Brasil)

ana.castanho@docente.unip.br


Lilian Cláudia Ulian Junqueira (Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental e Graduação em Psicologia da Universidade Paulista - UNIP, Brasil)

lilian.junqueira@docente.unip.br


Ana Claudia Moreira Monteiro

(Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil)

ana.monteiro@uerj.br


Márcia Gomide da Silva Mello

(Universidade Federal Rio de Janeiro, Brasil)

gomide@iesc.ufrj.br

Recibido: 30/01/2024 Aprobado: 30/01/2024


RESUMO

image

A equipe da Enfermagem é privilegiada, pois, é o cuidador que permanece vinte e quatro horas na assistência direta do paciente, podendo ter uma visão ampliada da pessoa no

processo do adoecimento, tendo a oportunidade de incorporar e desenvolver os princípios dos Cuidados Paliativos (CP). Na perspectiva holística da saúde a religião/religiosidade/espiritualidade é uma das possibilidades de cuidado e manejo, porém ainda muito negligenciada pelos profissionais da saúde, seja por desconhecimento ou preconceitos e tabus, mas que se torna essencial no cuidado de pacientes em CP. Por meio deste relato de experiência, objetiva-se ressaltar a importância da religião/religiosidade/espiritualidade, no cuidado e manejo de pacientes em CP, a partir da experiência de uma profissional da enfermagem, sua prática em cuidados e docência, supervisionando alunos com pacientes em contexto dos CP. Anos acompanhando alunos na prática, demonstraram que os profissionais da enfermagem têm dificuldade de identificar o Sofrimento Espiritual (SE) dos pacientes, e quando identificavam, não sabiam o que fazer com esta demanda, delegando a outros profissionais da equipe, que também tinham dificuldades, causando um (des)cuidado na Dimensão Espiritual (DE) do paciente em CP, trazendo-o mais sofrimento e desconforto com sua finitude. Como resultado dessas reflexões, está sendo desenvolvida uma pesquisa de pós-doutorado, destinada a identificar a DE, construção de roteiro de educação permanente. Em síntese, esses profissionais tendo a capacitação para identificar o SE, explorar e cuidar da DE, poderão promover a proteção da saúde mental, tanto do paciente em CP quanto sua, e tornarem-se profissionais mais sensíveis na finitude.

Palavras-chave: religião. espiritualidade. equipe de assistência ao paciente. cuidados paliativos. saúde mental.


ABSTRACT

The Nursing team is privileged, as it is the caregiver who remains 24 hours a day, providing direct assistance to the patient, being able to have an expanded view of the person in the illness process, having the opportunity to incorporate and develop the principles of Palliative Care (CP). From a holistic health perspective, religion/religiosity/spirituality is one of the possibilities for care and management, but it is still largely neglected by health professionals, whether due to lack of knowledge or prejudices and taboos, but which becomes essential in the care of PC patients. Through this experience report, the aim is to highlight the importance of religion/religiosity/spirituality, in the care and management of patients in PC, based on the experience of a nursing professional, her practice in care and teaching, supervising students with patients in the context of CP. Years of accompanying students in practice demonstrated that nursing professionals have difficulty identifying patients' Spiritual Suffering (SE), and when they did, they did not know what to do with this demand, delegating it to other professionals on the team, who also had difficulties, causing (lack of) care in the Spiritual Dimension (DE) of the PC patient, bringing them more suffering and discomfort with their finitude. As a result of these reflections, post-doctoral research is being developed, aimed at identifying ED and building a permanent education script. In summary, these professionals, having the training to identify SE, explore and care for ED, will be able to promote the protection of mental health, both for the patient in PC and for themselves, and become more sensitive professionals in finitude.

Keywords: religion. spirituality. patient assistance team. palliative care. mental health.


RESUMEN

El equipo de Enfermería es privilegiado, ya que es el cuidador quien permanece las 24 horas del día, brindando asistencia directa al paciente, pudiendo tener una visión ampliada de la persona en el proceso de enfermedad, teniendo la oportunidad de incorporar y desarrollar los principios de Cuidados Paliativos (CP). Desde una perspectiva holística de la salud, la religión/religiosidad/espiritualidad es una de las posibilidades de atención y gestión, pero

aún es en gran medida desatendida por los profesionales de la salud, ya sea por desconocimiento o por prejuicios y tabúes, pero que se vuelve esencial en el cuidado de Pacientes de CP. A través de este relato de experiencia, se pretende resaltar la importancia de la religión/religiosidad/espiritualidad, en el cuidado y manejo de pacientes en AP, a partir de la experiencia de una profesional de enfermería, su práctica en la atención y docencia, supervisando estudiantes con pacientes en el contexto de la PC. Años de acompañamiento en la práctica a estudiantes demostraron que los profesionales de enfermería tienen dificultades para identificar el Sufrimiento Espiritual (ES) de los pacientes, y cuando lo hacían, no sabían qué hacer con esa demanda, delegándola en otros profesionales del equipo, que también tenían dificultades. , provocando (falta de) atención en la Dimensión Espiritual (ED) del paciente con CP, trayendo más sufrimiento y malestar con su finitud. Como resultado de estas reflexiones, se desarrollan investigaciones posdoctorales, encaminadas a identificar los TCA y construir un guión de educación permanente. En resumen, estos profesionales, al tener la formación para identificar EE, explorar y atender los TCA, podrán promover la protección de la salud mental, tanto del paciente en AP como de ellos mismos, y convertirse en profesionales más sensibles en la finitud.

Palabras clave: religión. espiritualidad. equipo de asistencia al paciente. cuidados paliativos. salud mental.


Introdução

O planeta Terra vem se modificando rapidamente em toda sua totalidade, em virtude das grandes e profundas transformações por que passa a sociedade, principalmente, nos âmbitos educacional, da saúde, econômico, social, político e cultural. Essas mudanças, enfim, vêm ocorrendo nos diversos setores da vida social.

Nesta conjuntura, emergem, consequentemente, inúmeros problemas que desafiam cotidianamente a encontrar alternativas que melhorem a assistência à população e sejam capazes de atender às expectativas e necessidades advindas de uma sociedade mais crítica, consciente de seus direitos, que exige e precisa cada vez mais de qualidade de vida (Montibeller, 2017).

Na área da saúde não é diferente da sociedade atual, parece que os desafios surgem ainda com mais força e visibilidade para os profissionais que nela operam suas atividades. Deveras, não são poucas nem menos profundas as transformações que assistimos, como, por exemplo, a discussão da morte com dignidade. Há uma evolução visível acontecendo, pessoas e movimentos se fortalecem para trazer qualidade de vida para o restante de suas existências, minimizando a quantidade de dias com dor, sofrimento, obstinação terapêutica para a vida de quem está morrendo (Santos et al., 2021).

Em 31 de outubro de 2018 entrava em vigor a Resolução nº 41 na instância do Ministério da Saúde/Comissão Intergestores Tripartite que “dispõe sobre as diretrizes para a organização dos Cuidados Paliativos (CP), à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)” (Brasil, 2018). Por conseguinte, nota-se que vem ocorrendo uma mobilização para o livre acesso aos cuidados prestados às pessoas que têm uma doença limitante à vida.

Destarte, CP são cuidados holísticos ativos, oferecidos a todo ser humano com qualquer idade, que estejam em sofrimento intenso, alusivo à sua saúde, oriundo de uma condição que acarreta um alto risco de mortalidade, afeta negativamente a qualidade de vida e a função diária e/ou é onerosa em termos de sintomas e tratamentos, ou seja, uma doença grave perigosa a manutenção da vida. A finalidade dos Cuidados Paliativos é consequentemente “melhorar a qualidade de vida dos pacientes, de suas famílias e de seus cuidadores” (IAHPC, 2018).

Logo, percebe-se que o paciente em CP precisa de assistência integral em todas suas dimensões, emocional/psíquica, social, espiritual e física/biológica, para abarcar a integralidade do ser humano que

tem uma doença ameaçadora à vida (INCA, 2022). Portanto, se essas dimensões não são compreendidas e cuidadas, amplia-se um sofrimento, que facilmente pode ser identificado quando físico, porém as demais dimensões têm peculiaridades que perpassam a cultura, entendimento, traumas, aprendizagem e demais facetas pertinentes ao ser humano relativas à sua vivência de finitude, demandando, portanto, ser cuidado por equipe multiprofissional.

Assim como a precursora dos CP Cicely Saunders bem descreveu, dor total é o sofrimento que uma pessoa vive, não apenas pelos males físicos que está sendo acometido, mas também pela resultante emocional, social e espiritual que a aproximação da morte pode causar-lhe, e que não deve ser negligenciada e sim examinada e avaliada (Clark, 2018). Como dizia Saunders “O sofrimento só é intolerável quando ninguém cuida”, seja ele em qual dimensão se apresentar (Clark, 2018).

A equipe da Enfermagem, é privilegiada, no contato com o paciente, visto que é o único prestador de cuidados que permanece vinte e quatro horas na assistência direta do paciente, podendo ter uma visão ampliada da pessoa no processo do adoecimento no sistema de saúde, tendo a oportunidade de incorporar e desenvolver os princípios dos Cuidados Paliativos (CP) (Guimarães & Magni, 2020).

Em uma perspectiva holística da saúde, a religião/religiosidade/espiritualidade é uma das possibilidades de cuidado e manejo, porém ainda muito negligenciada pelos profissionais de saúde, seja por desconhecimento ou preconceitos e tabus, mas que se torna ferramenta essencial no cuidado de pacientes em CP (INCA, 2022).

Diante destas necessidades, em que o paciente com uma doença ameaçadora da vida experiência, abordar-se-ia a dimensão espiritual como elemento complementar, pois pode-se afirmar que é uma das mais complexas de se discutir, devido ao mito de sua desconexão com a ciência, como alguns pensadores referem.

Em conformidade com Rohden (2007), um dos mais renomados cientistas da história (Einstein) certificava que “a ciência sem a religião fica manca; a religião sem a ciência fica cega”. A ciência e a religião são duas ordenações elucidativas com amplitude de entendimentos e a vinculação delas está frequentemente se transformando (Alexander, 2007). Elas se mostram complementares, pois nenhuma das duas conseguem responder tudo, porém os defensores de ambas reivindicam a hegemonia de suas “verdades”, causando conflitos quando há sobreposição de saberes e entendimentos. Determinados grupos olham para esse conflito considerando a ciência e a religião como admissíveis a dois setores separados, fé e razão (Gould, 2002). Outros entendem que podem ser apontados como sistemas compatíveis (Collins, 2006).

Entende-se que há muito a ser desvelado, em relação a todo esse mito da desconexão da ciência e da religião e os profissionais da saúde voltados para a cientificidade, o materialismo do fazer, incomodam- se em abordar com o paciente a DE e outros profissionais voltados para determinadas religiões abordam erroneamente o paciente causando-lhes mais sofrimento (Soares, 2023). Portanto, há necessidade da diferenciação entre religião/religiosidade/espiritualidade e principalmente ensinar como acolher o SE do paciente em finitude.

A espiritualidade é um caminho em que o indivíduo se depara com o significado e propósito, é como as pessoas experienciam a conexão com elas mesmas, e com os outros seres, se relacionam com o sentido do que é sagrado para si. A Espiritualidade é vislumbrada como uma individualidade humana universal, a relação do transcendente do indivíduo, evidenciando-se por atitudes, hábitos, gostos e práticas (Puchalski et al., 2018), o que é sagrado para cada ser vivente, independentemente da existência de religião ou religiosidade desse indivíduo. Marques e Pucci (2021) descrevem a espiritualidade como algo que ajuda o indivíduo a alicerçar o sentir, o contato com o transcendente e como ele efetiva suas vivências, em outras palavras, a forma que o paciente encontra para se adaptar ao vivido neste momento.

O termo religião passou por diversas conotações, ao longo dos tempos (Figueiredo, 2019), que se refere aos dogmas e o esmero externo, vem do latim religare, ligação com o Divino, que pode ser denominado

como Deus, difere mediante a cultura, porém é um conjunto de crenças, que estabelece rituais vinculado a instituições religiosas que chancelam essas crenças (Gomide & Moreira-Almeida, 2022).

Por conseguinte para Stroppa e Moreira-Almeida (2008) “religiosidade envolve um sistema de crenças compartilhadas por um grupo, definindo características comportamentais, sociais e valorais específicas”, ou seja, cada indivíduo desenvolve sua religiosidade mediante sua religião.

Destarte o objetivo deste relato de experiência, é ressaltar a importância da religião/religiosidade/espiritualidade no cuidado e manejo de pacientes em CP, a partir da experiência de uma profissional da enfermagem, sua prática em cuidados e docência supervisionando alunos com pacientes em contexto dos CP, mobilizando-a na construção do projeto de pós-doutorado ao qual pretende fazer o mapeamento das experiências vivenciadas pela equipe multiprofissional de saúde ao trabalhar com a dimensão espiritual dos pacientes que estão em cuidados paliativos. Com esse material será possível a construção de roteiro de ações de educação permanente em saúde, que minimizem esses dilemas.


Material e método

O presente artigo utiliza o método qualitativo do tipo Relato de Experiências (RE) com base na proposta de roteiro segundo Mussi et al. (2021).

Segundo os mesmos autores supracitados: “Relato de Experiência (RE) em contexto acadêmico pretende, além da descrição da experiência vivida (experiência próxima), a sua valorização por meio do esforço acadêmico científico explicativo, por meio da aplicação crítica-reflexiva com apoio teórico- metodológico (experiência distante)” (Mussi et al., 2021, p 64).

Consiste na experiência vivida por parte de um dos autores em sua prática diária ao longo de quase 25 anos na carreira como Enfermeira e entre estes, 10 anos como docente do magistério superior, supervisionando alunos na área de Clínica médica, CTI e CP o que culminou na necessidade de aprofundar conhecimento e a busca pela construção e desenvolvimento de um projeto de pós- doutoramento intitulado: O profissional de saúde e o dilema de trabalhar a dimensão espiritual (DE) em cuidados paliativos (CP), no Programa Institucional de Pós-Doutorado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PIPD-UFRJ) junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva desta Universidade, na linha de pesquisa em saúde mental e subárea de saúde e espiritualidade, concebido no segundo semestre de 2022 e iniciado em abril de 2023.

Para a construção do projeto de pesquisa de pós-doutoramento houve conversas com a autora supervisora, ela tem expertise nas temáticas sobre religião, religiosidade e espiritualidade, e em seguida o delineamento do projeto, por conseguinte foi definido o método de coleta de dados, local e população de estudo, bem como o cronograma. Após superado essa parte teórica, o projeto foi submetido ao Conselho de Pós-Graduação da UFRJ, no qual foi aprovado.

O início do estágio pós-doutoral ocorreu no dia17 de abril de 2023, com uma reunião presencial onde foi possível realizar alguns acertos com relação ao projeto, seguindo este percurso, o projeto foi inserido na Plataforma Brasil no dia 28 de abril de 2023, tendo parecer favorável no dia 5 de julho de 2023, com CAEE 69164523.8.0000.5286 e parecer 6.164.647. A pesquisa foi iniciada após esta etapa em uma visita previamente agendada com os responsáveis pelo hospital, onde foi estabelecido as regras e organização institucional.

O método da coleta de dados está em curso através de entrevistas semiestruturadas que duram entre 20 a 30 minutos, abordando a temática de cuidados paliativos e os dilemas vivenciados com a abordagem da dimensão espiritual do paciente. Os depoimentos estão sendo gravados para posteriormente serem transcritos e os encontros são realizados em uma sala onde manteve-se a privacidade durante todo o tempo. A intenção é abordar todos os profissionais da saúde (Enfermeiros, Técnicos de Enfermagem,

Médicos, Psicólogos, Assistentes Sociais, Fisioterapeutas, Nutricionistas, Farmacêuticos entre outros), que acompanham pacientes em cuidados paliativos e que trabalham neste hospital que é referência em CP da cidade de Macaé.

Os dados coletados estão na fase de transcrição e serão codificadas para comporem um corpus textual que será analisado pelo programa IRAMUTEQ®, o qual realiza análises quantitativas a partir de um banco de dados qualitativo (corpus textual). A escolha desse programa se deu por garantir maior fidedignidade na elaboração das categorias analíticas e não ter interferência do pesquisador nesta etapa de pesquisa.


Resultados

Por meio da experiência docente de uma das autoras, foi possível descrever alguns resultados de sua prática em educação na área de cuidados paliativos, entre eles, a dificuldade de se abordar o processo de morte e morrer, haja vista os tabus que rodeiam esses temas, assim como a dimensão espiritual relacionada a assistência do paciente nos mais diversos âmbitos e principalmente aquele que está morrendo. A autora observou em sua prática a desconexão das dimensões física/biológica, emocional/psicológica, social e espiritual durante o cuidado, o qual deveria ser sistêmico, abordando o indivíduo do “todo para as partes” e não cartesiano, onde o cuidado parte das “partes para o todo”, levando dessa forma a fragmentação das dimensões já relatadas.

Os próprios profissionais, muitas vezes não conseguem abordar essa temática, por medo de invadir a privacidade do outro, por tabu ou desconhecimento, o que traz ainda mais dificuldades de se trabalhar o tema com foco nos pacientes terminais, assim, por meio desses resultados da prática vivida, uma das autoras percebeu a necessidade de aprofundar conhecimento sobre religião/religiosidade/espiritualidade e a dimensão espiritual, visto ser a mais complexa a ser abordada com o paciente, e ao longo da carreira também vivenciou dificuldades no cuidado espiritual deles. Com essa motivação iniciou estudos de pós- doutorado e abaixo descreve-se alguns dados coletados, este Estágio Pós-Doutoral também é resultado de seu interesse pela área, o qual também vem de complementação para este trabalho.

O trabalho Pós-Doutoral está no início da coleta de dados que foi realizada em três dias (10, 14 e 17 de agosto), e entrevistou profissionais, entre eles, dois médicos (um paliativista, outro não); uma enfermeira responsável pelo setor de cuidados paliativos oncológicos; um técnico de enfermagem deste mesmo setor; dois farmacêuticos responsáveis pela oncologia e que fazem parte da equipe de cuidados paliativos; uma estagiária em farmácia, e um capelão evangélico que não finalizou a entrevista pois desistiu no meio do processo, o total de cinco profissionais, um estagiário, um capelão resultando em sete entrevistas e cerca de aproximadamente 2h05m de gravações, as quais estão em processo de transcrição.

As entrevistas ainda estão acontecendo, apenas foi realizado um afastamento, pois estava-se recebendo algumas negativas, optando pela interrupção temporária e posterior retorno a abordagem para continuar a coleta de dados, já agendado para 13 de novembro. Esse foi um limitador grandioso desta pesquisa, mas já temos data de retorno o que traz mais tranquilidade.


Discussão

Há anos na prática diária e acompanhando alunos no hospital, percebe-se que se perpetuam os tabus da sociedade ocidental, a qual há grandes dificuldades de abordar o processo de morte e morrer, ainda a formação dos alunos é biomédica e consequentemente os profissionais ficam perdidos quando o assunto permeia CP e quando aprofunda com a abordagem sobre religião/religiosidade/espiritualidade, não sabem definir, acolher, nem abordar a dimensão espiritual (DE) e o sofrimento espiritual (SE) dos pacientes com doenças ameaçadoras da vida.

O grande estranhamento de vários profissionais de saúde para cuidar do processo de morte e morrer acontece devido à inexistência do assunto ser abordado de forma crítica-reflexiva durante a formação acadêmica, o que gera distanciamento ao encarar a possibilidade de seu paciente morrer. Assim, a morte ainda é um tabu para eles, apesar de ser um cenário experienciado diariamente em suas práticas (Silva et al., 2021).

Atualmente, nem os graduandos quiçá os profissionais da saúde percebem a integralidade do ser com suas dimensões física/biológica, emocional/psicológica, social e espiritual evidenciando que discentes não têm familiaridade, e alguns docentes fogem desses assuntos sensíveis, como a dor total, formando profissionais de enfermagem que possuem grande impedimento em identificar como cuidar o processo de morrer e principalmente o SE dos pacientes. Quando identificam, não sabem o que fazer com esta demanda, muitas vezes delegando a outros profissionais da equipe interdisciplinar, que também demonstram as mesmas dificuldades, por acreditarem ser um tema pessoal, e que não deve ser abordado, causando um (des)cuidado na DE do paciente em CP, deixando-o em sofrimento e desconforto com sua finitude.

Abordar a espiritualidade dentro dos cuidados paliativos ainda é incipiente e denota a necessidade de que a equipe multiprofissional de saúde aperfeiçoe a oferta da espiritualidade dentro dos cuidados paliativos, pois ainda está iniciando essa abordagem e evidencia a necessidade de que os profissionais de saúde melhorem o suporte e o cuidado ofertados ao paciente no que se refere à espiritualidade, visto que há pouca capacitação e formações que abordem a temática, além de muita insegurança para incluir a espiritualidade no cuidado dado ao paciente, aos familiares e para a própria equipe profissional. (Jesus, 2023).

A autora na prática docente construiu uma disciplina optativa “A Tanatologia os Cuidados Paliativos na Pluralidade do Ser Humano”, porém ainda não há resolução no conselho nacional que sancionam a obrigatoriedade da inclusão de disciplinas que ensinem sobre os CP nos demais cursos de saúde, deixando uma lacuna importante na formação da equipe multiprofissional, porém o cenário nos dois últimos anos está mudando.

Os estudos sobre a espiritualidade inserida nos CP no Brasil cresceram muito nos últimos anos, e esse advento se revela porque os cuidados paliativos estão sendo mais disseminados em todo o país, pois, agora depois de muita negociação por meio academia nacional de cuidados paliativos saiu a resolução CNE/CES 3, de 3 de novembro de 2022, onde há a obrigatoriedade de incluir CP nos cursos de medicina de todas as instituições de Ensino Superior, por todo o Brasil (DOU, 2022). Por conseguinte, mais serviços com atendimento em cuidados paliativos, observa-se então, a necessidade de aprofundar o cuidado nas dimensões humanas, consequentemente incentiva a busca pelo conhecimento sobre espiritualidade/religião/religiosidade por serem dimensões humanas aflorada no processo de morte e morrer.

Estudos analisados mostram que, no cenário dos CP, a espiritualidade é fundamento para trazer sentido à vivência da doença, produzir sentimento de bem-estar, e qualidade de vida (Esperandio & Leget, 2020). Em outras pesquisas, deixa-se em evidência o coping (enfrentamento), ou seja, as estratégias encontradas por meio da espiritualidade e/ou Religião e/ou Religiosidade, pelos pacientes, para conseguir enfrentar melhor todo o processo difícil que as doenças ameaçadoras da vida trazem (Lima & Machado, 2018).

Contudo, os profissionais da saúde ainda apresentam baixa capacitação para atuar frente às dimensões espirituais (DE) da saúde e da doença, esses têm mostrado uma dificuldade na interação e inserção de crenças sobre religião e espiritualidade ao cuidado dos pacientes (INCA, 2022).

Na maioria das vezes, as equipes de saúde não avaliam sofrimento espiritual, visto que, essa dimensão traz muita confusão ao seu entendimento entre espiritualidade e religiosidade, entendem como pertencentes a individualidade do ser não podendo ser abordada, ou acabam impondo cresças pessoais causando mais SE ao paciente. A minoria dos profissionais realiza o CE, por meio de práticas como oração, oferta de conforto e ajuda no processo de busca de sentido, tanto para pacientes quanto para a

própria equipe multiprofissional, por sentirem-se despreparados para tal feito (Esperandio & Leget, 2020).

O que é Cuidado Espiritual (CE) afinal? Inicia-se pontuando que CE não é sinônimo de “cuidado religioso”. Por conseguinte, sua definição pode surgir como: um tipo de cuidado justificado no reconhecimento e atenção às demandas ligadas à espiritualidade. Isto posto, o CE inclui assistir o ser humano na busca por sentido, propósito, esperança e conexão em situações, como em vigência de doenças graves, progressivas, ameaçadoras da continuidade da vida. CE, portanto, demanda um olhar meticuloso, escuta atenta, ativa e compassiva que abriga o indivíduo que tem um profundo sofrimento, buscando minorar seu suplício, seja ele físico, emocional, psicossocial ou espiritual (INCA, 2022; Esperandio & Leget, 2020).

Esse cenário de não conseguir fazer um bom CE se apresenta porque os profissionais ficam temerosos em ultrapassar o limite ético na abordagem sobre religião/religiosidade/espiritualidade por estar encobertas por um tabu, a qual, crenças são pessoais, que vão invadir a intimidade do paciente, como se fosse um terreno que não pode ser explorado, isso impede a abertura de uma escuta compassiva, ativa e questionamentos direcionados.

A avaliação diagnóstica da DE precisa ser pormenorizada, atenta ao que é dito com palavras, todavia, também àquilo que é expresso na supressão delas. Sofrimentos espirituais (SE), como culpas, vazios, falta de confiança, desânimo, revolta, insegurança, precisam ser observados e postos em voga, contudo, podem ser um norte para necessidades profundas que requeiram intervenções especiais, multiprofissional (INCA, 2022).

Há alguns instrumentos utilizados para abordar a dimensão espiritual de um paciente, e assim conhecer melhor, interagindo com quem será cuidado. Os instrumentos: FICA, SPIRIT e HOPE, foram os melhores para serem utilizados em CP, essa conclusão se deu após avaliação de cinco critérios: foco na pessoa enferma, concisão, flexibilidade, facilidade de memorização e confiabilidade (Blaber et al., 2015).

Dentre todos, o HOPE foi apontado como o mais adequado para a utilização nos cuidados paliativos, esse protocolo utiliza a palavra “esperança” no inglês, apontando quatro áreas facilmente lembradas pela sigla e em 2008 ela foi adaptada e validada para a língua portuguesa (Sartore & Grossi, 2008).

Após todo esse levantamento e descrição de algumas vivências constatando a negligência com a dimensão espiritual dos pacientes em finitude por tabu ou por medo de não saber abordar e piorar o sofrimento deles, ou por querer impor suas crenças, religião a quem no momento apenas precisa ser acolhido. Movimentou-se então em busca de respostas para inquietações e as próprias dificuldades que outrora percebeu em prestar CE, iniciando desta forma uma nova etapa na carreira docente, o estudo pós-doutoral, o que trouxe mais uma experiência, a qual já se encontra em pleno trabalho de coleta de dados

Nesta nova fase será descrito a vivência ao entrar em contato com profissionais que cuidam de pacientes com câncer, nas diversas fases deles, inclusive dos pacientes metastáticos que estão fora de possibilidade terapêutica, e que são acolhidos com todos os princípios dos cuidados paliativos, esse hospital é referência em CP na região litorânea do Rio de Janeiro.

Para o início das entrevistas, houve uma comunicação prévia através de visita do entrevistador, a fim de agendar uma data para coleta de dados. Após, em outra data, foi explicado aos participantes o processo da pesquisa, entrega do TCLE, e foram convidados a responder a entrevista semiestruturada que contou com questões sociodemográficas; formação em instituição pública ou privada; função exercida na unidade; e instrumento semiestruturado que foi construído a partir dos objetivos propostos e conhecimento do tema de pesquisa para servir como guia.

Por meio de temas condutores da entrevista semiestruturada vai-se construindo o saber e respondendo às questões dos objetivos da pesquisa de pós-doutorado. O primeiro tema estimula entender se os participantes conseguem compreender a diferenciação de Religião, Religiosidade e Espiritualidade.

Os dois temas subsequentes são para reafirmar se realmente os participantes têm familiaridade e se reconhecem a DE, se identificaram o SE e já vivenciaram o CE construído com o paciente. O outro tema investiga como esses participantes se relacionam com sua dimensão espiritual, se a reconhece, e se a cuida.

Por último, apresenta-se três situações frequentemente vivenciadas para quem cuida de pessoas em finitude, a função é estimular o raciocínio crítico-reflexivo do entrevistado, onde tem uma frase em que o paciente demonstra claramente o SE, como se portar diante disto.

O penúltimo cenário traz uma situação, em que o intento é aprofundar o entendimento das questões íntimas de como esse investigado se relaciona com sua profissão e a morte iminente de um paciente, onde o investigador questiona-se: Como essa equipe multiprofissional de saúde se porta diante da morte? Ela é algo que tem que ser evitada? É percebida como fracasso? Há pleno entendimento que o paciente entrou na fase da aceitação, a qual Kübler-Ross descreveu em seu livro “Sobre a morte e o morrer” (Kübler-Ross, 2017), pois ainda impera o cuidado biomédico, os princípios dos cuidados paliativos são pouco abordados, e os cursos de formação da saúde não médicos ainda não tem a obrigatoriedade de inserir os CP na grade curricular, o que dificulta muito esse cuidado tão específico da pessoa em finitude da vida.

O último cenário abarca as questões pré-concebidas sobre o Ateu, e aprofunda sobre o respeito e a vontade do ser humano, também cerca a atitude desse profissional que está atendendo, pois tem que deixar claro que esse processo de morrer pode ser complexo, e sem suporte, pode elevar muito o sofrimento físico nesses momentos finais.

O investigador busca mapear essas questões supramencionadas para a construção de um roteiro de ações de educação permanente em saúde que trabalhe as experiências vivenciadas pelos profissionais da equipe multiprofissional de saúde e traga clareza que o paciente é protagonista do seu processo de morrer sendo fundamental que esse profissional da saúde esteja inteiro, e integralmente no acolhimento de todas suas dimensões e seja instrumentalizado no cuidado integral desse paciente, não dividindo em partes para cuidar do todo e sim cuidar do todo para visualizar a melhora das partes, e assim ajudá-lo nesse momento dando-lhe suporte para diminuir o sofrimento dele e dos familiares.

Ao abordar as pessoas e explicar sobre a pesquisa, percebe-se um clima de inquietude, algumas pessoas pediram a entrevista semiestruturada para levar para casa, pois sentiam-se inseguros do julgamento, devido trabalharem na equipe de cuidados paliativos, e se questionavam será que sabem verdadeiramente identificar a DE, o SE e se efetivamente conseguem prestar o CE. Essas inquietações de serem julgadas foi verbalizado, por mais que fosse explicado que não existiam questionamentos certos ou errados. Que o objetivo era exatamente fazer o levantamento desses dilemas e construção de roteiro de ações de educação permanente. Essa insegurança dos participantes é um limitador da pesquisa.

Das sete pessoas que chegaram ao final da coleta de dados, apenas uma tinha a pós-graduação em CP, e a outra iria começar uma pós-graduação na mesma instituição que o médico fez. Os demais estudavam por conta própria as questões do processo de morte e morrer e sobre cuidados paliativos.

Ao iniciar a coleta de dados pode-se perceber que o médico tinha conhecimento científico sobre os instrumentos para abordar a DE do paciente, porém não tinha especialização em cuidados paliativos, e no decorrer da entrevista ficou claro a necessidade de aprofundar a aprendizagem sobre o SE e o CE, já na primeira entrevista, evidenciou-se que se justifica essa pesquisa, e que a construção do roteiro de ações de educação permanente será de grande valia.

Com o profissional farmacêutico foi surpreendente, pois há o entendimento que esse trabalhador pouco tem contato com os pacientes, mas nessa instituição, além deles participarem ativamente do cuidado direcionado com o paciente, criam vínculo profundo, deixando-os à vontade para compartilhar suas dores, relatou um caso, ao qual ficou claro todo o processo de identificação do SE, e fez brilhantemente o CE, acompanhando essa paciente até seu último momento viva, esse farmacêutico tem claramente sua religião, descreveu notadamente sua religiosidade e tem uma relação límpida do que é sagrado para ele. Questionei se isso faz diferença em seu atendimento, quando aborda a DE do paciente, ele afirmou que sim.

A profissional farmacêutica, foi um pouco diferente por ela ser objetiva, direta, e estava preocupada, pois iria instalar uma quimioterapia em uma paciente que estava a muito tempo tentando debelar o câncer, sem muito êxito. Portanto, ela estava mobilizada por essa situação, mesmo assim quis fazer a entrevista. Demonstrou ter muita sensibilidade na abordagem com os pacientes, referiu necessitar estudar mais, contudo mencionou não saber o que é espiritualidade, e abordar o sofrimento espiritual do paciente, fazer o cuidado espiritual. Informou que estava afastada da igreja, que não concordava com algumas coisas, e não tinha o autocuidado com sua dimensão espiritual.

A estagiária em farmácia respondeu todos os questionamentos, com base no que estava aprendendo naquele ambiente, o que foi muito interessante, porque a instituição aborda assuntos complexos, e tenta ensinar na prática o cuidado humanizado para o paciente em cuidados paliativos. Ela estava no estágio apenas pouco tempo, mencionou não ter a mínima familiaridade com a dimensões humanas, o conceito de dor total, e afirmou que não saberia acolher o SF do paciente, porém tentaria ajudar. Aludiu que irá em busca de todo esse material, pois gostou dessa área.

Os profissionais de enfermagem, coleta de dados está ainda em curso, portanto tenho um fragmento da impressão percebida. Essas trabalhadoras têm maior proximidade dos pacientes, mas também tem uma outra gama de cuidados, que as deixam assoberbadas, trazendo frustação, e entendimento que não conseguem estar integralmente com cada paciente como elas acreditam que deveriam. Reconhecem as dimensões do ser humano, conhecem na prática que cada dimensão afeta no sofrimento da outra, conseguem reconhecer empiricamente o SE e referem-se a uma certa dificuldade na abordagem do CE. Há clara necessidade da educação permanente, para com conhecimento abrandar a ansiedade que sentem por não saber cuidar tão completamente, sendo a profissão do cuidar.

Em um estudo onde foram verificar a formação de enfermeiros e as estratégias de ensino-aprendizagem sobre o tema da espiritualidade, identificaram que a temática não é exposta nos cursos de formação profissional, o que garante o despreparo quando vai abordar os usuários/pacientes no cuidado DE, essa ausência de conteúdos programáticos formais inseridos em cursos, academias, traz insegurança a esses profissionais, pois percebem-se sem preparo para abordar na prática profissional o CE (Oliveira, 2021).

Se faz mister essa temática ser inserida na academia, graduação, pós-graduação, especialização e os hospitais que têm equipe de cuidados paliativos manter um cronograma de educação permanente sempre trazendo as atualidades e revisitar conceitos básicos, pois assim pode-se haver mais disseminação do conhecimento, consequente interesse em novas pesquisas.

O outro médico que nos concedeu entrevista é paliativista, realizou pós-graduação em instituição renomada, o que proporcionou ter brilhantes respostas, tinha aprofundamento de conhecimento, uma abordagem clara direta, com leveza e entendimento do processo de finitude. Demonstrou passo a passo como aborda a DE, como identificar SE (referiu que algumas vezes não está totalmente claro) e como faz o CE, reafirmando a necessidade da formação em Cuidados Paliativos em todos os cursos da saúde, pois assim há competência e clareza no cuidar.

Dessarte, a pesquisa ainda está em curso, e com grandes expectativas, na coleta de dados dos profissionais Psicólogos, Assistentes Sociais, fisioterapeutas e Nutricionistas, além do restante da Equipe de Enfermagem que é maior número.

A capelã não se sentiu à vontade para continuar a entrevista, nós conversamos por uma hora e trinta minutos, demonstrou profundo conhecimento na sua religião, e muita amorosidade no acolhimento dos pacientes que proferem sua mesma crença.

Está havendo uma reorganização com a capelania no hospital, e a capelã não ficou muito satisfeita, considera-se que seja relutante as mudanças, visto que tem 86 anos aos quais aproximadamente 40 anos são dedicados a capelania hospitalar. Estão buscando uma capelania mais ecumênica, com diversos credos, e uma interação saudável entre as religiões, e pessoas como referência para o cuidado espiritual.

O hospital é administrado pelas irmãs católicas, elas também são responsáveis pela capelania do hospital, irei buscar coletar dados com elas também e com a responsável pela capelania espírita.

Isto posto, os profissionais da equipe multiprofissional de saúde e a capelania deste estabelecimento, estão entrando em contato com a necessidade de tantas mudanças institucionais do cuidar, precisam ser instrumentalizados, verificar suas inquietações, as necessidades de informações, colocando em evidência as vivências enfrentadas hodiernamente na assistência a dimensão espiritual, se assim o fazem, por conseguinte depreende-se a necessidade do aprofundamento de conhecimento sobre essas temáticas e a construção de roteiro de ações de educação permanente em saúde.


Considerações finais

O objetivo deste relato de experiência foi ressaltar a importância da religião/religiosidade/espiritualidade no cuidado e manejo de pacientes em CP, a partir da experiência de uma profissional da enfermagem, sua prática em cuidados e docência supervisionando alunos com pacientes em contexto dos CP, mobilizando-a na construção de projeto de pós-doutorado, e este foi cumprido.

Algumas questões até esse momento podem ser citadas; observa-se que se faz necessário o ensino de CP na graduação como é constatado na vivência ao longo de muitos anos e corroborado nas entrevistas, incentivos a especialização também se demonstra uma ação razoável para melhoria da assistência desses pacientes, quanto a capelania, esta também poderia ser inserida no ensino nos cursos de pós-graduação de cuidados paliativos, haja vista a estreita relação com a assistência ao paciente.

Após o término da pesquisa de pós-doutorado terão como benefícios compreender os dilemas vivenciados pelos profissionais da equipe multiprofissional em saúde, sobre trabalhar com a dimensão espiritual dos pacientes em cuidados paliativos, e/ou a construção de estratégias para esse profissional aprender a trabalhar com essa dimensão, minimizando a possibilidade de ser negligenciada. Ampliar o conhecimento científico, para melhor atendimento dos pacientes em cuidados paliativos. Após análise das informações coletadas, será possível criar um banco de dados com as demandas e possíveis dificuldades que os profissionais possam ter. Poder-se-á construir roteiro de educação permanente em saúde, abarcando as maiores demandas advindas desses profissionais.

Os resultados da pesquisa de pós-doutorado serão compartilhados com essa equipe de participantes, espera-se que possam elucidar as dificuldades comuns entre eles, coletivamente exaltar o conhecimento adquirido, além de levar uma proposta de educação permanente, para ser implementada por eles.

Pretende-se que os resultados sejam publicados por meio de artigos, também ambiciona-se a elaboração de um livro descrevendo as principais experiências vivenciadas pelos profissionais da equipe multiprofissional de saúde, no manejo de trabalhar a dimensão espiritual dos pacientes em cuidados paliativos, mas além disso, descrever as estratégias utilizadas por eles e/ou pensada pela autora para ajudar ao profissionais da saúde que lerem esse livro não negligenciarem essa dimensão tão importante e pouco abordada ainda.

Referências

Alexander, D. R. (2007). Modelos para relacionar ciência e religião. Faraday Paper, 3, 1–4. Recuperado de https://www.faraday.cam.ac.uk/wp- content/uploads/resources/Faraday%20Papers/Faraday%20Paper%203%20Alexander_PORT.pdf

Blaber, M., Jone, J., & Willis, D. (2015). Cuidado spiritual: Qual o melhor instrument de avaliação para ambientes paliativos? International Journal Palliative Nursing, 21(9), 430–438. https://doi.org/10.12968/ijpn.2015.21.9.430

BRASIL. (2018). Resolução nº 41, de 31 de outubro de 2018. Dispõe sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saúde (SUS). Ministério da Saúde/Gabinete do Ministro/Comissão Intergestores Tripartite. Recuperdo dehttps://www.in.gov.br/web/guest/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/51520746/do1- 2018-11-23-resolucao-n-41-de-31-de-outubro-de-2018-5152071

BRASIL. (2012) Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Recuperado de https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf

Collins, F. S. (2006). A linguagem de Deus, São Paulo: Gente, 2006.

Clark, D. (2018) Cicely S. A life and legacy. Oxford: Oxford University Press.

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO (2022). Ministério da Educação/Conselho Nacional de Educação.

RESOLUÇÃO CNE/CES 3, DE 3 DE NOVEMBRO DE 2022. Recuperado de

https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-cne/ces-3-de-3-de-novembro-de-2022-441681885

Esperandio, M., & Leget, C. (2020). Espiritualidade nos cuidados paliativos: Questão de saúde pública?

Revista Bioética, 28(3). https://doi.org/10.1590/1983-80422020283419

Figueiredo, N. (2019). Sobre a definição de religião: Historiografia, críticas e possibilidades. REVER: Revista de Estudos da Religião,19(2), 271–295.https://doi.org/10.23925/1677-1222.2019vol19i2a15

Frossard, A. G. D. S., Fonseca, D.,Souza, L. J. de O., & Alvarez, M. M. R. (2020). Dor social e serviço social no contexto brasileiro. In SciELO Preprints. https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.1064

Gomide, M., & Moreira-Almeida, A. (2022). Religiosidade/Espiritualidade na produção científica da Saúde Coletiva brasileira: Pinanorama e perspectivas. Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento, 11(11), e13111133485. https://doi.org/10.33448/rsd-v11i11.33485

Gould, J. (2002). Rock of ages: science and religion in the fullness of life. New York: Ballantine Books, 2002.

Guimarães, T. B., & Magni, C. (2020). Reflexões sobre a humanização do cuidado na presença de uma doença ameaçadora da vida. Mudanças, 28(1), 43–48. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-32692020000100006&lng=pt&tlng=pt

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Instituto Nacional de Câncer (INCA) (2022). A avaliação do paciente em cuidados paliativos. Cuidados Paliativos na Prática Clínica, 1. Recuperado de https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//completo_serie_cuidados_paliativos

_volume_1.pdf

International Association For Hospice Palliative Care (IAHPC) (2018). Global consensus-based palliative care definition [Internet]. Houston: IAHCP; Translation to Portuguese (Brazilian) by Cristiane Terz, Danielle Soler, Fernando Kawai, Helloisa Brogiatto João Batista Garcia, Lauren C. M. Provin, Luciana Messa, and Morgana Matos. Recuperado de https://bit.ly/3j1oyIt

Jesus, G. T. de., Freitas, F. G., Bispo, D. B. S., Pereira, J. V., Gomes, R. V., & Araujo, L, M, B. (2023). O papel da espiritualidade no contexto dos cuidados paliativos. Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento, 12(1), e19812139531. https://doi.org/10.33448/rsd-v12i1.39531

Kovács, M. J. (2014). Cuidando do cuidador profissional: O sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar. In Bioética, cuidado e humanização: sobre o cuidado respeitoso. (2), 247–263. São Paulo: Centro Universitário São Camilo.

Kubler-Ross, E. (2017). Sobre a morte e o morrer. 10ª Ed. São Paulo, Martins Fontes.

Lima, C. P., & Machado, M. A. (2018). Cuidadores principais ante a experiência da morte: Seus sentidos e significados. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(1), 88–101. https://doi.org/10.1590/1982-3703002642015

Marques, T. C. S., & Pucci, S. H. M. (2021). Espiritualidade nos cuidados paliativos de pacientes oncológicos. Psicologia USP, 32. e200196. https://doi.org/10.1590/0103-6564e200196

Montibeller, C. (2017). Questão Social e Serviço Social. Indaial: UNIASSELVI.

Oliveira, L. A. F. de., Oliveira, A. da L., & Ferreira, M. de A. (2021). Formação de enfermeiros e estratégias de ensino-aprendizagem sobre o tema da espiritualidade. Escola Anna Nery, 25(5), e20210062. https://doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2021-0062

Puchalski C. M., King, S. D. W. & Ferrell, B. R. (2018). Considerações espirituais. Clínicas de Hematologia/Oncologia da América do Norte, 32(3), 505–517.

https://doi.org/10.1016/j.hoc.2018.01.011

Rohden, H. (2007). A Mensagem Viva do Cristo. 2ª edição. São Paulo: Martin Claret.

Rodrigues, M. de L. F., & Gomide, M. (2020). Religiosidade e Espiritualidade na saúde ambiental, mental e coletiva: Um panorama por caminhos virtuais. Vittalle – Revista De Ciências Da Saúde, 32(3), 202–213. https://doi.org/10.14295/vittalle.v32i3.11256

Santos, J. L. dos., Santos, F. A. dos, Azevedo, D. P. G. D. de, Gonçalves, M. A., Gevú, K. S. S., Monteiro,

A. C. M., Muniz, K. C. C., & Knupp, V. M. de A. O. (2021). Percepção dos médicos de uma sala de emergência sobre a assistência ao paciente fora de possibilidade de cura. Gerenciamento de Serviços de Saúde e Enfermagem. 103–113. https://doi.org/10.22533/at.ed.659210902

Silva, L. A. da., Pacheco, E. I. H., & Dadalto, L. (2021). Obstinação terapêutica: Quando a intervenção médica fere a dignidade humana. Revista Bioética, 29(4), 798–805. https://doi.org/10.1590/1983- 80422021294513

Soares, A. M. (2023). Entre a Lucidez e a Esperança. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Sextante.

Stein, M. (2020). Jung e o caminho da individuação: Uma introdução concisa. Tradução Euclides Luiz Calloni. São Paulo: Cultrix. Recuperado de https://www.grupopensamento.com.br/download- arquivo/8479/15977691065973.pdf

Stroppa, A., & Moreira-Almeida, A. (2008). Religiosidade e Saúde. Saúde e Espiritualidade: Uma nova visão da medicina. 427–443.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.16263


IDENTIDADE CORPORAL NA PROSTITUIÇÃO

UMA REFLEXÃO A PARTIR DO FILME UMA LINDA MULHER (PRETTY WOMAN)


BODY IDENTITY IN PROSTITUTION

A reflection from the film Pretty Woman


IDENTIDAD CORPORAL EN LA PROSTITUCIÓN

Una reflexión de la película Pretty Woman


Dariene Castellucci Martins

(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental

da Universidade Paulista - UNIP, Brasil)

daricastellucci@gmail.com


Selma Aparecida Geraldo Benzoni

(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental

da Universidade Paulista - UNIP, Brasil) selma.benzoni@docente.unip.br

Recebido: 30/01/2024 Aprovado: 20/01/2024


RESUMO

A identidade corporal e a expressão da sexualidade na cultura ocidental são marcadas por tabus, devendo ser restritas à intimidade das “quatro paredes”. Entretanto, a experiência da intimidade é construída socialmente e carrega consigo todas as marcas de um tempo histórico, no qual os corpos estão inscritos. As mulheres prostitutas que desafiam os prescritivos morais da sexualidade atrelados à reprodução e ao matrimônio e que monetizam a experiência sexual, sofrem penalidades sociais,como a exclusão. O objetivo deste trabalho é refletir, a partir do filme Uma linda mulher, o modo como a identidade corporal das mulheres profissionaisdo sexo é significado socialmente, com base na literatura brasileira. A metodologia eleita é a análise de filme, por meio das categorias temáticas: objetificação do corpo feminino, invisibilização social do corpo feminino e adestramento corporal. As vestimentas, a composição estética de uma profissional do sexo pertencente a um contexto de classe baixa, como retratado no filme pela personagem Vivian, são alvo de um estereótipo de vulgaridade e a reduz a um objeto sexual. Essas mulheres tornam-se mais vulneráveis aos diversos tipos de violência, abuso e exploração, que, além da desumanização dos corpos, promove a invisibilização e o descarte para aqueles que não alimentam o estereótipo da prostituição. Para pertencer à classe das mulheres “respeitáveis”, rendem-se ao adestramento corporal e cultural, tornando-se este o passaporte para a visibilidade social. Tal percurso ocorre no filme com a personagem Vivian, que passa por um adestramento do seu corpo, por meio da contenção de seus hábitos gestuais anteriores, a fim de performar socialmente o lugar de uma mulher moralmente respeitável, o que também pode ser entendido como violência, podendo ser considerada uma ilustração do cenário brasileiro.

image

Palavras-chave: prostituição. profissional do sexo. corpos. sexualidade.

ABSTRACT

Body identity and the expression of sexuality in Western culture are marked by taboos and must be restricted to the intimacy of the “four walls”. However, the experience of intimacy is socially constructed and carries with it all the marks of a historical time, in which bodies are inscribed. Prostitute women who defy the moral prescripts of sexuality linked to reproduction and marriage and who monetize the sexual experience suffer from social penalties, such as exclusion. The objective of this work is to reflect, based on the movie A Beautiful Woman, the way in which the body identity of female sex workers is socially signified, based on Brazilian literature. The chosen methodology is film analysis, through the thematic categories: objectification of the female body, social invisibilization of the female body and body training. The clothes, the aesthetic composition of a sex worker belonging to a lower-class context, as portrayed in the film by the character Vivian, are the target of a stereotype of vulgarity and reduces her to a sexual object. These women become more vulnerable to various types of violence, abuse and exploitation, which, in addition to the dehumanization of bodies, promotes the invisibility and disposal for those who do not feed the stereotype of prostitution. To belong to the class of “respectable” women, they surrender to bodily and cultural training, which becomes the passport to social visibility. This path occurs in the film with the character Vivian, who undergoes through a training of her body and the containment of her previous gestural habits, in order to socially perform the role of a morally respectable woman, which can also be understood as violence, which can be considered an illustration of the Brazilian scenario.

Keywords: prostitution. sex worker. bodies. sexuality.


RESUMEN

La identidad corporal y la expresión de la sexualidad en la cultura occidental están marcadas por tabúes restringidos a la intimidad. Sin embargo, la experiencia de intimidad se construye socialmente y lleva consigo marcas históricas de los cuerpos que están inscritos. Las mujeres prostitutas que desafían las prescripciones morales de la sexualidad vinculadas a la reproducción y al matrimonio, monetizando la experiencia sexual, sufren sanciones sociales, como la exclusión. El objetivo de este trabajo es reflejar, a través de la película “Mujer Bonita”, la forma que la identidad corporal de las trabajadoras sexuales tiene un significado social. La metodología elegida es el análisis cinematográfico, a través de categorías temáticas: la cosificación del cuerpo femenino, la invisibilidad social del cuerpo femenino y el entrenamiento corporal. La ropa, composición estética de una trabajadora sexual perteneciente a un contexto de clase baja, tal como la retrata la película de Vivian, es objeto de un estereotipo de vulgaridad y la reduce a un objeto sexual. Estas mujeres se vuelven más vulnerables a diferentes tipos de violencia, abuso y explotación, lo que además de la deshumanización de sus cuerpos, promueve la invisibilidad y descarte de quienes no alimentan el estereotipo de la prostitución. Para pertenecer a la clase de mujeres “respetables”, se entregan a una formación corporal y cultural, obteniendo un pasaporte a la visibilidad social. Este camino ocurre en la película a través del personaje Vivian que sufre un entrenamiento de su cuerpo, a través de la contención de sus hábitos gestuales previos para desempeñar socialmente el papel de una mujer moralmente respetable, lo que puede entenderse como violencia, también en el escenario brasileño.

Palabras clave: prostitución. trabajadora sexual. cuerpos. sexualidad.

Introdução

Este artigo, entre suas contribuições, busca destacar a aproximação e o diálogo entre os campos de estudo das mulheres e o cinema, permitindo analisar, por meio de um produto artístico e cultural como é o cinema, fenômenos sociais relacionados às temáticas da prostituição com as histórias das mulheres e a sociedade do patriarcado. A prostituição feminina carrega em si a máxima de ser uma das profissões mais antiga da humanidade, entretanto, essa expressão assume a conotação de jargão em discursos viciados e preconceituosos que ecoam condenações às mulheres profanas, destituídas de valor moral e de caráter forjável: as “putas”.

Em consonância com o caráter histórico, social e político dessa temática, recorrer a uma produção cinematográfica, clássica, como pano de fundo viabiliza a ilustração das complexas questões acerca da identidade corporal das mulheres que exercem a prostituição. Sabe-se que os filmes, em especial os hollywoodianos, exercem grande influência sobre o imaginário social por meio de suas tramas imperativas que congregam as relações de gênero, poder, moralidade e estética (Novaes, 2022). O filme eleito neste artigo foi Uma linda mulher (Pretty Woman), uma produção dirigida por Garry Marshall, na década de 1990. O longa-metragem está ambientado na cidade de Los Angeles, no bairro Hollywood Boulevard, conhecido e demarcado pela prostituição periférica, local onde a personagem Vivian, interpretada pela atriz Julia Roberts, trabalha como prostituta. Richard Gere interpreta o personagem Edward Lewis, rico empresário que está de passagem pela cidade e hospedado no bairro nobre de Beverly Hills, em um hotel cinco estrelas cuja condição para permanecer hospedado é dispender uma grande quantia financeira e se apresentar com vestimentas e comportamentos considerados adequados às camadas sociais mais elitizadas. A divisão geográfica contextualiza o enredo e as relações entre os protagonistas. O corpo e a identidade corporal da personagem Vivian assumem, no enredo, a conotação de ponte, elementos de acesso às áreas nobres de Los Angeles (Zampier & Farias, 2019).

O presente artigo anseia abordar os processos aos quais essa “ponte” é submetida, a fim de sobrepor as divisões geográficas e sociais; em outras palavras, refletir sobre quais condições são impostas à identidade corporal das profissionais do sexo para que tenham um espaço social além do periférico. A produção cinematográfica, em 2023, marcador temporal deste artigo, completa 33 anos de reedições, seja na reprodução icônica de sua trilha sonora “Oh, Pretty Woman”, de Roy Orbison, seja nos figurinos dos personagens ou, ainda, na produção de musicais. Nos meses de setembro a novembro de 2023, no Brasil, está em cartaz o musical Uma linda mulher, dedicado à obra em questão, que estreou em 2018 na Broadway e fez sucesso por lá e em outros lugares do mundo, como Alemanha, Itália, Espanha, Estados Unidos e Reino Unido. No Brasil, fazem parte do elenco 25 atores, entre eles os protagonistas Jarbas Homem de Mello, interpretando Edward Lewis, e Thais Piza, como Vivian Ward, além de uma orquestra de dez músicos (G1, 2023).

Diante desses aspectos sociopolíticos, faz-se necessária a análise crítica sobre o filme, visto as suas reedições tanto no contexto cinematográfico quanto no teatro e no cotidiano. É preciso superar os limites do senso comum, que alimentam um imaginário social repleto de estereótipos, para realizar as correlações entre o filme e a questão da identidade corporal das mulheres profissionais do sexo no contexto do Brasil. Para tal, será abordado o conceito de prostituição e apresentado um breve panorâmico histórico em terras brasileiras.

A prostituição configura-se como uma atividade laboral em que a experiência sexual é ofertada em caráter de prestação de serviço. Desse modo, há um deslocamento social que prescreve as relações sexuais no âmbito da afetividade e até mesmo em acordos civis e religiosos como o casamento (Brito et al., 2019). Apesar de tal atividade acompanhar os primórdios da história, no Brasil, apenas em 2002 os serviços sexuais remunerados passaram a compor a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), sem regulamentação no âmbito social e dos direitos trabalhistas, de modo que essas profissionais estão desamparadas juridicamente e expostas ao estigma e à marginalização. Portanto, o reconhecimento legal é deficitário e incompleto. Para este artigo, será dada ênfase na prostituição feminina e suas condições histórico-sociais marcadas pelo patriarcado.

O marcador histórico no Brasil mostra a violência sexual praticada com as mulheres dos povos originários e com as mulheres negras escravizadas. A prática era coercitiva e violenta, realizada pelos colonizadores portugueses que aqui se apossaram da terra e de tudo o que nela continha, inclusive as pessoas, havendo uma hierarquia de poder. Com a vinda dos portugueses, muitas mulheres europeias (denominadas escravas brancas) foram trazidas por meio do tráfico internacional com a finalidade da prostituição compulsória (Pereira, 2005). O mercado de exploração e violência sexual é uma mácula na América Latina colonizada, na qual emerge o conceito de objetificação dos corpos femininos, isto é, a desqualificação de mulheres quanto à humanidade e aos direitos, que as tornam vulneráveis e desprotegidas dentro de uma estrutura patriarcal. Tal violência torna-se uma herança amarga que resiste até os dias atuais, embora tenha sofrido reedições (Roby et al., 2021).

Alinhados com os dados históricos descritos, Herrera e Macuer (2020) argumentam ser a prostituição um modo de escravidão humana nos tempos atuais, como pode ser observado na expressão utilizada para se referir às profissionais do sexo – “puta” –, já que a linguagem carrega consigo inúmeros significados; aqui, há um valor moral de condenação e redução de toda a existência humana à condição de um objeto expresso pelo corpo nu. Os autores defendem ser a nudez característica da prostituição, deslocada dos espaços de intimidade, um ativador neurológico que desperta no outro a leitura de um objeto. Entretanto, sustentar essa hipótese desponta uma controvérsia, pois o questionamento acerca da linguagem busca considerar o caráter humano das mulheres para além da prostituição. Todavia, a nudez como disparador para sua objetificação significa responsabilizar a mulher pelo preconceito do qual é alvo, relacionando o fato de as mulheres pudicas terem que cobrir seu corpo e as desejáveis mostrarem o corpo sexualizado, provocando o desejo do macho, fomentando a visão do patriarcado, no qual o homem-macho é valorizado por não conter seus impulsos sexuais, enquanto a mulher tem o dever de controlar os impulsos sexuais masculinos, não “provocando-os” com seu corpo desnudo e, quando se apresenta com parte do corpo descoberto, há o imperativo moral da intencionalidade sexual, isto é, instigar o desejo do macho-homem.

A prostituição involuntária era a ferramenta de manutenção das instituições poderosas, como a igreja católica, e da estrutura social governada pelos homens brancos europeus que em suas caravelas lusitanas desembarcaram nas Américas com olhares erotizados e repreensores à nudez dos povos indígenas. Os hábitos europeus escondiam os corpos sob extensas camadas de tecido, em especial os corpos femininos, que até mesmo nas circunstâncias de intimidade sexual não eram autorizados moralmente a serem despidos por completo, afinal, o catolicismo impôs condutas às relações sociais e sexuais. O sexo tinha como finalidade apenas a procriação, o prazer era altamente tolhido sob o julgo do pecado e da condenação, especialmente para as mulheres, que eram educadas para o casamento ou para a vida religiosa. Manter as tentações da carne sob controle necessitava, portanto, manter os corpos escondidos. Em terras de Vera Cruz, a nudez dos corpos indígenas, em público, foi radicalmente repreendida, já que eram vistos como corpos suscetíveis ao pecado do prazer. As indígenas, com suas “intimidades” à mostra, e o modo de vida natural e livre remontava às alegorias bíblicas de Adão e Eva diante do fruto proibido – parafraseando Rita Lee: “Uma erva venenosa, pior do que cobra cascavel”. A figura feminina nua era lida pelas lentes morais, o que explicita a gênese dos desdobramentos históricos, pois construir um estereótipo de libertinagem sexual ao modo de vida dos nativos encobria a perversão sexual do colonizador que invadia os corpos indígenas e disseminava infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), ou seja, o povo invadido deveria ser salvo por aqueles que gozavam violentamente de seus corpos (Cantalice, 2011).

A prostituição, no século XIX, era composta por um cenário complexo de escravidão, exploração infantil e trabalho doméstico. A vida dessas mulheres e crianças tem conotação monetária, a dignidade da pessoa humana é saqueada e a elas resta o fardo da imoralidade na tessitura social.

Assim como o verdugo, por repugnante que seja, ocupa um posto necessário na sociedade, assim, as prostitutas e seus similares, por mercenárias, vis e imundas que pareçam, são também necessárias e indispensáveis na ordem social. Retirai as prostitutas da vida humana e chegareis ao mundo da luxúria. (Santo Agostinho, conforme citado por Carmo, 2011, p. 72)

Nesse contexto, não houve consenso entre os interesses econômicos, as relações de trabalho e a corte portuguesa. As ideias antagônicas de abolição e regulamentação vindas da Europa não foram suficientes e deram espaço às ideias higienistas, justificadas pela tese de melhores condições de vida e saúde para a população. As intervenções hegemônicas de limpeza, em especial a social, varreram do campo de visão tudo e todos que desviavam das normas de boa conduta. As mulheres prostitutas foram contidas por meio da força policial para não comprometerem os ares de “pureza” que se buscavam (Pereira, 2005; Rebolho, 2015). A violência e a discriminação, principalmente masculinas, ancoradas no poder policial e político contra essas mulheres, atravessaram o século e foram endossadas por inúmeras justificativas higienistas, por exemplo, no final do século XX, a epidemia de HIV/aids foi associada à prostituição e à homoafetividade, em especial a masculina. Diante de tal panorama histórico, eram urgentes os movimentos e a organização das minorias sociais para garantir seus direitos sociais e humanos (Bedin et al., 2020; Rodrigues, 2009).

Gerações estas que foram influenciadas, no final do século XX, pelo surgimento da aids. O vírus HIV (aids), no início de sua disseminação, de acordo com Simão (2008), transformou a enfermidade em uma verdadeira epidemia. Houve a necessidade de o Estado intervir no controle e prevenção da doença, visto que a mesma atingiu níveis de epidemia no final do século XX e início do XXI, quando parte considerável com comportamento de risco veio a falecer. Desse modo, o sexo passou a merecer atenção pública, principalmente pelo fato de as prostitutas, em muitos casos, recusarem-se a usar preservativos. (Rebolho, 2015, p. 176)


No final do século XX, o tema da prostituição passou a ter espaços para diálogo e reflexões, endossado pelos movimentos feministas que lutam contra as estruturas de poder e as desigualdades de gênero e propõem a ressignificação acerca da sexualidade, para que os estigmas e as opressões deem lugar a diversidade e liberdade dos valores sexuais. O termo “profissionais do sexo” foi cunhado no Brasil, na década de 1970, como bandeira da luta de prostitutas que reivindicavam o reconhecimento da profissão, com seus direitos e deveres, além da legitimidade como cidadãs (Rebolho, 2015; Rodrigues, 2009).

Na década de 1990, a participação de pessoas homossexuais e de profissionais do sexo foi ativa na construção de programas de prevenção contra ISTs/aids do Ministério da Saúde; ressalva-se que esse modelo é reconhecido internacionalmente por ampliar os métodos de prevenção não somente para as populações mais vulneráveis, mas a todos com uma vida sexualmente ativa (Santos & Botazzo, 2021).

As profissionais do sexo mostram atitudes mais conscientes, resultando em ganho de espaço na sociedade. O papel de Gabriela Leite foi muito importante nessa luta, ela estudou Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP) e foi autora do livro Filha, mãe, avó e puta: história de uma mulher que decidiu ser prostituta (2009).

A construção de programas e políticas públicas acerca das ISTs com participação ativa das profissionais do sexo e das pessoas homossexuais é de suma importância, entretanto, ainda assim não abarca a complexidade da existência e a integralidade daqueles que historicamente são postos à margem da sociedade.

Norteadas pelo anseio de ampliar as considerações acerca dessas mulheres, nos dedicaremos a abordar a identidade corporal das mulheres profissionais do sexo. A cultura ocidental carrega inúmeros tabus acerca dos corpos e da sexualidade, isto é, compreende que essa temática deve ser restrita à intimidade das “quatro paredes”. Entretanto, a experiência da intimidade por meio da sexualidade é construída socialmente e carrega consigo todas as marcas de um tempo histórico no qual os corpos estão inscritos. A cultura estabelece não apenas os critérios biológicos da norma, mas também um conjunto performático das identidades. A naturalidade social é compreendida pelos comportamentos de gênero binário: homem e mulher. O contexto social de um tempo determina os padrões de normatividade e a exclusão de tudo aquilo que desvia dessa “naturalidade”.

O gênero e a sexualidade têm o corpo como estrutura concreta para suas manifestações, logo, a concretude assume o valor determinado da biologia, ou seja, suas características, em especial, o sexo biológico. Entretanto, o corpo, como estrutura, está exposto a contínuas mudanças, seja pelas fases do

desenvolvimento, seja por todas as interferências tecnológicas, adoecimento e mudanças sociais. Assim, o corpo não traz a previsibilidade das identidades e da sexualidade, mas sim a abertura para as possibilidades por meio da subjetividade que lhe compõe (Louro,2000).Para este trabalho será abordada a discussão sobre a mulher cisgênero, já que ao abordar a mulher transgênero seria necessário ampliar o foco e não há extensão no presente artigo para desenvolver em profundidade a temática, apesar de sua urgência e relevância.

O corpo físico não se restringe à sua dimensão biológica, sendo constituído também de valores, crenças e ideologias que norteiam as relações sexuais no contexto social. Além disso, as diferenças entre homens e mulheres contemplam um conjunto de representações do imaginário social sobre o feminino e o masculino e prescrevem o desenvolvimento de ambos ao longo da vida (Leite, 2017). Corroborando tal ideia, segundo Butler (2021, p. 227), “o que constitui o limite do corpo nunca é meramente material, mas que a superfície, a pele, é sistematicamente significada por tabus e transgressões antecipadas”. Desse modo, os contornos do corpo estão associados à sexualidade. Ainda segundo Butler (2021):

A construção de contornos corporais estáveis repousa sobre lugares fixos de permeabilidade e impermeabilidade corporais. As práticas sexuais que abrem ou fecham superfícies ou orifícios à significação erótica em ambos os contextos, homossexual e heterossexual, reinscrevem efetivamente as fronteiras do corpo em conformidade com as novas linhas culturais. (p. 229)Os corpos que se opõem às convicções naturalistas e designam sexo biológico ao gênero e afrontam os limites rígidos impostos pela religião acerca da sexualidade, em especial as mulheres, têm uma luta secular em busca de seus direitos como cidadãs, pois o fundamentalismo perpassa a esfera política que mantém a desigualdade de gênero e, portanto, os invisibiliza (Sívori et al., 2017).

Corpos polimórficos e polissêmicos, produzidos para fazer circular múltiplos efeitos de sentido; moldados em diferentes regimes de poderes onde tomam proporções, formas e significados, conferindo até uma nova personalidade dentro da cultura na qual está inserido. O corpo se torna um paradigma político, ora de normalização de costumes, ora de rebeldia e subversão. (Santos, 2019, p. 20)

As mulheres prostitutas que desafiam os prescritivos morais da sexualidade atrelados à reprodução e ao matrimônio e têm o corpo como instrumento de trabalho por meio do qual o sexo é uma atividade laboral, têm inúmeras penalidades sociais, como a segregação social. Parafraseando Rita Lee em sua canção “Amor e sexo” (2003), todos os versos demonstram esse paradoxo moral, que pode ser sintetizado no verso “amor é cristão, sexo é pagão”. Aquela que banca a liberdade de seu corpo paga o alto custo de transgredir a regra e perde o lugar social de mulher casta, de respeito, bem como o direito de o seu discurso ser em primeira pessoa.

Para que uma mulher, profissional do sexo possa transitar pela sociedade, faz-se necessário que ela passe pelo processo de adestramento corporal, a fim de esconder sua real identidade, para que componha a ordem hegemônica imposta. Será abordado nas linhas seguintes o processo de adestramento corporal, que consiste em performar posturas corporais, de estética e de vestimenta, ou seja, dominar os códigos culturais do universo no qual não pertence, por exemplo, uma pessoa de classe social baixa transitar em espaços de classes superiores. Render-se a tal condicionamento viabiliza o acesso e o reconhecimento como parte desse contexto, mas se mostra insuficiente, pois há o estigma da profissão e o delineamento rígido dos estereótipos sociais inerentes ao ser prostituta (Zampier & Farias, 2019).

O modo de produção capitalista tem como gênese a ideia de que é possível mudar de classe social por meio do trabalho, ascender economicamente e pertencer a uma classe mais elevada, o que é considerado o marco do sucesso e, por vezes, o objetivo de vida de muitas pessoas. Entretanto, esse valor moral não é atribuído ao gênero e à sexualidade (Louro, 2000; Rebolho, 2015).

A partir desse cenário, recorremos à filósofa Judith Butler, que propõe pensar que os corpos são constituídos de forma social e interdependente e, de algum modo, estão todos ameaçados: “a condição compartilhada de precariedade conduz não ao reconhecimento recíproco, mas sim a uma exploração

específica de população-alvo, de vidas que não são exatamente vidas, que são consideradas ‘destrutíveis’ e ‘não passíveis de luto’. Essas populações são ‘perdíveis’” (Butler, 2015, p. 53).

As vidas perdíveis, o não reconhecimento das identidades sociais, estão amparadas na ideia de sobrevivência e competição, neste trabalho em questão, as mulheres que vivem da prostituição pela lente moral são estatísticasde infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e tenham seus corpos objetificados. Diante do exposto acima, lançar um olhar compreensivo acerca de como essas mulheres significam a própria existência enquanto pessoas, além do predicado: profissionais do sexo. Tal reflexão sobre o filme eleito tem como motivação ser um recurso de combate ao estigma acerca da prostituição, por meio da ampliação dos predicativos existenciais da considerada apenas “Uma linda mulher”, e do reconhecimento daquelas mulheres profissionais do sexo que se tornam sujeitos ocultos por não pertencerem aos padrões de beleza normativos.

Desse modo, o objetivo deste artigo é refletir, a partir do filme Uma linda mulher, sobre o modo como a identidade corporal das mulheres profissionais do sexo é significada socialmente, com base na literatura brasileira.


Metodologia

A arte, em suas diferentes expressões, constitui uma forma de representação social que oportuniza o intercâmbio teórico e metodológico entre diversas áreas do conhecimento. Por isso, adotou-se como método de pesquisa a análise fílmica (Vanoye & Goliot-Lété, 1994, conforme citado por Scherdien et al., 2018). O cinema é um campo de análise dos fenômenos sociais, considerado uma grande lupa que torna visíveis problemas e tabus que a sociedade tem dificuldade de enfrentar. A aproximação entre teorias de diferentes campos de estudo, como o cinema e as relações com a prostituição da mulher cisgênero, permite ampliar e diversificar o olhar sobre determinados fenômenos.

A análise fílmica se constrói a partir de dois momentos que se alternam de maneira anárquica e caótica: a decomposição do filme em seus elementos constitutivos e o reestabelecimento dos elos entre esses elementos, sob a perspectiva do analista. Nesse sentido, o método exige averiguações sistemáticas, idas e vindas à obra, que permitem identificar detalhes inicialmente despercebidos. (Scherdien et al., 2018, pp. 146-147)


A partir do filme, surgiram os insights que deram origem aos temas escolhidos para a análise, de modo a associar as ações narrativas com a teorização. Assim, surgem as três categorias de análise temáticas: objetificação do corpo feminino, invisibilização do corpo feminino e adestramento corporal. Foram utilizadas cenas do filme para ilustrar cada uma das categorias.


Resultados e discussão

A objetificação do corpo feminino

A objetificação do corpo feminino, que significa destituir o outro de sua condição humana, isento de vontades, desejos e autonomia de escolha, a inanimação objetável é terreno fértil para abusos e violências, pois o controle sobre os corpos se dá por meio do poder social sobre aqueles que estão abaixo das camadas elevadas, bem como a assimetria de gênero dentro de uma estrutura patriarcal e histórica que assenta o poder masculino sobre os corpos femininos (Tilio et al., 2021).

No filme Uma linda mulher, a condição das profissionais do sexo, tanto no título como na trilha sonora, reforça e centraliza o aspecto da beleza da protagonista, Vivian, como primordial para que toda a trama aconteça. O contrato de uma semana de serviços ofertado por Lewis para Vivian foi motivado pela ideia de ter uma acompanhante de beleza “deslumbrante” para as reuniões de negócios que teria na cidade, o que poderia encantar os outros homens nos encontros e o clima de descontração e sedução facilitaria as negociações. Vivian, por meio desse contrato, assume um papel de “acessório” de um homem de poder

aquisitivo elevado e sua totalidade é reduzida ao seu papel estético, a uma companhia bela e sedutora. No senso comum, as mulheres que estão em espaços majoritariamente masculinos, como os corporativos, ouvem constantemente a frase: “Você é flor de nosso jardim”. Aos olhares desatentos, isso pode ser compreendido como um singelo elogio, entretanto, ao aprofundarmos o sentido contido na expressão, é notória sua característica de objetificação do corpo feminino, que somente está no espaço em uma condição de dar beleza, divertir e harmonizar, a postos para ser admirada como uma flor; mas, como bem se sabe, uma flor não toma decisões, não tem voz ativa e não participa dos processos decisivos de um “jardim”. A objetificação emudece as mulheres.

Em diversas outras cenas, Philip, o advogado de Edward Lewis, interpretado pelo ator Jason Alexander, ao saber de sua profissão, assedia Vivian moral e sexualmente em um evento no clube do hotel em que estavam hospedados. Novamente, há um assédio moral e sexual contra a personagem dizendo que ela deve atendê-lo, pois tem dinheiro para pagar por seus serviços, ocorrendo a violência de gênero e de vulnerabilidade da profissão, na qual vale-se da ideia de livre acesso ao corpo feminino, subordinado aos desejos e impetuosas vontades masculinas (Tilio et al., 2021).

Pode-se perceber que o filme, apesar de ser norte-americano, retrata a vivência de muitas profissionais do sexo e a história da prostituição no Brasil – com a chegada dos portugueses, todos acreditavam que poderiam ter a posse das mulheres indígenas, já que elas estavam nuas e provocavam os instintos sexuais masculinos (Rebolho, 2015) –, como pode ser observado na Figura 1.

Figura 1: Momento em que Vivian chega ao hotel e suas vestimentas mostram parte do seu corpo descoberto


Mulher com a mão na cintura  Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: Filme uma linda mulher (1990)


A Figura 1 mostra o imaginário social referente às vestimentas padrão de uma mulher que não frequenta um hotel cinco estrelas, tida como vulgar, mas que poderá ser confundida com tais mulheres se modificar suas roupas, já que apresenta características corporais (magra, alta, bonita) que possibilitam a ponte entre o vulgar/profano e o sagrado. Como nos diz Butler (2021), os corpos são contornos sociais.

Para que Vivian esteja minimamente “adequada” para adentrar o espaço do hotel, Edward pede a ela que coloque o sobretudo dele, com o objetivo de “neutralizar” o estereótipo da prostituição evidente em suas vestimentas. Entretanto, Vivian é alvo de falas preconceituosas e olhares de condenação de hóspedes que estão do hall dos elevadores. Nota-se que Lewis se mantém alheio à situação constrangedora na qual sua acompanhante é submetida e Vivian, por meio de gestos sensuais e provocantes, reage de forma transgressora contra os olhares de desdém da mulher que aguarda o elevador com seu marido, como observado na Figura 2.

Segundo Zampier e Farias (2019), as expressões corporais e a maneira de lidar com o corpo são produto da cultura e do meio no qual a pessoa está inserida, desse modo, a apresentação de Vivian pode ser lida como apelativa e inadequada aos códigos posturais da elite de Los Angeles. Por ser constantemente alvo de abusos e violências, Vivian usa seu corpo e sua postura como instrumentos de ação, um mecanismo

de defesa, diante do poder opressor da elite. Essa cena é um entre tantos exemplos vividos pelas minorias sociais, como pessoas LGBTQIAPP+, pessoas com deficiência e, nesse caso, profissionais do sexo, que têm sua existência lida pelos estereótipos da luxúria, o corpo estando a serviço do “pecado”. Portanto, a objetificação do corpo feminino da prostituta desemboca no apagamento de sua identidade, visto que, socialmente, se tem a imagem de uma vítima, sem capacidade de tomar decisões assertivas, devendo ser orientada e salva do seu modo de vida. Talvez isso explique o grande sucesso de Uma linda mulher, pois representada e legitima a ideia que povoa o imaginário brasileiro acerca da prostituição: um homem que resgata uma mulher perdida em seu destino profano (Skackauskas, 2017).

Figura 2: Vivian e Edward no hall do elevador do hotel em Beverlly Hills com um casal que expressa desdém ao ver Vivian com suas roupas típicas de uma profissional do sexo


image


Fonte: Filme uma linda mulher (1990)


Invisibilização dos corpos femininos

A produção cinematográfica, que é o fio condutor desta reflexão, suscita a questão dos corpos invisibilizados, isto é, Vivian é uma mulher branca, com traços norte-americanos, de alta estatura e de corpo magro, correspondente ao padrão social de beleza (como visto na Figura 1). Embora ambientado nos Estados Unidos, a normatividade de beleza é um forte instrumento econômico, portanto, tem caráter global e consequências graves, principalmente abaixo da “linha do Equador”, no Brasil. Segundo Novaes (2022), há uma relação histórica entre mulher, beleza e seu corpo. Ancorada na psicanálise, a autora defende que a mulher enquanto uma criança caracteriza-se como alguém que busca constantemente o olhar atento como uma forma de compensação por não ser portadora da genitália masculina: o falo. Desse modo, o feminino tem por objetivo capturar o olhar do outro, ser desejada por meio da estética alinhada às normas de seu tempo, o que compensaria a ausência do falo. Em outras palavras, o conceito de belo tem íntima ligação com a sexualidade. Mediante tal panorama, é evidente que a existência feminina, a legitimidade de sua beleza e o lugar social orbitam sob os olhares condicionados, em especial, os masculinos (Zanello, 2018). O que resta aos corpos que não encantam os homens como as folclóricas sereias? Os corpos femininos negros, gordos, que não estão contemplados na norma padrão, ocupam qual lugar social? Ainda segundo Novaes (2022), os corpos gordos representam o excesso, o feminino desmedido, moralmente lido como desleixo, preguiça e descuido, incapaz de capturar os olhares do desejo.

Historicamente, no Brasil, as mulheres negras foram escravizadas e violentamente abusadas sexualmente. A herança amarga da escravidão ressoa até os dias atuais, com a objetificação dos corpos negros, expresso no fetiche “corpo da cor do pecado” ou na expressão “mulata”, que significa mistura, mestiçagem inadequada – expressões de cunho racista que endossam a violência e a opressão que destituem a humanidade dessas mulheres (Malcher & Rial, 2019).

Retomando a trama de Uma linda mulher a partir do exposto, Vivian atrai os olhares masculinos, torna- se visível até mesmo para aqueles que não pertencem à mesma classe social que a sua e, portanto, pode

transitar por outros espaços sociais. Ressalva-se que esse trânsito não é de passagem livre, inúmeras imputações são feitas – as mulheres que não atendem ou, ainda, que não “performam” a feminilidade e a beleza da norma, são invisíveis socialmente, logo, não poderiam ocupar os espaços públicos como Vivian ocupou. Mostrando a invisibilidade discutida por Sívori et al. (2017), amplia-se o debate acerca dos corpos fora do padrão. Segundo Cantalice (2011),

O corpo pode ser fonte de status ou depreciação, pode facilitar ou negar aos sujeitos o acesso a determinados ambientes ou círculos sociais. Porém, quando distintos estilos de corpo entram em contato, fazendo ressaltar suas diferenças, os sujeitos, contrariando aqueles que apostariam num distanciamento e numa evitação com base em medidas discriminatórias, podem se sentir atraídos e impelidos a empreender trocas. (p. 78)

A partir do exposto, suscita-se o questionamento: qual a extensão dessa troca? A atração que o diferente desperta está amparada em quê? Ao pensarmos sobre a questão da mulher negra no Brasil, em especial, as mulheres profissionais do sexo, muitos marcadores devem ser levados em conta, com destaque para o racismo e para a estrutura patriarcal na qual a sociedade está assentada desde seu status de colônia. A população negra em terras brasileiras, historicamente, é alvo de subordinação e violência racial, enquanto o topo da pirâmide hierárquica pertence aos brancos, em especial aos homens e toda sua cultura imperativa. A mulher negra está exposta às duras marcas do racismo, endossado pelo machismo patriarcal que estabelece mais um degrau abaixo: o gênero. A prostituição compulsória das mulheres negras escravizadas no Brasil, engendrada pela violência do estupro, valeu-se das perversas justificativas da voluptuosidade dos corpos negros, do erotismo das curvas femininas e da expressão fogosa dos trópicos espelhados em suas peles “queimadas”. Apesar do tom poético que as linhas anteriores aparentam, elas guardam o machismo que se escancara em: “brancas são para casar, mulata para transar e preta para trabalhar”. O Brasil, há mais de 200 anos independente de sua metrópole portuguesa, não está liberto de suas dolorosas chagas racistas e da mão pesada do machismo. Logo, ao considerarmos esse marcador cultural no questionamento anterior, a atração pelo diferente, nesse caso, a mulher negra, pejorativamente descrita como mulata, disponível, com apetite sexual insaciável, hipersexualizada em seus gestos “mal-intencionados”, está cunhada no sexo casual ou, ainda, pago, no espaço marginal e profano, sem possibilidade de trânsito pelas relações afetivas e pelos espaços sociais (Mizael et al., 2021) como feito e vivido pela protagonista do filme. A herança cultural do Brasil invisibiliza a mulher prostituta negra e/ou gorda de forma acentuada, mas também as profissionais do sexo brancas e magras em sua totalidade como cidadãs, vendo-as no modo utilitário.

Adestramento corporal

Conforme descrito anteriormente, para que Vivian pudesse cumprir o contrato que lhe foi proposto, de ser acompanhante de Lewis por uma semana, seria necessário “abandonar” o estereótipo da prostituição periférica, expresso pela peruca loira, vestido curto, justo e com recortes, botas de cano longo de material sintético de brilho verniz, batom vermelho, maquiagem forte e bolsa lateral pequena, além dos gestos como sentar-se de pernas abertas e não ter habilidades com os talheres correspondentes em um jantar em formato de banquete.

Ao fechar o contrato com Vivian, Lewis dispõe de um cartão para que ela possa comprar roupas “adequadas” às ocasiões e aos espaços que irão. Em diversos momentos ele impõe a contenção de sua identidade de profissional do sexo ao dizer que prefere ela sem a peruca loira e ao solicitar que ela pare de rebolar ao andar. A protagonista concorda com o adestramento corporal e de vestimenta que lhe cabe para a ocasião; no momento, ela está fazendo uma performance que o trabalho lhe solicita, não necessariamente se deixando adestrar até então. Essas mudanças de vestimenta podem ser vistas nas Figuras 3 e 4.

Figura 3: Vivian aparece com roupa, cabelos e acessórios adequados para ser acompanhante de um empresário de sucesso

Pessoas posando para foto  Descrição gerada automaticamente

Fonte: Filme uma linda mulher (1990)


Na Figura 3, ela está vestida para o dia, com um vestido de estampa de poá, de cores neutras, brinco de pérolas, decote alto, um penteado no qual os cabelos estão presos, moldados e um olhar vago, mostrando uma mulher que se deixa conduzir por um homem que tem a tutela do seu corpo, pelo seu poder econômico e social, o que pode ocorrer com muitas profissionais do sexo e que ocorreu ao longo da história. Na Figura 4, ela está vestida para a noite.

Na Figura 4, observa-se uma mulher com vestido vermelho, decotado na medida, com cabelos alinhados e desejável para os outros homens, e o empresário a exibe como um objeto de posse, mostrando o poder sobre ela. Essa manobra também pode ser observada com outras mulheres, não profissionais do sexo, demonstrando o poder do masculino sobre o feminino, no qual há o imperativo da beleza e do poder (Zanello, 2018).

Figura 4: Vivian com vestido vermelho de baile


Pessoa de roupa íntima a foto  Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: Filme uma linda mulher (1990)

Porém, para que Vivian se torne uma linda mulher, ela precisou se apaixonar por Lewis, deixando de ser uma profissional do sexo para ser uma mulher apaixonada e que quer viver um amor, como se durante toda a sua vida profissional ela esperasse por isso, isto é, que um homem com alto poder aquisitivo pudesse lhe oferecer a abolição, como ocorreu com as mulheres negras e brancas escravizadas no Brasil (Bedin et al., 2020; Rodrigues, 2009).

Entretanto, sabe-se que a abolição da escravidão no Brasil não ofereceu subsídios para a construção de uma vida digna aos alforriados. A assinatura de Lei Áurea mudou um regime, mas não estabeleceu novos parâmetros. Valendo-se desse capítulo histórico como uma analogia acerca da abolição que Lewis poderia oferecer à Vivian diante de sua condição econômica e seu poder como homem branco, a proposta foi apenas de um novo contrato, com uma pauta principal: a exclusividade. Em outras palavras, o poder financeiro chancela a posse sobre a protagonista, pois ela usufruiria de um apartamento, carro e todos os aparatos necessários para performar na sociedade, como figurinos, acessórios e serviços de manutenção dos códigos morais de uma mulher respeitável. Vivian recusa e mostra indignação com o acordo proposto por Edward, por ter se apaixonado ao longo dos dias em que estiveram juntos, o que pode ser evidenciado pelo beijo que aconteceu entre eles (desde o início, a protagonista impõe a condição de não beijar seu cliente como um marcador da relação profissional estabelecida).

Sousa et al. (2017) evidenciaram que o uso de preservativos está vinculado apenas ao exercício profissional da prostituição, enquanto essas mulheres, em suas relações afetivas-sexuais, não fazem uso de preservativos com seus companheiros por sentirem-se protegidas pelo vínculo amoroso e pela estrutura social prescritiva de família, o que confere à relação uma assepsia acerca dos riscos de HIV/aids e, consequentemente, a segurança emocional. Embora o filme não abarque o tema do uso de preservativos, o beijo é um símbolo, para a personagem, de uma transformação na relação profissional para a afetiva. Vivian relata seu sonho infantojuvenil de ser resgatada como uma princesa em uma torre e viver uma história de amor e, portanto, um novo contrato não contempla seu desejo. Lewis, ao longo de toda a trama, não deixa claro o lugar ofertado a ela, e embora promova e deseje que ela performe os gestos e códigos da elite, não verbaliza o pedido e a intenção de que ela seja sua namorada ou esposa, mas alimenta e encerra o filme encenando a busca por ela ao subir as escadas de seu apartamento para “resgatá-la”.

Ao final, quais acordos são firmados a partir de então? O final do filme alimenta o imaginário social do felizes para sempre e a mensagem subliminar de que Vivian não seria mais uma profissional do sexo. Entretanto, as diferenças econômicas e sociais entre ambos e a desigualdade de gênero viabilizariam uma relação equiparada? Ou a prostituição sofreria novas reedições? Clarindo et al. (2021) trazem à tona discussões sobre a obra O segundo sexo, de Beauvoir (2016), e fazem uma analogia do casamento com a prostituição: em ambos, as mulheres são convocadas a cumprir as obrigações de um contrato por meio do sexo, seja conjugal, seja como prestação de um serviço pago, a diferença é que a mulher casada socialmente tem seu lugar garantido como cidadã, enquanto a prostituta tem os direitos da pessoa humana negados severamente.

Uma linda mulher nos possibilita imaginar e descrever para além do beijo do felizes para sempre. Valendo-se do papel de roteiristas, propomos uma continuação para a trama – Vivian sendo pedida em casamento, na condição de uma mulher profissional do sexo, cujo novo contrato civil não traz garantias de uma cidadania plena devido ao estigma, que escreve em letras garrafais no verso de sua certidão de casamento: ela é puta! (Leite, 2009).


Considerações finais

A encenação cinematográfica daquilo que se vive em um determinado tempo e espaço não tem apenas essa relação direta e passiva da cópia, mas arte e vida se entrelaçam em uma relação dialética à medida que nos colocamos em reflexão crítica daquilo que estamos produzindo e consumindo. O filme Uma linda mulher nos convoca a repensar sobre o gênero que o descreve como um romance (comédia romântica) e, portanto, compreender que há uma naturalização e romantização de inúmeras violências

sociais e morais, como a objetificação do corpo feminino, a invisibilização de corpos que carregam os prescritivos estéticos para o condicionamento social da classe dominante. A mulher profissional do sexo, lida e destinada a ser uma linda mulher, pertencente a um homem rico, é descrita na sinopse como protagonista da trama, mas seu papel social é coadjuvante, confuso e subordinado à figura masculina, que é salvadora, desejável e respeitada socialmente; os holofotes do poder cegam a liberdade daquelas mulheres condenáveis socialmente, as prostitutas. Aqui, abre-se uma lacuna para compreender o que sentem as profissionais do sexo sobre a sua condição humana? Pesquisas posteriores podem contemplar a visão delas sobre o filme e sobre a vida, o que faria com que políticas públicas pudessem ser pensadas a partir da voz dada a elas, sendo uma limitação deste artigo ter a reflexão de duas mulheres brancas e não profissionais do sexo.


Referências bibliográficas

Beauvoir,S. (2016). O segundo Sexo. Nova Fronteira.

Bedin, R. C., Muzzeti, L. R., & Ribeiro, P. R. M. (2020) A institucionalização do conhecimento sexual no Brasil: sexologia e educação sexual do século XIX aos nossos dias. Humanidades e Inovação, 7(27), 71–88.

Brito, N. S., Belém, J. M., Oliveira, T. M., Albuquerque, G. A., & Quirino, G. S. (2019). Cotidiano de trabalho e acesso aos serviços de saúde de mulheres profissionais do sexo. Revista da Rede de Enfermagem do Nordeste, 20, e33841. http://periodicos.ufc.br/rene/article/view/33841/pdf

Butler, J. (2015). Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? (7. ed.). Civilização Brasileira.

Butler, J. (2021). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (21. ed.). Civilização Brasileira.

Cantalice, T. (2011). O melhor do Brasil é o brasileiro! Corpo, identidade, desejo e poder. Revista Latino

Americana, 7, 69–102. https://doi.org/10.1590/S1984-64872011000200004

Carmo, P. S. (2011). Entre a luxúria e o pudor: a história do sexo no Brasil. Octavo.

Clarindo,A. , Zamboni, J. & Martins, R. (2021). Atravessando as portas dos puteiros: Como as teorias feministas chegam na zona? Revista Psicologia & Sociedade, 33, e234859. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2021v33234859

G1 (2023, junho). Musical do filme ‘Uma linda mulher’, sucesso nos anos 90, chega a SP em setembro; vendas estão abertas. https://g1.globo.com/guia/guia-sp/noticia/2023/06/01/musical-do-filme-uma- linda-mulher-sucesso-nos-anos-90-chega-a-sp-em-setembro-vendas-estao-abertas.ghtml

Herrera, I. H., & Macuer, P. C. (2020). Las personas en situación de prostitución. ¿Disposición del propio cuerpo o cosificación de la subjetividad humana? Cuadernos de Bioética, 31(103), 319–328.

Lee, R. (2003). Amor e sexo. Em Balacobaco. Universal Music Group. Lee, R. (2000). Erva venenose. Em 3001.Universal Music Group

Leite, G. (2009). Filha, mãe, avó e puta: a história de uma mulher que decidiu ser prostituta. Objetiva.

Leite, K. L. C. (2017). Implicações da moral religiosa e dos pressupostos científicos na construção das representações do corpo e da sexualidade femininos no Brasil. Cadernos Pagu, 49. https://doi.org/10.1590/18094449201700490022

Louro, G. L. (2000). O corpo educado: pedagogias da sexualidade (2. ed.). Autêntica.

Malcher, M., & Rial, C. S. (2019). Quem tem medo do feminismo negro? A urgência do debate racial no Brasil. Revista Estudos Feministas, 27(3), 1–4. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2019v27n360959

Mizael, T. M., Barrozo, S. C. V., & Hunziker, M. H. L. (2021). Solidão da mulher negra: uma revisão da literatura. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/As (ABPN), 13(38), 212–

239. https://abpnrevista.org.br/site/article/view/1270

Novaes, J. V. (2022). Corpo feminino e sexualidade: gordura, feiura e exclusão social. Tempo psicanalítico, 54(2), 357–380. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S0101- 48382022000200017&script=sci_arttext

Pereira, C. S. (2005). Lavar, passar e receber visitas: debates sobre a regulamentação da prostituição e experiências de trabalho sexual em Buenos Aires e no Rio de Janeiro, fim do século XIX. Cadernos Pagu, 25, 25–54. https://doi.org/10.1590/S0104-83332005000200002

Rebolho, A. C. F. (2015). Estudo bibliográfico das atitudes e comportamentos ligados à prostituição da Pré-história aos dias atuais (Tese de Doutorado em Educação Escolar, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita”).

Roby, L. B., Brito, D. J.; Rivera, E. C. S., & Rosero, A. A. (2021). Cuerpo y cosificación sexual: percepciones em la comunidad indígena shuar. Ciencia y Enfermeria, 27. Doi: 10.29393/Ce27-17ccla 40017.

Rodrigues, M. T. (2009). A prostituição no Brasil contemporâneo: um trabalho como outro qualquer?

Revista Katalysis, 12(1), 68–76.

Santos, F. (2019). Corpo e sexualidade em diferentes suportes: da pré-história à era digital (Tese de Doutorado em Educação Escolar, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita”).

Santos, T. B. P., & Botazzo, C. (2021). Mulheres: prostituição e cuidados em saúde sexual. BIS, 22(1), 78–84. https://doi.org/10.52753/bis.v22i1.38608

Scherdien, C., Bortolini, A. C. S., & Oltramari, A. P. (2018). Relações e trabalho e cinema: uma análise do filme “Que horas ela volta?”. Farol: Revista de Estudos Organizacionais e do Trabalho, 5(12), 130–

197. https://doi.org/10.25113/farol.v4i11.3874

Skackauskas, A. (2017). O benevolente e a “vítima” na prostituição: poder e violência simbólica em interações entre prostitutas e a pastoral da Mulher Marginalizada. Sexualidad, Salud y Sociedad (Rio de Janeiro), 27, 66–96. https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2017.27.05.a

Sívori, H., Giumbelli, E., Rohden, F., & Carrara, S. (2017). “Fundamentalismos”, sexualidade e direitos humanos: interrogando termos, expandindo horizontes. Sexualidad, Salud y Sociedad (Rio de Janeiro), 26, 171–180. DOI: https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2017.26.09.a

Sousa, R. M. R. B., Frota, M. M. A., Castro, C., Sousa, F. B., Kendall, B. C., & Kerr, L. R. F. S. (2017). Prostituição, HIV/Aids e vulnerabilidades: a “cama da casa” e a “cama da rua”. Cadernos Saúde Coletiva, 25(4). https://doi.org/10.1590/1414-462X201700040242

Tilio, R., Moré, I. A. A., Sampaio, N. P., Ribeiro-Leandro, R. C., Cohen, C. R., Leonidas, C. (2021). Corpo feminino e violência de gênero: uma análise do documentário “Chega de Fiu Fiu”. Psicologia e Sociedade, 33. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2021v33228620

Uma linda mulher. (27 Julho 1990) Direção: Garry Marshall. Produção: Arnon Milchan. Escritor: J. F. Lawton. Interpretes: Richard Gere, Julia Roberts, Hector Elizondo, Ralph Bellamy e Jason Alexander. 1 fita de vídeo (119 min), son, color, 12 mm.

Zampier, R. L., & Farias, R. C. (2019). Entre a subordinação e a agência: uma análise da geossociabilidade feminina a partir do filme Uma linda mulher. Holos, 4, e8200. https://doi.org/10.15628/holos.2019.8200

Zanello, V. (2018). Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Appris.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.16268


A INTERAÇÃO HOMEM-MÁQUINA NA PSICOTERAPIA

UMA REVISÃO SISTEMÁTICA SOBRE O USO DE INTELIGÊNCIAS ARTIFICIAIS NO CONTEXTO DA SAÚDE MENTAL


THE HUMAN-MACHINE INTERACTION IN PSYCHOTHERAPY

A systematic review on the use of artificial intelligences in the context of mental health


LA INTERACCIÓN HOMBRE-MÁQUINA EN PSICOTERAPIA

Una revisión sistemática sobre el uso de inteligencias artificiales en el contexto de la salud mental


Sérgio Alberto Nascimento Melo Junior

(Universidade da Amazônia - UNAMA, Brasil)

sergiomelojr.03@gmail.com


Caio Leite de Aguiar (Faculdade Cathedral, Brasil) caioleitebr@gmail.com


Larissa Kalyne Silva da Cunha (Faculdade Cathedral, Brasil) larissakaly@gmail.com


Jean Carlos Rodrigues Brustolin (Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental da Universidade Paulista – UNIP e Universidade da Amazônia - UNAMA, Brasil)

jeanbrustolin@hotmail.com

Recebido: 30/01/2024 Aprovado: 30/01/2024


RESUMO

image

A implementação de tecnologias móveis de informação e comunicação no suporte à Saúde Mental tem atraído a atenção das autoridades. Com a ascensão das Inteligências Artificiais, esse movimento pode ser impulsionado de maneira exponencial. Nesse cenário, esta revisão tem como objetivos verificar a aplicabilidade das Inteligências Artificiais (IAs) na Saúde Mental e analisar os aspectos que favorecem a relação entre IAs e usuários. Para tanto, realizou-se uma revisão sistemática nas bases de dados PubMed e Biblioteca Virtual em Saúde, no período de 25 de maio a 23 de junho de 2023. Selecionamos os 100 primeiros artigos mais relevantes com as palavras-chave: “Inteligência Artificial”, “Saúde Mental”, “Chatbots”, “Psicoterapia”, “Psicologia” e suas equivalentes em inglês. Os critérios de inclusão foram: acesso aberto, publicação a partir de 2018, em português ou inglês e menção à atuação de IAs no âmbito da Saúde Mental. Para reduzir o risco de viés, excluímos os estudos que não mensuraram o impacto das intervenções por meio de métodos experimentais ou quase-experimentais. Para a síntese dos dados, delimitaram-se alguns pontos específicos

de análise, como “Resultado da intervenção”, “Aspectos que favorecem a relação”, entre outros. Atenderam aos critérios de inclusão 24 estudos, dos quais 17 apresentaram resultados positivos em suas intervenções. O uso de IAs na Saúde Mental possui grande potencial de expansão e os resultados obtidos neste trabalho podem guiar a implementação dessas práticas e futuras pesquisas na área.

Palavras-chave: saúde mental. inteligência artificial. tecnologia. psicoterapia.


ABSTRACT

The implementation of mobile information and communication technologies to support mental health has attracted the attention of the authorities. With the rise of Artificial Intelligence, this movement could be boosted exponentially. In this scenario, this review aims to verify the applicability of Artificial Intelligences (AIs) in Mental Health and analyze the aspects that favor the relationship between AIs and users. To this end, a systematic review was carried out in the PubMed and Biblioteca Virtual em Saúde databases from May 25 to June 23, 2023. We selected the first 100 most relevant articles with the keywords: "Artificial Intelligence", "Mental Health", "Chatbots", "Psychotherapy", "Psychology" and their English equivalents. The inclusion criteria were: open access, publication from 2018 onwards, in Portuguese or English and mention of the use of AIs in the field of Mental Health. To reduce the risk of bias, we excluded studies that did not measure the impact of interventions using experimental or quasi-experimental methods. In order to synthesize the data, some specific points of analysis were delimited, such as "Outcome of the intervention", "Aspects that favor the relationship", among others. The inclusion criteria were met by 24 studies, of which 17 showed positive results in their interventions. The use of AIs in Mental Health has great potential for expansion and the results obtained in this work can guide the implementation of these practices and future research in the area.

Keywords: mental health. artificial intelligence. technology. psychotherapy.


RESUMEN

La aplicación de las tecnologías móviles de la información y la comunicación al apoyo de la salud mental ha atraído la atención de las autoridades. Con el auge de la Inteligencia Artificial, este movimiento podría potenciarse exponencialmente. En este contexto, esta revisión pretende comprobar la aplicabilidad de las Inteligencias Artificiales (IAs) en Salud Mental y analizar los aspectos que favorecen la relación entre las IAs y los usuarios. Para ello, se realizó una revisión sistemática en las bases de datos PubMed y Biblioteca Virtual em Saúde entre el 25 de mayo y el 23 de junio de 2023. Se seleccionaron los 100 primeros artículos más relevantes con las palabras clave: "Artificial Intelligence", "Mental Health", "Chatbots", "Psychotherapy", "Psychology" y sus equivalentes en inglés. Los criterios de inclusión fueron: acceso abierto, publicación a partir de 2018, en portugués o inglés y mención del uso de IAs en el campo de la Salud Mental. Para reducir el riesgo de sesgo, se excluyeron los estudios que no midieron el impacto de las intervenciones utilizando métodos experimentales o cuasi-experimentales. Para sintetizar los datos, se delimitaron algunos puntos específicos de análisis, como "Resultado de la intervención", "Aspectos que favorecen la relación", entre otros. Los criterios de inclusión fueron cumplidos por 24 estudios, 17 de los cuales presentaron resultados positivos en sus intervenciones. El uso de las IAs en Salud Mental tiene un gran potencial de expansión y los resultados obtenidos en este trabajo pueden orientar la implantación de estas prácticas y futuras investigaciones en el área.

Palabras clave: salud mental. inteligencia artificial. tecnología. psicoterapia.

Introdução

De acordo como o relatório de 2001 da Organização Mundial de Saúde (OMS), o conceito de Saúde Mental inclui “bem-estar subjetivo”, “autoeficácia percebida”, “autonomia”, “competência”, “dependência intergeracional”, “autorrealização do próprio potencial intelectual e emocional”, entre outros. De uma perspectiva transcultural, é quase impossível definir a Saúde Mental de maneira abrangente. Sendo, no entanto, geralmente aceito que essa definição seja mais ampla que a simples ausência de transtornos mentais (World Health Organization, 2001). No mundo inteiro, são as pessoas mais desfavorecidas que correm maiores riscos de problemas relacionados à saúde mental e que também são as menos propensas a receber os serviços adequados, seja por inacessibilidade ou seja por questões paralelas, como uma discriminação relacionada à procura por serviços de Saúde Mental (World Health Organization, 2022).

Em 2005, durante a sua 58ª Assembleia, a OMS reconheceu o potencial das tecnologias de informação e comunicação na promoção da saúde. Foi nesse contexto que surgiu o termo “eHealth”, definido como “o uso eficiente e seguro de tecnologias de informação e comunicação no suporte à saúde e em áreas relacionadas, incluindo serviços de assistência médica, vigilância sanitária, literatura da saúde e educação, conhecimento e pesquisa em saúde” (World Health Organization, 2005, p. 109, tradução nossa). No cenário mundial atual, com os avanços e com a ampla disseminação das tecnologias móveis, destaca-se, dentro da eHealth, a chamada “Mobile Health” (ou mHealth), definida como a “prática médica e de saúde pública apoiada por dispositivos móveis, como telefones celulares, dispositivos de monitoramento de pacientes, assistentes digitais pessoais e outros dispositivos sem fio” (World Health Organization, 2011, p. 6, tradução nossa).

Um dos possíveis campos de atuação da mHealth é o da Saúde Mental. Em consonância com essa afirmação, a OMS, através do Plano de Ação sobre Saúde Mental para o período 2013-2020, recomenda a “promoção do autocuidado, por exemplo, por meio do uso de tecnologias eletrônicas móveis de saúde" (World Health Organization, 2013, p.14, tradução nossa). Dentre os diversos potenciais da conexão entre a mHealth e Saúde Mental, destaca-se a ampla abrangência das intervenções, permitindo alcançar populações de difícil acesso, com um custo-benefício favorável; e a possibilidade de monitoramento constante de informações sobre o “afeto, as cognições e os comportamentos” (Marzano, 2015, tradução nossa) do usuário.

Dentro desse contexto, a ascensão das tecnologias de Inteligência Artificial (IA) está trazendo uma nova perspectiva para a eHealth e para a mHealth. Sichman (2021) esclarece que muito do entusiasmo relacionado às IAs se deve a três principais fatores: o barateamento das tecnologias; o surgimento de inovações, como redes neurais profundas; e uma imensa quantidade de dados disponíveis na internet, advindos do uso massivo de redes e mídias sociais. No entanto, em relação a essas tecnologias, algumas questões devem ser levantadas, como ressaltado por Virginia Dignum:

O desenvolvimento e o uso da IA levantam questões éticas fundamentais para a sociedade, que são de vital importância para o nosso futuro. Já existe muito debate sobre o impacto da IA no trabalho, interações sociais (incluindo cuidados de saúde), privacidade, justiça e segurança (incluindo iniciativas de paz e guerra). O impacto social e ético da IA abrange muitos domínios, por exemplo, os sistemas de classificação de máquinas levantam questões sobre privacidade e preconceitos e veículos autônomos levantam questões sobre segurança e responsabilidade (Dignum, 2019 apud Sichman, 2021 p. 167).


É importante ressaltar que, nesse contexto, a pesquisa em IA possui uma grande importância e uma provável influência em diferentes áreas, como a Saúde Mental. Fiske, Henningsen e Buyx (2019) apontam que diferentes inovações estão surgindo na área da psiquiatria, psicologia e psicoterapia, variando de psicoterapeutas virtuais, chatbots, até ferramentas de suporte à psicoterapia. Essas inovações carregam esperanças em melhorar a qualidade dos cuidados e a expansão do alcance da psicoterapia para populações que necessitam.

No entanto, quanto à implementação de IAs no âmbito da Saúde Mental, algumas questões acabam surgindo. Primeiramente, seriam essas tecnologias eficazes ao ponto de aumentar o bem-estar ou reduzir

o sofrimento dos usuários? Além disso, como explicitado por Norcross e Wampold (2011), a construção de uma relação terapêutica pode determinar os resultados do tratamento, teria um software a capacidade de construir esse vínculo com os usuários? Esta revisão busca evidenciar os achados da literatura recente acerca destas duas questões.


Método

A revisão sistemática da literatura foi realizada em 4 fases: 1) busca sistemática; 2) triagem dos resultados; 3) análise dos estudos incluídos; 4) síntese das evidências identificadas.

A busca foi realizada no período de 25 de maio a 23 de junho de 2023 na base de dados Pubmed e nas bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde. Na Pubmed, todos os filtros foram removidos e os resultados foram ordenados por “Best match” (melhor correspondência). Na Biblioteca Virtual em Saúde, também removeram-se todos os filtros e os resultados foram ordenados por “Relevância”. Em ambos os buscadores, foram selecionados os 100 primeiros resultados por conjunto de palavras-chave.

Para a realização da busca, os autores dividiram as palavras-chave em dois conjuntos principais: Inteligência Artificial (em que foram inseridas as palavras-chave “Inteligência Artificial”; e “Chatbots”) e Saúde Mental (com as palavras-chave “Saúde Mental”; “Psicoterapia” e “Psicologia”). Além disso, também pesquisou-se a tradução dessas palavras-chave para a língua inglesa, ou seja, Inteligência Artificial (“Artificial Intelligence” e “Chatbots”) e Saúde Mental (“Mental Health”; “Psychotherapy” e “Psychology”). Portanto, buscou-se os seguintes conjuntos de palavras-chave em ambos os buscadores: (Inteligência Artificial Saúde Mental); (Inteligência Artificial Psicoterapia); (Inteligência Artificial Psicologia); (Chatbots Saúde Mental); (Chatbots Psicoterapia); (Chatbots Psicologia); (Artificial Intelligence Mental Health); (Artificial Intelligence Psychotherapy); (Artificial Intelligence Psychology); (Chatbots Mental Health); (Chatbots Psychotherapy) e (Chatbots Psychology).

Os critérios de inclusão foram: 1) Acesso aberto; 2) Publicação a partir de 2018; 3) Publicação em português ou inglês; 4) Menção à atuação de IAs no âmbito da Saúde Mental no título e no resumo; 5) Delineamento de estudo experimental ou quase-experimental.

As publicações encontradas foram dispostas em uma planilha na plataforma Notion, por onde ocorreu todo o processo de triagem e seleção das publicações elegíveis. Dentro da mesma plataforma, criou-se uma planilha específica para a extração e análise dos seguintes dados: Autores; Inteligência Artificial utilizada; Forma de atuação da IA; Demanda atendida pela IA; Instrumento de avaliação dos desfechos; Resultados do estudo; Pontos positivos da IA; Limitações da IA e Aspectos da IA que fortalecem a relação com o usuário. Cada publicação elegível teve seus dados extraídos e analisados por dois autores de forma independente. Discrepâncias quanto aos registros foram resolvidas por meio de discussão.


Resultados

A partir das buscas realizadas foram identificados 946 resultados, sendo 531 da PubMed e 415 da Biblioteca Virtual em Saúde. Após a retirada de 400 duplicatas, restaram 546 estudos, dos quais 119 não cumpriam com os critérios: Publicação a partir de 2018 (70); Publicação em português ou inglês (19) e Acesso Aberto (30), restando 427 publicações. Com a leitura dos títulos e resumos, foi possível excluir 260 publicações que não atendiam ao propósito da revisão, restando 167. Das publicações que restaram, 143 foram removidas, por não tratarem de IAs (9) ou não realizarem um delineamento de estudo experimental ou quase-experimental (134). Ao final, apenas 24 estudos cumpriram com todos os critérios de inclusão, dos quais, vale destacar, todos estavam escritos na língua inglesa.

Conforme indicado nas Tabelas 1, 2 e 3, a análise incluiu uma variedade de 23 softwares de Inteligência Artificial distintos. Ao identificarmos as características individuais de cada uma delas, nossa abordagem de análise priorizou a sistematização das informações expressas de maneira explícita em cada estudo.

A Tabela 1 retrata as principais demandas atendidas por essas IAs. “Depressão” foi mencionada em 8 dos estudos (33,3%); “Ansiedade” aparece em 6 deles (25%); 5 estudos não especificaram uma demanda atendida pelo software (20,8%); “Estresse” em 4 dos estudos (16,7%); e "Problemas de Sono", "Comprometimento Cognitivo", "Inatividade", "Adicção", "Déficit na comunicação", "Ostracismo", "Burnout", "Ideação Suicida", "Dor Crônica", "Preocupação quanto a Procedimentos Médicos" e "Hipocondria" foram mencionados uma vez cada (4,2%).

A Tabela 1 também demonstra que, entre as formas de atuação identificadas, algumas se destacam em termos de frequência e relevância. A característica "Conversação Livre" é a mais proeminente, mencionada em 16 dos 24 estudos (66,7% do total); "Psicoeducação" surge em 8 deles (33,3% do total); "Questionário" aparece em 5 (20,8% das análises); "Triagem" e "Técnicas de Mindfulness" em 4 artigos (16,7%); "Reestruturação Cognitiva" em 3 (12,5%); "Técnicas de Relaxamento" e "Ativação Comportamental" em 2 (8,3%); e "Supervisão para o Terapeuta" e "Fornecer Informações Médicas", em um estudo cada (4,2%).

A Tabela 2 apresenta os instrumentos utilizados para avaliar os impactos das intervenções e quais os resultados observados em cada estudo. Quanto aos instrumentos, pode-se realizar uma divisão em dois grupos: aqueles que avaliam os construtos alvos da intervenção e aqueles que avaliam a satisfação do usuário em relação ao software. Do primeiro grupo, destaca-se os questionários PHQ-9 e o GAD-7, que apareceram em 11 (45% do total) e 10 (41,6%) dos estudos, respectivamente. Também apareceram em mais de um estudo os questionários PANAS (4 estudos, 16,6%), DASS-21 (3 estudos, 12,5%), ISI (2

estudos, 8,3%), VAS (2 estudos, 8,3%) e PSS (2 estudos, 8,3%). Enquanto que os questionários Maslach Burnout Inventory, CAGE , CDS-5, RMDQ, NRS, Nine-item Desire Subscale, BPI, SF-12, PGIC, Need to Belong Scale, FFMQ, PROMIS, MoCA, UCLA Loneliness Scale, SSPA, SRS, PSYCHLOPS, ROC, IUS-12, SHAI-18, OSI, SCL-90-R, PHQ-2, PHQ-4, PHQ-8, WHODAS, ONS4, DAST-10, AUDIT-C e

WHO-5 apareceram em somente um estudo (4,1%) cada. Em relação ao grupo de questionários utilizados para avaliar a satisfação do usuário em relação ao software, o WAI-SR, o CSQ-8 e o SUS apareceram em dois estudos cada (8,3%), enquanto que o restante (MAUQ, AES, ETQ, WAQ, UMUX- LITE, AS, CSUQ, UES-SF, Social Connectedness Questionnaire, Godspeed Questionnaire, Anthropomorphism Questionnaire e URP-I) apareceram apenas uma vez cada (4,1%).

Quanto aos resultados das intervenções, também presentes na Tabela 2, mensurados por meio da comparação dos escores presentes no pré-teste e no pós-teste, 17 (70,8%) apresentaram resultados positivos, ou seja, após a intervenção, houve um decréscimo relevante dos sintomas aversivos mensurados pelo instrumento e um aumento do bem-estar dos sujeitos avaliados. Quanto ao restante dos estudos, 7 (29,2%) não apresentaram resultados significativos, ou seja, não foram observadas mudanças significativas entre os escores do pré-teste e do pós-teste.

Tabela 1. Autoria, IA utilizada, Demandas atendidas e Formas de atuação.

Autoria

IA

Demandas Atendidas

Formas de Atuação

Sabour et al.

2023.

Emohaa

(Não especificado)

Conversação Livre, Reestruturação Cognitiva

Goonesekera et al., 2022.

Otis

Hipocondria

Psicoeducação, Conversação Livre

Danieli et al., 2021.

TEO

Ansiedade; Estresse; Depressão

Conversação Livre, Supervisão para o terapeuta

Rathnayaka e t al., 2022.

Bunji

Inatividade

Conversação Livre, Questionário

Mauriello et al., 2021.

Popbots

Estresse

Conversação Livre

Prochaska et al., 2021.


Woebot


Adicção

Psicoeducação, Conversação Livre, Monitoramento De Adicções, Monitoramento Fisiológico, Técnicas de mindfulness

Mehta et al., 2021.

Youper

Ansiedade; Depressão

Conversação Livre, Questionário, Técnicas de relaxamento, Psicoeducação

Gaffney et al., 2020.

MYLO

(Não especificado)

Conversação Livre

Ali et al., 2020.

AEP

Déficit na comunicação

Fornece feedback ao usuário, Reconhecimento de expressão facial

Inkster et al., 2018.

Wysa

Depressão

Conversação Livre, Técnicas de mindfulness

Klos et al., 2021.

Tess

Depressão; Ansiedade

Conversação Livre, Psicoeducação

Christoforak os et al., 2021.


Replika


(Não especificado)


Conversação Livre

De Gennaro et

al., 2020.

Rose

Ostracismo

Conversação livre

Gabrielli et al., 2021.

Atena

Ansiedade, Estresse

Psicoeducação, Técnicas de Mindfulness

Nebot et al., 2022.

LONG-REMI

Comprometimento cognitivo

Reconhecimento de expressão facial, Terapia de reminiscência.

Bird et al., 2018.

MYLO

(Não especificado)

Conversação livre

He et al., 2022.

XiaoE

Depressão

Conversação livre,Triagem

Piette et al., 2022.

(Não especificado)

Dor crônica

Triagem

Daley et al., 2020

Vitalk

Ansiedade, Depressão, Estresse

Ativação comportamental, Psicoeducação, Reestruturação cognitiva, Técnicas de Relaxamento

Philip et al., 2020.


KANOPEE


Problemas de sono

Ativação comportamental, Monitoramento de Adicções, Monitoramento fisiológico, Psicoeducação, Questionário, Triagem

Bray et al., 2020.

Xploro DTx

Preocupação quanto a procedimentos hospitalares

Fornece informações médicas

Bennion et al., 2020.

MYLO, ELIZA

(Não especificado)

Conversação livre, Questionário

Liu et al., 2022.

XiaoNan

Depressão

Conversação livre

Anmella et al., 2023.


Vickybot

Ansiedade, Burnout, Depressão, Ideação Suicida

Entra em contato com a equipe de saúde, Psicoeducação, Questionário, Triagem, Técnicas de Mindfulness


Tabela 2. Autoria, IA utilizada, Instrumentos de avaliação e Resultados das intervenções


Autoria


IA


Instrumentos de Avaliação

Resultados das Intervenções

Sabour et al.

2023.

Emohaa

PHQ-9; GAD-7; PANAS; ISI

Resultados positivos

Goonesekera et al., 2022.


Otis


GAD-7; IUS-12; ONS4; WHO-5; SHAI-18

Sem resultados significativos

Danieli et al., 2021.

TEO

PSS; SCL-90-R; OSI

Resultados positivos

Rathnayaka e t al., 2022.

Bunji

PHQ-2; PHQ-9

Resultados positivos

Mauriello et al., 2021.

Popbots

PHQ-4

Resultados positivos

Prochaska et al., 2021.

Woebot

PHQ-8; GAD-7; DAST-10; AUDIT-C; CSQ-8; WAI-SR; URP-I

Resultados positivos

Mehta et al., 2021.

Youper

PHQ-9; GAD-7

Resultados positivos

Gaffney et al., 2020.


MYLO


PHQ-9; GAD-7; SRS; ROC; PSYCHLOPS

Sem resultados significativos

Ali et al., 2020.


AEP

PROMIS; WHODAS; MoCa; UCLA Loneliness Scale; SSPA; SUS

Sem resultados significativos

Inkster et al., 2018.

Wysa

PHQ-9

Resultados positivos

Klos et al., 2021.


Tess


PHQ-9; GAD-7

Sem resultados significativos

Christoforak os et al., 2021.


Replika

Social Connectedness Questionnaire; Godspeed Questionnaire; Anthropomorphism Questionnaire; Need to Belong Scale; Nine- item Desire Subscale

Sem resultados significativos

De Gennaro et

al., 2020.

Rose

PANAS

Resultados positivos

Gabrielli et al., 2021.

Atena

GAD-7; PSS; FFMQ; UES-SF

Resultados positivos

Nebot et al., 2022.

LONG-REMI

PANAS; VAS; CSUQ

Resultados positivos

Bird et al., 2018.


MYLO


DASS-21

Sem resultados significativos

He et al., 2022.

XiaoE

PHQ-9; WAQ; UMUX-LITE

Resultados positivos

Piette et al., 2022.

(Não especificado)

PHQ-9; SF-12; RMDQ; NRS; PGIC; BPI

Resultados positivos

Daley et al., 2020

Vitalk

PHQ-9; GAD-7; DASS-21

Resultados positivos

Philip et al., 2020.

KANOPEE

ISI; CAGE; CDS-5; AES

Resultados positivos

Bray et al., 2020.

Xploro DTx

VAS

Resultados positivos

Bennion et al., 2020.

MYLO, ELIZA

SUS; DASS-21

Sem resultados

significativos

Liu et al., 2022.

XiaoNan

PHQ-9; GAD-7; PANAS; CSQ-8 WAI-SR

Resultados positivos

Anmella et al., 2023.

Vickybot

PHQ-9; GAD-7; MAUQ; Maslach Burnout Inventory

Resultados positivos


A Tabela 3 indica os “Pontos Positivos”, as “Limitações” e os “Aspetos da IA que fortalecem a relação com o usuário”. Analisando os pontos positivos dos 24 estudos, o aumento da acessibilidade a serviços de saúde mental é um destaque entre as características apontadas pelos estudos, mencionada em 11 deles (45,8%); a individualização da interação aparece em nove (37,5%); seguida pela interação rápida que é mencionada em 7 estudos (29,2%); disponibilidade 24 horas por dia e 7 dias por semana aparece em 6 (25%); o aumento do engajamento dos pacientes é mencionado em 5 estudos (20,8%); anonimato faz 4 aparições (16,7%); a conexão social com a IA é citada 3 vezes (12,5%); 3 dos artigos não apontaram nenhum ponto positivo específico, sendo, portanto, classificados como “Não Especificado” (12,5%); aumento da efetividade no processo terapêutico é mencionado 2 vezes (8,3%); “Coleta de dados em tempo real”, “Complemento à terapia”, “Personalização do avatar”, “Uso de jogos e ferramentas gamificadas” e “Intervenções consistentes e padronizadas” aparecem em apenas 1 estudo cada (4,17%).

Por outro lado, os estudos também apresentam as limitações de cada IA, destacam-se, entre elas, a “Compreensão limitada”, mencionada em 7 dos estudos (29%); “Dificuldades tecnológicas” e “Falta de conexão humana”, citadas em 5 estudos (20,8%); “Repetitividade” em 4 (16,7%); “Falta de validade científica” e “Efeitos de longo prazo desconhecidos” em 2 estudos cada (8,3%); “Baixo engajamento”, “Falta de conexão humana”, “Inaptidão para lidar com situações de crise” e “Interação tediosa” são citados em 1 estudo cada (4,2%). Além disso, 6 dos estudos não especificaram limitações das IAs, sendo, portanto, classificados como “Não especificado” (25%).

Quanto aos aspectos que favorecem a relação do usuário com a IA, a individualização da interação com o usuário é mencionada em 7 estudos (29,2%); interatividade e empatia aparecem em 5 estudos cada

(20,8%); antropomorfismo, quantidade de conteúdo e amigabilidade em 4 cada (16,7%); linguagem natural e feedback constante em 3 estudos cada (12,5%); confiabilidade em 2 (8,3%); e transparência sobre ser um “robô”, o anonimato, a compreensão aumentada o sentimento de que a IA não se sobrecarrega com os problemas do usuário e o sentimento de controle sobre a conversa por parte do usuário aparecem em um estudo cada (4,2%). Além disso, 4 dos estudos não especificaram os aspectos das IAs que favorecem a relação com o usuário, sendo, portanto, classificados como “Não especificado” (16,7%).

Tabela 3. Autoria, IA utilizada, Pontos positivos, Limitações e Aspectos da IA que fortaleceram a relação

Autoria

IA

Pontos Positivos

Limitações

Aspectos da IA que fortalecerem a relação

Sabour et al.

2023.


Emohaa


(Não especificado)

Compreensão limitada e Dificuldades tecnológicas

Antropomorfismo, quantidade de conteúdo

Gooneseker

a et al., 2022.


Otis

Complemento à Terapia e Interação rápida

Dificuldades

tecnológicas e Interação tediosa


Interatividade


Danieli et al., 2021.


TEO

+Efetividade no Processo Terapêutico,

+Engajamento dos pacientes e Disponibilidade 24/7


(Não especificado)


Interatividade


Rathnayaka et al., 2022.


Bunji

Anonimato, Individualização e Intervenções consistentes e padronizadas


(Não especificado)


Amigável, Individualizado, Linguagem natural

Mauriello et al., 2021.


Popbots

+Engajamento dos pacientes, Disponibilidade 24/7

Compreensão limitada e Repetitividade

Confiabilidade, Não se sobrecarrega com os problemas do usuário

Prochaska et al., 2021.

Woebot

Acessibilidade

Inaptidão para lidar com situações de crise

Empatia

Mehta et al., 2021.

Youper

Acessibilidade

(Não especificado)

(Não especificado)

Gaffney et al., 2020.


MYLO

Anonimato, Individualização e Interação rápida

Compreensão limitada e Falta de conexão humana

Individualizado, Indivíduo no controle

Ali et al., 2020.


AEP

Acessibilidade, Anonimato e Interação rápida


Falta de conexão humana

Feedback, Interatividade, Linguagem natural


Inkster et al., 2018.


Wysa

Coleta de dados em tempo real, Disponibilidade 24/7 e Individualização


Compreensão limitada e Repetitividade


Feedback, Individualizado


Klos et al., 2021.


Tess

Acessibilidade, Disponibilidade 24/7, Individualização e Interação rápida

Compreensão limitada e Efeitos a longo prazo desconhecidos


Amigável, Empatia

Christoforak os et al.,

2021.

Replika

Conexão social

(Não especificado)

Antropomorfismo, Interatividade

De Gennaro et al., 2020.


Rose

Acessibilidade, Conexão social e Disponibilidade 24/7

Efeitos a longo prazo desconhecidos.

Empatia, Transparência (assume que é robô)

Gabrielli et al., 2021.


Atena

Acessibilidade, Complemento à Terapia e Interação rápida

Pouco engajamento dos pacientes e Compreensão limitada

Amigável, Individualizado, quantidade de conteúdo

Nebot et al., 2022.

LONG- REMI

Acessibilidade, Individualização, Interação rápida

Efeitos a longo prazo desconhecidos

Interatividade, quantidade de conteúdo

Bird et al., 2018.

MYLO

(Não especificado).

Pouco engajamento dos pacientes

(Não especificado)


He et al., 2022.


XiaoE

+ Engajamento dos pacientes, Acessibilidade, Complemento à Terapia e Individualização

Dificuldades tecnológicas e Repetitividade

Anonimato/Sem julgamento, Compreensão aumentada, Empatia, Individualizado, Linguagem natural, quantidade de conteúdo


Piette et al., 2022.


(Não especificado)

+Efetividade no Processo Terapêutico,

+Engajamento dos pacientes e

Complemento à Terapia


(Não especificado)


(Não especificado).


Daley et al., 2020


Vitalk

+Engajamento dos pacientes, Acessibilidade e Individualização


Falta de validade

Antropomorfismo, Feedback, Individualizado, quantidade de conteúdo

Philip et al., 2020.

KANOPEE

Acessibilidade, Individualização

Pouco engajamento dos pacientes

Confiabilidade, Empatia


Bray et al., 2020.


Xploro DTx

Individualização, Personalização do Avatar e Uso de jogos/Ferramentas gamificadas


(Não especificado)


Antropomorfismo

Bennion et al., 2020.

MYLO, ELIZA


(Não especificado)

Pouco engajamento dos

pacientes, Falta de validade


Individualizado


Liu et al., 2022.


XiaoNan


Acessibilidade e Interação rápida

Compreensão limitada, Dificuldades tecnológicas, Falta de conexão humana, Repetitividade


Amigável


Anmella et al., 2023.


Vickybot

Anonimato (não julgamento), Conexão social, Disponibilidade 24/7

Pouco engajamento dos pacientes, Dificuldades tecnológicas


(Não especificado)


Discussão

O panorama apresentado pelos dados desta revisão evidencia que diversos softwares de Inteligência Artificial voltados para a Saúde Mental encontram-se em desenvolvimento e em processo de validação, o que fornece uma perspectiva favorável em relação à aplicação dessas tecnologias dentro desse contexto. Como explicitado por Murray et al. (2012), a atual força de trabalho clínica é insuficiente para atender às necessidades em constante crescimento de pessoas que enfrentam condições de saúde mental, e essa disparidade entre a demanda atual e a oferta de cuidados de saúde mental exige soluções inovadoras. Portanto, a integração dos avanços tecnológicos a esses serviços é uma importante forma de enfrentamento a essa lacuna. Como demonstrado nesta revisão, demandas como “Depressão”, “Ansiedade”, “Estresse”, entre outros, já estão sendo alvos de variadas intervenções utilizadas por softwares de Inteligência Artificial voltados para a Saúde Mental.

Mesmo com um cenário favorável, essas tecnologias ainda exigem estudos de validação mais aprofundados, de modo a evidenciar os seus riscos em comparação com os benefícios, suas limitações em comparação com os pontos positivos, para que seja feita uma implementação segura e eficaz das IAs no campo da Saúde Mental. Entre os estudos incluídos nesta revisão, a maioria (70,8%) apresentou resultados satisfatórios, ou seja, as intervenções contribuíram de alguma forma com a Saúde Mental dos envolvidos. Diversos pontos positivos relacionados à implementação desse tipo de tecnologia nesse contexto também foram evidenciados entre os estudos, aumento da acessibilidade, interações individualizadas e interações breves são exemplos do que foi identificado e que contribuem para um aval favorável à aplicação dessas intervenções. No entanto, limitações também foram identificadas, a compreensão limitada da subjetividade humana, por exemplo, foi observada em mais de um estudo, o

que pode exigir uma comunicação mais direta, mais nivelada, por parte dos usuários, não refletindo a naturalidade das interações humanas e quebrando a ilusão estabelecida com a IA (Bickmore et al., 2010).

Outro ponto a ser evidenciado é o dos aspectos da IA que favorecem a construção de uma relação terapêutica sólida. Menezes et al. (2019) apontam que a capacidade dos chatbots de adotar uma abordagem conversacional, simulando a interação humana por meio de texto escrito, tem um impacto significativo no engajamento das pessoas, o que pode significar um aumento da Saúde Mental da população geral, uma redução de custos para isso, além de representar uma oportunidade para aqueles indivíduos que enfrentam barreiras como estigma e relutância em procurar aconselhamento de saúde mental tradicional. Conforme destacado nesta revisão, aspectos como a individualização da interação com o usuário, a capacidade de produzir demonstrações empáticas, antropomorfismo, entre outros, são características que favorecem a construção desse vínculo, evidenciando que há essa possibilidade de formação de algo análogo a uma relação terapêutica. Devido a importância da construção desse vínculo, a superação da percepção de “artificialidade” deve ser um importante objeto de estudo entre os desenvolvedores deste tipo de tecnologia, pequenas e sutis características linguísticas podem desempenhar um papel significativo na interação “homem-máquina” (Lucas et al., 2017).


Considerações Finais

Esta revisão buscou demonstrar o potencial de expansão significativo da Inteligências Artificiais no âmbito da Saúde Mental. Embora reconheçamos as limitações existentes em nossa pesquisa, como a ausência de estudos realizados na América do Sul, a falta de padronização quanto aos métodos avaliativos das intervenções e a não adequação a uma diretriz específica para revisões sistemáticas, buscamos demonstrar, de maneira geral, o que está sendo produzido na literatura recente, demonstrando, por exemplo, uma ausência de produções brasileiras sobre o assunto. Acreditamos que este trabalho possa ser um primeiro passo para desbravar esse campo e antecipamos que abrirá caminhos para pesquisas mais aprofundadas.

A análise cuidadosa da aplicabilidade das IAs neste contexto aponta para um horizonte promissor. A integração dessas tecnologias dentro do âmbito da Saúde Mental sugere um avanço significativo na promoção da acessibilidade às pessoas que necessitam de suporte psicológico. Ao mesmo tempo, deve- se reconhecer que essa integração requer uma abordagem responsável, acompanhada de estudos e avaliações rigorosas, de modo a estabelecer diretrizes claras que garantam o bem-estar dos usuários. Portanto, destaca-se a necessidade do incentivo à produção científica na área, a qual ainda está em seus passos iniciais.


Referências

Ali, R., Hoque, E., Duberstein, P., Schubert, L., Razavi, S. Z., Kane, B., ... & Van Orden, K. (2021). Aging and engaging: A pilot randomized controlled trial of an online conversational skills coach for older adults. The American Journal of Geriatric Psychiatry, 29(8), 804-815.

Anmella, G., Sanabra, M., Primé-Tous, M., Segú, X., Cavero, M., Morilla, I., Grande, I., Ruiz, V., Mas, A., Martín-Villalba, I., Caballo, A., Esteva, J. P., Rodríguez-Rey, A., Piazza, F., Valdesoiro, F. J., Rodriguez-Torrella, C., Espinosa, M., Virgili, G., Sorroche, C., Ruiz, A., … Hidalgo-Mazzei, D. (2023). Vickybot, a Chatbot for Anxiety-Depressive Symptoms and Work-Related Burnout in Primary Care and Health Care Professionals: Development, Feasibility, and Potential Effectiveness Studies. Journal of medical Internet research, 25, e43293. https://doi.org/10.2196/43293

Bennion, M. R., Hardy, G. E., Moore, R. K., Kellett, S., & Millings, A. (2020). Usability, Acceptability, and Effectiveness of Web-Based Conversational Agents to Facilitate Problem Solving in Older Adults: Controlled Study. Journal of medical Internet research, 22(5), e16794. https://doi.org/10.2196/16794

Bickmore, T. W., Puskar, K., Schlenk, E. A., Pfeifer, L. M., & Sereika, S. M. (2010). Maintaining reality: Relational agents for antipsychotic medication adherence. Interacting with Computers, 22(4), 276-288.

Bird, T., Mansell, W., Wright, J., Gaffney, H., & Tai, S. (2018). Manage your life online: a web-based randomized controlled trial evaluating the effectiveness of a problem-solving intervention in a student sample. Behavioural and cognitive psychotherapy, 46(5), 570-582.

Bray, L., Sharpe, A., Gichuru, P., Fortune, P. M., Blake, L., & Appleton, V. (2020). The acceptability and impact of the Xploro digital therapeutic platform to inform and prepare children for planned procedures in a hospital: before and after evaluation study. Journal of medical Internet research, 22(8), e17367.

Christoforakos, L., Feicht, N., Hinkofer, S., Löscher, A., Schlegl, S. F., & Diefenbach, S. (2021). Connect With Me. Exploring Influencing Factors in a Human-Technology Relationship Based on Regular Chatbot Use. Frontiers in digital health, 3, 689999. https://doi.org/10.3389/fdgth.2021.689999

Daley, K., Hungerbuehler, I., Cavanagh, K., Claro, H. G., Swinton, P. A., & Kapps, M. (2020). Preliminary Evaluation of the Engagement and Effectiveness of a Mental Health Chatbot. Frontiers in digital health, 2, 576361. https://doi.org/10.3389/fdgth.2020.576361

Danieli, M., Ciulli, T., Mousavi, S. M., & Riccardi, G. (2021). A conversational artificial intelligence agent for a mental health care app: Evaluation study of its participatory design. JMIR Formative Research, 5(12), e30053.

De Gennaro, M., Krumhuber, E. G., & Lucas, G. (2020). Effectiveness of an Empathic Chatbot in Combating Adverse Effects of Social Exclusion on Mood. Frontiers in psychology, 10, 3061. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.03061

Fiske, A., Henningsen, P., & Buyx, A. (2019). Your robot therapist will see you now: ethical implications of embodied artificial intelligence in psychiatry, psychology, and psychotherapy. Journal of medical Internet research, 21(5), e13216.

Gabrielli, S., Rizzi, S., Bassi, G., Carbone, S., Maimone, R., Marchesoni, M., & Forti, S. (2021). Engagement and Effectiveness of a Healthy-Coping Intervention via Chatbot for University Students During the COVID-19 Pandemic: Mixed Methods Proof-of-Concept Study. JMIR mHealth and uHealth, 9(5), e27965. https://doi.org/10.2196/27965

Gaffney, H., Mansell, W., & Tai, S. (2020). Agents of change: Understanding the therapeutic processes associated with the helpfulness of therapy for mental health problems with relational agent MYLO. Digital Health, 6, 2055207620911580.

Goonesekera, Y., & Donkin, L. (2022). A Cognitive Behavioral Therapy Chatbot (Otis) for Health Anxiety Management: Mixed Methods Pilot Study. JMIR formative research, 6(10), e37877. https://doi.org/10.2196/37877

He, Y., Yang, L., Zhu, X., Wu, B., Zhang, S., Qian, C., & Tian, T. (2022). Mental Health Chatbot for Young Adults With Depressive Symptoms During the COVID-19 Pandemic: Single-Blind, Three-Arm Randomized Controlled Trial. Journal of medical Internet research, 24(11), e40719. https://doi.org/10.2196/40719

Inkster, B., Sarda, S., & Subramanian, V. (2018). An empathy-driven, conversational artificial intelligence agent (Wysa) for digital mental well-being: real-world data evaluation mixed-methods study. JMIR mHealth and uHealth, 6(11), e12106.

Klos, M. C., Escoredo, M., Joerin, A., Lemos, V. N., Rauws, M., & Bunge, E. L. (2021). Artificial Intelligence-Based Chatbot for Anxiety and Depression in University Students: Pilot Randomized Controlled Trial. JMIR formative research, 5(8), e20678. https://doi.org/10.2196/20678

Liu, H., Peng, H., Song, X., Xu, C., & Zhang, M. (2022). Using AI chatbots to provide self-help depression interventions for university students: A randomized trial of effectiveness. Internet interventions, 27, 100495. https://doi.org/10.1016/j.invent.2022.100495

Lucas, G. M., Rizzo, A., Gratch, J., Scherer, S., Stratou, G., Boberg, J., & Morency, L. P. (2017). Reporting mental health symptoms: breaking down barriers to care with virtual human interviewers. Frontiers in Robotics and AI, 4, 51.

Marzano, L., Bardill, A., Fields, B., Herd, K., Veale, D., Grey, N., & Moran, P. (2015). The application of mHealth to mental health: opportunities and challenges. The Lancet Psychiatry, 2(10), 942-948.

Mauriello, M. L., Tantivasadakarn, N., Mora-Mendoza, M. A., Lincoln, E. T., Hon, G., Nowruzi, P., Simon, D., Hansen, L., Goenawan, N. H., Kim, J., Gowda, N., Jurafsky, D., & Paredes, P. E. (2021). A Suite of Mobile Conversational Agents for Daily Stress Management (Popbots): Mixed Methods Exploratory Study. JMIR formative research, 5(9), e25294. https://doi.org/10.2196/25294

Mehta, A., Niles, A. N., Vargas, J. H., Marafon, T., Couto, D. D., & Gross, J. J. (2021). Acceptability and effectiveness of artificial intelligence therapy for anxiety and depression (Youper): Longitudinal observational study. Journal of medical Internet research, 23(6), e26771.

Menezes, P., Quayle, J., Claro, H. G., Da Silva, S., Brandt, L. R., Diez-Canseco, F., ... & Araya, R. (2019). Use of a mobile phone app to treat depression comorbid with hypertension or diabetes: a pilot study in Brazil and Peru. JMIR mental health, 6(4), e11698.

Murray, C. J., Vos, T., Lozano, R., Naghavi, M., Flaxman, A. D., Michaud, C., ... & Haring, D. (2012). Disability-adjusted life years (DALYs) for 291 diseases and injuries in 21 regions, 1990–2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. The lancet, 380(9859), 2197-2223.

Nebot, À., Domènech, S., Albino-Pires, N., Mugica, F., Benali, A., Porta, X., ... & Santos, P. M. (2022). LONG-REMI: an AI-based technological application to promote healthy mental longevity grounded in reminiscence therapy. International journal of environmental research and public health, 19(10), 5997.

Norcross, J. C., & Wampold, B. E. (2011). Evidence-based therapy relationships: research conclusions and clinical practices. Psychotherapy, 48(1), 98 .

Philip, P., Dupuy, L., Morin, C. M., de Sevin, E., Bioulac, S., Taillard, J., ... & Micoulaud-Franchi, J. A. (2020). Smartphone-based virtual agents to help individuals with sleep concerns during COVID-19 confinement: feasibility study. Journal of medical Internet research, 22(12), e24268.

Piette, J. D., Newman, S., Krein, S. L., Marinec, N., Chen, J., Williams, D. A., Edmond, S. N., Driscoll, M., LaChappelle, K. M., Kerns, R. D., Maly, M., Kim, H. M., Farris, K. B., Higgins, D. M., Buta, E., & Heapy, A. A. (2022). Patient-Centered Pain Care Using Artificial Intelligence and Mobile Health Tools: A Randomized Comparative Effectiveness Trial. JAMA internal medicine, 182(9), 975–983. https://doi.org/10.1001/jamainternmed.2022.3178

Prochaska, J. J., Vogel, E. A., Chieng, A., Kendra, M., Baiocchi, M., Pajarito, S., & Robinson, A. (2021). A therapeutic relational agent for reducing problematic substance use (Woebot): development and usability study. Journal of medical Internet research, 23(3), e24850.

Rathnayaka, P., Mills, N., Burnett, D., De Silva, D., Alahakoon, D., & Gray, R. (2022). A Mental Health Chatbot with Cognitive Skills for Personalised Behavioural Activation and Remote Health Monitoring. Sensors (Basel, Switzerland), 22(10), 3653. https://doi.org/10.3390/s22103653

Sabour, S., Zhang, W., Xiao, X., Zhang, Y., Zheng, Y., Wen, J., Zhao, J., & Huang, M. (2023). A chatbot for mental health support: exploring the impact of Emohaa on reducing mental distress in China. Frontiers in digital health, 5, 1133987. https://doi.org/10.3389/fdgth.2023.1133987

Sichman, J. S. (2021). Inteligência Artificial e sociedade: avanços e riscos. Estudos Avançados, 35, 37- 50.

World Health Organization. (2005). Fifty-eighth World Health Assembly, Geneva, 16-25 may 2005: resolutions and decisions, annex. In Fifty-eighth world health assembly, geneva, 16-25 may 2005: resolutions and decisions, annex.

World Health Organization (2013). Mental Health Action Plan 2013-2020.

World Health Organization. (2011). mHealth: new horizons for health through mobile technologies.

World Health Organization. (2001). The World Health Report 2001: Mental health: new understanding, new hope.

World Health Organization. (2022). World mental health report: transforming mental health for all.

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.16276


AFETO FAMILIAR E DESEMPENHO ESCOLAR DE CRIANÇAS NO ENSINO FUNDAMENTAL I

UMA REVISÃO INTEGRATIVA


FAMILY AFFECTION AND SCHOOL PERFORMANCE OF CHILDREN IN ELEMENTARY SCHOOL

An integrative review


AFECTO FAMILIAR Y DESEMPEÑO ESCOLAR DE LOS NIÑOS DE LA ESCUELA PRIMARIA

Una revisión integradora


Caroline Francisca Eltink

(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental e Graduação em Psicologia da Universidade Paulista - UNIP, Brasil)

caroline.eltink@docente.unip.br


Ana Carolina Chicanelli (Universidade Paulista - UNIP, Brasil) carolchicanelli@gmail.com


Tawane Lankaster de Almeida (Universidade Paulista - UNIP, Brasil) tawaneestudando@gmail.com

Recebido: 31/01/2024 Aprovado: 31/01/2024


RESUMO

image

Família e escola são os dois primeiros contextos de desenvolvimento afetivo, cognitivo e social da criança. As experiências vividas nos contextos familiar e escolar interferem nas aprendizagens escolares. O objetivo deste estudo foi investigar os efeitos das relações afetivas familiares no desempenho escolar de alunos do Ensino Fundamental I e conhecer quais orientações são dadas a professores diante de alunos com problemas de aprendizagem ocasionados por afetos negativos nas relações familiares. Foi realizada uma revisão bibliográfica integrativa de artigos científicos nas bases de dados SciELO, PePSIC e BVS- Psi, utilizando-se o operador booleano AND e os descritores “relações familiares”, “desempenho acadêmico”, “desenvolvimento infantil”, “problemas de aprendizagem” e “afeto”, “interação pai(s) e filho(s)”, “motivação”, “parentalidade”, “empatia”, “rendimento escolar” e “aluno”. Foram adotados como critérios de inclusão: artigos publicados entre 2012 e 2022, em português, disponibilizados gratuitamente on-line e na íntegra. De 11.557 artigos encontrados, após aplicação dos critérios de inclusão, foram selecionados 80 e, destes, cinco contemplaram os objetivos deste estudo. Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo e apontam que a relação afetiva familiar positiva apresenta consequências positivas no desempenho escolar; as relações afetivas familiares negativas afetam negativamente; e

que não são dadas orientações a professores sobre como lidar com alunos com problemas de aprendizagem, devido a problemas nas relações afetivas familiares. Observa-se que novos estudos devem ser desenvolvidos, considerando-se as lacunas identificadas no acervo selecionado.

Palavras-chave: relações familiares. desempenho acadêmico. vínculo afetivo. saúde mental.


ABSTRACT

Family and school are both primary contexts of a child's affective, cognitive and social development. Experiences lived in family and school contexts can impact school learning. The objective of the study was to investigate the effects of family affective relationships on the academic performance of students in Elementary School I. Additionally, the study aimed to determine the guidance provided to teachers when dealing with students with learning problems caused by negative affects in family relationships. An integrative bibliographic review of scientific articles was conducted in the SciELO, PePSIC and BVS-Psi databases, using the Boolean operator AND and the descriptors “family relationships”, “academic performance”, “child development”, “learning problems”, “affection”, “parent child relations”, “motivation”, “parenting”, “empathy”, “education achievement” and “student”. The following inclusion criteria were adopted: articles published between 2012 and 2022, written in Portuguese, and freely available online and in full. Out of the 11,557 articles that were found, after applying the inclusion criteria, 80 were selected, and of these, five met the objectives of this study. The data was analyzed using content analysis and indicates that the positive family relationship have positive consequences on school performance. Conversely, negative affective family relationships have a negative impact. Additionally, the data reveals that teachers are not provided with guidance on how to handle with students having learning problems due to negative affective family relationships. It is observed that new studies must be developed, taking into account the gaps identified in the sample analyzed.

Keywords: family relations. academic performance. emotional bonds. mental health.


RESUMEN

La familia y la escuela son los dos primeros contextos del desarrollo afectivo, cognitivo y social del niño. Las experiencias vividas en contextos familiares y escolares interfieren en el aprendizaje escolar. El objetivo del estudio fue investigar los efectos de las relaciones afectivas familiares en el rendimiento académico de los estudiantes de la Escuela Primaria, y conocer qué orientación se puede dar a los docentes al trabajar con estudiantes con problemas de aprendizaje causados por afectos negativos en las relaciones familiares. Se realizó una revisión bibliográfica integradora de artículos científicos en las bases de datos SciELO, PePSIC y BVS-Psi, utilizando el operador booleano AND y los descriptores “relaciones familiares”, “rendimiento académico”, “desarrollo infantil”, “problemas de aprendizaje”, “afecto” “relaciones padre-hijo”, “motivación”, “responsabilidad parental”, “empatía”, “rendimiento escolar”, y “estudiantes”. Se adoptaron los siguientes criterios de inclusión: artículos publicados entre 2012 y 2022, en portugués, y disponibles gratuitamente en línea y en su totalidad. De 11.557 artículos encontrados, después de la aplicación de los criterios de inclusión, se seleccionaron 80, y de estos, cinco cumplieron con los objetivos de este estudio. Los datos fueron analizados mediante análisis de contenido e indican que la relación familiar positiva tiene consecuencias positivas en el desempeño escolar; las relaciones familiares afectivas negativas afectan negativamente; y que no hay orientación a los docentes sobre cómo trabajar con los estudiantes con problemas de aprendizaje debido a sus problemas en las relaciones familiares. Se observa que se deben desarrollar nuevos estudios, considerando los vacíos identificados en la colección seleccionada.

Palabras clave: relaciones familiares. rendimiento académico. vínculo afectivo. salud mental.


Família: um conceito sócio-histórico

Considerada a unidade social mais antiga e mais importante na sociedade, a família é uma instituição milenar que vem garantindo a organização social e a reprodução de costumes e valores (Fabrino, 2012). A criança, ao nascer, devido a sua total dependência e prolongada inaptidão, é incapaz de resolver suas próprias necessidades para sobrevivência, necessitando do outro para cuidar dela física e culturalmente, por isso precisa de uma instituição social especial que a auxilie nessa fase (Bowlby, 1989). É na família que ela terá seus primeiros contatos com valores, crenças, afetos, ideias e conhecimentos da cultura em que está inserida. Segundo Wallon (1959/1986), a pessoa constitui-se nesse contexto, entre as exigências do organismo e as da sociedade.

A família é a primeira instituição social registrada na sociedade humana, assim, sua definição foi se estabelecendo de acordo com a época e o contexto socioeconômico e cultural de cada momento da história. O termo família advém da expressão latina famulus, que significa “escravo doméstico”, referindo-se aos escravos que trabalhavam de forma legalizada na agricultura familiar em uma região onde hoje fica a Itália (Miranda, 2001). De acordo com Rosas (2019), a formação familiar entre os membros romanos era mantida por meio de vínculos religiosos, ou seja, as pessoas cultuavam os mesmos antepassados. Havia a figura de autoridade, o pater família, que detinha o poder sobre os seus familiares a ponto de o Estado não interferir. A estrutura familiar era monogâmica e influenciada pelo patriarcado. Naquela época, apesar da afetividade estar presente, ela não era o foco principal em uma família.

A partir do século V, com a chegada do cristianismo, o modelo romano começou a entrar em decadência. A estrutura canônica cristã não só colaborou com o surgimento das questões de solidariedade, amor, ordem moral e caridade, como também passou a definir que as relações familiares deveriam se constituir pela consanguinidade (Ariès, 1986).

De modo geral, na Idade Média, as famílias não eram constituídas pelos vínculos afetivos. Conforme aponta Ariès (1986), os altos índices de mortalidade infantil e de infanticídios praticados naquela época, associados à crença de que os filhos poderiam ser substituídos por outros, indicam que o sentimento de amor materno e o conceito de infância não existiam. Os pais mantinham os filhos em casa até por volta de 8 anos de idade e, então, as crianças iam trabalhar no campo ou na casa de outras pessoas (Ariès, 1986). Foi também nessa fase da história que se passou a compreender o matrimônio como um contrato a ser estabelecido entre o casal.

Com a Revolução Francesa, os casamentos deixaram de ser tão ligados à religião. A Revolução Industrial ocasionou um aumento na migração das famílias para os centros urbanos e reduziu os laços entre seus integrantes (Fabrino, 2012). Segundo Ariès (1986), conceito de infância foi sendo construído historicamente a partir do final da Idade Média e durante a Idade Moderna na Europa, e o sentimento de família emergiu entre os séculos XVI e XVII, juntamente ao sentimento de infância. A sociedade começou a ver as crianças como alguém que precisa ser cuidado e protegido. O interesse que começou a se manifestar pela infância era, para o autor, uma forma de expressão particular de um sentimento de família.

No século XIX, a concepção de família formada a partir da sociedade burguesa é a da família nuclear, a qual deveria adotar determinadas crenças e seguir alguns costumes. Era composta por um pai (figura masculina), uma mãe (figura feminina) e seu(s) filho(s), cada qual com um papel social definido. O pai passou a ser visto como o responsável pela condição financeira, a mãe por organizar a casa e cuidar dos filhos, e as crianças eram as que deveriam estudar e brincar (Fabrino, 2012).

Ao longo do tempo, as configurações familiares foram sofrendo modificações em sua organização devido a influências religiosas, econômicas e sociais. O afeto e as manifestações afetivas começaram a ter maior visibilidade, tanto nos vínculos familiares quanto na definição de elos de parentesco.

O modelo de família centrado na figura masculina paterna, provedora financeira do núcleo familiar, começou a sofrer algumas modificações no início do século XX. Isso provavelmente está associado à entrada das mulheres de classe média no mercado de trabalho e à influência das escolas sobre as crianças.

Rosas (2019) aponta que a concepção de família conhecida no século XXI, no Brasil, sofreu intervenções dos modelos europeus, com influências romanas, canônicas, germânicas e da burguesia europeia do século XIX. O autor afirma, por exemplo, que os movimentos sociais feministas brasileiros, a luta por direitos sexuais, a entrada da mulher de classe média no mercado de trabalho e a urbanização também resultaram, no País, na substituição do poder patriarcado familiar pelas relações familiares estabelecidas pelo afeto. O Estado, por exemplo, modificou o Código Civil Brasileiro (2002), baseado na Constituição Federal de 1988, projetando uma forma mais ampla da paternidade, na qual o afeto e os compromissos são interpretados como os fatos mais importantes na instituição familiar.

O modelo familiar atual tomou outras formas, além da formação de família nuclear com pai, mãe e filhos, atualmente, a família é definida como um grupo de pessoas, com relação sanguínea ou não, que convive em uma relação de respeito mútuo e que se mantêm unidas pelo vínculo afetivo (Dias, 2006). Portanto, as configurações familiares atuais são diversas e podem apresentar peculiaridades. É possível encontrar famílias formadas por pai, mãe e filho(s); um avô ou avó e um neto; um casal sem filhos; um casal homoafetivo, com ou sem filhos; uma mãe solo e seu filho; um pai solo e seu filho; tios e sobrinhos; pais separados com outro cônjuge e seus filhos; entre tantas outras possibilidades. Como afirma Rosas (2019), a família socioafetiva nasceu estruturada pelo zelo e pela responsabilidade recíproca na rotina de seus membros.


Afetividade e desenvolvimento infantil no contexto familiar

A criança, no início de sua vida, é um organismo dependente, que necessita do auxílio da família para ofertar-lhe cuidados físicos e proporcionar-lhe um ambiente seguro e continente, no qual possa desenvolver suas capacidades físicas, mentais e sociais (Bowlby, 1989). O bebê necessita do meio social para interpretar e dar significado às suas manifestações de bem-estar e mal-estar, de tal modo que, do ponto de vista de Wallon (1959/1986), elas suscitem nos adultos que o cercam, reações de cunho afetivo e de natureza emocional.

As ações e reações do bebê despertam nos adultos as respostas para que as necessidades dele sejam atendidas. Assim, gradativamente, um campo de comunicação com repertórios de significados comuns vai sendo construído (Mahoney & Almeida, 2000). Complementarmente, segundo Bowlby, essas interações promovem o desenvolvimento do comportamento de apego, o qual envolve um conjunto de comportamentos por meio dos quais a criança inicia, ou mantém, uma relação afetiva com um ou mais indivíduos de seu grupo social (Bowlby, 1989). Na perspectiva walloniana, a pessoa emerge de uma rede de relações entre os conjuntos afetivo, motor e cognitivo, e entre esses conjuntos e seus fatores determinantes, orgânicos e sociais (Mahoney & Almeida, 2000).

A vida familiar é o primeiro contexto de desenvolvimento e de aprendizado emocional do bebê (Goleman, 1995; Wallon, 1959/1986). Nesse primeiro núcleo social, as práticas parentais influenciam o processo de construção de autorregulação, habilidades sociais e comportamentos pró-sociais da criança. Por meio das interações, as crianças aprendem a interpretar seus sentimentos, os dos outros e como os outros vão reagir aos sentimentos que estão expressando (Papalia & Feldman, 2013), influenciando seu desenvolvimento como pessoa.

A capacidade de regular os próprios sentimentos é um dos avanços importantes entre os 3 e 6 anos, sendo que a autorregulação emocional ajuda a criança a regular e ajustar seu comportamento de modo a

atender às expectativas do contexto e da cultura nos quais está inserida. Entre os 6 e 11 anos, as crianças cujos pais são bons orientadores emocionais, tendem a se tornar mais empáticas e pró-sociais, agir adequadamente em situações sociais e lidar com problemas de forma construtiva (Goleman, 1995; Papalia & Martorell, 2022).

Quando os pais ou responsáveis sabem reconhecer as emoções de seus filhos, permitem que expressem e nomeiem seus sentimentos, eles contribuem para que seus filhos entendam e reconheçam melhor as emoções (Papalia & Martorell, 2022). Por exemplo, pais que reconhecem os sentimentos de dor de seus filhos e ajudam-nos a solucionar o problema, estimulam o desenvolvimento da empatia, do comportamento pró-social e de habilidades sociais.

Em torno de 7 anos, a criança começa a entender que os estados emocionais podem provocar emoções – por exemplo, o que uma pessoa acredita, mesmo que não seja verdade, pode afetar seu estado emocional. Já em torno de 9 anos, a criança começa a entender que uma mesma situação pode ser vista de diversos pontos de vista, e que as pessoas podem ter emoções conflitantes, como ficar com raiva e ao mesmo tempo amar alguém (Papalia & Martorell, 2022).

Segundo Wallon (1959/1986), no estágio categorial, entre 6 e 11 anos, a criança consegue identificar o que é de si e o que é do outro, diferenciando-se claramente do mundo exterior. É uma fase do desenvolvimento humano em que, no conjunto da evolução mental, emerge uma estabilidade relativa, comparativamente ao estágio seguinte, da puberdade e adolescência. Nessa fase, a criança toma conhecimento de suas possibilidades, construindo um conhecimento mais complexo e concreto de si mesma. Ela aprende a se conhecer como pessoa pertencente a diferentes grupos, com diferentes papéis sociais e atividades diversificadas.

À medida que as crianças adquirem maior autonomia, começam a negociar e comunicar suas novas necessidades, e a maneira como os pais lidam com essas mudanças exerce uma grande influência na família. A relação entre pais e filhos como um todo afeta o modo como um filho reage às tentativas dos pais de regularem seu comportamento mais autônomo. Além disso, a forma como o conflito familiar é resolvido também é importante (Papalia & Martorell, 2022).

As famílias variam em relação ao tipo de disciplina que utilizam para regular o comportamento mais autônomo dos filhos. As práticas educativas parentais, segundo Alvarenga e Piccinini (2001), são utilizadas para educar, instruir, socializar e controlar o comportamento dos filhos. Elas podem ser utilizadas em intensidades e frequências variadas, gerando estilos parentais diversos. Os pais usam estratégias disciplinares indutivas ou de força coercitiva com o objetivo de comunicar à criança o desejo de que ela modifique seu comportamento (Mondin, 2005).

Diversos autores apontam que o uso frequente de estratégias coercitivas tende a produzir efeitos desfavoráveis no processo de socialização, contudo, seu uso esporádico não foi visto como necessariamente desfavorável (Alvarenga & Piccinini, 2001). Entretanto, ao se considerar as relações entre problemas de comportamento e práticas parentais, as estratégias coercitivas aparecem relacionadas a comportamentos externalizantes (Alvarenga & Piccinini, 2001).

Como apontam Papalia e Martorell (2022), crianças expostas a altos níveis de conflito familiar tendem a demonstrar problemas de comportamentos externalizantes ou internalizantes para expressar suas dificuldades emocionais. Podem ser diversos os comportamentos externalizantes, como agressividade, hiperatividade, desobediência, hostilidade ou comportamento delinquente. Os comportamentos internalizantes incluem ansiedade, medo e depressão.

Além disso, a forma como o conflito familiar é resolvido também interfere no desenvolvimento das condutas pró-sociais infantis (Papalia & Martorell, 2022). As diferenças culturais foram identificadas como um moderador dos efeitos das práticas educativas sobre o comportamento infantil, produzindo efeitos diversos em diferentes contextos (Alvarenga & Piccinini, 2001; Mondin, 2005; Papalia & Martorell, 2022). Por exemplo, um estudo relatado por Alvarenga e Piccinini (2001) aponta que o uso

de punições físicas apareceu associado a problemas de comportamento externalizantes em crianças americanas de origem europeia, mas não em crianças afro-americanas.

Portanto, o desenvolvimento da pessoa pode ser definido como um processo em aberto, no qual as existências social e individual estão em constante transformação, marcadas pela situação histórica e cultural concretas em que ocorrem. Assim, não há como estudar o desenvolvimento sem considerar as condições sociais da existência do indivíduo, incluindo seus contextos familiar e social mais amplo, como a escola.


Desenvolvimento, aprendizagem e desempenho acadêmico no contexto escolar

Como dito anteriormente, o ambiente familiar é um importante contexto de desenvolvimento infantil. Entretanto, quando a criança começa a frequentar a escola, ela começa a ficar mais tempo fora de casa. Apesar disso, a família ainda continua sendo uma parte importante na vida da maioria dela (Wallon, 1959/1986).

Diferentemente da família, a escola é responsável pela educação formal, ou seja, é o espaço onde ocorrem as aprendizagens científica, tecnológica, sociológica, antropológica e filosófica. O meio escolar é fundamental para o desenvolvimento infantil, pois oferece novas oportunidades de convivência e possibilita, por meio de novas interações, uma progressiva individuação da consciência da pessoa. A escolarização obriga a criança a se adaptar a novos meios, com grupos e interesses distintos. Ela exige a participação em relações diversificadas, em certos aspectos mais flexíveis que as relações mantidas na família, em outros aspectos menos flexíveis, por ser uma instituição com objetivos diversos e que tem formas específicas de funcionamento. A conduta da criança resulta, portanto, de um conjunto de forças entre mudanças maturacionais, exigências do “novo” meio e regras internalizadas na primeira infância, que orientam ora para uma, ora para outra direção, tendo em vista as novas necessidades que surgem, na fase de 6 a 11 anos, de maior autonomia e atividade social (Mahoney & Almeida, 2000).

Na atualidade, a escola tem encontrado desafios anteriormente não imaginados. Um dos desafios é o de fornecer a formação integral ao aluno em meio a multietnicidade e da convivência plural e democrática, respeitando-se a individualidade na diversidade. Este desafio ultrapassa a função primeira da escola de oferecer a educação formal, o que exige dela um posicionamento diante das novas demandas da sociedade em relação às metas para a formação humana (Ferreira & Acioly-Régnier, 2010). A escola tem assumido a tarefa de desenvolver conhecimentos e habilidades, tarefas que, no passado, eram exercidas por outras instituições como as famílias, as comunidades e a Igreja, por exemplo.

Dessa forma, em meio a todos os desafios que a instituição escolar enfrenta, como o analfabetismo, a evasão escolar e a violência, deve-se considerar o aluno como uma pessoa completa. Também na escola estão presentes, em movimento relacional dialético, os processos cognitivos, a racionalidade, a afetividade, a emotividade e a subjetividade do aluno. Afetividade e cognição são dois campos funcionais interligados e que se influenciam ao longo de todo o desenvolvimento nos diferentes contextos sociais em que a pessoa está inserida (Galvão, 1995). Assim, o aluno não deve ser visto só como alguém que pensa e aprende, mas também como uma pessoa com afetos, emoções, valores culturais, crenças, saberes, experiências e conhecimentos. A educação vai além dos aspectos relacionados à instrução, ela participa da construção de um conjunto de valores, normas e atitudes, e, para tanto, família e escola devem manter canais de comunicação e relações de parceria e confiança mútua.

A afetividade está presente na aprendizagem e nos processos cognitivos do aluno e, por esse motivo, professores e educadores devem levar em consideração as emoções das crianças. A tarefa de um professor/educador é a de compreender o humano como pessoa completa (Mahoney & Almeida, 2000). Os afetos podem produzir efeitos positivos no processo de aprendizagem ao motivarem o aluno a aprender, mas o processo de aprender também pode ser afetado negativamente pela afetividade (Wieczorkievicz & Baade, 2020).

Chaves e Barbosa (1998) e Ribeiro (2010) constataram que os alunos demonstram maior interesse pelas disciplinas cujos professores mantêm uma relação amistosa com eles, fazem-lhes elogios e os incentivam, trocam ideias sobre seus deveres, questionam sobre sua vida e demonstram afeição ou, ao menos, não são agressivos. Quando a relação professor-aluno não é boa, e está atravessada por afetos negativos, isso pode produzir efeitos negativos na aprendizagem, dificultando, consequentemente, o bom desempenho do aluno e afetando seu desenvolvimento socioemocional (Ribeiro, 2010).

De acordo Wallon (1959/1986, conforme citado por Ferreira & Acioly-Régnier, 2010), é importante que o professor consiga acolher os sentimentos negativos do aluno, sem buscar reprimi-los, manejando-os de maneira a criar um espaço para a entrada do cognitivo como estruturador do afeto.

A aprendizagem é a consequência do entrelaçamento de uma rede de fatores, externos e internos, presentes nos dois contextos principais vividos pela criança: a família e a escola. Diversos autores apontam que as relações afetivas familiares produzem efeitos no contexto escolar e, mais ainda, no rendimento escolar. De modo geral, estudos apontam a forte relação entre estilo parental, práticas educativas positivas e negativas e os comportamentos de crianças e adolescentes (Toni & Hecaveí, 2014), desses alguns investigaram a relação entre as práticas educativas parentais e o desempenho acadêmico.

Pesquisadores referem que as práticas parentais, o rendimento escolar e as formas de se socializar estão inter-relacionados (Gomide, 2003; Toni & Hecaveí, 2014). As práticas educativas parentais positivas tendem a transmitir confiança, amor e carinho na relação entre pais e filhos, contribuindo, assim, para o desenvolvimento de comportamentos pró-sociais e alto rendimento acadêmico, os quais apresentaram como características uma relação familiar mais aberta e envolvida, baseada em diálogos e regras, com monitoria positiva. As práticas parentais negativas resultam em comportamento agressivo, tendência a apresentar comportamentos antissociais, desencadeando estresse e desconfiança, mostrando-se associado a um baixo desempenho acadêmico. Em geral, estão associadas ao uso de punições por meio de agressões físicas ou morais, não acompanhamento do processo escolar do filho ou mesmo a uma disciplina relaxada. Nesses casos, a criança, além de apresentar baixo rendimento acadêmico, mostra-se com dificuldades em aprender a cumprir regras e a assumir responsabilidades. O uso de práticas de abuso físico nas interações familiares desenvolve na criança um repertório de violência física, ou seja, a sua habilidade social, a maneira de resolver problemas quando for contrariada, será a de utilizar a força física, pois entende que ela é necessária para solucionar conflitos (Carvalho et al., 2019; Gomide, 2003; Patias et al., 2012; Wieczorkievicz & Baade, 2020). Portanto, a qualidade dos primeiros relacionamentos na família e, posteriormente, dos relacionamentos com os professores na escola, pode definir percursos de desenvolvimento e de aprendizagem escolar, influenciando tanto o rendimento escolar quanto as dimensões, afetiva, cognitiva e social da pessoa.

Este estudo objetivou investigar artigos publicados em português nos últimos dez anos a respeito dos efeitos das relações afetivas familiares no desempenho escolar de alunos do Ensino Fundamental I, e conhecer quais orientações foram dadas a professores para trabalharem com alunos que estão apresentando problemas de aprendizagem ocasionados pela presença de afetos negativos nas relações familiares.

Materiais e métodos

Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório, realizado por meio de uma revisão bibliográfica integrativa de artigos científicos. Essa abordagem metodológica foi escolhida por proporcionar uma síntese do conhecimento por meio de uma variedade de fontes, sendo um método de pesquisa que se apoia na Prática Baseada em Evidências (PBE). O estudo foi desenvolvido nas bases de dados Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC) e Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia (BVS-Psi), utilizando-se o operador booleano AND e os descritores “relações familiares”, “desempenho acadêmico”, “desenvolvimento infantil”, “problemas de aprendizagem”, “afeto”, “interação pai(s) e filho(s)”, “motivação”, “parentalidade”, “empatia”, “rendimento escolar” e “aluno”. A pergunta foi construída por meio da estratégia PICo, sendo P – População: crianças entre 6 e

11 anos; I – Interesse: relações afetivas parentais e rendimento escolar; e Co – Contexto: Ensino Fundamental.

Foram adotados como critérios de inclusão: artigos publicados entre 2012 e 2022, em português, disponibilizados on-line e na íntegra, que abordassem relações familiares, afetividade, desempenho acadêmico e aprendizagem. Foram critérios de exclusão: artigos repetidos, artigos de revisão bibliográfica, publicados fora do período de 2012 a 2022, em outras línguas, não disponibilizados on- line e integralmente, e artigos que não respondiam às perguntas do estudo.

O levantamento bibliográfico foi realizado entre os meses de agosto a novembro de 2022, e o gerenciamento das referências foi feito com o uso do software Excel. Finalizado o levantamento bibliográfico, procedeu-se à exclusão das duplicidades e, posteriormente, à leitura dos títulos e resumos dos artigos por dois avaliadores independentes. As diferenças de decisão foram discutidas entre os dois avaliadores até atingirem o consenso sobre a inclusão dos artigos para leitura completa.

Os estudos selecionados foram lidos na íntegra, a fim de identificar: dados gerais dos artigos científicos, como título, autor(es), ano de publicação, idioma e resumo em português; perfil do estudo (qualitativo, quantitativo ou misto); tipo de estudo considerando-se os objetivos; sujeitos (perfil da amostra/tamanho/idade); contexto do estudo (clínico, educacional, institucional); método de coleta de dados; método de análise de dados; assunto principal, abordagem psicológica norteadora; limitações ou vieses do estudo.

O acervo foi analisado qualitativamente, por meio de análise de conteúdo (Minayo, 2012), com o intuito de produzir uma síntese descritiva capaz de reunir o conhecimento produzido sobre o tema explorado nesta revisão. Foram construídas três categorias, as quais serão apresentadas a seguir.


Resultados e discussão

A estratégia de busca identificou 37.480 artigos. Retirando-se os duplicados, restaram 11.557 artigos. Aplicando-se os critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 80 artigos e, destes, após a leitura na íntegra, apenas cinco contemplaram os objetivos deste estudo, como pode ser visto no fluxograma PRISMA (Figura 1).

sendo que foi publicado um artigo em cada um dos seguintes anos: 2012, 2013, 2014, 2017 e 2019. Observando-se a distribuição dos artigos ao longo dos últimos dez anos, nota-se que os estudos publicados nos últimos três anos, em língua portuguesa, não responderam à pergunta inicial deste estudo. A maior parte dos estudos é quantitativa (n = 4) e um deles é um ensaio teórico.

Em relação à população, três estudos tinham como participantes as crianças, sendo que um deles investigou 203 crianças entre 8 e 11 anos (Toni & Hecaveí, 2014), outro, além de investigar crianças entre 7 e 11 anos, envolveu também suas mães (n = 21) (Freitas et al., 2013), e um terceiro estudo investigou 97 casais e seus filhos na 1º e 2º anos do Ensino Fundamental (Cia et al., 2012). No quarto estudo, participaram 180 técnicos que trabalhavam em um programa de Educação Parental (Carvalho et al., 2019). O ensaio teórico refletiu e analisou aspectos da infância. Analisando-se a faixa etária mais estudada, nota-se que, direta ou indiretamente, as crianças de 7 e 8 anos foram as mais investigadas, o que mostra que ainda há uma defasagem de estudos contemplando a faixa etária entre 9 e 11 anos.

Figura 1: Processo de seleção dos estudos para inclusão na revisão integrativa, segundo o modelo PRISMA


Diagrama  Descrição gerada automaticamente


Fonte: Elaborada pelas autoras.


Como pode ser observado na Figura 2, foram selecionados cinco artigos, publicados entre 2012 e 2019,


Figura 2: Ano de publicação, autores, título, tipo de estudo e população incluídos na revisão integrativa


Tabela  Descrição gerada automaticamente


Fonte: Elaborada pelas autoras.


De modo geral, nota-se que nos últimos dez anos houve poucas publicações em português investigando as relações entre o afeto familiar e o desempenho acadêmico de crianças de 6 a 11 anos, e nenhuma nos últimos três anos. Em uma perspectiva mais ampla, nota-se que muitos estudos já foram realizados sobre as relações entre práticas parentais e problemas de comportamento e desenvolvimento de habilidades sociais, incluindo o período anterior aos últimos dez anos, mas poucas pesquisas investigaram a correlação entre afeto e desempenho acadêmico. Uma hipótese a ser investigada é se esses estudos deixaram de ser publicados em língua portuguesa. Cabe ainda verificar se essa é uma realidade dos estudos publicados em português e se isso se repete em estudos publicados em outras línguas, para tanto,

seria necessário ampliar a amostragem para outras bases de dados, além de incluir artigos publicados em inglês e espanhol, por exemplo.

A análise qualitativa de conteúdo do acervo selecionado permitiu a construção de três categorias, que serão apresentadas a seguir: 1) Relação parental positiva e desempenho acadêmico; 2) Relação parental negativa e desempenho acadêmico; e 3) Orientações a professores.


Categoria I – Relação parental positiva e desempenho acadêmico

A categoria I contempla as informações referentes às relações parentais positivas e seus efeitos na aprendizagem e no rendimento acadêmico.

A maioria do acervo analisado (n = 4) indica que as relações familiares podem afetar positivamente os desenvolvimentos social, afetivo e cognitivo das crianças, bem como seu desempenho acadêmico (Benvenuti et al., 2017; Cia et al., 2012; Freitas et al., 2013; Toni & Hecaveí, 2014).

Toni e Hecaveí (2014) observaram diferenças significativas nas médias das práticas educativas e estilos parentais referenciadas por estudantes com alto e baixo rendimento escolar, sendo que as práticas educativas maternas e paternas, positivas e negativas, foram consideradas preditoras do rendimento acadêmico. As autoras investigaram os estilos parentais de pais e mães de 203 crianças com idade entre 8 e 11 anos, as quais responderam ao Inventário de Estilos Parentais (IEP), e correlacionaram os dados obtidos com as notas escolares dos alunos. Foram encontradas correlações positivas entre as práticas educativas e o rendimento acadêmico, em especial com as práticas maternas.

As autoras indicaram que pais e mães que têm boa relação com seus filhos apresentam práticas educativas positivas em maior frequência e intensidade, o que propicia um ambiente familiar confiável e afetivo. Em consequência, a criança tende a desenvolver alta autoestima e autoconfiança, além de desenvolver habilidades sociais que contribuem para a aprendizagem, o que, consequentemente, reflete em melhores resultados acadêmicos. O mesmo estudo também aponta que as famílias com mais diálogo, mais abertas e envolvidas, com mais regras e menos abuso físico, tinham filhos com melhores rendimentos acadêmicos.

O estudo de Cia et al. (2012) apresenta resultados semelhantes, contudo, as autoras focaram nos efeitos do envolvimento paterno no desempenho acadêmico dos filhos. Elas investigaram 97 casais e seus filhos, matriculados nas 1ª e 2ª séries (atuais 2º e 3º anos) do Ensino Fundamental. O estudo teve por objetivo investigar as relações entre o desenvolvimento infantil (autoconceito) e o desempenho acadêmico com três formas de envolvimento paterno, focando-se na comunicação pai-filho, na participação paterna nos cuidados do filho e na participação do pai nas atividades escolares, culturais e de lazer da criança. Para avaliar o envolvimento paterno, pais e mães responderam ao instrumento Avaliação do bem-estar pessoal e familiar e do relacionamento pai-filho – versão paterna, desenvolvido por Cia em 2005 (Cia et al., 2012). Para avaliar o desempenho acadêmico e o autoconceito das crianças, foram aplicados o Teste de Desempenho Escolar (TDE) e o Self-Description Questionnaire I (SDQ1) adaptado para o contexto brasileiro. Entre os resultados encontrados, as autoras apontaram uma correlação positiva entre as três formas de envolvimento paterno e o desempenho acadêmico das crianças estudadas (Cia et al., 2012). Por meio do estudo, é possível identificar que relações parentais positivas favorecem o desempenho acadêmico em crianças dos 2º e 3º anos do Ensino Fundamental.

O estudo realizado por Freitas et al. (2013) indica que quanto maior o nível de afetividade e coesão na família, menor é a presença de problemas comportamentais. Os autores investigaram 21 mães de crianças entre 7 e 11 anos, por meio da aplicação de três instrumentos – Child Behavior Checklist (CBCL), Inventário do Clima Familiar (ICF) e Familiograma –, todos preenchidos pelas mães. Além disso, eles aplicaram nas crianças o Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR). Segundo os autores, os resultados encontrados corroboram os de outros estudos que indicam que um ambiente

familiar saudável permite o desenvolvimento de comportamentos saudáveis e pró-sociais, os quais, por sua vez, influenciarão positivamente o desempenho escolar da criança.

Benvenuti et al. (2017), apoiados na teoria da análise do comportamento, por meio de um ensaio teórico, informaram que pais que foram mais contingentes e afetuosos com seus bebês influenciaram positivamente o desenvolvimento posterior de seus filhos nos domínios socioemocionais e cognitivos, os quais apresentaram resultados superiores nesses domínios. Os autores apontaram que muitas das habilidades cognitivas de uma criança são desenvolvidas nas interações com seus pais, o que indiretamente permite inferir que essas habilidades afetarão positivamente o seu desempenho escolar. Os autores concluem que estabelecer e manter relações sociais é uma das habilidades mais importantes a serem desenvolvidas ao longo da vida, pois apresentam diversos consequentes positivos, incluindo o desenvolvimento de habilidades cognitivas e afetivas, as quais poderão afetar positivamente o contexto escolar e o desempenho acadêmico das crianças.

De modo geral, os estudos analisados apontam que as famílias que têm uma relação parental positiva desde a primeira infância tendem a ter filhos com bom desempenho acadêmico, pois os responsáveis contribuem, por meio das interações, com o desenvolvimento de repertórios que colaboram para o aprimoramento de habilidades importantes para a aprendizagem escolar. Como já apontaram Wallon (1959/1986) e Goleman (1995), a família é o primeiro núcleo social da criança, cujas práticas parentais influenciam o desenvolvimento e o aprendizado emocional, participando do processo de desenvolvimento da autorregulação, de habilidades sociais e de comportamentos pró-sociais, influenciando seu desenvolvimento como pessoa completa. A capacidade de regular os próprios sentimentos é aprendida durante as relações, inicialmente familiares e posteriormente escolares.

De acordo com Gomide (2003, 2004), que também desenvolveu estudos anteriores ao período investigado, a relação afetiva positiva entre a família e a criança transmite confiança, amor, carinho e valores, o que colabora para o desenvolvimento das relações sociais da criança. As práticas positivas podem ser divididas em dois grupos: a monitoria positiva e o comportamento moral. A monitoria positiva engloba um conjunto de ações que envolve afeto, acompanhamento e atenção dos pais em relação aos seus filhos. A prática educativa do comportamento moral envolve a transmissão de valores como justiça, generosidade, honestidade, entre outros.

Conforme Toni e Hecaveí (2014), essas duas práticas apresentaram relações positivas e moderadas com a média escolar, sendo que as crianças com alto rendimento escolar percebem sua mãe com alto nível de acompanhamento afetuoso e comportamento moral. Essas práticas parentais colaboram com o desenvolvimento de valores éticos e de responsabilidade, os quais estão relacionados com o desenvolvimento acadêmico, pois os comportamentos de disciplina e estudo precisam contar com o auxílio dos pais, ou seja, maior nível de práticas positivas exercidas pelos pais afeta positivamente o desempenho acadêmico. Ainda, as autoras também apontaram que quanto maior a monitoria positiva exercida pela mãe, e quanto menor o uso de disciplina relaxada associada à baixa utilização de abuso físico materno, melhor o rendimento acadêmico da criança. Na realidade, do conjunto de práticas parentais selecionadas pelo modelo adotado no estudo, a monitoria positiva foi a única prática educativa positiva que permitiu predizer estatisticamente o rendimento acadêmico. Ela contribuiu para a construção de um ambiente baseado no amor, na confiança e no apoio, prevenindo a emergência de comportamentos antissociais em diversos contextos, como a casa e a escola. Toni e Hecaveí (2014) acreditam que quase um quarto do rendimento acadêmico pode ser explicado pelas práticas utilizadas pelos pais.

Em suma, os estudos apontam que a educação positiva e as relações parentais positivas, mediadas por afetos positivos, influenciam positivamente a maneira como a criança irá se relacionar com os outros na escola e seu desempenho acadêmico.

Categoria II – Relação parental negativa e desempenho acadêmico

A categoria II contempla as informações referentes às relações parentais negativas e seus efeitos na aprendizagem.

Do acervo analisado, apenas dois artigos analisam os efeitos das relações familiares negativas (Freitas et al., 2013; Toni & Hecaveí, 2014), e um deles faz reflexões sobre eles (Benvenuti et al., 2017).

O estudo de Toni e Hecaveí (2014), apresentado anteriormente, também identificou efeitos negativos de práticas parentais educativas negativas no desenvolvimento infantil e no rendimento escolar. O IEP (Gomide, 2006) permitiu avaliar os efeitos da disciplina relaxada, da monitoria negativa, da negligência, da punição inconsistente e do abuso físico. Entre os resultados encontrados, as autoras apontaram que a média de rendimento escolar se correlacionou de forma significativa e negativa com as práticas de punição inconsistente, negligência, abuso físico e disciplina relaxada, e identificaram um índice de correlação inversamente proporcional entre abuso físico e rendimento escolar. Nota-se que pais e mães que utilizam práticas negativas, que se apresentam mais negligentes, com menos disciplina e, especialmente, usam mais da punição física, têm filhos com baixas notas escolares (Toni & Hecaveí, 2014).

Um estudo desenvolvido por Gomide (2004) também indicou que o uso da punição física leva à supressão do comportamento punido imediatamente, mas que isso não ensina à criança formas alternativas de agir, o que pode levar a um déficit de habilidades sociais, as quais são essenciais para manter boas relações na escola e um bom desempenho escolar, como também apontado no ensaio teórico de Benvenuti et al. (2017).

Segundo Toni e Hecaveí (2014), famílias que fazem maior uso da punição física, da comunicação negativa e da disciplina relaxada, não possibilitam que os filhos aprendam a cumprir regras, e que eles poderão ter dificuldades para assumir responsabilidades na escola ou, ainda, podem apresentar repertórios de comportamentos violentos como forma de resolver problemas na escola devido ao uso abusivo práticas punitivas pelos pais, ambos contribuindo para o baixo rendimento acadêmico.

Como dito anteriormente, a escolarização obriga a criança a se adaptar a novos meios, com grupos e interesses distintos, diferentes dos da família. Uma criança que vive em um ambiente com uma disciplina relaxada terá dificuldades de se adaptar às regras da escola ou, ainda, uma criança que reproduz na escola o repertório comportamental agressivo familiar terá problemas nos relacionamentos em grupos no contexto escolar.

As crianças tendem a reproduzir na escola as relações coercitivas vividas no contexto familiar, o que interfere não apenas nas relações com os colegas, mas também na conduta dos educadores e professores, dificultando o processo educacional. Além disso, o controle excessivo exercido pelos pais pode afetar o desenvolvimento da autoestima e da autonomia (Patias et al., 2012), dois elementos importantíssimos no processo de aprendizagem e rendimento escolar.

Toni e Hecaveí (2014) identificaram que figuras maternas e paternas influenciam o rendimento escolar de maneiras distintas. Crianças com maior índice de rendimento acadêmico relatam ter mães com maiores níveis de práticas parentais positivas e menor índice de práticas negativas, em oposição a sujeitos com baixo rendimento escolar. Por sua vez, crianças com baixo rendimento escolar também tinham pais com maiores índices de práticas educativas negativas, entre elas a negligência, a monitoria negativa e o abuso físico.

Em resumo, práticas parentais negativas e relações parentais negativas, mediadas por afetos negativos, influenciam negativamente o desenvolvimento acadêmico da criança.

Categoria III – Orientações a professores

Na categoria III, foram investigadas quais orientações os autores dos textos davam aos professores sobre como lidar e trabalhar com alunos que apresentam problemas de aprendizagem associados aos efeitos de relações parentais ou familiares negativas.

De modo geral, os estudos do acervo relativos a este tema (Benvenuti et al., 2017; Carvalho et al., 2019), apesar de analisarem alguns aspectos da relação professor-aluno relacionados ao rendimento escolar, apresentaram poucas orientações aos professores quanto ao manejo de situações em que se identificam problemas de aprendizagens ocasionados por problemas afetivos no ambiente familiar.

Benvenuti et al. (2017) afirmam que já se sabe como as habilidades sociais importantes para a aprendizagem formal se desenvolvem quando em contato com as demandas do ambiente – elas dependem de comportamentos preliminares como atentar, resolver problemas ou tomar decisões. Os autores também ressaltam a força da relação entre comportamento parental e desenvolvimento socioemocional das crianças, valorizando as práticas parentais positivas como a monitoria positiva englobando o afeto, a atenção e o acompanhamento dos pais.

No mesmo texto, Benvenuti et al. (2017) também afirmam que o desenvolvimento do afeto ocorre em situações de desenvolvimento e aprendizagem e que, portanto, é possível planejar o ambiente escolar supondo a criação de repertórios que possibilitem contatos saudáveis com outras pessoas. O planejamento adequado permite o desenvolvimento de habilidades cognitivas e afetivas. Dessa forma, orientam que, se um professor se depara com uma criança com dificuldades de aprendizagem ou com história de fracasso escolar, torna-se necessário ficar atento para decompor o comportamento e planejar contextos para que cada elemento comportamental que caracteriza a habilidade a ser desenvolvida seja fortalecido. Nesse sentido, afirmam que cabe ao professor promover ganhos de aprendizagem e aumentar

o compromisso social das crianças. Portanto, o contexto educacional torna-se um importante meio para

o desenvolvimento de habilidades cognitivas e afeto, os quais muitas vezes não foram adequadamente desenvolvidos no ambiente familiar. Apesar de não orientarem diretamente o professor em suas condutas em sala de aula, escrevem sobre a expectativa relativa a como o professor deve agir diante de alunos que apresentam problemas de comportamentos associados ao aprender no contexto escolar.

Carvalho et al. (2019) focaram seu estudo em profissionais que oferecem um serviço de Educação Parental, partindo do princípio de que a família é a célula fundamental da sociedade e que a parentalidade é uma função essencial para a sociedade no sentido de promover o desenvolvimento de uma criança da forma mais plena possível, incluindo sua capacidade de se relacionar e aprender na escola. Portanto, consideram fundamental desenvolver competências e práticas parentais positivas nos pais. Os autores investigaram os efeitos de um programa de formação de profissionais que trabalham com famílias e que objetivam promover o desenvolvimento de competências parentais e uma parentalidade positiva. O estudo foi desenvolvido em Portugal com 180 profissionais com formação em psicologia, pedagogia ou serviço social. Os participantes responderam a dois questionários, um sociodemográfico e outro avaliando padrões de qualidade de competências orientado para o trabalho com os pais. Os resultados apontam que os profissionais de educação parental valorizam muito as práticas parentais nos 23 itens do questionário, e que a educação parental engloba o uso de uma multiplicidade de competências por parte do educador parental, portanto, a formação em serviço oferecido aos psicólogos e educadores é essencial para que ofertem uma intervenção de qualidade. Assim, conclui-se que os autores têm uma expectativa de que pedagogos recebam formação em serviço, habilitando-os a lidarem com pais que não apresentam uma relação parental positiva, mas não falam diretamente o que o pedagogo pode fazer em relação aos alunos na escola.

Observa-se que os estudos mais recentes confirmam resultados de estudos anteriores, como os de Gomide (2003), Sapienza et al. (2009) e Cia et al. (2012).

Em resumo, um dos artigos define qual deveria ser a tarefa do professor quando se depara com alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem, apontando a necessidade de o professor desenvolver no

aluno habilidades sociais e afetivas que facilitem o processo do aprender; o outro artigo enfatiza a importância da oferta de um serviço de qualidade por psicólogos e pedagogos para a formação de pais que não desenvolveram uma prática parental positiva, mas não apresenta orientações aos professores/pedagogos sobre como devem proceder nesses casos dentro da escola.


Conclusões

A partir dos resultados encontrados, compreende-se que a relação afetiva familiar tem consequências importantes na vida escolar das crianças, principalmente no que diz respeito à aprendizagem e aos relacionamentos interpessoais.

Analisando-se o conjunto de informações obtidas e analisadas nas três categorias construídas a partir do acervo composto por estudos publicados nos últimos dez anos, em língua portuguesa, nota-se que: a presença do afeto negativo na relação familiar, fruto de práticas parentais negativas, que podem ser manifestas por meio de punições corporais, ausência, negligência e autoritarismo, interfere no processo de socialização e na aprendizagem da criança, afetando negativamente o rendimento escolar; a presença de afetos familiares positivos, desenvolvidos por meio de práticas parentais positivas, contribui para o desenvolvimento e para a aprendizagem dos alunos, produzindo efeitos positivos no rendimento escolar; professores e psicólogos podem colaborar no processo – os professores planejando o ambiente e os repertórios comportamentais a serem desenvolvidos, e o psicólogo desenvolvendo práticas parentais em pais que não apresentam uma parentalidade positiva.

Os estudos do acervo analisado corroboram dados e reflexões encontrados na literatura, indicando que existem habilidades que são e devem ser inicialmente aprendidas nas relações familiares. Independentemente do modelo familiar no qual a criança vive, as relações na família são essenciais para o desenvolvimento da pessoa completa, incluindo aspectos físicos, sociais, emocionais e cognitivos.

Considerando-se a faixa etária analisada, a criança se torna mais autônoma, toma conhecimento de suas possibilidades, construindo um conhecimento mais complexo e concreto de si mesma, e se percebe como pertencente a diferentes grupos sociais. A forma como a família regula o conflito familiar e procura regular suas manifestações de busca de maior autonomia mostram-se importantes e produzem efeitos em seu desenvolvimento socioemocional e no contexto escolar.

A escola hoje vive o desafio de fornecer formação integral ao aluno em meio a novas demandas da sociedade para a formação humana, assumindo a tarefa de ensinar e trabalhar conhecimentos científicos, além de desenvolver habilidades importantes para a aprendizagem e que englobam as dimensões social, emocional e cognitiva dos alunos, muitas das quais dependentes das experiências em seus contextos familiares.

Diversas habilidades já desenvolvidas nas relações familiares podem e devem ser enriquecidas, de modo planejado, pelos professores na educação formal, potencializando o caráter social e afetivo do conhecimento. Dessa forma, pode-se afirmar que a educação pode se tornar um importante meio para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e de afeto, promovendo melhoras no desempenho acadêmico e nas relações sociais, incluindo as relações familiares.

A revisão integrativa, ao incorporar evidências experimentais e não experimentais, ensaios teóricas e empíricos, permite maior abrangência e profundidade na construção de sínteses sobre um determinado assunto, quando comparada com a revisão sistemática. Entretanto, a complexidade inerente à combinação de metodologias pode acarretar a introdução de vieses. Nesse sentido, o uso de estratégias padronizadas e de busca independente de extração de dados, como realizado neste estudo, deve ter contribuído com a redução dessas ocorrências.

O objetivo inicial deste estudo era o de investigar as pesquisas mais recentes sobre o assunto, ou seja, dos últimos três anos. Contudo, diante da dificuldade de encontrar artigos referentes ao tema, optou-se

por ampliar a amostragem para os últimos dez anos. Todavia, mesmo com o aumento do período, foram poucos os artigos encontrados.

Uma limitação a ser considerada neste estudo foi a busca realizada em apenas três bases de dados, sendo que há uma recomendação de que se incluam buscas em bases de dados eletrônicas diversificadas. Outra limitação foi a opção pela pesquisa de artigos em língua portuguesa, o que também impediu o acesso a estudos publicados em outros idiomas, restringindo o acesso a um acervo mais vasto.

São contribuições do presente estudo: dar visibilidade ao tema e estimular novas pesquisas sobre o assunto no contexto escolar, tendo como objetivo último contribuir com a prática de professores que trabalham com crianças de 6 a 11 anos com problemas de aprendizagem e que enfrentam o desafio de lidar com famílias que usam mais frequentemente as práticas parentais negativas, as quais podem interferir negativamente no processo de aprendizagem do aluno.

Novos trabalhos poderiam investigar as lacunas identificadas neste estudo, incluindo a modificação dos critérios de inclusão e de exclusão e a ampliação e diversificação das bases de dados eletrônicas a serem adotadas.


Bibliografia

Alvarenga, P., & Piccinini, C. (2001). Práticas educativas maternas e problemas de comportamento em pré-escolares. Psicologia: Reflexão e Crítica, 14(3), 449–460. https://doi.org/10.1590/S0102- 79722001000300002

Ariès, P. (1986). História social da criança e da família (Dora Flacksman, Trad.; 2. ed). Guanabara.

Benvenuti, M. F. L., Oliveira, T. P., & Lyle, L. A. G. (2017). Afeto e comportamento social no planejamento do ensino: a importância das consequências do comportamento. Psicologia USP, 28(3), 368–377. https://doi.org/10.1590/0103-656420160135

Bowlby, J. (1989). Uma base segura: aplicações, clínica da teoria do apego. Artes Médicas.

Carvalho, O., Lobo, C. C., Menezes, J., & Oliveira, B. (2019). O valor das práticas de educação parental: visão dos profissionais. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 27(104), 654–684. https://doi.org/10.1590/S0104-40362019002701653

Chaves, A. M., & Barbosa, M. F. (1998). Representações sociais de crianças acerca da sua realidade escolar. Estudos de Psicologia (Campinas), 15(3), 29–40. https://www.scielo.br/j/estpsi/a/V8rcBFpBtGqDPHD37TGmLjn/abstract/?lang=pt

Cia, F., Barham, E. J., & Fontaine, A. M. G. V. (2012). Desempenho acadêmico e autoconceito de escolares: contribuições do envolvimento paterno. Estudos de Psicologia (Campinas), 29(4), 461–70. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2012000400001

Código Civil Brasileiro. (2002). https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/70327/C%C3%B3digo%20Civil%202%20ed.pdf

Constituição da República Federativa do Brasil (1988). https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf

Dias, M. B. (2006). Manual de direito das famílias. Editora Revista dos Tribunais.

Fabrino, V. N. (2012). Afetividade e base familiar: norteadores da formação da personalidade

(Trabalho de conclusão de curso em Pedagogia, UNISAM-Faculdade Norte Capixaba de São Mateus).

Ferreira, A. L., & Acioly-Régnier, N. M. (2010). Contribuições de Henri Wallon à relação cognição e afetividade na educação. Educar em Revista, 36, 21–38. https://doi.org/10.1590/S0104- 40602010000100003

Freitas, P. M., Siquara, G. M., & Cardoso, T. S. G. (2013). Percepção das mães sobre as relações familiares e o comportamento de suas crianças: um estudo correlacional. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6(1), 20–35. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983- 82202013000100003&lng=pt&nrm=iso

Galvão, I. (1995). Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Vozes. Goleman, D. (1996). Inteligência emocional: a teoria revolucionária que define o que é ser inteligente

(5. ed.). Objetiva.

Gomide, P. I. C. (2003). Estilos parentais e comportamento anti-social. In A Del Prette & Z. Del Prette (Eds.), Habilidades sociais, desenvolvimento e aprendizagem: questões conceituais, avaliação e intervenção (pp. 21-60). Alínea.

Gomide, P. I. C. (2004). Pais presentes, pais ausentes (2. ed.). Vozes.

Gomide, P. I. C. (2006). Inventário de estilos parentais: modelo teórico, manual de aplicação, apuração e interpretação. Vozes.

Mahoney, A., & Almeida, L. R. (Orgs.) (2000). Henri Wallon: psicologia e educação. Loyola.

Minayo, M. C. de S. (2012). Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciência & Saúde Coletiva, 17(3), 621–626. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000300007

Miranda, F. C. P. (2001). Tratado de direito de família. Bookseller.

Mondin, E. M. C. (2005). Interações afetivas na família e na pré-escola. Estudos de Psicologia (Natal), 10(1), 131–138. https://doi.org/10.1590/S1413-294X2005000100015

Papalia, E. D., & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento humano (8. ed.). Artmed. Papalia, E. D., & Martorell, G. (2022). Desenvolvimento humano (14. ed.). AMGH.

Patias, N. D., Siqueira, A. C. & Dias, A. C. G. (2012). Bater não educa ninguém! Práticas educativas parentais coercitivas e suas repercussões no contexto escolar. Educação & Pesquisa, 38(4), 981–996. https://doi.org/10.1590/S1517-97022012000400013

Ribeiro, M. L. (2010). A afetividade na relação educativa. Estudos de Psicologia (Campinas), 23(3) 403–412. https://www.scielo.br/j/estpsi/a/yHSYRVgtXbrdFnBHw5BVsRc/?lang=pt

Rosas, J. (2019). O afeto como elemento transformador do conceito de família. In Associação Brasileira de Psicologia Jurídica, Cadernos de psicologia jurídica: psicologia na prática jurídica (pp. 52-65, vol. 1). UNICEUMA.

Sapienza, G., Aznar-Farias, M., & Silvares, E. F. de M.. (2009). Competência social e práticas educativas parentais em adolescentes com alto e baixo rendimento acadêmico. Psicologia: Reflexão E Crítica, 22(2), 208–213. https://doi.org/10.1590/S0102-79722009000200006

Toni, C. G. S., & Hecaveí, V. A. (2014). Relações entre práticas educativas parentais e rendimento acadêmico em crianças. Psico-USF, 19(3), 511–521. https://doi.org/10.1590/1413-82712014019003013

Wallon, H. (1986). O papel do outro na consciência do eu. In M. J. G. Werebe & J. Nadel-Brulfert (Orgs.). Henri Wallon (pp. 158-167). Ática. (Original publicado em 1959)

Wieczorkievicz, A. K., & Baade, J. H. (2020). Família e escola como instituições sociais fundamentais no processo de socialização e preparação para a vivência em sociedade. Revista Educação Pública,

20(20). https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/20/familia-e-escola-como-instituicoes- sociais-fundamentais-no-processo-de-socializacao-e-preparacao-para-a-vivencia-em-sociedade

https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.16277


VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO AMBIENTE LABORAL

VIOLENCE AGAINST WOMEN IN THE WORKPLACE VIOLENCIA CONTRA LAS MUJERES EN EL LUGAR DE TRABAJO


Mariana Saad Soler

(Universidade Católica Dom Bosco, Brasil)

marisaadsoler@gmail.com


Eveli Freire de Vasconcelos

(Universidade Católica Dom Bosco, Brasil)

rf6967@ucdb.br


Danielly Martins

(Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brasil)

psi.daniellymartins@gmail.com

Recibido: 31/01/2024 Aprobado: 31/01/2024


RESUMO

O aumento da participação feminina no mercado de trabalho formal e informal, decorrente dos movimentos feministas, começou a ameaçar em larga escala um dos pilares da desigualdade, o provimento econômico e autonomia sobre a vida das mulheres, dessa forma, as estruturas sociais se reorganizam para reproduzir a lógica de poder opressora. Por meio de ambientes organizacionais, diversos e inclusivos, especialmente no que se refere a gênero, as mulheres poderão experienciar a valorização social, a influência no poder de decisão, o pertencimento e engajamento no grupo de trabalho, a autenticidade e reconhecimento de diversidade (sentimento de interação justa), e essa experiência impactará a vida profissional e concomitantemente a pessoal/privada. O objetivo principal é mapear como é abordado a violência contra a mulher no ambiente de trabalho na literatura nacional. O método utilizado será a revisão de literatura integrativa, definida como o compêndio de literatura existente objetivando a sumarização e discussão de um corpo de conhecimento relacionado ao tema. Em suma, os resultados desta revisão integrativa reforçam a necessidade de ação conjunta por parte da comunidade para combater a violência contra a mulher no ambiente de trabalho, pois ao reconhecer que se trata de um problema social que afeta a sociedade como um todo, é possível fortalecer os laços de solidariedade e incentivar ações coletivas para estabelecer um ambiente de trabalho seguro e inclusivo.

Palavras-chave: violência. mulheres. ambiente laboral. desigualdade.


ABSTRACT

image

The increase in female participation in the formal and informal labor market resulting from feminist movements began to threaten on a large scale one of the pillars of inequality, economic provision and control over women's lives, in this way, social structures are

reorganized to reproduce the oppressive logic of power. Through diverse and inclusive organizational environments, especially with regard to gender, women will be able to experience social appreciation, influence on decision-making power, belonging and engagement in the work group, authenticity and recognition of diversity (feeling of fair interaction), and this experience will impact their professional life and at the same time personal/private. The main objective is to map how violence against women in the workplace is addressed in national literature. The method used will be the Integrative Literature Review, defined as the compendium of existing literature aiming to summarize and discuss a body of knowledge related to the topic. In short, the results of this integrative review reinforce the need for joint action by the community to combat violence against women in the workplace, as by recognizing that it is a social problem that affects society as a whole, it is possible strengthen bonds of solidarity and encourage collective actions to establish a safe and inclusive work environment.

Keywords: violence. women. work environment. inequality.


RESUMEN

El aumento de la participación femenina en el mercado laboral formal e informal resultante de los movimientos feministas comenzó a amenazar a gran escala uno de los pilares de la desigualdad, la provisión económica y el control sobre la vida de las mujeres, de esta manera, las estructuras sociales se reorganizan para reproducir las condiciones opresivas. lógica del poder. A través de entornos organizacionales diversos e inclusivos, especialmente em lo que respecta al género, las mujeres podrán experimentar aprecio social, influencia en el poder de toma de decisiones, pertenencia y compromiso en el grupo de trabajo, autenticidad y reconocimiento de la diversidad (sentimiento de interacción justa), y esta experiencia impactará su vida profesional y en al mismo tiempo personal/privado. El objetivo principal es mapear cómo se aborda la violencia contra las mujeres en el lugar de trabajo en la literatura nacional. El método utilizado será la Revisión Integrativa de la Literatura, definida como el compendio de la literatura existente con el objetivo de resumir y discutir un conjunto de conocimientos relacionados con el tema. En definitiva, los resultados de esta revisión integradora refuerzan la necesidad de una acción conjunta de la comunidad para combatir la violencia contra las mujeres en el ámbito laboral, ya que al reconocer que es un problema social que afecta a la sociedad en su conjunto, es posible fortalecer lazos de solidaridad. y fomentar acciones colectivas para establecer un entorno de trabajo seguro e inclusivo.

Palabras clave: violencia. mujer. ambiente de trabajo. desigualdad.


Introdução

O aumento da participação feminina no mercado de trabalho formal e informal decorrente dos movimentos feministas, começou a ameaçar em larga escala um dos pilares da desigualdade, o provimento econômico e controle sobre a vida das mulheres, dessa forma, as estruturas sociais se reorganizam para reproduzir a lógica de poder opressora (homens superiores e mulheres submissas/inferiores), isso pode ser observado ao longa da história, nos processos morosos de acesso à educação, à capacitação profissional, à possibilidade de emprego, na exploração, na precarização do trabalho feminino com baixa remuneração e no estigma e culpabilização das mulheres trabalhadoras associado ao término dos relacionamentos, bem como, na instauração da violência contra a mulher, em que os agressores atuam com violências físicas, psicológicas e morais para o afastamento das companheiras das atividades laborais (Echeverria et al., 2017).

No entanto, mesmo com as constantes tentativas de subjugação das mulheres, considera-se que a independência financeira foi e é um dos importantes elementos do processo de empoderamento e

autonomia das mulheres, pois viabiliza a ampliação de acesso à informação, conhecimento sobre mecanismos e estratégias de acesso e acionamento dos direitos, aumento da autoestima e segurança pessoal para tomar decisões. Todavia, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2019) ainda a participação feminina no mercado de trabalho (PFMT), empoderamento/autonomia e violência contra as mulheres é um tema pouco estudado.

Por meio do trabalho, as mulheres poderão experienciar a valorização social, a influência no poder de decisão, o pertencimento e engajamento no grupo de trabalho, a autenticidade e reconhecimento de diversidade (sentimento de interação justa), e essa experiência impactará a vida profissional e concomitantemente a pessoal/privada. Portanto, faz-se necessário acompanhar o que vem sendo produzido a respeito, em seus impasses, resultados e atualizações.


Método

O método utilizado foi a Revisão de Literatura Integrativa, definida como o compêndio de literatura existente objetivando a sumarização e discussão de um corpo de conhecimento relacionado ao tema, trazendo conclusões gerais acerca do objeto estudado e identificação de oportunidades de desenvolvimento do mesmo (Broome, 2000; Botelho et al., 2011). Assim, é necessária uma sistematização da metodologia para que erros na revisão sejam evitados (Whittemore & Knafl, 2005).

Neste sentido, Botelho, Cunha e Macedo (2011) apresentam seis etapas para a utilização do método, sendo estas a (1) identificação do tema e seleção do problema de pesquisa, o (2) estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão, a (3) identificação de estudos pré-selecionados e selecionados, a (4) categorização dos estudos selecionados, a (5) análise e interpretação dos resultados e a (6) apresentação/revisão e síntese do conhecimento.

O tema da presente pesquisa é a violência contra a mulher no ambiente de trabalho, tendo como problema de pesquisa: Quais são os tipos de violência enfrentados pelas mulheres no ambiente de trabalho? Considerando como objetivo investigar tal tema na literatura nacional, assim este trabalho elegeu analisar uma seleção de artigos científicos.

Destarte, por meio do método de revisão de literatura integrativa, foram definidos como critérios de inclusão: artigos disponíveis em português e completos, com resumos disponíveis e relacionados com o objetivo da pesquisa, com o intervalo de ano de publicação nos últimos oito anos, de 2016 a 2023, disponíveis dentro das plataformas Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).

Utilizou-se como estratégia de busca os descritores controlados combinados com operadores booleanos nas plataformas selecionadas: “Violência contra a mulher” OR “violência de gênero” AND “violência no trabalho” OR “ambiente de trabalho”, sem determinação de campo específico para busca, mas selecionando all fields. Foram excluídos artigos que se repetiram entre as bases, texto não disponível em português, texto incompleto e que não se relacionavam com o objeto da pesquisa.

Depois de configurado o método de busca, foi selecionada uma amostra inicial total de 260 artigos, sendo 246 artigos excluídos por não se referirem a temática, não atenderem os critérios de inclusão e indexados repetidamente. A amostra final selecionada foi de somente 14 artigos, realizando-se a análise e leitura na íntegra destes, categorizando-os por ano de publicação, tipo de estudo, objetivo da pesquisa, principais resultados e relação com a pesquisa.


Objetivo Geral

Mapear como é abordado a violência contra a mulher no ambiente de trabalho na literatura nacional.

Objetivos Específicos

Identificar quais são as violências com maior e menor incidência na literatura brasileira contra a mulher no ambiente de trabalho.

Caracterizar uma possível justificativa utilizada nas produções científicas selecionadas que abordam sobre a violência laboral contra a mulher.


Revisão de Literatura

Em uma sociedade em que o privilégio é o capital, uma pessoa que não trabalha está destituída de seu valor de cidadania, [...] (Bentevi &Peixoto, 2021). O fato de uma pessoa apresentar qualquer tipo de empecilho ou dificuldade não deve se constituir como um obstáculo ao processo produtivo, devem ser garantidas condições para sua atuação profissional. Por outro lado, faz-se necessário um avanço paradigmático nas organizações de trabalho que vá além da aplicação da lei, ou seja, uma mudança de cultura, de política e práticas de gestão de pessoas.

Esse processo de adaptação e mudanças das organizações e seus gestores é elemento essencial na garantia de uma real transformação. Assim, a ampliação de programas educativos sobre a temática Gênero e violência no ambiente de trabalho, requer esclarecimentos e orientações junto aos membros das organizações e caracteriza-se como importante estratégia na direção da inclusão. A violência contra a mulher trata-se de um fenômeno histórico-social multifacetado, de proporções alarmantes para saúde pública, caracterizado por violações dos direitos humanos no que tange ao risco a integridade física, psíquica e social das vítimas, comumente apresenta-se na perpetração de comportamentos de violência sexual, física e psicológica (estupro, importunação sexual, violência on-line, violência doméstica e feminicídio) de companheiros ou ex-companheiros afetivos direcionados à população feminina. Guimarães e Pedroza (2015) destacam o caráter múltiplo e complexo do fenômeno da violência e pontuam que:

[...] tem sido um problema cada vez mais em pauta nas discussões e preocupações da sociedade brasileira. Apesar de sabermos que tal violência não é um fenômeno exclusivamente contemporâneo, o que se percebe é que a visibilidade política e social desta problemática tem um caráter recente, dado que apenas nos últimos 50 anos é que tem se destacado a gravidade e seriedade das situações de violências sofridas pelas mulheres em suas relações de afeto (Guimarães & Pedroza, 2015, p. 257).


Nesse sentido, a compreensão não linear se faz necessária para analisar e intervir, pois os fatores sociais, históricos, culturais e subjetivos como as desigualdades de gênero e os impactos no desenvolvimento da subjetividade estão atrelados a constituição do fenômeno violência, que impactam o bem-estar físico, psicológico e social das mulheres.

Conforme os estudos de Lourenço e Costa (2020), a saúde da mulher vítima de violência é afetada em diversas dimensões e intensidades, apresentando marcas decorrentes da vitimização, dessa maneira, na dimensão física observa-se a presença de consequências como cardiopatias, acidentes vasculares, hipertensão arterial, dores crônicas, problemas intestinais e a fibromialgia; já os impactos na saúde sexual e reprodutiva nota-se disfunções sexuais, doenças inflamatórias pélvicas, infecções sexualmente transmissíveis, infertilidade, abortos recorrentes e gravidez indesejada; no que tange a dimensão psicoemocional e social, constatou-se quadros de depressão, ansiedade, transtorno de pânico, ideações suicidas, somatizações, alterações da autoestima, isolamento, dificuldades em estabelecer relações interpessoais e afetivas, estresse pós-traumático, insônia, medo, vergonha, dependência, insegurança, estigmatização, baixa crença na capacidade de enfrentamento e percepção diminuída de novas formas de ser e estar no mundo.

Os conhecimentos sobre os agravos provocados pela violência contra mulher já são bem conhecidos, difundidos na literatura e nos alertam para a importância da temática, no entanto, ainda percebe-se a carência de propostas na literatura que sejam abrangentes e abarque questões práticas, que retirem a

mulher da posição de vítima e propicie condições concisas para a saída da situação de violência e inúmeras vulnerabilidades que são interseccionadas pela raça/etnia, condição socioeconômica, escolaridade, sexualidade, deficiências, idade e outras (Lourenço & Costa, 2020).

Scarance (2019) alerta que, a permanência dos elevados índices de violência revela que as leis não são suficientes para a transformação da realidade, pode-se dizer que elas são instrumentos fundamentais para prevenção, conscientização e repressão, no entanto, devem ser implementadas de maneira articulada para obter efetividade, ou seja, faz-se imprescindível ações contínuas, progressivas e em rede de saberes, pois enfrentar as violências contra a mulher exige romper as barreiras dos preconceitos estruturais, machismo naturalizado e fatores que mantêm as mulheres em silêncio como temor, vergonha, crença na mudança dos agressores e revitimização por parte de autoridades e da sociedade.

Destarte, a inserção e/ou manutenção da mulher no mercado de trabalho passa a ser a mola propulsora do movimento de emancipação financeira e emocional (retirada da dessensibilização, inércia, isolamento), evidenciando a potência para o enfrentamento e para busca de novas formas de ser e estar nas relações, sendo assim, aborda-se o fenômeno por uma ação concreta (autonomia financeira) que surge como principal fator para manutenção do relacionamento e simultaneamente, implementa-se o desenvolvimento das questões simbólicas por meio de oficinas, e medidas educacionais informativas e de desconstrução dos preconceitos estruturais/naturalizados, desta maneira, amplia-se a rede de proteção, prevenção, intervenção e transformação.

As relações hierárquicas entre os sexos são socialmente construídas, distribuindo de forma desigual o poder e direitos entre os homens e mulheres, elas são aprendidas no processo de socialização dos membros de uma sociedade, e se reproduzem de geração em geração (Champloni & Galinkin, 2020). A violência contra a mulher no ambiente de trabalho é um retrato da presente violência no cotidiano das mulheres e em espaços sociais (Madruga & Duarte, 2020).

Em 2019, a publicação da Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em conjunto com a ONU Mulheres, constatou a importância do comprometimento de empresas para com a intolerância de quaisquer formas de violência e assédio contra as mulheres no ambiente de trabalho, devendo proporcionar um ambiente de negócios com foco no desenvolvimento sustentável. Reconhecendo a importância de uma cultura de trabalho baseada no respeito mútuo e na dignidade do ser humano.


Resultados

Os 14 artigos analisados, foram selecionados por discorrer sobre o tema da violência contra a mulher no ambiente de trabalho. De forma geral, a amostra selecionada apresenta como principal objeto de pesquisa compreender as relações de gênero e poder no ambiente de trabalho, apontando a necessidade de mudanças políticas e fiscais em torno do tema, assim como elucida a escassez de pesquisas que abordem especificamente sobre a violência contra a mulher no ambiente laboral. Na Tabela 1, encontra-se o título, tipo de estudo e ano de publicação da amostra e na Tabela 2, encontram-se os objetivos e principais resultados dos artigos da amostra.

Tabela 1. Título, tipo de estudo e ano de publicação dos artigos da amostra


Artigo

Título

Tipo de estudo

Ano de publicação


1

A violência contra a mulher no capitalismo contemporâneo: Opressão, exploração e manutenção do sistema


Não consta


2017

2

Condições do trabalho da mulher: Uma revisão integrativa da literatura brasileira

Revisão Integrativa

2019

3

Sexismo, misoginia e LGBTQfobia: Desafios para promover o trabalho inclusivo no brasil

Revisão Crítica

2019


4

Mulheres da segurança pública do litoral do Paraná, Brasil: Intersecções entre gênero, trabalho, violência(s) e saúde

Pesquisa Qualitativa Etnográfica


2017

5

Violência contra a mulher nas relações de trabalho

Não consta

2020

6

Assédio moral no trabalho (AMT), gênero, raça e poder: Revisão de literatura

Revisão Integrativa

2018


7

Violência contra a mulher trabalhadora: Um estudo sobre o assédio sexual no setor comercial de Pelotas-RS

Pesquisa Quantitativa Etnográfica


2020

8

Assédio sexual no trabalho: Um problema de liderança

Não consta

2021

9

Trabalho e violência contra a mulher

Revisão Bibliográfica

2020

10

Assédio sexual no trabalho e discriminação de gênero: Duas faces da mesma moeda?

Não consta

2016

11

Assédio moral no trabalho: Uma revisão de publicações brasileiras

Revisão de literatura

2020


12

Análise de decisões do TRT da 12ª Região sobre os danos morais sofridos pelas mulheres nas relações de trabalho

Indutivo – Revisão Jurisprudencial


2022


13


Danos morais às mulheres nas relações de trabalho

Indutivo – Revisão Bibliográfica e Jurisprudencial


2019

14

A violência laboral e o julgamento em uma perspectiva de gênero

Revisão de Literatura

2021

Fonte: autor (2023).

Tabela 2. Objetivos e principais resultados dos artigos da amostra


Artigo

Objetivo

Principais resultados


1


Demonstrar que a violência contra a mulher não é um problema atual, mas ao relacioná-la ao modo de produção capitalista, esse problema social é intensificado, principalmente quando o capital entra em crise, podendo ser visto em vários aspectos, sobretudo quando situamos o mercado de trabalho.

Desse modo, na direção de se construir uma sociedade sem misoginia, opressão e machismo, é preciso eliminar as desigualdades sociais, ou seja, lutar por uma nova sociedade em que seja possível a emancipação efetiva das mulheres. Nesse sentido, a teoria social marxista, por meio do método materialista-histórico e dialético, se faz indispensável para a luta das mulheres, pois é através dela que se consegue desvendar os mecanismos de opressão das

mulheres por meio da associação capitalismo/patriarcado.


2


Relatar pesquisas em populações latino- americanas sobre fatores facilitadores da violência no local de trabalho.

A análise concluiu que a violência no trabalho tem caráter multideterminado, transversal e multicausal, pelo que deve haver uma perspectiva sistémica para abordá- la de forma a abranger toda a sua complexidade e profundidade.


3


Propor uma revisão crítica das produções sobre práticas de violência e dominação no contexto de trabalho voltado à população feminina e LGBTQs, a fim de identificar os desafios na proposição de trabalho inclusivo no Brasil.

Os resultados apontados pelos estudos revisados constataram violência com mulheres e LGBTQs nos diversos contextos laborais, praticada por chefes, colegas, clientes, entre outros sujeitos. Assim, apresenta-se como desafio para a proposição do trabalho inclusivo a implementação de intervenções educativas e assistenciais, respaldadas por legislações e políticas públicas que promovam o respeito e a equidade ao diverso como tônica nas organizações sociais e nos contextos de trabalho brasileiros.


4


Buscar compreender as relações entre gênero, violências e o processo saúde- doença de mulheres que trabalham na área de segurança pública no litoral do estado do Paraná.

Esta pesquisa evidenciou: como as profissionais femininas nas instituições de segurança pública sofrem diretamente o impacto das violências e desigualdades de gênero em suas vidas pessoais e profissionais; e as resistências e rearranjos dessas mulheres nas instituições, suas reinvenções em meio a um ambiente de hegemonia tradicionalmente masculino.


5


Apresentar uma visão geral das diversas formas de violência que são registradas contra mulheres, focalizando o local de trabalho, indicando também suas consequências pessoais, na saúde física e mental das mulheres, e sociais – do ponto de vista de Saúde Pública.

A violência contra a mulher no trabalho toma várias formas, desde o assédio moral ao assédio sexual, e o organizacional na figura do “teto de vidro”, que limita a ascensão funcional das mulheres a postos da alta direção das organizações. E decorre principalmente da desigualdade entre os gêneros que caracteriza, em especial, as sociedades ocidentais. Nesse sentido, ela é continuidade da violência com que a mulher é tratada em todos os momentos de sua vida, seja em sua própria casa, seja no ambiente do trabalho. A saúde das mulheres é fortemente afetada pelo assédio, que também coloca em risco as possibilidades de exercerem suas profissões e formas de se sustentar com dignidade. E, no limite, quando o assédio ultrapassa a resiliência das mulheres no seu enfrentamento, registraram-se perdas de vidas.


6


Analisar as produções científicas brasileiras sobre AMT nas áreas de saúde e educação considerando as relações de gênero, poder e raça.

Os achados reiteram a influência do AMT na saúde do(a) trabalhador(ra), na vida familiar e no desenvolvimento da sua carreira e indicam a necessidade de integrar às investigações científicas, as categorias de raça e gênero. Recomenda-se desenvolver programas e instrumentos legais específicos para prevenir a violência ocupacional, a violência de gênero e o racismo.


7


Identificar os índices de violência sexual no ambiente laboral; o agressor, a frequência e os motivos de não denunciar.

Verificou-se o enraizamento de um cenário complexo: a violência contra a mulher trabalhadora, um processo de insistência contínuo, gerador de constrangimento e discriminação. O que perseguimos é a possibilidade de fazer com que tais violações deixem de ser silenciadas para o enfrentamento dos desafios de proteção da mulher em busca de um ambiente de trabalho digno e saudável.


8


Argumentar que a violência se encontra normalizada por meio de práticas de liderança. Sugerir um posicionamento da liderança contra o assédio pela correção organizacional.

Enfrentar a violência sexual no ambiente de trabalho requer mudanças políticas e compromisso por parte dos líderes. Tal política significa a implementação de práticas de liderança que reconheçam a existência de regimes de desigualdade e busquem desafiar e transformar as relações tradicionais de gênero no ambiente de trabalho caracterizadas por interações produtivas e restritivas baseadas no poder.

Essa política depende também da criação de práticas compartilhadas ou de “comunidade”.

Os próximos passos necessários para encerrar o ciclo de violência envolvem a responsabilização dos homens por suas ações contra as mulheres, e, ainda, que os líderes assumam a responsabilidade pelas mudanças

culturais e de atitude nas organizações.


9


Analisar algumas das violências praticadas contra a mulher e suas imbricações diretas com o mundo do trabalho e, consequentemente, com as possibilidades de sobrevivência digna, bem como discutir brevemente a função que o Direito ainda pode desempenhar diante disso.

A aposta na contaminação do direito brasileiro pelas diretrizes da OIT, especialmente quando fixa patamares de convívio social que são limites à ânsia predatória do capital, é fundamental para o enfrentamento desse momento de retorno à barbárie. O primeiro passo é superar uma jurisprudência refratária à aplicação imediata e plena das normas internacionais sobre direitos humanos, fazendo valer em âmbito interno as diretrizes de proteção à mulher.


10


Investigar a igualdade de gênero nas relações de trabalho, a partir da contextualização histórica da divisão sexista de atribuições sociais, buscar demonstrar as dificuldades de inserção da mulher no mercado de trabalho, diante das estruturas patriarcais de poder.

Sob tal prisma, a correlação mais adequada entre assédio sexual e discriminação é feita quando o ato é cometido como forma de repetição de estereótipos e normas de gênero, o que pode ocorrer tanto na modalidade “por chantagem” quanto “por intimidação”. Nas demais situações, situações, a violação à liberdade sexual, à dignidade da pessoa humana e ao direito ao meio ambiente saudável e equilibrado são construtos teóricos eficientes e não eliminatórios entre si que também oferecem um conjunto de apetrechos bastante adequados ao equacionamento das questões jurídicas eventualmente postas à tutela jurisdicional.


11


Objetivar compreender como esse fenômeno vem sendo investigado por pesquisadores brasileiros. Foi realizada uma revisão de literatura de publicações indexadas nas bases de dados SciELO, PePSIC e Index-psi-periódicos.

Nos resultados destaca-se a atualidade das pesquisas e intervenções, a diversidade de objetivos e contextos investigados, bem como a necessidade de mais pesquisas que considerem a dimensão subjetiva, as características da organização, da equipe de trabalho e da sociedade para compreender o fenômeno de forma complexa. Por fim, evidencia-se a necessidade de uma visão sistêmica e de conscientizar a sociedade sobre a prevenção e o combate ao AMT.


12


Buscar decisões judiciais proferidas entre 01/01/2017 e 26/10/2018, que reconheceram a ocorrência do dano moral aos empregados e condenaram seus empregadores ao pagamento de indenização. Considerou-se como reconhecido o dano sujeito à condenação tanto pela confirmação da sentença quanto pela condenação em segundo grau. Da mesma forma, a exclusão da condenação, contrariando a sentença proferida pelo 1º grau de jurisdição foi entabulada como não reconhecimento da existência do dano capaz de ser reparado por indenização.

Os empregadores ao causarem ou deixarem que causem danos aos seus empregados devem ser punidos. Além do necessário reparo moral através de indenizações pode sujeitar-se às sanções penais quando o ato for associado ao cometimento de agressões físicas, raciais ou ainda a submissão a condições não dignas de trabalho como em casos análogos a de escravos ou que apresentem risco iminente de morte. A ausência de provas dos atos de assédio ou do dano moral prejudicou a análise do mérito de várias decisões proferidas pelo TRT da 12ª Região. Neste caso percebe-se que vários empregados devem ter sofrido assédio e dano moral irreparáveis judicialmente pela precariedade das provas. Claramente os assédios são praticados em momentos ou circunstâncias isoladas de outras pessoas que possam testemunhar e confirmar os atos.


13


Verificar as razões do ingresso judicial requerendo a reparação dos danos morais sofridos e o entendimento dos tribunais, comparando as situações vividas entre homens e mulheres no meio do ambiente de trabalho.

As empregadas, por serem consideradas mais fracas física e psicologicamente são alvos dos danos, em especial, como se demonstrou, pela necessidade de emprego, mas sofrendo discriminação por ser mulher e ter direitos garantidos por esta condição. Outros fatores de discriminação da mulher são a limitação por sua capacidade física e pela condição social a que sempre esteve submetida, como a subordinação social em comunidade patriarcal. Portanto, realizar-se no trabalho é buscar o ethos grego, sem submissão a sofrimento desnecessário pelos empregados, cujo objetivo é o exercício pleno do direito ao trabalho.


14

Elaborar pergunta estruturante: Quais são as principais contribuições da Convenção (Nº 190) da OIT para transformação da teoria da decisão judicial a partir do dever de eliminação da violência de gênero no mundo do trabalho? Partindo dessa delimitação, optou-se pela estratégia metodológica da revisão de literatura sobre teoria jurídica feminista e direitos humanos e da análise documental no sistema internacional de direitos humanos.

Dois foram os resultados principais: a) o conteúdo da Convenção 190 da OIT deve ser interpretado como parte do sistema internacional de direitos humanos e da incorporação da categoria analítica gênero no campo normativo; b) o julgamento com perspectiva de gênero é um dever para os Estados-partes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) e suas possíveis contribuições para a proteção contra a violência de gênero laboral no Brasil é um tema a ser desenvolvido.

Fonte: autor (2023).


O quadro geral da amostra selecionada, oito artigos (artigos 1, 2, 3, 5, 6, 12, 13 e 14) discutem sobre o assédio sexual no trabalho, dado que demonstra a relevância da construção de mais pesquisas em torno do tema. Segundo Madruga e Duarte (2020), o Ministério Público do Trabalho definiu por assédio sexual ocorrido no trabalho “a conduta de natureza sexual manifestada fisicamente, por palavras, gestos ou outros meios, propostas ou impostas a pessoas contra sua vontade, causando-lhe constrangimento e violando a sua liberdade sexual”.

Cinco artigos da amostra selecionada (artigos 9, 10, 12, 13 e 14), apresentam a análise de textos legais e decisões judiciais em relação às condições de trabalho e violência contra a mulher no ambiente laboral. Dois artigos (artigos 12 e 13), que têm a mesma autora principal, analisam as decisões judiciais proferidas pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho referente ao período de 01/01/2017 a 26/10/2018, em relação a pedidos de indenização por danos morais sofridos pelas colaboradoras.

Já os outros três artigos de uma forma geral, buscam analisar a aplicabilidade e textos da jurisprudência referente à violência contra a mulher no ambiente laboral. O artigo da amostra “Trabalho e Violência Contra a Mulher” (Severo, 2020), discute sobre um caso em que o Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região condenou em sentença uma rede de supermercados ao pagamento de oitenta mil reais de indenização pela prática de assédio sexual no ambiente de trabalho.

Os artigos 12 e 13, evidenciam casos reais em que a ausência de provas dos atos de assédio a ou do dano moral prejudicou a análise do mérito de várias decisões proferidas pelo TRT da 12 Região. Kersten e Garcia (2022), autores destes dois artigos, afirmam que claramente os assédios são praticados em momentos ou circunstâncias isoladas de outras pessoas que possam testemunhar e confirmar os atos.

Em relação ao ano de publicação, quatro artigos (artigos 5, 7, 9 e 11) foram publicados em 2020, três artigos (artigos 2, 3 e 13) foram publicados em 2019, enquanto em 2016 e 2021 foram publicados dois artigos (artigos 8 e 14). Nos outros anos, apenas um ou zero artigos foram publicados sobre o tema violência contra a mulher no ambiente laboral. Assim, pode-se perceber que houve maior interesse sobre o tema nos anos 2019 e 2020.

O artigo 14, que tem como objeto central o dever estatal da eliminação de violência laboral e sua articulação com o julgamento em perspectiva de gênero na esfera trabalhista, aponta evidências coletadas entre 2019 e 2020 que indicam que o assédio sexual no ambiente de trabalho afeta aproximadamente metade das mulheres no Brasil ao longo de sua trajetória profissional.

Os artigos quatro e sete, apresentam pesquisas quantitativas etnográficas, fazendo análises de cultura de grupos de mulheres que trabalham nos setores público e privado. O artigo quatro, realizou sua pesquisa de campo através da imersão na vida diária das profissionais do setor público, acompanhando sua rotina laboral. O artigo sete convidou as profissionais do setor privado a responderem um questionário virtual com questões gerais sobre assédio sexual no ambiente laboral.

Ambas as pesquisas apresentaram em suas análises ambientes de violência institucional, relatos de casos de assédio moral e sexual. O artigo sete, com uma amostra de 65 trabalhadoras, apontou que 46,2% das mulheres responderam já ter sofrido assédio sexual no local de trabalho. Os dados apresentados revelam a complexidade das violências a que as mulheres são submetidas ao exercer seu direito ao trabalho


Conclusão

Diante do exposto, pode-se concluir que a revisão integrativa permitiu a percepção de uma lacuna significativa de pesquisas sobre o tema, evidenciando a importância de expandir o conhecimento científico nesta área. Os artigos da amostra final, indicam que a violência contra a mulher no ambiente laboral é uma realidade alarmante que afeta a vida e a carreira de inúmeras mulheres, destacando a necessidade das organizações e pesquisadores se engajarem na obtenção de um ambiente de trabalho seguro e inclusivo para as mulheres.

Os resultados da revisão enfatizam a responsabilidade das empresas em implementar políticas e práticas que previnam e combatam a violência de gênero. Isso inclui procedimentos ligados a criação de canais de denúncia confidenciais, treinamentos sobre igualdade de gênero e o estabelecimento de uma cultura organizacional que valorize a diversidade e o respeito mútuo.

O sentimento de pertencimento e segurança das mulheres em seu ambiente de trabalho cria um senso de identificação com a organização e suas metas, além de que, ao se sentir segura, pode ter maior concentração em realizar suas tarefas, estando assim diretamente relacionado ao aumento do engajamento e rendimento de suas atividades.

Os artigos também apontam que a segurança e o pertencimento no trabalho promovem a autoconfiança na vida das mulheres de uma forma geral, refletindo diretamente em sua produtividade e eficiência, tornando-as mais dispostas a assumir riscos calculados e tomar iniciativas, sentindo-se encorajadas a enfrentar desafios.

Investir na criação de um ambiente de trabalho seguro e inclusivo é fundamental não apenas para promover a igualdade de gênero, mas também para impulsionar o desempenho e sucesso profissional das mulheres, trazendo benefícios para a própria organização, para suas colaboradoras e para a sociedade.

É importante ressaltar que a ampliação do conhecimento científico nessa área é crucial para embasar políticas e práticas preventivas eficazes. A amostra final dos artigos indica que mais estudos são necessários para compreender as dinâmicas e consequências da violência, bem como para identificar estratégias para a criação de ambientes de trabalho mais seguros.

Uma das formas preventivas destacadas é a orientação às mulheres sobre como obter provas do assédio no ambiente de trabalho. A revisão mostra a importância de capacitar as mulheres para documentar e coletar evidências de violência, como mensagens ofensivas, testemunhos ou outras formas de comprovação. Isso pode fortalecer a posição ao denunciar casos de violência e contribuir para um processo de justiça mais efetivo.

Em suma, os resultados desta revisão integrativa reforçam a necessidade de ação conjunta por parte da comunidade para combater a violência contra a mulher no ambiente de trabalho, pois ao reconhecer que se trata de um problema social que afeta a sociedade como um todo, é possível fortalecer os laços de solidariedade e incentivar ações coletivas para estabelecer um ambiente de trabalho seguro e inclusivo.

Referências

Andrade, C. B., & Assis, S. G. (2018). Assédio moral no trabalho, gênero, raça e poder: Revisão de literatura. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 43(11), 1–13. https://doi.org/10.1590/2317- 6369000012917

Braga, N. L.; Araújo, N. M. de, & Maciel, R. H. (2019). Condições do trabalho da mulher: Uma revisão integrativa da literatura brasileira. Revista Psicologia: Teoria E Prática, 21(2), 211–251. https://doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v21n2p232-251

Botelho, L. L. R.; Cunha, C. C. A., & Macedo, M. (2011). O método da revisão integrativa nos estudos organizacionais. Gestão e Sociedade, 5(11), 121-136. Recuperado de http://www.spell.org.br/documentos/ver/10515/o-metodo-da-revisao-integrativa-nos-estudos- organizacionais/i/pt-br

Castro, J. M. de, & Abreus, P. G. F. de. (2006). Influência da inteligência competitiva em processos decisórios no ciclo de vida das organizações. Ciência Da Informação, 35(3), 15–29. https://doi.org/10.18225/ci.inf.v35i3.1109

Champloni, A. B. O., & Galinkin, A. L. (2020). Violência contra a mulher nas relações de trabalho.

Revista Relicário, 7(13) 86–95. https://doi.org/10.46731/RELICARIO-v7n13-2020-154

Cortez, P. A., Rodrigues, M. V. S. de., Salvador, A. P., & Oliveira, L. F. A. (2019). Sexismo, misoginia e LGBTQfobia: Desafios para promover o trabalho inclusivo no Brasil. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 29(4). https://doi.org/10.1590/S0103-73312019290414

Carvalho-Freitas, M. N. de, Bentivi, D. R. C., Ribeiro, E. A., Moraes, M. M. de, Di Lascio, R., & Barros,

S. C. (2022). Psicologia organizacional e do trabalho: Perspectivas teórico-práticas. Vetor Editora.

Echeverria, J. G. M.; Oliveira, M. H. B. de, & Erthal, R. M. C. de. (2017). Violência doméstica e trabalho: Percepções de mulheres assistidas em um centro de atendimento à mulher. Saúde e Debate, 41(N. Especial), 13–24. https://doi.org/10.1590/0103-11042017S202

Gonçalves, J.; Schweitze, L., & Tolfo, S. R. de. Assédio moral no trabalho: Uma revisão de publicações brasileiras. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 13(1), 1–18.

Guimarães, M. C., & Pedroza, R. L. S. (2015). Violência contra a mulher: Problematizando definições teóricas, filosóficas e jurídicas. Psicologia & Sociedade, 27(2), 256–266. https://doi.org/10.1590/1807- 03102015v27n2p256

Higa, F. C. da. (2016). Assédio sexual no trabalho e discriminação de gênero: Duas faces da mesma moeda? Revista Direito GV, 12(2), 484–515. https://doi.org/10.1590/2317-6172201620

Kemmelemeier, C., & Pasqualeto, O. Q. F. de. (2021). A Violência laboral e o julgamento em uma perspectiva de gênero. Revista da Faculdade Mineira de Direito, 24(47), 207–224. https://doi.org/10.5752/P.2318-7999.2021v24n47p207-224

Kersten, G. M., & Garcia, M. L. (2022). Análise de decisões do TRT da 12ª Região sobre os danos morais sofridos pelas mulheres nas relações de trabalho. Conpedi Law Review, 8(1), 83–103. Recuperado de: https://indexlaw.org/index.php/conpedireview/article/view/9039

Kersten, G. M.; Ferreira, M. G. G., & Alves, P. R. R. (2019). Danos morais às mulheres nas relações de trabalho. Revista Eletrônica Direito e Política, 14(1), 30–60. https://doi.org/10.14210/rdp.v14n1.p30- 60

Lopes, N. D. (2017). A violência contra a mulher no capitalismo contemporâneo: Opressão, exploração e manutenção do sistema. Seminário Internacional Fazendo Gênero, 11, 1–15. Recuperado de: https://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1496195410_ARQUIVO_Modelo_Tex to_completo_MM_FG(2).pdf

Lourenço, L. M., & Costa, D. P. (2020). Violência entre parceiros íntimos e as implicações para a saúde da mulher. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 13(1), 1–8. https://dx.doi.org/10.36298/gerais2020130109

Madruga, M. N., & Duarte, F. G. A. (2020). Violência contra a mulher trabalhadora: Um estudo sobre o assédio sexual no setor comercial de Pelotas-RS. Revista Relicário, 7(14), 105–118. https://doi.org/10.46731/RELICARIO-v7n14-2020-174

Mcewen, C.; Pullen, A., & Rhodes, C. (2021). Assédio sexual no trabalho: Um problema de liderança.

Revista de Administração de Empresas, 61(2), 1–7. https://doi.org/10.1590/S0034-759020210207

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Íntegra da Convenção 190 da OIT. [s.d.]. (2019).

Severo, V. S. (2020). Trabalho e violência contra a mulher. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito–PPGDir./UFRGS, 15(1), 251–275. Recuperado de: https://doi.org/10.22456/2317- 8558.96510

Schneider, D.; Signorelli, M. C., & Pereira, P. P. G. (2017). Mulheres da segurança pública do litoral do Paraná, Brasil: Intersecções entre gênero, trabalho, violência(s) e saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 22, 3003–3011. https://doi.org/10.1590/1413-81232017229.07892016

Whittemore, R., & Knafl, K. (2005). A revisão integrativa: Metodologia atualizada. Jornal de enfermagem avançada, 52 (5), 546–553.

Normas para los autores

  1. Los artículos y reseñas remitidos deberán ser inéditos (esto incluye publicaciones digitales como blogs, actas online, etc.) y no podrán ser postulados de forma simultánea para su publicación en otros periódicos. Al someter a la plataforma de la Prometeica, el autor afirma su anuencia a esa exigencia.

  2. Los artículos no deberán exceder los 40.000 caracteres. Las reseñas no deberán exceder los 10.000 caracteres.

  3. Todos los artículos deberán estar acompañados de un resumen y un abstract equivalente en inglés, cada uno de no más de 1.500 caracteres, incluyendo tres palabras claves.

  4. Los idiomas aceptados para los artículos serán:

    1. español,

    2. portugués,

    3. inglés.

  5. Los artículos deben ser enviados a la revista a través de lo que el acceso del usuario a la plataforma OJS. Las presentaciones deben estar en dos archivos con formatos doc, docx o.odt. La primera debe ser el artículo y el resumen, y sin los datos del autor. El segundo debe contener los datos del autor: un breve curriculum, afiliación académica e información de contacto. Los metadatos de los archivos deben ser borrados por el autor para garantizar una evaluación ciega, es decir, el autor no ve el nombre del parecerista y el parecerista no ve el nombre del autor.

  6. Una vez enviado el artículo/reseña el autor recibirá un e-mail de Prometeica acusando recibo. Desde la recepción de ese mensaje el comité editorial tendrá un máximo de 4 meses para evaluar si el artículo/reseña será publicado/a en la revista. El tiempo máximo previsto entre el envío del artículo y su publicación, en caso de aceptación sin reformulaciones, es de 6 meses.

  7. En cuanto al sistema de referencias Prometeica adopta las Normas APA – 2016 - 6ª edición, de la American Psychological Association.

  8. Para las notas aclaratorias se empleará la referencia al pie. Preferentemente se sugiere no abusar de este recurso.

  9. En el caso de artículos que incluyan imágenes, deben enviarse en un archivo separado. Las imágenes deben tener una resolución de 300 dpi, en formato *.jpg o *.tiff. El copyright de la imagen ya debe ser concedido, o el autor debe usar imágenes sin derechos de autor.

  10. En cuanto a la evaluación de los artículos, los mismos serán remitidos al miembro del consejo editorial responsable del área del trabajo en cuestión. Los artículos serán enviados a dos especialistas externos y evaluados en el sistema de revisión doble ciega en que el autor no ve el nombre del evaluador y el evaluador no ve el nombre del autor. En el caso de haber desacuerdo entre ellos, un tercer árbitro podrá ser consultado, por decisión del consejo editorial.

  11. Los trabajos pueden tener tres resultados posibles que constan en el formulario de evaluación que completará junto a otras observaciones el evaluador:

    1. recomendado para su publicación sin alteraciones,

    2. recomendado para su publicación con modificaciones,

    3. no recomendado para su publicación.

  12. En el caso 11 (b), la publicación del mismo quedará sujeta a que el autor esté dispuesto a realizar las modificaciones y las remita para su nueva evaluación.

  13. Todos los trabajos aprobados serán publicados en un idioma aceptado por la revista. Si el original no está escrito en uno de estos idiomas y demandas de traducción, puede resultar en un retraso de la publicación.

  14. El contenido de los originales publicados es responsabilidad exclusiva de sus autores.

  15. Los artículos presentados a la revista deben ser escritos utilizando el Modelo_Autor_Estilos.dotx

    para seguir los estilos y formatos descritos en Formato_Prometeica_2019.docx

    image

  16. Prometeica adopta una política antiplágio sometiendo todos los artículos enviados a un primer análisis por el software Turnitin.