https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15881
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
PRESENTATION OF THE WORLD OF WORK TO ADOLESCENTS IN A SENAC PROGRAM
An experience report
PRESENTACIÓN DEL MUNDO DEL TRABAJO A ADOLESCENTES EN UN PROGRAMA DEL SENAC
Un reporte de experiencia
Ricardo Felipe Teodoro Garcia
(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental
Universidade Paulista – UNIP e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - SENAC – Franca SP, Brasil)
Selma Aparecida Geraldo Benzoni
(Mestrado Profissional em Práticas Institucionais em Saúde Mental e Graduação em Psicologia da Universidade Paulista – UNIP, Brasil)
Recebido: 30/01/2024
Aprovado: 30/01/2024
RESUMO
A Instituição Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, oferece o programa “Preparação para o mundo do trabalho”, com o objetivo formar profissionais competentes para atuar no ambiente profissional. Esse relato teve a finalidade de refletir a proposta da unidade curricular 1 do programa, a qual versou sobre a história do mundo do trabalho, relações trabalhistas, emprego e profissão e busca provocar reflexões que atravessam o cotidiano do adolescente. Para tal foi utilizado o material disponibilizado pela Instituição ao facilitador e a experiência vivida pelo autor ao ministrar o conteúdo proposto. Nesta unidade curricular discutiu-se: 1) o trabalho formal e sua relação ou não com o cotidiano dos adolescentes; 2) as dificuldades das instituições para contratar o jovem aprendiz, em especial com vulnerabilidade social. A aula foi dividia em quatro momentos: apresentação dialogada da temática, apresentação de conceitos por slides pelo facilitador, apresentação de um vídeo do “Charlie Chaplin: tempos modernos” e discussão final associando todas as etapas anteriores. O docente pôde observar que os adolescentes ampliaram sua compreensão sobre o mundo do trabalho, colocando-se como cidadão com direitos e deveres, percebendo-se como parte de um processo de construção do mundo. Observou-se uma maior autonomia e espaços de trocas saudáveis entre os pares, os adolescentes e seu facilitador, assim como com as suas famílias, relatados por elas em ocasiões posteriores. Portanto, o manejo de aula possibilitou novas experiências, ocupando outros espaços sociais, ampliando as oportunidades e possibilidades do adolescente no mundo, fomentando a saúde mental.
Palavras-chave: adolescência. trabalho. desenvolvimento. atividade formativa. experiência.
ABSTRACT
The National Commercial Learning Service Institution offers the “Preparation for the world of work” program, with the aim of training competent professionals to work in the professional environment. This report aimed to reflect the proposal of curricular unit 1 of the program, which dealt with the history of the world of work, labor relations, employment and profession and seeks to provoke reflections that permeate the adolescent's daily life. To this end, the material made available by the Institution to the facilitator and the experience lived by the author when teaching the proposed content was used. This curricular unit discussed:
1) formal work and its relationship or not with the daily lives of adolescents; 2) the difficulties faced by institutions in hiring young apprentices, especially those with social vulnerability. The class was divided into four moments: dialogued presentation of the theme, presentation of concepts through slides by the facilitator, presentation of a video of “Charlie Chaplin: modern times” and final discussion combining all previous stages. The teacher was able to observe that the teenagers expanded their understanding of the world of work, positioning themselves as citizens with rights and duties, perceiving themselves as part of a world-building process. Greater autonomy and spaces for healthy exchanges were observed between peers, adolescents and their facilitator, as well as with their families, reported by them on later occasions. Therefore, classroom management enabled new experiences, occupying other social spaces, expanding the adolescent's opportunities and possibilities in the world, promoting mental health.
Keywords: adolescence. work. development. training activity. experience.
RESUMEN
El Institución Nacional de Servicio de Aprendizaje Comercial ofrece el programa “Preparación para el mundo del trabajo”, con el objetivo de formar profesionales competentes para desempeñarse en el entorno profesional. Este informe tuvo como objetivo reflejar la propuesta de la unidad curricular 1 del programa, que abordó la historia del mundo del trabajo, las relaciones laborales, el empleo y la profesión y busca provocar reflexiones que permeen el cotidiano del adolescente. Para ello se utilizó el material puesto a disposición por la Institución al facilitador y la experiencia vivida por el autor al impartir el contenido propuesto. Esta unidad curricular discutió: 1) el trabajo formal y su relación o no con la vida cotidiana de los adolescentes; 2) las dificultades que enfrentan las instituciones para contratar jóvenes aprendices, especialmente aquellos con vulnerabilidad social. La clase se dividió en cuatro momentos: presentación dialogada del tema, presentación de conceptos a través de diapositivas por parte del facilitador, presentación de un video de “Charlie Chaplin: tiempos modernos” y discusión final combinando todas las etapas anteriores. La docente pudo observar que los adolescentes ampliaron su comprensión del mundo del trabajo, posicionándose como ciudadanos con derechos y deberes, percibiéndose como parte de un proceso de construcción del mundo. Se observó mayor autonomía y espacios para intercambios saludables entre pares, adolescentes y su facilitador, así como con sus familias, relatadas por ellos en ocasiones posteriores. Por lo tanto, la gestión del aula posibilitó nuevas experiencias, ocupando otros espacios sociales, ampliando las oportunidades y posibilidades del adolescente en el mundo, promoviendo la salud mental.
Palabras clave: adolescencia. trabajar. desarrollo. actividad formativa. experiencia.
A Instituição Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial [Senac], tem como modelo educacional formar pessoas cidadãs, autônomas e empreendedoras, nesse sentido incentiva o protagonismo pessoal, onde o sujeito possa ser autor e ator de sua própria história. A missão do Senac é “Educar para o trabalho em atividades do comércio de bens, serviços e turismo” (Senac, 2020).
Como uma das propostas de formação, o Senac disponibiliza, em horário contrário à escola regular, o programa “Preparação para o mundo do trabalho”, com o objetivo de formar os adolescentes para serem profissionais competentes para e na atuação no ambiente profissional.
No Senac a qualificação profissional tem como base sete “marcas formativas” importantes para atingir o objetivo proposto do programa: 1) domínio técnico científico; 2) atitude empreendedora; 3) visão crítica; 4) atitude sustentável; 5) atitude colaborativa; 6) atitude saudável e, 7) protagonismo juvenil, social e econômico. Para o desenvolvimento das marcas formativas, os discentes vivenciam situações hipotéticas, elaboradas com vista no processo de ensino aprendizagem, que possam refletir sobre as possíveis competências pessoais e profissionais a serem utilizadas no ambiente de trabalho. As situações são criadas a partir de problematizações, de situações do cotidiano corporativo, que são apresentadas pelo docente e os discentes são desafiados a buscar soluções, as quais são mediadas pelos docentes levando em consideração as competências que estão sendo desenvolvidas nas aulas, oferecendo recursos para a resolução crítica das situações apresentadas e que possam ser generalizadas. Nessa metodologia, o discente reconhece suas potencialidades e experimenta autonomia, como indivíduo ativo na construção de seu próprio conhecimento. Geralmente, essas produções e resultados são apresentados em diversos formatos para o grupo e comunidade escolar - vizinhos, setores e outros (Senac, 2005, p.19), o que auxilia na criatividade e na investigação do aluno, que são reconhecidas e valorizadas. A avaliação do processo de aprendizagem discente se dá através de um processo utilizando como instrumentos a autoavaliações dos discentes e rodas de conversas entre os discentes e o docente, com o propósito de refletir sobre as soluções encontradas, validando as competências e habilidades desenvolvidas pelos mesmos e reafirmando as marcas formativas no alunado. (Senac, 2005).
O processo utilizado no Senac é chamado de metodologia ativa (Melo & Sant’Ana, 2013), essa considera que o homem se relaciona com o meio de forma consciente, intencional e reflexiva, através do pensamento, linguagem e trabalho buscando sentido em suas ações, desenvolvendo competências através de aulas dinâmicas e estratégicas, capazes de transportar o aluno fomentando o protagonismo para a atuação da e na prática corporativa.
O ensino-aprendizagem se dá através da construção realizada pelo discente em sua relação com o docente, com os demais discentes e o objeto de conhecimento (Paiva et al., 2016). A capacidade de construção só é possível quando o discente acredita em sua capacidade de construir o conhecimento novo, relacionando o que já sabe com os novos conhecimentos adquiridos no grupo (docente e outros discentes) e em pesquisa ativa, transformando o conhecimento. Como consequência desse processo os saberes podem ser internalizados e compartilhados em um processo dual de ensino e aprendizagem imbricando em uma aprendizagem com significado. O discente torna-se autor do seu próprio conhecimento, vislumbra a partir da vivência uma visão ampla, capaz de relacionar conteúdos de diversos aspectos da vida pessoal e profissional. (Melo & Sant’Ana, 2013).
Segundo Almeida (2023) a construção do conhecimento ocorre através das relações interpessoais que irão acontecer através do “amor a alguém a alguma coisa”, ou seja, para aprender habilidades é importante existir “paixão e desejo”, pois quando há carência desses afetos, há impossibilidade de explorar o cuidado, e é a partir desse cuidado que os sentimentos poderão mover-se. Portanto, o vínculo entre docente e discente é imprescindível para que o processo de ensino-aprendizagem aconteça, ou seja, criar uma atmosfera de confiança é ao mesmo tempo vincular-se com o alunado e possibilitar espaços onde a experiência possa acontecer, sendo esse movimento um investimento do grupo para esse processo formativo de desenvolvimento.
Em todo processo de ensino-aprendizagem os vínculos positivos, são importantes e esses só ocorrerão quando houver respeito a diversidade como preconiza a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos [DUBDH], da Unesco, divulgada em 2005, “nenhum indivíduo ou grupo deve ser discriminado ou estigmatizado por qualquer razão, o que constitui violação à dignidade humana, aos direitos humanos e liberdades fundamentais” (Unesco, 2006, p.8). Tal pontuação se faz necessária dada a diversidade dos alunos e a aprendizagem deve ser pautada na construção da civilidade, condição essencial para o convívio corporativo.
Considerando que os discentes se encontram em um período denominado no Ciclo Vital como adolescência e a aprendizagem utilizada considera o discente como um ser ativo, é relevante considerar as características próprias deste período de desenvolvimento. De acordo com Silva et al. (2021) a adolescência é um momento de intensa transformação biopsicossocial, que influencia na construção da identidade, definindo valores comportamentais, ocasionando maior suscetibilidade aos confrontos emocionais e sociais e ao mesmo tempo, sofrimento psíquicos.
É relevante salientar que a principal característica do adolescente é a imaturidade, simultaneamente, quer ser alguém em algum lugar, demonstra adversidades em aceitar falsos resultados e tende a se isolar. A mudança vem das considerações e os cuidados ambientais suficientemente bons, que faz com que atue de forma mais madura (Oliveira & Fulgencio, 2009). Os adolescentes buscam por adaptação no meio, com seus corpos, que estão em plenas metamorfoses biológicas, estabelece novas relações e precisam do abastecimento de suas necessidades de instinto, relacionais e de ideologias. Dessa maneira, é importante que a família e os demais ambientes deem suporte ao adolescente para que este possa sentir- se confiável e que o seu amadurecimento pessoal ocorra de forma completa e sem desorientação.
Considerável evidenciar algo apontado por Winnicott, que ao falar sobre adolescentes, afirma que não há criação sem uma base de tradição. Coutinho (2015) amplia a perspectiva clínica para questões sociais comparando o adolescente com o cultural, ou seja, o adolescente necessita do conflito com as tradições da cultura para se reinventar, ao mesmo tempo em que a cultura precisa da ousadia transformadora dos jovens para se renovar. E, geralmente esse movimento se dá no ambiente escolar. Winnicott (2022) vincula o psíquico e o social, com o que repercute na adolescência, desse modo, os adolescentes demandam da sociedade que ofereçam capacidade para as suas experiências subjetivas e ainda ressalta que a adolescência traz uma exigência de renovação social operando como um indicador da “saúde” de alguma sociedade.
De acordo com Oliveira e Fulgencio (2009), o adolescente busca se desenvolver dentro de um grupo, ou seja, para que o sujeito possa existir é importante um espaço de cultura, encontros e definições criadas que são compartilhadas. O ambiente exerce um papel importante na vida das pessoas dando vasões para experiências significativas, que podem resultar em dificuldades devido às condições ambientais negativas, como o trabalho infantil, a negligência parental e a violência intrafamiliar e extrafamiliar.
O adolescente pode buscar como recurso o isolamento, que pode provocar a dificuldades de sociabilização em grupos. Sabe-se que as relações iniciais configuram a formação psíquica dos indivíduos, ou seja, os primeiros anos de vida da criança e posteriormente, na adolescência configurar- se como aspectos não saudáveis, acarretando a disfunções intensas, que podem ser frutos da ausência de integração anterior. Se tudo ocorre dentro do esperado, a sociedade terá um adolescente que pode tolerar a frustação e ao mesmo tempo que oferece ao adolescente, suporte e confiança para que este consiga desenvolver-se de maneira saudável em sociedade.
Uma sociedade capitalista, como a nossa, mostra a realidade das vulnerabilidades dos adolescentes que encontram dificuldades de inserção, principalmente no mundo do trabalho, devido a questões econômicas e sociais (Pereira & Oliveira, 2023), o que amplia a discrepância na inserção do mercado profissionais para adolescentes em vulnerabilidade social e econômica.
Como forma de contribuir para que esses adolescentes garantam presença no programa e consigam se desenvolver, é oferecido pela justiça do trabalho uma bolsa estímulo no valor de R$300 reais, assim o
nível de evasão poderá ser minimizado. Ainda segundo, Pereira e Oliveira (2023), para os jovens e adolescentes que vivenciam a vulnerabilidade ou “situações de pobreza”, sofrem com a falta de políticas públicas que são habilitadas para suprir “diretrizes básicas de acesso a inclusão”.
Quando se tem políticas públicas que convergem para inclusão da juventude e adolescência, há um desenvolvimento de sujeitos trabalhando em tarefas que atuam na geração de rendas, assim sendo, é permitido a saída de episódios de “vulnerabilidade social e econômica”, em busca de efetivar os objetivos econômicos. (Pereira & Oliveira, 2023, p.19). Acredita-se, refletindo nesse vértice, que a escola é um espaço social, onde além de expor conhecimentos tem o papel de oferecer civilidade ao discente. Oliveira e Fulgencio (2009), ainda ressalta que é nesse ambiente que alguns comportamentos tendem a aparecer, e que podem se camuflar na família dos adolescentes, nesse caso, o facilitador/professor precisa criar um vínculo, “elo afetivo” com os discentes para identificar as dificuldades que aparecem nesse contexto, intervindo para garantir saúde física e mental ao mesmo. Experiências dolorosas podem se tornar traumáticas para o aluno, caso não sejam percebidas nesse contexto, por isso, é importante um espaço de escuta para que essas situações possam emergir.
Pensando nisso, o professor é aquele que na escola dá sustentação para relações saudáveis, onde o cuidado e o manejo são parte integral desse processo, de acordo com Almeida (2023), as ações educativas promovem evoluções pertinentes, em contrapartida, essas ações não são iminentes. Portanto, é importante ressaltar que o vínculo entre docente e discente é fundamental para a construção de sujeitos críticos e responsáveis.
Esse artigo proposto tem o objetivo de realizar uma produção, através de relato de experiência, onde o fator principal é expor a intervenção realizada com alunos em uma unidade curricular do programa “Preparação para o mundo do trabalho” na perspectiva de contribuir para a construção de conhecimentos, garantindo condições éticas.
Este artigo usou como metodologia o relato de experiência compreendendo-o como a construção de um roteiro que resulta de um método constante de maturação, que é mesclado por: “elaboração, participação, orientação e apresentação dos estudos” (Mussi, Flores & Almeida, 2021), contribuindo com o conhecimento científico.
O relato de experiência aqui apresentado ocorreu em formato de aula realizada em agosto de 2023, no programa “Preparação para o mundo do trabalho” que ocorre com aulas de 3 horas e 30 minutos de duração, duas vezes por semana, num período de 6 meses, com uma carga horária total de 160 horas. O conteúdo do programa é dividido em quatro unidades curriculares: a) reconhecer a importância do trabalho para a constituição da identidade, inserção social e transformação da sociedade do adolescente;
b) fundamentar as escolhas pessoais e profissionais dos adolescentes com base no equilíbrio entre desejos, necessidades e oportunidades; c) preparar os adolescentes para a inserção crítica no mundo do trabalho, equacionando as novas configurações e organizações do trabalho, relações humanas e tecnológicas; e d) uma unidade chamada de projeto integrador, que visa integrar as informações das demais unidade de formação. (Senac, 2005).
Na aula analisada nesse relato teve a presença de 20 adolescentes de 14 até 18 anos, que versava sobre a unidade curricular I, cujo propósito é reconhecer a importância do trabalho para a constituição da identidade, inserção social e transformação da sociedade, onde o docente apresenta um panorama geral sobre o funcionamento do mundo do trabalho e suas nuances. Todos os alunos que frequentaram esta aula do curso “Preparação para o mundo do trabalho” são de uma cidade do interior do estado de São Paulo, de porte pequeno e são de um grupo de vulnerabilidade social e com antecedente de trabalho
infantil. Esses alunos frequentam a escola regular no período contrário ao programa e recebem uma bolsa de R$300,00 mensais, para cobrir custos do curso como alimentação e vestuário, o transporte é oferecido pela Prefeitura da cidade, reduzindo as ausências e evasões.
Para essa aula foi utilizado o material disponibilizado pelo Senac (2005) ao docente, no qual há o planejamento de aulas do curso, bem como o plano de oferta, que sinaliza toda operação do curso aos facilitadores do programa. Para o registro da experiência utilizou-se um diário de campo da experiência vivida pelo autor, que é facilitador no programa.
A experiência se deu com a aula dividia em quatro momentos: 1) inicialmente foi apresentada a temática “mundo do trabalho” aos discentes, a fim de que verbalizassem o conhecimento prévio sobre o assunto, com a técnica de brainstorming, fomentando a participação dos alunos com o que vem à mente incentivando e valorizando a participação de todos. (Senac, 2015, p. 8); 2) Em seguida o docente usou slides para apresentar o cenário histórico, social e cultural do mundo do trabalho utilizando a exposição dialogada, que consiste em sintetizar informações sob determinada temática, realizando analogias com os conhecimentos prévios que apareceram na estratégia inicial utilizada (brainstorming), estabelecendo diálogo mediado entre docente e discente; 3) Foi exibido o vídeo “Charlie Chaplin: tempos modernos”, como estratégia disparadora para sensibilizar os alunos a realizarem uma análise crítica da vivência dos trabalhadores e o quanto as condições e atuações no mundo do trabalho estão associadas ao passado e ao presente e refletir como poderá ser no futuro; 4) como estratégia de encerramento da aula foi realizada uma roda de conversa associando todas as etapas anteriores, com o propósito de ampliar o conteúdo discutido e avaliar a compreensão dos alunos, fazendo parte do processo avaliativo proposto pelo Senac (Senac, 2005).
Para melhor compreensão sobre a intervenção e discussão serão apresentadas as quatro etapas da participação e trocas entre discentes e docente. O grupo de adolescentes que compuseram essa turma do curso de qualificação, já se mostravam integrados devido a uma etapa anterior, na qual o Senac promoveu um Programa de Integração de Novos Cursos [PINC], que tem como objetivo inicial fazer com que os membros do grupo se conheçam para que seja possível estabelecer trocas mais assertivas.
Apesar do preparado inicial com os alunos, na apresentação do mundo do trabalho aos discentes, utilizando o brainstorming como recurso pedagógico, os alunos demonstraram timidez para expressarem suas opiniões, não apresentavam muitas reflexões e censura, no entanto no decorrer da atividade, conforme um ou outro aluno foi se posicionando, os demais participantes do grupo se sentiram mais à vontade para expressarem sobre as seguintes reflexões, “local onde se ganha o pão”, “identidade”, “lugar de trabalho”, frases e palavras que foram ganhando forma no decorrer das discussões.
Após a discussão inicial e como estratégia para compreensão dos conceitos levantados, o docente apresentou em slides traçando uma linha do tempo sobre o mundo do trabalho, refletindo desde o homem pré-histórico, produção familiar, artesã, até como questões da revolução industrial, taylorismo, fordismo, produção enxuta e o processo de globalização. Os discentes e o docente puderam fazer paralelos e analogias com o brainstorming realizado, compreendendo que o mundo do trabalho tem uma história e que enfrentou vários desafios. É interessante observar que as associações realizadas pelos discentes com o momento atual, ou seja, compreender que houve mudanças significativas, mas que ainda vivemos situações que são pregressas nessa linha do tempo. Como também constataram que o trabalho infantil e trabalho informal, é algo crescente em nosso país, apesar do progresso ocorridos no Brasil e nas leis brasileiras como o Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA], 1990). Aprender esses aspectos, na percepção dos alunos, fez com que também pudessem ser-se parte do processo de erradicação do trabalho infantil, ao mesmo tempo em que trouxe consciências e mudanças de paradigmas.
Com a exibição do vídeo do “Charlie Chaplin: tempos modernos”, os discentes puderam constatar o funcionamento do mundo do trabalho, relembrando as reflexões de linha de base do (brainstorming),
como também da exposição dialogada através dos slides propostos pelo docente, puderam refletir o parâmetro de aspectos do mundo do trabalho no passado, bem como pensar essas características no presente e direcionar reflexões do mundo pós moderno, levantando questionamentos importantes, tais como a interferência da inteligência artificial, da robotização e dos relacionamentos interpessoais.
A roda de conversa foi realizada em formato de círculo com os discentes e cada um, sem seguir uma ordem, de acordo com o sentimento de cada adolescente, puderam discutir os atravessamentos dos conhecimentos adquiridos em aula e no cotidiano de cada um, pontuando a importância de conhecer a história para intervir na mesma, bem como trazer experiências e vivências de seus familiares e amigos existindo em situações que foram questionadas na teoria, como trabalho formal e informal, contrato de trabalho sem a carteira assinada, os diversos tipos de trabalhos atuais, empregabilidade e desemprego. As trocas foram fundamentais para desenvolver a visão crítica dos alunos e que possam ter domínio técnico cientifico de como é o funcionamento do mundo do trabalho.
A intervenção realizada possibilitou perceber que os discentes ampliaram seus repertórios conhecendo sobre o conteúdo proposto. Esse conhecimento humano liga-se ao saber escolar experiências complementares e da cultura, a mobilidade associada ao espaço, mostrando a interligação entre os diferentes aspectos. Segundo Dias (2017), para Winnicott, a premissa básica em sua teoria do amadurecimento pessoal, existem dois fatores importantes: a predisposição natural ao amadurecimento e a vivência constante de um ambiente facilitador.
Refletindo com base na visão winnicottiana, realizando analogia com a intervenção proposta, pode-se pensar que para o desenvolvimento integral do adolescente é importante que se tenha um ambiente (neste caso a escola) que facilite esse processo. Portanto, os facilitadores devem criar circunstâncias para que o aluno possa aprender. Associado a essa perspectiva, a metodologia ativa utilizada pelo Senac, propõe que o ambiente sala de aula ofereça ao aluno autonomia e protagonismo para criar, ou seja, exercer a sua criatividade e desenvolver a partir daí competências importantes para o mundo do trabalho.
Ainda segundo Dias (2017), a criança pode não se tornar real, caso ela não tenha um ambiente que lhe ofereça sustentação para facilitar seu processo de maduração, por isso é importante e fundante criar espaços de escuta e de trocas entre aluno e professor para que, principalmente, o aluno consiga construir o seu processo de conhecimento individual, como pode ser observado na troca existente entre discentes e docente, para a construção do conhecimento individual os alunos precisaram sentir-se acolhidos pelo docente e pelo colegas, só assim puderam se expressar.
Percebe-se que os adolescentes que participaram desta aula vivenciam situações de vulnerabilidade social, que para Winnicott (2019), quando a criança não vivencia em seu lar “sentimentos de segurança” ainda enxerga possibilidades de esperança fora desse local, como na escola, busca suporte externo como forma de não enlouquecer, é como se inicialmente o adolescente dependesse da estabilidade oferecida pelo docente nesta aula, para que posteriormente se torne independente na busca de conhecimento com pensamento crítico e capaz de protagonizar a própria história.
De certa forma, a instituição e docência conduz para que nesse espaço (escola), o adolescente possa encontrar segurança para se posicionar, como por exemplo nas atividades propostas. O brainstorming visa evidenciar de forma espontânea aquilo que o aluno traz em sua bagagem, representando para o mesmo como a potência para poder confiar em suas próprias produções, dando a esses alunos sustentação para o crescimento e até mesmo utilizando a metodologia ativa como estratégia de desenvolvimento.
A metodologia ativa Melo e Sant’ana (2012) de trabalho utilizada pelo facilitador visa possibilitar que os discentes construam o seu próprio conhecimento participando ativamente de todo o seu processo de ensino-aprendizagem, propondo a construção do conhecimento e agregando ao que o aluno já vivencia no cotidiano, ou seja, valoriza o conhecimento prévio ao mesmo tempo em que apresenta o conhecimento técnico cientifico, utilizando o banco de estratégias de ensino aprendizagem (Senac, 2015), que pretende facilitar a aprendizagem do aluno, buscando dar sentido a proposta do conteúdo, oportunizando analogias relacionadas ao mundo do trabalho.
Dentro dessa proposta onde o discente sente que tem um espaço de confiança para se colocar, alguns alunos comentam sobre atuar no mundo do trabalho dentro da informalidade, ou seja, alguns alunos vivenciam situações de trabalho infantil, que é o trabalho conduzido por crianças e adolescentes sem idade mínima permitida, sistema que é apoiado pela legislação. (Criança Livre de Trabalho Infantil, n. d.).
Atualmente no Brasil, quem ainda não completou 16 anos, não pode trabalhar, exceto na condição de jovem aprendiz, amparado pela Lei n. 10.097/2000, que tem como objetivo oferecer aos jovens e adolescentes a oportunidade do primeiro emprego, sendo subsidiado por uma escola profissionalizante que dê sustentação para que este possa trabalhar e desenvolver as suas competências, além de estar matriculado no ensino formal, sendo este um pré-requisito do programa para frequentar os programas promovidos pelo Senac.
Oferecer a possibilidade de os alunos conhecerem sobre o mundo do trabalho e fazer trocas de conhecimentos e afetivas, discutirem sobre as problemáticas que vivenciam e que estão envoltas na dinâmica do mundo do trabalho, amplia a capacidade dos adolescentes de fazer escolhas mais assertivas em suas vidas profissionais e pessoais. Na discussão aparece as questões referentes aos direitos de cada pessoa como cidadã, dotada de direitos e deveres, pertencendo há um mundo de diversidades e de injustiças, contribuindo para a reflexão sobre o papel de cada pessoa na sociedade em sua transformação, fomentando a civilidade e como cidadão que faz referências de sua realidade com o mundo em que vive, relacionando essas situações com o mundo do trabalho, sendo capaz de refletir perspectivas de futuro.
As trocas se deram de forma saudável, onde cada adolescente se respeitou e também compreendeu a realidade de seus pares, desenvolvendo empatia, com um olhar autônomo de identificar o conhecimento como algo que lhe tira do senso comum e o lança em espaços mais reais para que haja mudança de comportamento e daí em diante possa disseminar conhecimento e construir espaços mais justos.
Esse caminho, por onde transcorreu a aula, possibilitou validar situações de saúde mental, onde o discente pode apresentar insights significativos de mudanças de paradigmas que o fizeram enxergar o mundo do trabalho de forma diferente, com outros contornos e perspectivas diferentes. Segundo Winnicott (2019), a base da saúde mental do adulto tem a sua construção na infância, e esse aspecto fica claro na adolescência.
Segundo Maia e Garcia (2003), a resiliência dirige-se a “capacidade dos indivíduos de superar os fatores de risco” quando há mostra, a partir daí fortalece comportamentos de adaptação que caminham para adequação, posto isso, a escola é um lugar onde conflitos acontecem e o discente treina o tempo todo a sua resiliência.
Frente ao exposto, o facilitador pode observar que os adolescentes deste grupo, puderam ampliar sua compreensão sobre o mundo do trabalho. Colocam-se como cidadão com direitos e deveres; percebem- se como parte de um processo de construção do mundo; fomentou a autonomia e espaços de trocas saudáveis, entre os pares de adolescentes e seu facilitador. Os adolescentes e suas famílias, relatados por elas em ocasiões posteriores, que o que foi observado pelo facilitador (docente) tem se ampliado para o ambiente familiar. O manejo de aula e a proposta dos conteúdos contribuiu para que os adolescentes pudessem se sentir acolhidos e respeitados para construir um conhecimento significativo e aplicável em seu cotidiano, ampliando a sua inserção na sociedade e contribuindo para uma vida mais salutar.
Almeida, A. P. (2023). Por uma ética do cuidado: Winnicott para educadores e psicanalistas. (Vol. 2). Blucher.
Coutinho, L. G. (2015). O adolescente e a educação no contemporâneo: o que a psicanálise tem a dizer.
Cadernos de Psicanálise, 37(33), 155-174. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cadpsi/v37n33/v37n33a08.pdf.
Criança Livre de Trabalho Infantil. (n. d.). O que é trabalho infantil?
https://livredetrabalhoinfantil.org.br/trabalho-infantil/o-que-e/
Dias, E. O. (2017). A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. (4ª. ed.). Editorial.
Maia, M. V. M.; & Garcia, I. S. (2003). Sobrevivendo às adversidades: tentativas de articulação entre resiliência e Winnicott. [Apresentação de trabalho]. 2º Encontro Nacional sobre o pensamento e a Clínica de D.W. Winnicott.
Melo, B. C., & Sant’Ana, G. (2012). A prática da metodologia ativa. Comunicação em Ciências Saúde, 23(4), 327-339. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/artigos/pratica_metodologia_ativa.pdf
Mussi, R. F. D. F., Flores, F. F., & Almeida, C. B. D. (2021). Pressupostos para a elaboração de relato de experiência como conhecimento científico. Revista práxis educacional, 17(48), 60-77.
Oliveira, D. M. D., & Fulgencio, L. P. (2009). Contribuições para o estudo da adolescência sob a ótica de Winnicott para a educação. Psicologia em Revista, 16(1), 67-80. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-11682010000100006.
Paiva, M. R. F., Parente, J. R. F., Brandão, I. R., & Queiroz, A. H. B. (2016). Metodologias ativas de ensino-aprendizagem: revisão integrativa. SANARE-Revista de Políticas Públicas, 15(2), 145-153. https://sanare.emnuvens.com.br/sanare/article/view/1049/595
Pereira, E. S., & Oliveira, L. J. (2023). Programa “ação jovem” e a ordem econômica constitucional – o fomento para a redução das desigualdades sociais e regionais através de políticas públicas de valorização e inserção no trabalho no estado de São Paulo. Revista Argumentum, 24(2), 263-287. file:///C:/Users/Sonia/Downloads/1489-4497-1-PB.pdf
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. (2005). Proposta pedagógica. Revitalizado em 2005 Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. (2015). Banco de estratégias de ensino-aprendizagem.
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (2020). Sobre o Senac. https://www.sp.senac.br/sobre-o- senac
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. (2022). Plano de curso. Qualificação profissional preparação para o mundo do trabalho: Eixo Tecnológico: Gestão e Negócios. Versão 1.
Silva, J. C. P. D., Cardoso, R. R., Cardoso, Â. M. R., & Gonçalves, R. S. (2021). Diversidade sexual: uma leitura do impacto do estigma e discriminação na adolescência. Ciência & Saúde Coletiva, 26, 2643-2652.
Unesco (2006). Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos [DUBDH] (A. Tapajós e M. M. Prado Trad.). http://www.bioetica.org.br/?siteAcao=DiretrizesDeclaracoesIntegra&id=17
Winnicott, D. W. (2022). Processos de amadurecimento e ambiente facilitador: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. (I. C. S. Ortiz Trad.). Martins Fontes.
Winnicott. D. W. (2019). Privação e delinquência. Editora Wmf. Martins Fonte.