EDITORIAL

Prometeica. Revista de Filosofía y Ciencias, año IV, N. 10, verano 2015


Tempos difíceis


Além de cientistas e pensadores, somos também educadores: não apenas formamos profissionais, mas somos responsáveis pela formação dos futuros cientistas, pensadores e educadores. Ao produzir e reproduzir o pensamento científico, educamos e forjamos indivíduos que farão o mesmo no futuro. Nossa tarefa, portanto, envolve um compromisso geracional.

Nos dias de hoje, indelevelmente marcados pela violência e intolerância, pelo preconceito e autoritarismo, vale a pena relembrar o trabalho de um dos maiores educadores da América Latina: Paulo Freire (1921-1997). Para ele, educar implicava na capacidade de mudar, de fazer opções, de ter consciência do que condicionava a nossa existência. Em outras palavras, educar envolvia lidar com condicionamentos: ter consciência deles e superá-los, em especial se tais condicionamentos limitassem nossa ação, ferissem nossa autonomia e se colocassem a serviço da opressão alheia. Para Freire, educar significava o exercício da liberdade, incluída aí a luta contra os esquemas repressivos.

Quais esquemas são mais repressivos do que aqueles que alimentam a exclusão social do “outro”, diferente e estranho a nós e à nossa cultura? Índios, negros, mulheres, adeptos de outras religiões, adeptos de outros hábitos e costumes: por medo ou estranheza, os nossos esquemas de defesa mantêm distante tudo que é estranho a nós. Acostumamo-nos a isso, a afastar quem come, pensa, reza, se veste, fala e ama diferente. Acostumamo-nos a entendê-lo como um Outro – desconhecido e ameaçador – que deve ser excluído do convívio social. Pior ainda: para alguns, esse é um Outro tão perigoso que sequer sua existência é tolerada, devendo ele ser eliminado e destruído.

Mas, afinal, quem é esse Outro? É alguém que nunca antes esteve aqui, que acabou de chegar ou é alguém que está à espera para ser recepcionado? Ele só existe para nos contar sua narrativa de exclusão ou é alguém a quem


podemos conhecer se nos aproximarmos mais? Aliás, devemos conhece-lo, ou apenas tolerá-lo? É externo a nós ou interno, que também pode ser qualquer um, ou sermos nós?

Precisamos conhecer esse Outro. Para que possamos construir um mundo pacífico e solidário, devemos trazê-lo ao convívio em sociedade. Como educadores, nosso trabalho mais relevante é incluí-lo na sala de aula em situação de igualdade naquilo que for semelhante, e em situação diferenciada naquilo que exigir tratamento privilegiado. Skliar (2003, p. 46), em A educação e a pergunta pelos Outros: diferença, alteridade, diversidade e os outros ‘outros’1, nos sugere um caminho:


A pedagogia do outro que deve ser anulado é aquela que diz ao outro: ‘está mal ser o que és’, e que considera esta mensagem como o seu único ponto de partida. (...) A pedagogia do outro que reverbera permanentemente é aquela (...) que diz, com uma voz suave porém intensa: ‘não está mal ser o que és’, mas também: ‘não está mal ser outras coisas além do que já és’.


Nesses termos, podemos estar certos de que estaremos colaborando para a construção de um mundo melhor.


Ivy Judensnaider


Editora ajunta


1. Disponível em: http://www.perspectiva.ufsc.br/pontodevista_05/03_skliar.pdf, acesso em: 29 dez. 2014