ARTÍCULOS

Prometeica. Revista de Filosofía y Ciencias, año IV, N. 10, verano 2015


KUHN E A METAFÍSICA


CIÊNCIAS METAFISICAMENTE DETERMINADAS


Kuhn and the Metaphysics


Metaphysically Determined Sciences


CLÁUDIA RIBEIRO


(UL, Portugal)


Resumo


O propósito deste ensaio é analisar a concepção de metafísica presente na obra de Kuhn, The Structure of the Scientific Revolutions, assim como o papel que desempenha na evolução histórica das ciências. Kuhn é bem claro quanto ao facto de que, sem metafísica, não pode haver ciência. Os paradigmas científicos incorporam sempre uma metafísica. Uma ciência não se torna ciência livrando-se da metafísica; pelo contrário, esta é a grande responsável por cada um dos paradigmas científicos ser aquilo que é. No entanto, a metafísica vigente num paradigma vale tanto quanto qualquer outra, o que implica que nenhuma delas é adoptada através da avaliação da conexão que estabelece com a realidade. De nada mais se pode falar a não ser de várias ‘realidades’ construídas pelas metafísicas adoptadas por cada um dos paradigmas. Neste ensaio, apontamos alguns dos problemas maiores da tese kuhniana da incomensurabilidade e do anti- realismo que lhe é subjacente. Defendemos que incomensurabilidade e metafísica são conceitos incompatíveis, uma vez que entre metafísicas divergentes poderá sempre estabelecer-se uma comunicação racional e uma vez que, embora o sentido dos termos possa mudar de acordo com o paradigma, a referência é preservada. Propomos, por isso, o abandono da tese da incomensurabilidade e da concomitante noção de paradigma e a adopção da noção popperiana de ‘programas metafísicos de investigação’.

Palavras-chave: metafísica | comunicação racional | não-realismo.


Abstract


The aim of this essay is to analyze the notion of metaphysics, as well as its role in the historical development of science, in Kuhn’s The Structure of Scientific Revolutions. Kuhn is quite clear that without metaphysics there can be no science. Scientific paradigms always incorporate a metaphysics. A science does not become a science by getting rid of metaphysics; on the opposite, metaphysics is largely responsible for the specific nature of each one of the scientific paradigms. However, a paradigm’s metaphysics is viewed as adequate as any other; this implies that none of them is adopted by evaluating its connection with reality. We can merely speak about different ‘realities’ constructed according to the adopted metaphysics of the paradigm. We point out some of the biggest problems of Kuhn's incommensurability thesis and the anti-realism that underlies it. We argue that incommensurability and metaphysics are incompatible concepts, since there is always place for rational communication between divergent metaphysical theories and since the reference is preserved, even though the meaning of the terms may change according to the paradigm. We propose, therefore, to abandon the incommensurability thesis and concomitant notion of paradigm and the adoption of Popper's notion of ‘metaphysical research programmes’.

Keywords: Metaphysics | Rational Communication | Non-Realism.


Introdução


Em 1962, um jovem físico e filósofo das ciências, Thomas S. Kuhn, publicou um volume intitulado The Structure of Scientific Revolutions (doravante Structure), com o qual pretendia mudar uma certa imagem de ciência, a imagem positivista da história da ciência. Encontrava-se nos livros de texto e nos manuais, e era também a ideologia dos cientistas. Caracterizava-se por uma crença muito ingénua no acumular de conhecimento e no trabalho de cientistas heróicos dedicados a fazer descobertas sucessivas (Kuhn, 2000:306). Kuhn insurgia-se ainda contra as obras nas quais a ciência surgia como um produto autónomo da actividade cognitiva humana. Embora fosse um produto feito pelo homem, essas obras sugeriam que a ciência podia ser estudada como se não fosse, como coincidindo com a lógica supra- histórica do seu desenvolvimento.

A questão da demarcação e a crença numa ciência una faziam igualmente parte da imagem rejeitada por Kuhn. E fazia parte também o realismo. Kuhn


pretendia, sobretudo, distanciar-se da tradição que apoiava a concepção de verdade como correspondência com as coisas (adequatio ad rem) e da relação epistemológica na qual o sujeito não interfere no processo de conhecimento do objecto. Segundo Kuhn, estas teses são desmentidas pela história da ciência. Portanto, o estudo da história das ciências pode libertar-nos de uma imagem da ciência que não corresponde à prática efectiva dos cientistas. Por exemplo, se olharmos para a história das ciências, concluímos que os cientistas não trabalham para fazer descobertas impressionantes. Limitam-se a aplicar as teorias existentes de modo a desenvolver as suas implicações numa área particular.

Todavia, o próprio pensamento de Kuhn sofreria várias evoluções, evoluções essas que não só o obrigaram a propor constantemente novos conceitos, como a rectificar as definições de conceitos anteriores, embora o seu interesse de fundo – a dinâmica da mudança em ciência – se tenha mantido inalterado. Com efeito, durante toda a sua carreira, fez numerosas tentativas para redesenhar e reformular as suas posições filosóficas. De tal modo assim é, que não se pode defender que existe apenas uma única interpretação que capte o conjunto do seu pensamento, excluindo outras interpretações: há o Kuhn sociológico, o Kuhn kantiano, o Kuhn empirista- lógico, o Kuhn wittgensteiniano, o Kuhn da ciência cognitiva…

Neste ensaio, iremos cingir-nos ao Kuhn da Structure, (embora referências a textos mais tardios possam surgir no sentido de iluminar as suas posições filosóficas) no intuito de analisar a concepção de metafísica em jogo na obra, assim com o papel que desempenha na descrição kuhniana da evolução da ciência. Para tanto, teremos de começar por apresentar as ideias mais importantes, sobretudo toda uma série de conceitos que Kuhn introduziu para dar conta da natureza cíclica das ciências maduras, da sua inscrição num processo histórico repetitivo: paradigma, ciência normal, crise, ciência extraordinária, revolução, incomensurabilidade.


As partes metafísicas dos paradigmas


De acordo com Kuhn, a história das ciências tem sido atravessada por diversos paradigmas. Estes são, aliás, condiçãosine qua nonpara que a ciência seja possível. Em geral, Kuhn designa por ‘paradigma’ uma entidade tácita de cariz cognitivo e heurístico que impera durante uma época da história da ciência e que é uma pré- condição do fenómeno de observação e de teorização. Embora se sucedam uns aos


outros, os vários paradigmas possuem uma estrutura idêntica: uma metafísica, uma metodologia, valores, crenças ideológicas, leis, conceitos, tipos de experiências e de instrumentos. Sendo partilhado por uma comunidade de especialistas, o paradigma possibilita a comunicação e o consenso dentro dessa comunidade.

Mas Kuhn utiliza o termo ‘paradigma’ em vários outros sentidos. No corpo da Structure, é utilizado em dois sentidos principais. Num sentido mais global, é uma ‘forma de ver’, uma ‘concepção do mundo’ que configura a ciência ao decidir qual a sua ontologia – por exemplo, átomos e vazio – e que se traduz em teorias, conceitos, instrumentos, métodos específicos e regras. O paradigma determina os objectivos a alcançar e os problemas a resolver, assim como o tipo de soluções aceitável. Exemplos de paradigmas são a astronomia ptolemaica, a astronomia copernicana, a dinâmica aristotélica, a mecânica newtoniana e a mecânica da relatividade.

Num sentido mais restrito, ‘paradigma’ designa modelos, trabalhos exemplares, soluções científicas concretas que gozam de prestígio devido aos bons resultados alcançados e que os especialistas tentam aplicar nas suas investigações (por exemplo, a descrição de Newton do movimento planetário ou a descrição de Franklin da garrafa de Leyden) (Kuhn, 1962: 182-4).

Para designar o que no corpo da obra refere como ‘paradigma’, no Posfácio de 1969 da Structure Kuhn prefere utilizar o termo ‘matriz disciplinar’. Esta incorpora os seguintes elementos: uma teia de ‘generalizações simbólicas’ (por exemplo,f = ma), valores (simplicidade, coerência, a precisão…) e, o que mais aqui nos interessa, as “partes metafísicas dos paradigmas” ou “paradigmas metafísicos”. Kuhn não chega a explicitar o que entende por metafísica. Utiliza o termo como se existisse um consenso acerca do seu significado, o que está bem longe de ser o caso. Apenas diz que as partes metafísicas dos paradigmas são crenças reguladoras, modelos ontológicos e heurísticos, teorias gerais acerca da estrutura do mundo, como a teoria corpuscular-mecanicista. Mas também são crenças bastante mais específicas, por exemplo, crenças que induzem os cientistas a associar o calor à energia cinética. Ora, um aristotélico não faria essa associação: associaria o calor aos dois elementos quentes, o Fogo e o Ar. A tendência é olhar para definições desse tipo como puramente científicas. Mas, de acordo com Kuhn, as leis quantitativas da ciência não são extraídas simplesmente através de medições, de experiências empíricas; não são factos objectivos, mas antes crenças metafísicas que estipulam quais as analogias ou metáforas permitidas.


Kuhn encara a metafísica, o método, os instrumentos, a sociologia e a epistemologia que constituem um paradigma como um todo. Não individualiza nenhum desses segmentos. Parecem mover-se em conjunto e em sintonia. É provável que Kuhn não se tenha esforçado por os destrinçar porque, tal como afirma, o paradigma é uma “mistura inexplicável”(Kuhn, 1962: 144) . Ressalva, todavia, que os elementos metafísicos de tipo “mais elevado”, como a teoria corpuscular- mecanicista, se mantêm por bastante mais tempo do que os outros elementos que constituem o paradigma (Kuhn, 1962: 64). Isso acontece porque são pressupostos (Kuhn, 1962: 64-5). Durante a formação dos futuros cientistas, a metafísica do paradigma é-lhes transmitida de forma indirecta, através das aplicações da ciência, nunca sendo apresentada explicitamente para discussão crítica.

Todavia, Kuhn não investiga com pormenor a construção dos objectos científicos no âmbito de um paradigma particular, nem explica como essa construção difere de paradigma para paradigma, ou seja, não se dedica à descrição dos elementos metafísicos dos paradigmas e à análise da sua influência sobre o trabalho da ciência. Como veremos, prestou muito mais atenção, em Structure, aos elementos psicológicos presentes na mudança de paradigmas do que aos elementos metafísicos. No entanto, o que interessa ter em conta é que sempre que, de ora em diante, utilizarmos o termo ‘paradigma’ nos estamos a referir a um complexo de elementos entre os quais a metafísica desempenha papel de relevo.


O mapa do conhecimento


A aceitação do paradigma, como dissemos, é de natureza tácita. A sua aprendizagem é um processo inconsciente e intuitivo veiculado pelo treino científico. Não se processa através do estudo racional de regras, mas de julgamentos de semelhança feitos a modelos de resolução de problemas que se encontram em manuais e nas obras dos cientistas de referência. As soluções propostas para resolver problemas são julgadas tendo em conta a semelhança com esses modelos. Penetrar no terreno científico é, pois, em grande medida, abandonar a actividade crítica. Com efeito, a imagem que Kuhn tem de comunidade científica assemelha-se a uma sociedade secreta cujos acólitos disciplinados se unem através da aceitação acrítica de uma constelação de convicções teóricas que funciona como um dogma durante uma determinada época: “Trata-se certamente de uma teologia rígida e estreita,


provavelmente mais do que qualquer outra, com a possível excepção da teologia ortodoxa.” (Kuhn, 1962: 210)

É precisamente a aceitação acrítica de um paradigma que possibilita a investigação científica: esta não pode ser levada a cabo sem um grupo de ideias reguladoras que não estão constantemente a ser postas em causa, antes geram um consenso na comunidade dos cientistas. Para que a observação e a experiência tenham lugar é necessário que o cientista saiba aquilo que deve procurar na selva de populações e complexidade que é o mundo. Essas ideias reguladoras que são pressupostas, implícitas, orientam o cientista nessa selva, indicando-lhe um caminho por onde transitar, fornecendo aquilo a que Kuhn chama “um mapa”. (Kuhn, 1962: 144). Este mapa, todavia, é demasiado geral, um mero esboço das vias principais. Por isso, uma vez na posse do mapa matricial, os cientistas dedicam-se a completá-lo, a torná-lo num mapa cada vez mais rico e pormenorizado. A este tipo de trabalho designa Kuhn por ‘ciência normal’. ‘Normal’ porque é sobretudo a ele que a maioria dos cientistas se dedica durante a sua vida.

O ponto de partida e a condição de possibilidade da ciência normal é a imagem

do mundo veiculada pela metafísica presente no paradigma. Assim, esta não é posta em causa. Pelo contrário, os cientistas defendem-na a todo o custo, convencidos de que sabem como é o mundo e ignorando explicações alternativas dos fenómenos. O paradigma é o modelo em redor do qual se organiza a ciência normal e esta, por sua vez, articula e actualiza o paradigma.


A ciência normal, actividade na qual a maioria dos cientistas emprega inevitavelmente quase todo o seu tempo, é baseada no pressuposto de que a comunidade científica sabe como é o mundo. Grande parte do sucesso do empreendimento deriva da disposição da comunidade para defender esse pressuposto (…) (Kuhn, 1962: 24)


Na posse de uma metafísica que os informa acerca da estrutura fundamental do universo e que é capaz de ditar uma tradição de pesquisa porque é consensualmente aceite, os cientistas encetam a actividade altamente padronizada da ciência normal. Esta actividade é típica das ciências já amadurecidas e consiste em expandir as linhas gerais sugeridas pelo paradigma e em testar a sua eficácia através de uma aplicação detalhada, isto é, da resolução de problemas de pormenor, “relativamente esotéricos”, que Kuhn designa por puzzles: “A aquisição de um paradigma e do tipo de pesquisa mais esotérico que ele permite é um sinal de maturidade no


desenvolvimento de qualquer campo científico que se queira considerar.” (Kuhn, 1962: 31)


Metafísica e crise


A ciência normal e o seu conservadorismo parecem não deixar muito espaço para a mudança. Mas o interesse de Kuhn é, precisamente, descrever de modo inédito a maneira como se processa a mudança em ciência. Nesse sentido, vai introduzir na ciência normal o seu próprio mecanismo interno de mudança, abrindo um estreito caminho para a novidade.

Apesar de a mudança poder ter lugar como consequência da invenção de novas teorias ou de novos instrumentos, ela tem lugar, sobretudo, devido à emergência de certas ‘anomalias’, ou seja, de fenómenos para os quais o paradigma não preparou o cientista. O trabalho detalhado típico da ciência normal faz com que os cientistas se deparem amiúde com fenómenos anormais. Mas uma vez que eles tendem a não largar mão das suas teorias, tendem também a contornar esses fenómenos anómalos. Podem contorná-los, por exemplo, ignorando-os; ou então apresentando explicações ad hoc. No entanto, é difícil ignorar ou resolver ad hoc anomalias que põem em xeque a metafísica do paradigma, assim como aquelas que persistem durante demasiado tempo ou que possuem uma importância prática ou social especial. A certa altura, já não é possível evitar o reconhecimento da existência imprevista de algo e da sua natureza. Contudo, por não ter permitido reconhecer até então essa existência, o paradigma não oferece quaisquer mecanismos capazes de a absorver e integrar. São estas as anomalias que inspiram a mudança, dado que solucioná-las não se assemelha à resolução de puzzles durante o período da ciência normal. Como se torna impossível ignorá-las e uma vez que o paradigma vigente se revela inapto para as resolver, segue-se um período de crise no qual a confiança dos cientistas naquele fica abalada. A desorientação então sentida é um sintoma da condição fragilizada do paradigma cuja função devia ser, precisamente, orientar. Mas é na crise que reside a chave para uma mudança na ciência, para a emergência da novidade.

Os períodos de crise apresentam duas importantes características: serem a

ocasião em que, pela primeira vez, a metafísica pressuposta no paradigma se torna explícita e alvo de debate entre os seus seguidores; e a abertura à novidade. Durante


a ciência normal, devido à fraca abertura à novidade, à satisfação gerada pelo paradigma, à dedicação a problemas esotéricos, as teorias diferentes são ignoradas, como a de Aristarco foi ignorada até à crise gerada por Copérnico. Parece não haver quaisquer razões para as levar em conta. Instalada a crise, porém, o consenso e o conservadorismo reinantes durante os períodos de ciência normal dão lugar a debates de teor filosófico, uma vez que são os pressupostos metafísicos outrora implícitos que se encontram agora sob escrutínio.

Portanto, além de ser parte integrante de cada paradigma e orientar a investigação científica, a metafísica está presente, não já de forma implícita mas explícita, durante os tempos de crise e de ‘ciência extraordinária’, o período de experimentação febril e aleatória que se segue à crise. O debate filosófico em ciência é, pois, sintoma de crise porque “em geral, os cientistas não precisam e nem sequer desejam ser filósofos.” (Kuhn, 1962: 119) Que seja num período de crise que em ciência se recorra mais à filosofia é uma afirmação que revela muito acerca da importância que a segunda tem para a primeira. Os cientistas são forçados a filosofar porque pressentem que é na filosofia que poderá residir a solução para os novos problemas com que se confrontam e para os que a sua ciência, até então, se mostra incapaz de solucionar. Só uma mudança de teor filosófico pode solucionar o que a ciência normal não soluciona. Isto sucede porque, na perspectiva de Kuhn, uma ciência é uma aplicação de um paradigma e de um paradigma faz parte uma filosofia, mais especificamente, uma metafísica.

Quando uma teoria alternativa promissora é apresentada, uma teoria cujas

explicações oferecem maior inteligibilidade para os problemas, o período de ciência extraordinária termina e tem então lugar um passo decisivo: a revolução científica. As revoluções científicas consistem num “deslocamento da rede conceptual através da qual os cientistas vêem o mundo”, consistem numa “outra atmosfera filosófica.” (Kuhn, 1962: 137) A solução de anomalias equivale, portanto, a olhar para o mundo de um modo diferente, um modo no qual deixam de surgir como anomalias a solucionar. Isto é, equivale a mudar de paradigma. No novo paradigma, uma situação anómala deixa de parecer anómala, pois uma anomalia é-o de acordo com um determinado paradigma e sua metafísica. As anomalias eram algo que, de acordo com a ontologia do paradigma anterior, não deveria existir ou, pelo menos, não deveria existir daquele modo. Deixam de parecer anómalas porque o conceito de natureza e concomitante ontologia, no novo paradigma, não coincide com o do


anterior. Assim, a adopção de um novo paradigma permite ver como normal o que anteriormente era visto como anómalo.


Incomensurabilidade


Kuhn descreve do seguinte modo a mudança de paradigma:


É como se a comunidade profissional tivesse sido subitamente transportada para um novo planeta, onde os objectos familiares são vistos sob uma luz diferente e a eles se apegam objectos desconhecidos. (…) podemos ser tentados a dizer que, após uma revolução, os cientistas reagem a um mundo diferente. (Kuhn, 1962: 147-8)


Este transporte para um novo planeta é consequência do que Kuhn designa por incomensurabilidade dos paradigmas. A ideia de incomensurabilidade estabelece que não há uma medida comum que possibilite um contacto completo de pontos de vista entre cientistas adeptos de dois paradigmas diferentes. E pretende destruir a concepção de progresso tanto como uma acumulação de conhecimento como de uma aproximação à verdade.

A mudança de paradigma consiste na adopção de uma metafísica que veicula uma nova imagem do mundo. Por isso, implica uma nova ciência com novas áreas de problemas, novos padrões para a sua resolução e novos critérios de tipo consensual para sua legitimação: “abandonar o paradigma é deixar de praticar a ciência que este define.” (Kuhn, 1962: 56) Toda a área é reconstruída a partir de uma nova fundamentação, desde as generalizações teóricas mais elementares até aos métodos utilizados. Redefine-se o que é um objecto científico, o que são questões científicas, quais os métodos legítimos de resolução de problemas.

O paradigma fixa o significado dos termos, fornece os problemas a investigar e a heurística para a sua resolução e estabelece o critério através do qual as soluções são julgadas. Quando o paradigma muda, muda o mundo do cientista. O campo de visão configurado pelo paradigma anterior é substituído por outro, de tal modo que, olhando para os mesmos fenómenos naturais, os cientistas, conforme se situem num ou noutro, vêem coisas diferentes. A alteração de visão é total. Segundo Kuhn, por exemplo, onde os aristotélicos viam uma pedra a cair a custo, Galileu via um pêndulo (Kuhn, 1962: 156).


A imagem do empirismo do senso comum de que a ciência principia com a observação vê-se, assim, rejeitada. No princípio está o paradigma e a sua carga teórica. Não só a percepção e observação mudam de acordo com o paradigma em que ocorrem, como o sentido dos termos de observação utilizados muda também. Por exemplo, lembra Kuhn, a Terra ptolemaica era fixa por definição. O referente dessa Terra não era o mesmo que a Terra de Copérnico, que era móvel. Os termos não significam o mesmo em diferentes paradigmas. Daí não poderem servir de juízes neutros na escolha de teorias. Uma vez que os termos de observação mudam de acordo com a teoria em que se inserem, então não há grande diferença entre termos de observação e termos teóricos. O sentido dos termos teóricos também é determinado pelo papel específico que desempenham na teoria. São aprendidos em grupo e o seu significado é fortemente contextualizado. A teia de relações que estabelecem num determinado paradigma diverge da teia que estabelecem noutro. Por exemplo, o sentido do termo teórico ‘massa’, no âmbito da mecânica newtoniana, é muito diferente de quando ocorre na teoria da relatividade. A primeira ‘massa’ é conservada, é uma propriedade e uma invariante e está inserida num espaço plano. A segunda ‘massa’ pode converter-se em energia, é uma relação, é uma variante e está inserida num espaço curvo. Embora Newton e Einstein utilizassem a mesma palavra – ‘massa’ – não estavam a falar da mesma coisa. Kuhn discordava, portanto, da tese que vê a mecânica newtoniana como um caso especial da teoria da relatividade. O termo ‘massa’ da física clássica e o termo ‘massa’ da física relativista são incomensuráveis. Só podem ser compreendidos no seio do paradigma em que foram produzidos. Não há evolução de um para o outro. O termo ‘massa’ da física relativista não representa uma maior aproximação à verdade do que o mesmo termo na física clássica.


Ou coelhos ou patos


É devido à incomensurabilidade entre paradigmas que Kuhn vai afirmar, em Structure, que a comparação entre eles não pode ser resolvida através de testes empíricos (Kuhn, 1962: 190). Os proponentes de dois paradigmas diferentes não concordam nem com o que seja um teste nem com aquilo que deve ser provado e vêem como urgentes questões diferentes. Além disso, há uma descontinuidade ontológica entre paradigmas. O que existe num paradigma não existe num outro. Por


exemplo, na química anterior a Lavoisier, existia uma substância designada por flogisto mas, na química pós-Lavoisier, foi eliminada da ontologia. Nessa ordem de ideias, os cientistas não conseguem ler e interpretar os mesmos factos de maneira idêntica, abrindo-se assim entre eles um fosso comunicacional. A sua visão do mundo é de tal modo desigual que, embora possam utilizar o mesmo vocabulário, os mesmos termos já não partilham idêntico sentido.

Nota Alexander Bird (2004: 1-14) que esta tese da incomensurabilidade, em Structure, começou por ser psicológica, determinando a percepção e a observação. Há nessa obra uma aproximação naturalista à filosofia das ciências que foi depois abandonada, quando Kuhn enveredou por caminhos mais especulativos. Mas em Structure, no sentido de apoiar a tese da incomensurabilidade, Kuhn socorre-se de dados empíricos: da história da ciência e, curiosamente, da psicologia. Em especial no que diz respeito ao problema da escolha de paradigmas, Kuhn refere-se a trabalhos científicos de psicologia experimental acerca dos processos perceptivos. Por exemplo, para a tese da dependência teórica da observação, socorre-se das cartas anómalas de Bruner e Postman (Kuhn, 1962: 89-91 e Bruner e Postman, 1946: 206-

23) e de imagens da psicologia gestalt onde é possível ver representadas diferentes figuras, por exemplo, um coelho ou um pato (Kuhn, 1962: 148 e sgs). A utilização filosófica deste tipo de imagens da psicologia gestalt já vinha de Norwood Russell Hanson. Com efeito, Kuhn baseou-se muito emPatterns of Discovery(1958) no que toca ao problema da independência da observação, independência essa que ambos contestam. De acordo com Hanson, e contra a visão dos empiristas lógicos, há uma enorme ligação entre o que observamos e as nossas crenças e experiência passada. A observação não é a mesma para todos os observadores, nem sequer para aqueles que se localizam em locais semelhantes.

Como comenta Bird (2004: 1-14), Kuhn extrapola a partir das experiências da psicologia gestalt para a tese de que a evolução da ciência se processa através de paradigmas que provocam uma nova estruturação da “visão do mundo” dos cientistas e não através do envolvimento da razão. Serve-se dessas imagens para mostrar que cada paradigma vê um mundo diferente de tal modo que ou se vê o coelho ou se vê o pato: “(…) o cientista não retém, (…) a liberdade de passar repetidamente de uma maneira de ver a outra.” (Kuhn, 1962: 117). Não põe a hipótese de não se ver nenhuma dessas formas, nem de se ver ambas. Também não leva em conta o facto de se tratar apenas de um desenho e, portanto, não poder ser


comparado com propriedade a um coelho ou um pato. Ora, sendo um desenho, não se põe a questão de a visão estar correcta ou não. Em suma, estes exemplos diferem bastante do caso da mudança de visão originada pela adopção de um novo paradigma ou do exemplo acima referido do pêndulo avistado por Aristóteles e por Galileu.

Muito do trabalho posterior de Kuhn foi consagrado a melhorar a sua tese da incomensurabilidade. Mais tarde, apresentou uma versão semântica da mesma.12 Como consequência, a mudança de mundo tornou-se menos ligada à observação e mais ligada às questões da linguagem. A incomensurabilidade semântica é comparada ao acto de tradução:


Em suma, o que resta aos interlocutores que não se compreendem mutuamente é reconhecerem-se uns aos outros como membros de diferentes comunidades de linguagem e, a partir daí, tornarem-se tradutores.” (Kuhn, 1962: 251).


A incomensurabilidade semântica pode, pois, ser entendida como uma espécie de impossibilidade de tradução completa entre a linguagem do novo paradigma e a do anterior. Mas a incomensurabilidade não é total impossibilidade de comparação ou comunicação. Os adeptos de paradigmas diferentes podem comunicar entre si e comparar certos aspectos desses paradigmas. Todavia, apenas alguns tipos de comparação são possíveis. A comparação ponto por ponto não é possível. Mas é possível comparar teorias diferentes, na medida em que a teoria A pode ser considerada melhor do que a teoria B se resolve os puzzles da teoria B e ainda as suas anomalias. Não obstante, a incomensurabilidade implica que a comunicação seja imperfeita e imprecisa, tal como acontece nas traduções de uma língua para outra. Na tradução, há uma falha na preservação do sentido das palavras. Assim, a mudança de paradigma assemelha-se à aprendizagem de uma língua estrangeira que se vai tornando acessível, desde que se entenda até que ponto difere da nossa e até que ponto nos será sempre estranha. No entanto, tendo em conta a descrição de incomensurabilidade em Structure, é difícil ver como isto é possível.


12. Cf. Posfácio de 1969 de The Structure of Scientific Revolutions. E Kuhn (1982: 669 – 68).


Anti-realismo


O que se encontra na base da tese da incomensurabilidade e da renúncia a toda a concepção continuista do conhecimento é o anti-realismo de Kuhn: o mundo a que fazemos referência só pode ser um mundo construído por nós. No Posfácio de 1969, o conceito de verdade é rejeitado, tornando-se relativo a cada paradigma (na Structure propriamente dita, a posição é mais neutra). Kuhn utiliza um velho argumento epistemológico contra a ideia de verdade como correspondência, segundo o qual teorias e realidade não podem ser comparadas, dado que isso implica um acesso à realidade independente das teorias. A verdade como correspondência é demasiado implausível. O que o mundo é independentemente do conhecimento que dele temos é algo que não está ao nosso alcance. A noção de verdade não pode ser explicada em termos de como as coisas são mas, precisamente, o inverso: o modo como as coisas nos parecem ser é que pode ser explicado pela concepção de verdade adoptada.

Em nenhum momento nega Kuhn a existência de um mundo independente da

mente humana. Acredita que haja um mundo independente da mente, mas é céptico no que diz respeito ao conhecimento desse mundo. No entanto, mesmo quando utiliza a palavra ‘mundo’ no singular, Kuhn refere-se habitualmente ao(s) mundo(s) dependente(s) da mente humana:


Se houvesse apenas um conjunto de problemas científicos, um único mundo no qual ocupar-se deles e um único conjunto de padrões científicos para a sua solução, a competição entre paradigmas poderia ser resolvida de uma forma mais ou menos rotineira, empregando-se algum processo como contar o número de problemas resolvidos por cada um deles. (Kuhn, 1962: 189)


É o mundo no primeiro sentido, ao qual não temos acesso de modo neutro, que é visto de maneira diferente após uma revolução. Kuhn emprega a palavra ‘natureza’ para o designar. E os vários mundos, os mundos que mudam com a mudança da teoria, são aqueles que são apercebidos pelos cientistas, os mundos determinados pelo paradigma dentro dos quais trabalham. Os vários mundos são provocados pelas nossas mudanças mentais. O mundo no primeiro sentido permanece o mesmo e é causalmente responsável pelas nossas percepções, embora não saibamos dizer como. Como constata Bird, "O mundo de Kuhn tem dois


componentes. Tem um aspecto imutável que, em certo sentido, constitui a explicação última das nossas experiências perceptivas, e tem um aspecto que se altera em resposta às mudanças de paradigmas. Esta é a nossa forma de apreender as coisas." (Bird, 2000, 124)

Todavia, os mundos não mudam devido a uma evolução mental em direcção à excelência, mas simplesmente porque a ‘visão’ muda. E, tal como para Kant, é inútil tentar avaliar a correspondência dessa ‘visão’ com uma realidade independente de todo o pensar: “Parece-me que não existe maneira de reconstruir expressões como “realmente aí” sem auxílio de uma teoria; a noção e um ajuste entre a ontologia de uma teoria e a sua contrapartida “real” na natureza parecem-me ilusórios por princípio. (…)” (Kuhn, 1962: 256) Por isso, não se abandona um paradigma pela sua incapacidade de adequação à natureza, mas pela sua incapacidade de resolver puzzles.

Como é bem sabido, Kant distinguia os fenómenos, os objectos possíveis do conhecimento, dos objectos ‘em si’, independentes do nosso conhecimento e incognoscíveis. Os primeiros são cognoscíveis, mas não são independentes: dependem parcialmente da mente humana que lhes impõe conceitos a priori. Mas enquanto Kant defendia para todos os homens as mesmas estruturas a priori do conhecimento, o que o salvou do relativismo, para Kuhn, os diferentes conceitos, teorias, linguagens e ‘visões do mundo’ são impostos pelas diferentes comunidades de cientistas das diferentes épocas históricas. Assim, são criados ‘mundos diferentes’ que existem apenas em relação a cada comunidade e é a esses mundos que os cientistas geralmente se referem como sendo a realidade. Os múltiplos mundos são construções humanas. Um discurso científico que se desenvolve fora de uma ‘visão do mundo’ capaz de representar uma realidade independente é um projecto inexequível.

Para Kuhn, não há um ‘realmente aí’ com o qual a ciência contacta, porque esse seria um terreno comum sobre o qual os cientistas poderiam comunicar; haveria um fundo de realidade contra o qual as diversas ontologias dos diversos paradigmas poderiam ser comparadas. Ou seja, Kuhn teria de prescindir da incomensurabilidade dos paradigmas. Mas, tratando-se de um anti-realista de tipo construtivista, isso não é possível.


Conversão


O novo paradigma, com a sua nova metafísica, não é escolhido nem através de um real debate filosófico nem através da apresentação de provas de carácter lógico- científico que comprovem a sua superioridade em relação ao anterior. Não são valores epistémicos que estão em jogo. Uma vez que os cientistas estão imersos no paradigma que os educou e agem como se não fosse possível ter outra perspectiva das coisas, não pode existir verdadeiro debate entre apoiantes de paradigmas diferentes. Nessa medida, o que existe no período de crise entre apoiantes de paradigmas diferentes é apenas “um diálogo de surdos” (Kuhn, 1962: 145) .

O que sucede então, diz Kuhn, é uma competição dos dois paradigmas pela adesão da comunidade. A adopção de um novo paradigma está, pois, relacionada com técnicas de persuasão, sendo o teste entre paradigmas sobretudo um teste de popularidade (Kuhn, 1962: 186). A mudança de mundo, para resultar, tem de ser um processo social.

A nível da adesão pessoal de um cientista a um novo paradigma, Kuhn também não se refere a comparações lógicas, a experimentação e a argumentação. Refere-se antes a uma conversão. Uma vez que, se há ciência, então há imersão num paradigma e havendo imersão num paradigma, não é possível entender nem dialogar com apoiantes de outro, então, a nível pessoal adere-se a um novo paradigma por conversão. Esta pode ter lugar devido a factores aparentemente extra-científicos: factores biográficos (por exemplo, no caso de Kepler, a adoração do Sol foi decisiva na sua adesão à teoria heliocêntrica), psicológicos, sociais (a nacionalidade, a reputação…).

Quanto à conversão em massa, informa Kuhn que se trata de um processo muito lento. Normalmente, o que sucede é que os poucos adeptos iniciais vão desenvolvendo o paradigma e persuadindo outros através de novas realizações. Assim, uma nova verdade triunfa porque os apoiantes da anterior acabam por envelhecer e morrer. Além disso, um outro factor é capital: a fé, no sentido de confiança nas potencialidades do novo paradigma, visto ainda não ter realizado quase nada. Podemos concluir, portanto, que, de acordo com Kuhn, a metafísica de um paradigma é determinante em ciência, mas a escolha dessa ‘metafísica’ é determinada por factores históricos, sociais e psicológicos; não é determinada por uma avaliação racional do seu poder heurístico.


Devido à referência a factores biográficos e sociais na escolha de teorias gerou grande polémica, Kuhn foi acusado de tornar o desenvolvimento científico um caso de irracionalidade. Mas a sociologia da ciência ganhou novo alento. Como é do conhecimento geral, foi sob grande influência de Kuhn e de Feyerabend que se desenvolveu uma história e uma sociologia construtivista da ciência. Essa sociologia, porém, desagradava a Kuhn que se defendia ao descrever-se como internalista: “Pensava nele [em Structure] como obviamente internalista. As pessoas em Inglaterra surpreendem-se constantemente por eu ser um internalista.” (Kuhn, 2000: 287) Kuhn sublinhou então que o maior factor na escolha de paradigmas é a habilidade do novo paradigma manter o sucesso do predecessor e resolver as anomalias que aquele não resolvia. Todavia, a dimensão sociológica da sua descrição da adesão a um novo paradigma em Structure é mais óbvia do que o seu internalismo, porque, como escreve Alexander Bird, “A sua explicação da ciência normal (e, por extensão, da revolucionária) em termos de uma realização científica exemplar que se torna um padrão através do seu papel na educação científica é claramente uma explicação sociológica.” (Bird, 2004: 3)


Crítica da incomensurabilidade


A polémica tese da incomensurabilidade de Kuhn tem feito correr rios de tinta e não encontrou muitos adeptos.

Uma das razões é a questão do sentido prevalecer sobre a questão da referência. Os termos acerca do mesmo domínio que ocorrem em teorias rivais não têm o mesmo sentido, advoga Kuhn. Afirmam coisas diferentes acerca da mesma coisa x ou acerca da existência ou não existência de x, ainda que tudo se passe a nível da observação: são incomensuráveis. Cada paradigma é como um jogo com as suas próprias regras de linguagem, não havendo nenhuma metalinguagem partilhada por todos.

Mas, como lembra Alexander Bird (2004), Saul Kripke em Naming and Necessity (1980) e Hilary Putnam (1973, 1975) deslocaram o acento do sentido para a referência: na comparação entre teorias o que está em jogo é a referência e não o sentido. À tese de que a linguagem é algo de interior ao espírito, Putnam opôs a teoria externalista da referência que permite evitar a incomensurabilidade dos paradigmas. Apesar das mudanças de sentido de termos e proposições, a ontologia,


ao invés do que Kuhn pretendia, não muda. A referência é fixada, não pelo contexto teórico, mas pela relação causal entre o emprego do termo e a entidade ou tipo de entidade a que se refere. O sentido de ‘electrão’ pode então ser ‘a partícula subatómica responsável pelo fenómeno electrostático’. Ainda que o resto da teoria possa mudar, essa parte da teoria mantém-se. Logo, não há mudança de referência. Fica assim salvaguardada a ideia de que vamos aprendendo mais acerca de electrões, átomos, genes, etc.

Insurgindo-se contra a tese da incomensurabilidade a partir de uma posição realista, o filósofo australiano Michael Devitt (2010: 143-157) vai no mesmo sentido. Sustém que a comparação entre teorias é possível porque o mundo permanece o mesmo ainda que as teorias mudem; uma parte desse mundo é comum a essas teorias. Cada uma delas faz referências a esse domínio comum e isso basta para se ter uma base para a comparação entre teorias. As teorias são, portanto, comensuráveis. No que diz respeito aos observáveis, a mudança de teoria não se implica o abandono da crença na existência de entidades que a teoria anterior contemplava. A maneira como vemos a natureza dessas entidades talvez mude, mas não o facto de que são as mesmas entidades. Talvez se adicionem novas entidades terrestres ou celestes, mas as simples eliminações são raras: “Errámos bastas vezes acerca da natureza dessas entidades, mas foi acerca da sua natureza que errámos. Não errámos acerca da sua existência.” (Devitt, 2010: 151) Quanto aos inobserváveis, admite Devitt, o caso é mais complexo, dado ser mais fácil enganarmo-nos acerca da sua existência; mas conclui com isso, não que existe incomensurabilidade, mas apenas que a cautela deve ser redobrada no que a eles diz respeito: “O máximo que a história da ciência nos deve tornar é cautelosos no que diz respeito à nossa crença em inobserváveis.” (Devitt, 2010: 151)

Também o epistemólogo francês G. G. Granger defende que, ao contrário do

que Kuhn advoga, o progresso em ciência é possível (2003). Granger não se socorre da questão de referência mas da questão da evolução histórica dos conceitos a partir de versões anteriores inferiores. Embora a adopção de um novo paradigma se traduza numa reformulação global dos objectivos, dos problemas a ser postos e das soluções aceitáveis, isso não implica uma incomensurabilidade total entre os paradigmas. Essa reformulação é global mas mais ou menos incompleta. O que se passa não é um abandono dos conceitos, mas uma progressão no sentido da sua melhoria, do seu enriquecimento. Assim, diz Granger, o conceito de ‘massa’


newtoniano é uma versão melhorada e enriquecida do conceito de ‘massa’ einsteiniano. Não obstante ser verdade que, para Newton, a massa era uma grandeza invariante absoluta, enquanto na relatividade restrita é uma grandeza covariante que aumenta com a velocidade, também esta não se trata, todavia, de uma propriedade directa das coisas, mas de um conceito que opera num sistema de referência. Ao ser associado a um sistema de referência mais sofisticado, o conceito de massa herdado de Newton, uma versão depauperada do mesmo conceito da relatividade restrita, enriqueceu-se, revelando novos aspectos de si próprio. No mesmo molde, o conceito de ‘átomo’ de Bohr é também uma versão melhorada e enriquecida do conceito de ‘átomo’ newtoniano. Conclui Granger:


Assim, o progresso da ciência é possível, e o declínio dos paradigmas não significa que a história da ciência possa ser descrita como uma sucessão de compartimentos isolados, através dos quais seria muito difícil reconhecer uma ideia consistente de cientificidade. (Granger, 2003: 211-2)


Para salvaguardar uma ideia consistente de cientificidade, Kuhn teria, pois, de reconhecer que o paradigma posterior, pondo à prova o seu antecessor, permite uma melhor compreensão deste último, dos seus sucessos, fracassos e limitações. No entanto, uma vez que “abandonar o paradigma é deixar de praticar a ciência que este define” (Kuhn, 1962: 56) acredita antes que cada paradigma abriga a sua própria concepção de ciência e a sua própria concepção de metafísica.


Comunicação racional


Embora Kuhn defenda que a evolução da ciência é um processo racional e progressivo, a racionalidade na adopção de certas teorias não é baseada na aproximação à verdade. É antes assegurada pelo facto de que critérios ou valores como a precisão, a consistência, o âmbito, a simplicidade, que são constitutivos do empreendimento científico enquanto tal, permanecem de paradigma para paradigma (Kuhn, 1993: 338-9). Trata-se de critérios que os cientistas utilizam para escolher entre teorias e avaliar soluções, ao resolverem puzzles. Há uma noção uniforme de sucesso de resolução de puzzles em relação à qual podem ser julgadas todas as etapas do processo:


Não tenho dúvidas, por exemplo, de que a mecânica de Newton aperfeiçoou a de Aristóteles e de que a mecânica de Einstein aperfeiçoou a de Newton enquanto instrumento para a resolução de puzzles. Mas não percebo, nessa sucessão, uma direcção coerente de desenvolvimento ontológico. (Kuhn,1993, 338-9)


Todavia, os critérios acabam por ser relativos aos paradigmas dado que os paradigmas podem discordar acerca do que é simples ou preciso e acerca de que valores são os mais importantes. Por isso, uma vez que esta noção de progresso científico de Kuhn consiste tão-só na capacidade crescente de resolver puzzles, isto é, não implica uma representação cada vez melhor do que a natureza realmente é, o resultado da avaliação também é relativo.

No artigo ‘Kant, Kuhn, and the Rationality of Science’ (2002), Michael Friedman defende a existência de uma racionalidade entre paradigmas que anula a incomensurabilidade. Para tanto, apela à tese da racionalidade comunicativa de Jürgen Habermas13: é possível fundar a validade intersubjectiva dos conhecimentos elaborados por uma comunidade de argumentação. A discussão argumentativa é o método de escolha entre diversas acções a adoptar. Isso supõe uma adesão implícita a um acordo estabelecido intersubjectivamente. A racionalidade constrói-se, assim, através do processo comunicativo. E emerge quando é possível estabelecer um processo de socialização assente em princípios básicos da compreensão mútua, ou seja, quando as partes implicadas numa discussão têm consciência de que é através da argumentação que se pode ultrapassar aspectos contingentes, como os contextos sócio-culturais e a idiossincrasia de cada consciência privada.

Com efeito, para Kuhn, esta comunicação racional está assegurada apenas no interior de cada paradigma. Mas encontra-se ameaçada pela teoria das revoluções científicas, dado que é impossível traduzir as linguagens de dois paradigmas que se sucedem. Logo, não existe uma base mínima viável para uma comunicação racional intra-paradigmas. Ora, Friedman, porém, constata que ela é possível. De modo semelhante ao que sustenta Granger, também para Friedman os conceitos e princípios de um paradigma evoluem continuamente por uma série de transformações naturais dos velhos conceitos e princípios. Estes são preservados no paradigma posterior como um caso especial de aproximação. Friedman oferece uma


13. Cf. Habermas (1981) e (1988).


série de exemplos de transições revolucionárias, nas quais os elementos-chave do paradigma anterior foram preservados no paradigma seguinte como casos especiais aproximados (Friedman, 2002, 185).

Mas, para lá de tudo isto, ainda de acordo com Friedman, a transição entre os períodos de ciência normal, em que o consenso em torno de um conjunto de normas e padrões predomina, para um período de mudança revolucionária, em que justamente esse conjunto de normas e padrões é posto em causa, é inconcebível sem desenvolvimentos paralelos na filosofia, que ocorrem em simultâneo. Mais uma vez, Friedman oferece uma longa lista de exemplos retirados da história das ciências para apoiar esta sua tese (Friedman, 2002: 186-8). O mundo aristotélico baseava-se na geometria euclidiana. Galileu reteve, transformando, elementos chave da concepção aristotélica de movimento natural, de tal maneira que a concepção moderna de movimento inercial natural é contínua com a concepção aristotélica de movimento natural. A física clássica reteve a geometria euclidiana mas eliminou o universo organizado hierárquica e teleologicamente, juntamente com as concepções de lugar natural. Este passo exigiu uma reorganização dos conceitos da metafísica aristotélica (substância, força, espaço, tempo, matéria, mente, criação, divindade). Foi Descartes quem levou a cabo essa reorganização, tornando a nova filosofia natural mecanicista uma opção razoável. A relatividade geral substituiu a lei da inércia pelo princípio de equivalência. Esta inovação decorreu da tradição de investigação dos fundamentos da geometria do séc. XIX, que era objecto de debate filosófico entre Helmholtz e Poincaré. Nesse debate, opunham-se interpretações empiristas e convencionalistas da geometria, tendo como plano de fundo a filosofia kantiana. O que Einstein fez foi interpretar essa tradição segundo a nova mecânica não-newtoniana da relatividade especial. Portanto, constata Friedman,


uma versão remodelada do projecto filosófico original de Kant – o projecto de investigar e contextualizar filosoficamente os princípios constitutivos mais básicos que definem o quadro espacio-temporal fundamental da ciência natural empírica – desempenha um papel orientador indispensável no que diz respeito às revoluções conceptuais nas ciências, ao gerar meta-estruturas epistemológicas novas capazes de fazer a ponte, e portanto de guiar, as transições revolucionárias para um novo quadro científico.(Friedman, 2002: 188)


Enfim, constata Friedman, a filosofia tem operado historicamente como um quadro de apoio na deliberação relativa a elementos pressupostos na ciência normal. As crenças metafísicas e as regras em que se traduzem os paradigmas são pressupostas e, portanto, não são estabelecidos pela própria ciência. São considerações de carácter filosófico que se encontram em jogo. Já não se está a lidar com questões puramente científicas como no interior da ciência normal. Ora, as crenças metafísicas dos paradigmas podem ser filosoficamente justificadas e tornadas inteligíveis para quem está fora do paradigma.

Com efeito, podemos acrescentar que, ainda que houvesse incomensurabilidade nas ciências maduras, como pretende Kuhn, em metafísica a incomensurabilidade não tem lugar. Sendo parte da filosofia, foi, desde sempre, caracterizada pela troca racional de argumentos. Se, de acordo com Kuhn, os paradigmas incluem “partes metafísicas”, então estas deveriam habilitar os paradigmas a comunicar entre si. É para isso que aponta, aliás, os períodos de crise no qual os cientistas, segundo o próprio Kuhn, se viram para a filosofia, a fim de tentar solucionar os seus problemas. Quando se tornam filosóficos, os cientistas deveriam ser capazes de se colocar fora do paradigma e, nesse sentido, poder criticá- lo e comparar racionalmente a metafísica adoptada com outras. Infelizmente, Kuhn acrescenta que a discussão entre adeptos de paradigmas diferentes se revela, afinal, infrutuosa.

É certo que Kuhn defende que a crença num universo composto por corpúsculos não partiu da observação nem da experiência, mas foi veiculada a partir sobretudo da filosofia de Descartes, por sua vez influenciada pela dos atomistas gregos.


Os compromissos de nível mais elevado (de carácter quase metafísico) que o estudo histórico revela com tanta regularidade, embora não sejam características imutáveis da ciência, são menos dependentes dos factores locais e temporários que os anteriormente mencionados [leis, conceitos, teorias científicas, preferência por certos instrumentos e por modos de os utilizar]. Por exemplo, depois de 1630 e especialmente após o aparecimento dos trabalhos imensamente influentes de Descartes, a maioria dos físicos começou a partir do pressuposto de que o Universo era composto por corpúsculos microscópicos e que todos os fenómenos naturais poderiam ser explicados em termos da forma, do tamanho, do movimento e da interacção corpusculares. (Kuhn, 1962: 64-5)


Essa filosofia, afirma ele, tornou-se influente, isto é, foi ganhando cada vez mais adeptos. A influência exerceu-se também sobre um grande número de físicos. Estes foram-se unindo sob a crença na sua verdade. A crença de que o mundo era tal como a teoria corpuscular-mecanicista o descrevia passou então a orientar os trabalhos dos físicos. Isto é, começaram a pressupô-la. A sua pesquisa era conduzida por perguntas e procurava respostas que só seriam possíveis se o mundo fosse realmente constituído por corpúsculos. Mas Kuhn parece ter uma concepção das ideias metafísicas como parte de um fenómeno social. A passagem entre um paradigma e outro é inspirada “talvez por uma metafísica em voga, por outra ciência ou por um acidente pessoal e histórico” (Kuhn, 1962: 37). Essa metafísica “em voga”, prêt-à-porter, é incorporada no novo paradigma e aí permanece ao abrigo da crítica, influenciando sub-repticiamente a acção dos cientistas. Kuhn não chega a dar o passo clarificador de Friedman que consiste em afirmar que a transição entre paradigmas só é possível porque em filosofia ocorrem desenvolvimentos paralelos. O desenvolvimento da ciência não pode ser cabalmente compreendido sem se reconhecer que há um entrosamento e um diálogo racional entre filosofia e ciência. O problema com as filosofias que pretensamente se baseiam em factos objectivos da história, como a que se encontra exposta em Structure, é o esquecimento de que a história é sempre uma interpretação. Isso é evidente se compararmos a interpretação de Granger da evolução histórica de conceitos como o de massa, interpretação essa que chama a atenção para o carácter transteórico dos termos científicos, ou a interpretação de Friedman da evolução histórica da ciência, com a interpretação dos mesmos temas feita pelo próprio Kuhn, da qual divergem profundamente.

Embora o conceito de ‘paradigma’ se tenha tornado imensamente popular nos

meios académicos (e embora o seu sentido seja muitas vezes pervertido), podemos ainda concluir que se ganharia em clareza ao trocar essa noção, uma vez que, segundo o seu criador, implica a incomensurabilidade, pela de programa metafísico de investigação, proposta por Popper e que não implica a incomensurabilidade. Como afirma Frédéric Nef, ao argumentar a favor da existência de programas de investigação:


Aquilo que milita em favor da existência de programas metafísicos de investigação, são essencialmente duas ordens de factos. Por um lado, há possibilidade de debate racional entre os partidários dos diferentes


programas. Não constatamos incompatibilidades entre paradigmas que dê origem a opacidades comunicacionais absolutas, a fossos epistémicos intransponíveis. As querelas da metafísica tomaram a forma normal de troca de argumentos e de avaliações. Por outro lado, esses programas aceitam uma rede de normas mínimas e de critérios intelectuais comuns. (Nef, 2004: 50)


Acresce que a hegemonia total que Kuhn atribui a um paradigma não parece verificar-se. Em qualquer época, convivem correntes científicas opostas entre si que não conseguem, todavia, concorrer em pé de igualdade com a corrente prevalecente. E também isto está em maior consonância com a noção de programas metafísicos de investigação.


Conclusão


Com a noção de paradigma, Kuhn afasta-se da tradição segundo a qual a actividade científica é uma investigação da realidade e os factos científicos são factos naturais. Cada paradigma é uma construção e a ciência passa a ser olhada como uma sucessão de projectos construtivos: os paradigmas. Como consequência, o conhecimento não é nem contínuo, não evolui em direcção à verdade. As crenças científicas evoluem através da necessidade de maximizar o poder de resolver puzzles, não pela aproximação à verdade. A evolução em direcção à verdade só poderia ter lugar se Kuhn reconhecesse uma única realidade que a ciência aspiraria conhecer. O que se passa, contudo, é algo de muito diferente: cada paradigma define a sua própria ciência, a sua própria realidade e a sua própria verdade, de tal maneira que nem sequer é capaz de reconhecer a ciência praticada sob outros paradigmas como ciência. A verdade é sempre convencional, relativa a cada paradigma, e não desempenha nenhum papel na adopção destes.

Uma vez que não há conhecimento da realidade nem aproximação à verdade, e uma vez que os novos conhecimentos não substituem a ignorância – substituem antes outro tipo de “conhecimento” muito distinto e incompatível – a ciência torna- se, às mãos de Kuhn, mais num ‘modo de ver’ do que numa forma de conhecimento. O próprio Kuhn, aliás, o reconhece: “Talvez “conhecimento” seja uma palavra inadequada, mas há muitas razões para a empregar.” (Kuhn, 1962: 244) Ao mudar


de paradigma, não se trata de conhecer melhor o mundo, mas de ver o mundo de outra maneira.

O caso Kuhn é um bom exemplo para mostrar que não é necessário ser um realista em ciência para reconhecer a presença da metafísica na ciência. A afirmação de que o grau de metafísica que se reconhece na ciência depende da posição (metafísica) de base não nos parece correcta. Na descrição kuhniana da ciência, a metafísica, enquanto componente essencial e inalienável do paradigma, é omnipresente na ciência: ela molda a ciência normal, faz surgir as anomalias, é posta em xeque nas crises, é debatida na ciência extraordinária e é substituída na revolução científica. Com efeito, para Kuhn, os pressupostos metafísicos da ciência não deverão ser removidos, como desejava Carnap; nem combatidos, como dizia Bachelard; nem podem ser criticados, como pretendia Popper. Não só porque se tratam esses de objectivos inalcançáveis, mas também porque estão longe de ser os objectivos da ciência. Pelo contrário, a ciência, segundo Kuhn, consiste em grande parte numa aplicação cada vez mais detalhada de um determinado conjunto de ideias de teor metafísico, consensualmente aceites numa dada época. Esse conjunto é parte omnipresente da ciência e parte decisiva: decide o que a ciência é durante um espaço de tempo.

O problema com os não-realistas é antes a concepção de metafísica que

adoptam. No caso de Kuhn, o reconhecimento da presença da metafísica na ciência é acompanhado da redução da metafísica a algo que se poderia chamar mais propriamente uma ideologia; e leva ao subsequente abandono dos conceitos de realidade e verdade. A metafísica, em Kuhn, não pode pretender desvelar a realidade em geral ou as grandes linhas gerais da estrutura do universo. Ela dirige antes a construção de objectos científicos (electrões, protões ou oxigénio) que não são concebidos como objectos da natureza. A realidade natural que a metafísica tradicional pretendia captar é desvalorizada e a ela sobrepõem-se construções humanas que, no fundo, pouco têm a ver com essa realidade.


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