https://doi.org/10.34024/prometeica.2023.28.15609

 

 


A CONSTRUÇÃO DE SABERES PROFISSIONAIS

APROXIMAÇÕES ENTRE PROCESSOS CRIATIVOS DOCENTES E CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS DE CONTEÚDO


THE CONSTRUCTION OF PROFESSIONAL KNOWLEDGE

Approaches between teachers' creative processes and pedagogic content knowledge


LA CONSTRUCCIÓN DEL CONOCIMIENTO PROFESIONAL

Enfoques entre los procesos creativos docentes y el conocimiento pedagógico de contenido


 

 

Leonardo André Testoni

(Universidade Federal de São Paulo) leonardo.testoni@unifesp.br


Vera Maria Nigro de Souza Placco

(Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)

veraplacco@pucsp.br


Recibido: 06/09/2023

Aprobado: 06/10/2023


RESUMO


O contexto da educação básica brasileira caracteriza-se, de modo geral, na atuação de docentes com descompassos formativos, que ministram aulas de diversas disciplinas, no caso dos anos iniciais do ensino fundamental, ou que lecionam disciplinas diversas de sua área de formação, no caso das séries finais e ensino médio. Nessa linha, diversos estudos apontam para a evidência de lacunas e imprecisões conceituais no planejamento de intervenções didáticas, devido ao precário desenvolvimento profissional. Desse modo, o presente artigo traz uma revisão teórica sistemática sobre o tema relacionado aos conhecimentos profissionais do magistério e busca contribuir com tal debate, trazendo como resultado a proposta de uma visão do processo de construção de saberes docentes com base em modelos do conhecimento pedagógico de conteúdo articulados com os processos de criação vigotskianos. Tal proposta possibilitou possíveis implicações das articulações apresentadas em associação com as pesquisas relacionadas à formação docente, bem como com propostas formativas, que levem em consideração o contexto cultural do professor, especificamente seus esquemas repertoriais, aqui representados pelo espectro criativo. Desse modo, pretende- se que os contextos formativos utilizem e incrementem o repertório professoral, repertório este fundamental para o desenvolvimento de novos Conhecimentos Pedagógicos de Conteúdo em um caráter transformativo, possibilitando práticas que permitam o desenvolvimento profissional docente.


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Palavras-chave: formação de professores. conhecimento pedagógico de conteúdo. saberes docentes. processos criativos docentes.

ABSTRACT


The context of Brazilian basic education is characterized, in general, by the performance of teachers with training gaps, who teach classes in different disciplines, in the case of the initial years of elementary school, or who teach different disciplines in their area of education, in case of final grades and high school. Along these lines, several studies point to evidence of gaps and conceptual inaccuracies in the planning of didactic interventions, due to precarious professional development. Thus, this article presents a systematic theoretical review on the topic related to professional knowledge in teaching and seeks to contribute to this debate, bringing as a result the proposal of a vision of the process of building teaching knowledge based on models of pedagogical knowledge of content articulated with Vygotskian creation processes. This proposal enabled possible implications of the articulations presented in association with research related to teacher training, as well as with training proposals, which take into account the teacher's cultural context, specifically their repertoire schemes, represented here by the creative spectrum. In this way, it is intended that training contexts use and increase the teaching repertoire, a repertoire that is fundamental for the development of new Pedagogical Content Knowledge in a transformative nature, enabling practices that allow for teaching professional development.


Keywords: teacher education. pedagogical content knowledge. teaching knowledge. teaching creative processes.


RESUMEN


El contexto de la educación básica brasileña se caracteriza, en general, por la actuación de docentes con brechas de formación, que imparten clases en diferentes disciplinas, en el caso de los primeros años de la escuela primaria, o que imparten diferentes disciplinas en su área de competencia. formación, en caso de grados finales y bachillerato. En esta línea, varios estudios señalan evidencias de vacíos e imprecisiones conceptuales en la planificación de intervenciones didácticas, debido a un precario desarrollo profesional. Así, este artículo presenta una revisión teórica sistemática sobre el tema relacionado con el conocimiento profesional en la docencia y busca contribuir a este debate, trayendo como resultado la propuesta de una visión del proceso de construcción del conocimiento docente basada en modelos de conocimiento pedagógico de contenidos. articulado con los procesos de creación vygotskianos. Esta propuesta posibilitó posibles implicaciones de las articulaciones presentadas en asociación con investigaciones relacionadas con la formación docente, así como con propuestas de formación, que toman en cuenta el contexto cultural del docente, específicamente sus esquemas de repertorio, aquí representados por el espectro creativo. De esta manera, se busca que los contextos de formación utilicen e incrementen el repertorio docente, repertorio fundamental para el desarrollo de nuevos Conocimientos Pedagógicos de Contenidos con carácter transformador, posibilitando prácticas que permitan el desarrollo profesional docente.


Palabras clave: formación docente. conocimiento de contenidos pedagógicos. conocimientos didácticos. enseñanza de procesos creativos.


Considerações Iniciais

A problemática referente à formação de um bom profissional docente permeia a literatura da área há décadas. Bazzo e Scheibe (2019) relatam que houve, no contexto nacional, diversas tentativas de se pensar e repensar quais as características necessárias a um professor, para que se caminhe na direção de aprendizagens, de fato, significativas. Ainda segundo as autoras, parece haver um consenso, nos documentos curriculares atuais, de que tal formação deva ser baseada no desenvolvimento de

conhecimentos profissionais e suas articulações com a prática de sala de aula, além, claro, de se considerar contextos específicos de cada etapa educacional.

No caso dos anos iniciais do ensino fundamental, Andrade e Melo (2012), no intuito de fornecer um panorama dos processos educativos relativos a essa etapa, trazem que, em visão ampla, o ensino nesse segmento é realizado por professores polivalentes1, ou seja, que são responsáveis por ministrar diversas disciplinas, como matemática, língua portuguesa, geografia e história. Ainda segundo os autores, tais docentes são formados em curso superior de graduação em Pedagogia, que fornece uma visão mais ampla dos processos de ensino-aprendizagem, não possuindo aprofundamentos nas áreas específicas escolares. Assim, Silva et al. (2020), em convergência com Ovigli (2009), chamam a atenção para o fato de que os professores unidocentes não possuem o desenvolvimento de um conhecimento disciplinar adequado durante sua formação inicial. Tal lacuna reflete na dificuldade no planejamento de práticas pedagógicas inovadoras na área científica, por exemplo, podendo culminar na reprodução de concepções espontâneas, com pouca possibilidade de revisão dos conceitos (Testoni et al., 2016).


Tal cenário, portanto, torna-se contraditório com os próprios documentos norteadores, como a Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2018), que traz a ampliação do letramento científico como objetivo nesta etapa de ensino, fato este que exige uma reflexão mais profunda sobre a formação profissional docente nesse contexto. De fato, Magalhães et al. (2022) trazem luz para a importância das estratégias metodológicas, intencionalmente planejadas pelos professores dos anos iniciais, para que envolvam os estudantes em ambientes investigativos, possibilitando uma melhor compreensão dos conteúdos e da própria natureza do desenvolvimento humano.


No caso dos anos finais do ensino fundamental, bem como do ensino médio, os docentes possuem formação específica em licenciaturas nas áreas de Matemática, Linguagens, Ciências Humanas ou Ciências da Natureza. Apesar de tal etapa poder ser caracterizada por didáticas próprias de cada disciplina, ainda se observa uma quantidade significativa de professores sem formação na área que leciona, fator este que contribui para o fenômeno da estagnação de resultados nessa etapa educacional (Costa & Waltenberg, 2020). Também vale salientar o foco dado, pelos cursos de licenciatura específica, no conhecimento do conteúdo (Shulman, 1986, i.e.), em detrimento dos conhecimentos pedagógicos associados às metodologias de ensino (Testoni et al., 2016).


Somado a esta situação, o cenário atual brasileiro ainda traz reformas de ensino médio que deslocam professores para áreas distintas da sua formação, sem qualquer tipo de adaptação (Tonieto et al., 2023), aumentando a lacuna já existente e trazendo insegurança aos envolvidos no processo. Segundo os autores, nesse movimento,“as mudanças são pensadas externamente e os profissionais da educação apenas reagem a elas, não cabendo-lhes mais o papel de propositores e formuladores (Tonieto et al., 2023, p.6)”. Nesse sentido, os conhecimentos profissionais docentes são desvalorizados, sendo o professor tratado como mero repetidor de conteúdos previamente disponibilizados.


A conjuntura da situação docente na educação básica, seja nos anos iniciais ou nas séries finais, traz à tona, portanto, a importância do conjunto de habilidades e competências necessárias a um profissional do magistério, inserido em contextos tão tensos e incertos. As citadas instabilidades nas etapas educacionais tornam necessária a compreensão de como docentes constroem suas práticas em tais cenários, possibilitando, assim, refletir melhor sobre propostas formativas que o auxiliem nessa tarefa. Desse modo, o presente artigo busca articular a importância da mobilização dos saberes docentes quando do planejamento de novas interações didáticas, trazendo uma proposta teórica para análise de tal formação.


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1 No decorrer do texto, apesar do termo “polivalente” ser bastante utilizado no campo pedagógico, seguiremos a denominação mais recente, denominando tais professores como “unidocentes” (Caixeta, 2017).

 

 

O conhecimento profissional: saberes docentes em movimento


A discussão sobre quais características deve possuir um bom professor permeia a história da educação. Em meados dos anos 80 do século passado, tal debate começa a ganhar força no cenário acadêmico. Segundo Almeida e Biajone (2007), tal período foi marcado por reformas educacionais profundas nos cursos de formação inicial de professores, nos Estados Unidos e no Canadá. Resumidamente, tais reformas buscavam ratificar o status profissional dos professores, elencando a necessidade de se conhecer a genealogia da profissão, bem como os saberes específicos inerentes ao ofício.


Na mesma linha, levantamento realizado por Borges e Tardif (2001) traz à luz o aumento de pesquisas que envolviam os conhecimentos de base para o exercício da profissão docente até os anos finais do século XX, além de diversos estudos que abordavam concepções, crenças, pensamentos e representações dos professores acerca de sua prática. Desse modo, compreende-se que o estudo dos saberes docentes se articula com os processos de desenvolvimento desses profissionais, sendo capazes de contribuir com ações formativas mais efetivas (Azevedo et al., 2018).


Análises de trabalhos sobre os saberes docentes, como as realizadas por Almeida e Biajone (ibidem), trazem algumas tipologias como recorrentes, como aquela proposta por Gauthier et al. (1998). Os autores, visando discutir a profissionalização do trabalho no magistério, criticam a área de ensino, por retardar tal discussão, caracterizando a prática docente como uma espécie de ofício sem saberes; tal fato contribui com construções estereotipadas, como, por exemplo, a necessidade única de bons conhecimentos do conteúdo como inerente ao bom professor, ou ainda, a caracterização do trabalho docente como sacerdotal ou fruto de dom divino. Do mesmo modo, os autores também tecem críticas aos centros acadêmicos que, por muitas vezes, debatem conhecimentos pedagógicos descolados da realidade da sala de aula, dificultando a articulação entre universidade e escola.


Gauthier et al. (ibidem) propõe, portanto, um conjunto de repertórios próprios aos docentes, buscando retomar a profissão como um ofício permeado de saberes, aptos a responder demandas de sua prática. Assim, os autores definem quatro categorias gerais, a saber: (a) saber disciplinar, que diz respeito ao conhecimento de conteúdo a ser ensinado; (b) saber das ciências da educação, referente ao repertório específico da formação docente, como as teorias de aprendizagem e metodologias de ensino; (c) saberes curriculares, relacionados à transformação dos conteúdos em programas de ensino, planos, planejamentos ou documentos orientadores e (d) saberes experienciais, que envolvem os repertórios vividos e validados pelos professores em sua carreira.


Em complementação, os autores propõem ainda dois tipos específicos de saberes que permeiam a vida profissional docente. O primeiro deles diz respeito ao (e) saber de ação pedagógica, que, para Cunha et al. (2016), é

[...] fruto da natureza experiencial do professor, é testado pelo próprio professor em sala de aula para posteriormente tornar-se público, socializando-os e validando-os com seus pares, possibilitando, inclusive, ações interdisciplinares (p.2).


Desse modo, a importância de tal saber diz respeito à comunicação entre o professor e seus colegas, mediante processos de elaboração e validação na prática, com a devida publicização a outros docentes.

Para Gauthier et al. (ibidem), trata-se do


saber mais necessário para a profissionalização do ensino, pois para profissionalizar o ensino é essencial identificar saberes da ação pedagógica válidos e levar os outros atores sociais a aceitar a pertinência desses saberes (p.34).


Finalizando a tipologia de Gauthier, traz-se o (f) saber de tradição pedagógica, que se relaciona à representação que cada docente possui acerca das instituições escolares e suas práticas. Para Freire e Pacífico (2015),

O saber da tradição pedagógica é aquele relativo à forma de como se dar as aulas. É algo que vem se reproduzindo e sendo cristalizado durante os últimos séculos, tornando-se a consciência da prática pedagógica [...] está ligado à representação que cada professor e alunos têm a respeito da escola, do que se ensina e do que se aprende. Representações essas que foram construídas por anos no contexto histórico da educação (p.11).


Ainda pensando na temática relativa aos saberes docentes, é muito citada na literatura a tipologia proposta por Maurice Tardif (1928-2023). Também buscando discutir a frágil profissionalização docente, o autor analisa, além dos saberes propriamente ditos, suas fontes de aquisição e formas de mobilização na prática do magistério, como apresentado no quadro a seguir.


Quadro 1 - Delineamento dos saberes docentes


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Fonte: Tardif & Reymond, 2000, p.15.


Observando o quadro, é possível identificar as diversas origens dos saberes dos professores, de acordo com os autores. Assim, a construção dos saberes alimenta-se em diversas fontes, de cunho pessoal e profissional, sendo caracterizados, portanto, por uma subjetividade e temporalidade, tornando o saber uma construção individual, porém proveniente das relações coletivas culturais.


Dessa forma, para Tardif (2002), os saberes docentes devem ser considerados “como um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais (p.36).” Nesse sentido, tais categorias acabam por criar uma tipologia própria para Tardif (ibidem), similar àquela proposta por Gauthier e colaboradores. À guisa de comparação, os saberes disciplinares, curriculares e experienciais em Tardif guardam relações de semelhança com os homônimos propostos por Gauthier; o mesmo ocorre com os saberes das Ciências da Educação de Gauthier, cunhados como saberes profissionais por Tardif.


É importante salientar que pesquisas sobre os saberes dos professores permeiam as produções da área nas últimas décadas, inclusive, sob a influência das tipologias acima citadas (por exemplo, Testoni e Nogueira (2021), Carvalho e Araújo, 2020, Locatelli et al. (2016)). Ao analisarmos tal produção, é possível observar a importância da argumentação do professor na caracterização de seus saberes. Desse modo, é fundamental que o docente seja capaz de justificar, significativamente, os conhecimentos mobilizados, para que estes sejam elencados como saberes.

Nessa linha, defende-se a diferenciação entre conhecimento e saber, tal qual exposta por Cunha (2013), em que

Os termos conhecimento e saber, em nosso cotidiano, bem como em algumas pesquisas acadêmicas, muitas vezes são empregados como sinônimos.[...] não iremos adotá-los como sinônimos, basicamente por dois motivos: um primeiro, relacionado à abertura de perspectiva que a diferenciação entre estes dois termos nos possibilita no entendimento da profissão docente como um trabalho prioritariamente prático, não no sentido que a teoria seja irrelevante para o trabalho docente, mas que o trabalho do professor está permeado de uma prática cotidiana, de um saber-fazer: o ato de ensinar; o segundo motivo, relacionado à possibilidade de pesquisa e de obtenção de dados que a definição de saber, tal como proposta por Tardif (2008), nos possibilita (p.57).


Desse modo, Tardif (2008) ainda nos alerta que


Segundo essa concepção, pode-se chamar de saber a atividade discursiva que consiste em tentar validar, por meio de argumentos e de operações discursivas (lógicas, retóricas, dialéticas, empíricas, etc.) e linguísticas, uma proposição ou uma ação. A argumentação é, portanto, o “lugar” do saber. (...). Ora, essa capacidade de arrazoar, isto é, de argumentar em favor de alguma coisa, remete à dimensão intersubjetiva do saber. Segundo essa concepção, o saber não se reduz a uma representação subjetiva nem a asserções teóricas de base empírica, ele implica sempre o outro, isto é, uma dimensão social fundamental, na medida em que o saber é justamente uma construção coletiva, de natureza linguística, oriunda de discussões, de trocas discursivas entre seres sociais. (pp.196-197).


Em corroboração com as ideias de Tardif (2008), portanto, não é qualquer discurso proferido por professores que podem ser classificados como Saberes Docentes, pois, para tal consideração, é preciso identificar a racionalidade discursiva. Assim, nessa perspectiva, Tardif (ibidem) traz a exigência de racionalidade para os saberes, relacionada, portanto, ao argumento enquanto capacidade de justificativa de determinada afirmação, como trazido pelo próprio autor.


A prática profissional docente: os conhecimentos pedagógicos de conteúdo

A análise dos saberes de Tardif e Gauthier articulam-se com outras propostas tipológicas, que buscavam, também, compreender os saberes essenciais à docência. Nessa linha, trazemos aqui a proposta de um Conhecimento Pedagógico de Conteúdo2, introduzida por Lee Shulman, em meados da década de 80 do século passado.

Shulman (1986), na tentativa de observar as habilidades de um bom professor, elenca sete conhecimentos de suma importância para um bom trabalho docente: conhecimento do conteúdo, conhecimento pedagógico geral, conhecimento do contexto, conhecimento do currículo, conhecimento dos estudantes, conhecimento dos objetivos da educação e o conhecimento pedagógico de conteúdo.

Dentre os itens elencados, Shulman procura destacar os papéis fundamentais da experiência e dos repertórios construídos pelos docentes; assim, defende que o conhecimento pedagógico de conteúdo é

um caminho de conhecimento que é único para professores no que diz respeito ao conteúdo e sua transformação em instrução para que os alunos possam compreender (...) é a categoria mais provável para distinguir o entendimento do conteúdo de um especialista quando comparado com um professor.(Shulman, 1987, p.8).


Desse modo, Shulman procura dar luz à transformação do conhecimento disciplinar em conhecimento de e para o ensino, mediante processos contínuos e reflexivos articulados com a prática pedagógica. Testoni (2013) ainda afirma que

Nesta primeira fase, Lee Shulman procura centrar seu conceito de Conhecimento Pedagógico de Conteúdo em um patamar muito mais cognitivo e individual, localizando-o, principalmente, nos saberes provenientes da própria experiência docente na sala de aula ou escola (p.61).



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2 Também conhecido pela sigla PCK (Pedagogical Content Knowledge).

Face ao exposto, apesar da centralidade no processo individual docente, o próprio autor, em trabalhos posteriores (Shulman & Shulman, 2004), busca ampliar sua visão de PCK, elencando elementos culturais, políticos, econômicos e sociais que caracterizam comunidades de aprendizagem docente e influenciam no desenvolvimento profissional do professor. Outrossim, é possível notar a importância de Shulman para movimentos futuros que perduram até os dias atuais e tentam compreender o PCK como processo basilar na construção da identidade do professor, como exposto a seguir, ainda que de forma breve.


Grossman (1990), em uma tentativa de sistematizar a noção de Conhecimento Pedagógico de Conteúdo proposta por Shulman, constrói quatro grandes categorias de conhecimento: conteúdo, pedagógico geral, propostas e programas, além de ênfase no conhecimento de contexto, fundamental para a autora. Nessa linha, Grossman (ibidem) tambeḿ define subvertentes em cada uma dessas categorias, detalhando o processo de construção das intervenções didáticas por parte dos professores (Figura 1).


Figura 1 - Elementos do PCK de Grossman (1990)


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Fonte: adaptado de Grossman (1990).


Posteriormente, diversos pesquisadores buscaram a construção de modelos próprios de PCK, enfatizando características do processo pedagógico que julgavam fundamentais para o entendimento da profissão docente. Assim, à guisa de síntese, pode-se citar, dentre tantos, Cochran (1993) e seu PCKg3 em uma linha construtivista; Magnusson (1999) e a composição de uma rede contextual envolvida na elaboração do PCK em Ciências da Natureza (Figura 2); Ball (2008) e a criação de elementos esṕecíficos para o ensino de matemática, como o Conhecimento Horizontal e o Especializado4, além de Kind (2009) e a constatação da importância da afetividade no processo interpessoal entre estudante e professor.


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3 Pedagogical Content Knowing, enfatizando o caráter mutável do PCK dos professores, quando analisados em diferentes contextos de trabalho e formação.

4 Para Silva e Santos (2014), o Conhecimento Especializado do Conteúdo é caracterizado por se referir às habilidades e conhecimentos matemáticos específicos do trabalho do professor, ou seja,

característico de sua prática pedagógica [...] Conhecimento Matemático Horizontal é caracterizado como o entendimento, por inter- relações, entre termos e/ou tópicos, ao longo de toda extensão curricular. Um exemplo, esta na competência do professor relacionar os conteúdos que ele está lecionando em um determinado ano, com os que serão abordados em algum ano posterior ou vice-versa (p.5).

Figura 2 - Domínios do Conhecimento Pedagógico de Conteúdo de Magnusson (1999).


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Fonte: Magnusson (1999).


Em um ponto de vista mais específico, Magnusson (1999) salienta que


O PCK é uma compreensão do professor de como ajudar os estudantes a entender um tópico específico da matéria. Isso inclui conhecimentos particulares do tópico, problemas e como eles podem ser organizados, representados e adaptados aos diversos interesses e habilidades dos aprendizes (...) o PCK é como uma transformação do conhecimento para outros domínios.” (p.96)


Os modelos citados anteriormente representam exemplos da evolução do pensamento acerca do Conhecimento Pedagógico de Conteúdo nas últimas décadas. De um ponto de vista mais atual, uma sistematização realizada no ano de 2019 foi chamada de Modelo Consensual Refinado (MCR), buscando representar os elementos inerentes ao desenvolvimento do PCK trazidos até então (Carlson & Daehler, 2019).


Na figura 3, o referido modelo é representado, juntamente com os domínios do PCK. A região mais externa busca representar conhecimentos considerados básicos para a prática docente, a saber: Conhecimento do Conteúdo, Pedagógico, Curricular e de Avaliação; tal região é considerada o PCK coletivo docente, podendo, então, ser compartilhado por um grupo de professores.

Nessa linha de pensamento, o PCK coletivo influencia diretamente na camada mais interna adjacente, o PCK individual, que constitui o conjunto de saberes específicos de um docente.

Por fim, o modelo retrata, mais internamente, o PCK em Ação, como resultado da articulação e adaptação dos conhecimentos anteriores em sua prática pedagógica em si, em um contexto específico, como a sala de aula, por exemplo.

Figura 3 - Modelo Consensual Refinado para o PCK


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Fonte: Carlson e Daehler (2019).


Na figura anterior, é possível notar o caráter dinâmico entre os níveis de PCK propostos (representado pelas flechas), demonstrando a articulação cognitiva e entre os diversos atores do processo de ensino- aprendizagem, como a comunidade acadêmica, os alunos, demais professores, etc. No centro da ilustração, é possível localizar o professor envolto em um ciclo de ensino, reflexão e planejamento, representando o Raciocínio Pedagógico (Shulman, 1987) influenciado por todos os fatores anteriormente descritos. A escolha pela forma de ciclo busca trazer a ideia de que, a cada novo movimento na direção da prática pedagógica, o professor aumenta seu repertório, alterando-a.


De posse da noção histórica sobre o desenvolvimento de modelos para o Conhecimento Pedagógico de Conteúdo, abordar-se-á, a seguir, uma forma específica de se abordar tais modelos, em uma perspectiva mais ampla, revisitando os paradigmas Integrativo e Transformativo do PCK.


Gess-Newsome (1999), ao analisar os modelos de construção de PCK por parte dos professores, classifica-os em duas categorias: PCK integrativo e PCK transformativo.


O viés integrativo considera a construção do Conhecimento Pedagógico de Conteúdo como uma intersecção entre os domínios do conteúdo, pedagógico e contextual. Segundo a autora, tal resultante comporta-se como uma mistura química, em que o novo PCK não pode ser considerado um novo conhecimento, mas como uma articulação independente dos domínios. Por outro lado, o modelo transformativo sugere que os domínios citados sofrem transformação, originando um novo PCK. Como aponta Testoni (2013),


Em uma analogia científica, o modelo integrativo poderia ser considerado como um fenômeno físico, onde poderá ocorrer interação entre as partículas, porém sem modificar suas estruturas. O modelo transformativo, entretanto, aproximar-se-ia de um fenômeno químico, onde, após a interação entre os componentes, ocorre mudança de estrutura dos mesmos, formando uma nova substância (p.66).


A figura 4, a seguir, busca representar os modelos citados.

Figura 4 - Modelos integrativo e transformativo


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Fonte: Gess-Newsome (1999).

Para Gess-Newsome (1999), um bom professor mobiliza tanto PCKs integrativos como transformativos em sua profissão. Segundo a autora,

[...] um bom professor tem Conhecimentos Pedagógicos de Conteúdo Transformativos bem formados para todos os tópicos mais comumente tratados no ambiente da sala de aula [...] um bom professor [também], então, é aquele que tem seus conhecimentos de base bem organizados [...] que são facilmente acessados e podem ser flexibilizados durante o ato de ensino (Gess-Newsome, 1999. pp.11-12, tradução nossa).


Dessa forma, a autora (ibidem, p.12, tradução nossa) esclarece que o modelo integrativo “envolve a integração de categorias de conhecimento, enquanto o PCK transformativo gera um conhecimento distinto”. Assim, a proposta integrativa, a rigor, não geraria um novo conhecimento docente, diferentemente do modelo transformativo. Análises recentes (Chan & Hume, 2019) em relação a tais modelos demonstram que a análise de Conhecimentos Pedagógicos de Conteúdo de Professores relaciona-se mais com o viés transformativo, em detrimento do viés integrativo.


De fato, Testoni (2013), ao investigar a construção de saberes docentes por futuros professores de física em formação inicial, já trazia elementos que PCKs puramente integrativos, em que, na visão de Gess- Newsome (1999), não ocorreria formação de novos conhecimentos, eram difíceis de serem observados. Afinal, seria possível uma construção nula de saberes por parte do docente? Abordaremos o início de tal discussão no próximo tópico.


A Criação de Propostas Pedagógicas: os caminhos criativos em uma perspectiva vigotskiana


O conhecimento pedagógico de conteúdo configura-se em um poderoso referencial para compreensão dos processos de construção de interações pedagógicas por parte dos docentes, haja vista que sistematiza a articulação dos principais elementos envolvidos na prática pedagógica.

Por outro lado, a articulação de tais elementos nos remete a um questionamento mais primário: como ocorre o processo de criação das propostas pedagógicas? Ou ainda, em que fontes os professores se baseiam para criar seus PCKs?


Uma primeira abordagem, que nos parece ir ao encontro dos questionamentos anteriores, remete aos estudos sobre criação trazidos por Lev Vigotski. Para o autor (Vigotski, 2009), a atividade criadora é

intrínseca ao ser humano, podendo ser representada pela criação de um objeto material ou ideia mental. Nessa linha vigotskiana, separa-se tal atividade criadora em duas categorias, a saber:

  1. Atividade reconstituidora ou reprodutiva: é ligada à memória, consistindo em reproduzir ou repetir meios de conduta anteriormente criados e elaborados ou ressuscitar marcas de impressões precedentes (no caso de lembranças de viagens ou elaboração de desenhos de observação, por exemplo). A base desta atividade é a plasticidade, definida pelo autor como a propriedade de uma substância que permite que ela seja alterada, mantendo as marcas deste processo.


  2. Atividade Criadora ou Combinatória: aquela que se realiza por meio de elementos de experiências anteriores, o cérebro humano apresenta a capacidade de combinar e reelaborar, de forma criadora, tais elementos, possibilitando novas situações e comportamentos (Testoni et al., 2017, p.64).


Desse modo, a atividade criadora, baseada nos referenciais adotados, pode ser baseada em impressões anteriores, reproduzindo-se fatos, comportamentos e atitudes já realizados e validados para situações similares, ou então, contar com novas construções e reelaborações de repertórios anteriores, para dar conta de uma nova situação proposta. Assim, pode-se trazer um papel fundamental da memória no caso da atividade reprodutora, assim como da imaginação, no caso do resgate de repertórios anteriores na atividade criadora. Nesta última situação, inclusive, o resultado do ato criador é denominado, por Vigotski, de imaginação cristalizada (Vigotski, 2009).


Outro fator a ser considerado é o caráter coletivo da atividade de criação, pois, para o autor


[...] a criação está em toda situação onde o homem imagina, modifica, combina e cria algo novo, mesmo que seja um grãozinho perto das invenções de gênios. Se levarmos em conta a imaginação coletiva que une estes grãozinhos, veremos que, grande parte do que foi criado pertence à união de várias criações anônimas (ibidem, p.16).


Dessa forma, em uma analogia com o trabalho docente, é importante destacar, portanto, a importância da ampliação da experiência cultural para um bom repertório docente, quando se considera o processo de criação de novas propostas pedagógicas. Desse modo, os processos formativos devem se preocupar com esse incremento repertorial, pois “o ímpeto para criação é sempre inversamente proporcional à simplicidade do ambiente (Vigotski, 2009, p.41)”.


Ainda na linha da formação docente, é preciso considerar o contexto de aprendizagem do adulto, contexto este já exacerbado por Lev Vigotski, ao lembrar que os processos criativos no adulto se dão em ambientes onde os interesses e a interação com tal ambiente ocorrem um patamar com maior grau de complexidade, exigindo-se uma maior maturidade no tocante ao ato criativo.

Estudos anteriores (Testoni, 2013; i.e.), ao analisarem o processo de criação de propostas pedagógicas por licenciandos da área científica, na linha vigotskiana, identificaram padrões na criação das propostas pedagógicas, em contextos de planejamento prévio e durante a prática em sala de aula. Observaram-se atividades reprodutivas e criadoras (Vigotski, 2009) despontando nas novas intervenções didáticas dos futuros professores, quando solicitadas, trazendo a importância do repertório anterior nesse processo.


Discussão: articulando PCKs e atividades criadoras docentes

No presente artigo, parte-se do princípio de que Conhecimentos Pedagógicos de Conteúdo (PCK) podem ser considerados a finalização de um produto educacional; é através dele que o professor cristaliza a prática pedagógica, mediante a articulação de elementos gerais que envolvem conteúdo, metodologias didáticas e conhecimento do contexto de tal prática.

Conforme abordado nos tópicos anteriores, o PCK, abordado inicialmente por Shulman (1986), desvelou-se em diversos modelos explicativos nas últimas décadas, denotando-se a complexidade da tarefa professoral, composta pela composição de diversos elementos, oriundos dos mais diversos níveis, como o cognitivo e o emocional, por exemplo. Dessa forma, a literatura acerca do Conhecimento

Pedagógico de Conteúdo parece bastante estabilizada e fundamentada, ao tentar identificar, com base em modelos cada vez mais complexos, os domínios acessados pelos docentes, quando do planejamento de intervenções didáticas. Nessa linha, o Modelo Consensual Refinado - MCR (Carlson & Daehler, 2019) busca sistematizar os diversos domínios inerentes à atividade docente, como os conhecimentos relativos à avaliação, conteúdo, pedagógicos, curriculares e contextuais, bem como a interação nos níveis de ação docente, como o coletivo, pessoal e sala de aula.

Por outro lado, focando a base dos domínios relativos ao PCK, propõe-se, no artigo em tela, uma noção mais global do Conhecimento Pedagógico de Conteúdo, apoiada em três domínios básicos, interarticulados, conforme aponta Testoni et al. (2023, p.2).

(a) os conhecimentos de conteúdo, envolvendo não apenas o conhecimento disciplinar em si, mas suas inter-relações epistemológicas e históricas, bem como o necessário recorte a ser realizado, quando da ação docente; (b) os conhecimentos pedagógicos, que configuram-se nas estratégias instrucionais, apoiadas nas referências trazidas pelas Ciências da Educação; e (c) os conhecimentos do contexto, aqui abarcando a vasta gama de variáveis inerentes a um cenário educacional, que direcionam as ações pedagógicas, quando da prática profissional, como os conhecimentos prévios discentes, estrutura socioeconômica das imediações escolares, infraestrutura física, etc.


A presente proposta busca utilizar o PCK como instrumento de análise para a formação docente, possibilitando ao formador reconhecer tais domínios, inclusive, em caráter visual, mediante uma proposta de modelo triangular (Figura 5).

Figura 5 - Modelo Triangular de PCK para análise da formação docente


Diagrama  Descrição gerada automaticamente

Fonte: autores.


A análise da figura também permite observar a inter-relação entre os domínios e entre o próprio PCK gerado pelo docente e, é nessa etapa que o formador pode avaliar a qualidade de tais inter-relações, mediante valoração das argumentações utilizadas pelos docentes. Desse modo, o modelo triangular permite discorrer sobre uma proposta pedagógica docente (um plano de aula ou sequência didática, por exemplo), solicitando-se justificativas para os lados da figura.


De um ponto de vista mais prático, expõe-se abaixo a figura obtida em pesquisas realizadas para validação do instrumento (Testoni et al., 2016, i.e.), onde buscou-se identificar, através do modelo triangular, a construção do PCK de temas científicos de professoras unidocentes dos anos iniciais (Figura 6).

Figura 6 - Identificação do PCK


Diagrama  Descrição gerada automaticamente


Fonte: adaptado de Testoni et al. (2016).


Note-se que foi solicitada a justificativa para cada lado do triângulo (box no centro de cada lado); assim, esperava-se que o professor pudesse justificar, por exemplo, a metodologia escolhida (conhecimento pedagógico) em relação ao conteúdo abordado (conhecimento de conteúdo), bem como a metodologia escolhida em relação ao contexto específico onde ocorreria a prática pedagógica planejada (conhecimento do contexto) e, por fim, a relação entre tal contexto e o recorte/ abordagem escolhida para o conteúdo.


Tal dinâmica possui o objetivo de analisar a complexidade e coerência das justificativas docentes apresentadas que, associam-se com a força e solidez do Conhecimento Pedagógico de Conteúdo criado. No caso particular apresentado na Figura 6, é possível observar defasagens nos conhecimentos de conteúdo das docentes observadas, o que prejudica a construção de um PCK coerente com os domínios propostos.


Assim, apoiados em Tardif (2002), para quem a justificativa da ação do professor é um fator fundamental para o desenvolvimento de um saber docente, propõe-se que a construção do modelo triangular, com seus domínios (vértices) e justificativas (lados), pode configurar a criação de um Saber Pedagógico de Conteúdo.

Com relação à atividade criadora realizada pelos professores, ao desenvolver seus PCKs, é importante trazer à luz o referencial vigotskiano (Vigotski, 2009), onde tal ato criativo pode ser fruto de uma atividade reprodutora, na qual o professor reutiliza repertórios já usados, não realizando adaptações, ou de uma atividade combinadora/ criadora, em que os esquemas repertoriais são acessados e recombinados para o contexto de criação atual.


Tal categorização dicotômica, não construída com base no trabalho pedagógico, nos parece incompleta para a análise das atividades de construção de saberes profissionais dos professores. Por mais repetitiva que um docente gostaria de deixar sua rotina, parece pouco provável pensar em uma atividade reprodutora, sem qualquer tipo de adaptação contextual. Da mesma forma, torna-se difícil imaginar um

professor criando atividades integralmente combinadoras, sem utilização de nenhum esquema repertorial já construído.

Em relação ao Conhecimento Pedagógico de Conteúdo construído, mais precisamente levando-se em consideração os modelos (dicotômicos) integrativo e transformativo (Gess-Newsome, 1999), também dificulta-se o vislumbre de um PCK integrativo, em que o professor não forma nenhum esquema cognitivo novo, como se a junção dos domínios não causasse qualquer mudança na forma do profissional pensar sua prática. Já o modelo transformativo, conforme já citado anteriormente, parece mais viável com a rotina docente.

Diante do exposto, e à guisa de conclusão, propõe-se, portanto, afastar-se de tais modelos dicotômicos, haja vista que limitam a compreensão do complexo trabalho docente. Assim, compreendemos as atividades reprodutora e combinadora (Vigotski, ibidem) como extremos de um espectro criativo. Da mesma forma, visualizamos os modelos integrativos de PCK (Gess-Newsome, 1999) próximos do extremo reprodutor vigotskiano, diante da ausência de criação de novos conhecimentos, como proposto na definição inicial deste modelo (Figura 7).


Figura 7 - Espectro Criativo


image


Fonte: autores.


Embasados na proposta do espectro criativo, torna-se possível caracterizar o trabalho docente, mais precisamente a criação de suas práticas pedagógicas, como um fenômeno misto. Dessa forma, o professor, quando do desenvolvimento de seus Conhecimentos Pedagógicos de Conteúdo, faz uso de seus esquemas repertoriais, seja com a repetição reprodutora de experiências e vivências já validadas, seja com diferentes níveis de reelaborações e recombinações dessas mesmas vivências anteriores, buscando adaptações com o contexto didático vigente.


Desse modo, voltamos à importância que deve ser dada ao enriquecimento repertorial nos processos de formação docente. Partindo do princípio que a criação de novos PCKs passa pelo acesso a repertórios anteriores, reforça-se a necessidade de uma ampliação de vivências, experiências e boas práticas para futuros professores, e também aqueles em serviço, nesses processos formativos, possibilitando que tal docente possa acessar boas referências para a construção de suas aulas.


Considerações Finais


As discussões aqui trazidas foram iniciadas no contexto docente inerente à educação básica brasileira. A compreensão de como professores e professoras constroem seus saberes profissionais é uma questão

fundamental a ser considerada nos planejamentos formativos. As deficiências já documentadas na literatura acerca de lacunas em conhecimentos de conteúdo e pedagógicos, relativos à formação inicial desses professores, nos leva a utilizar a articulação dos domínios (conteudinais, pedagógicos e contextuais) do Conhecimento Pedagógico de Conteúdo (PCK), em uma visão mais ampla e atual (Carlson & Daehler, 2019) como uma possibilidade potencial de análise do desenvolvimento profissional no magistério.

Assim, a pesquisa em tela buscou articular, então, em um viés teórico, importantes vertentes que compõem a formação docente na atualidade. Assim, na visão dos autores, os Conhecimentos Pedagógicos de Conteúdo, que constituem um importante arcabouço na compreensão da construção de práticas didáticas, podem ser erguidos à condição de Saberes Pedagógicos de Conteúdo, ao se considerar, pelo formador, as argumentações e justificativas docentes, tal qual exposto por Tardif (2002).


Da mesma forma, a mobilização de Saberes Docentes pode se relacionar diretamente com o nível criativo exigido no desenvolvimento de planejamentos pedagógicos, possibilitando a criação de PCKs transformativos em níveis cada vez mais inovadores, favorecendo o fortalecimento do repertório docente, que poderá ser utilizado em situações didáticas futuras.

Como implicações do presente estudo, sugere-se que as pesquisas associadas à formação de professores aprofundem os estudos do espectro criativo, buscando a compreensão da relação entre os contextos formativos e de prática, e níveis do espectro criativo acessados, observando-se quais e como são hauridos os elementos utilizados na criação de novas propostas pedagógicas, visando ao desenvolvimento profissional docente.


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