ARTÍCULOS


CONCEPÇÕES INADEQUADAS DE CIÊNCIA E FAZER CIENTÍFICO: ANÁLISE DE UM EXEMPLO NA LITERATURA

Inadequate Conceptions of Science and Scientific Enterprise: Analysis of an Example in Literature


BRENO ARSIOLI MOURA

(UFABC, Brasil)


Resumo


Neste texto, analiso trechos de um livro de divulgação científica publicado no Brasil em 2007. Estes trechos são discutidos como exemplos de uma concepção inadequada de ciência e de fazer científico, tomando como referência Gil-Pérez e colaboradores (2001). Esta análise pode ser útil para balizar futuras atividades sobre natureza da ciência no ensino, especialmente na formação inicial de professores.

Palavras-chave: natureza da ciência | método científico | divulgação científica.


Abstract


In this paper, I analyze quotes of a popular book of science published in Brazil in 2007. These quotes are used as examples of an inadequate view of science and scientific enterprise, with reference to Gil-Perez and colleagues (2001). This analysis can be useful to substantiate activities about nature of science in teaching, especially in teacher training contexts.


Keywords: Nature of Science | Scientific Method | Popular Science.


Introdução


A reflexão que apresentarei neste breve texto iniciou-se em meados de 2007, quando li alguns trechos de um livro de divulgação científica recentemente publicado na época (Gleiser, 2007). Estes trechos serviram como fontes para a elaboração de uma série de atividades ao longo das disciplinas que ministrei no ensino superior, particularmente aquelas que abordaram a Filosofia e a Epistemologia da Ciência. As visões sobre a ciência e o fazer

científico presentes neles foram utilizadas como exemplos de concepções inadequadas, segundo as discussões presentes em Gil-Pérez e colaboradores (2001). O conteúdo de uma das atividades elaboradas fundamenta a argumentação que realizarei neste artigo.

Gil-Pérez e colaboradores (2001) identificaram em sua ampla revisão bibliográfica sete concepções inadequadas sobre a ciência e o trabalho científico presentes na literatura e no discurso de muitos professores e estudantes. As duas primeiras referem-se ao método científico e à forma como este método é aplicado para se obter conhecimento sobre o mundo. Os autores afirmam que é muito comum uma visão empírico-induvista da ciência, em que a observação e a experimentação são sempre neutras, “esquecendo o papel essencial das hipóteses como orientadoras da investigação” (Gil-Pérez et. al., 2001: 129). Relacionada a esse método, está a noção de que o fazer científico é extremamente rigoroso, algorítmico, respeitando etapas pré-definidas a serem seguidas. Nisso “destaca-se o que se supõe ser um tratamento quantitativo, controle rigoroso etc., esquecendo – ou, inclusive, recusando, tudo o que se refere à criatividade, ao caráter tentativo, à dúvida...” (Ibid., p. 130). Na análise que procederei, será possível identificar estas duas concepções.

Acredito que essa discussão poderá ser útil para que educadores, historiadores e filósofos da ciência possam fomentar debates sobre as visões de ciência presentes no imaginário comum da população. As concepções inadequadas presentes nos trechos do livro podem ser utilizadas como contraexemplos para serem estudados e analisados no ensino de ciências quando se argumenta sobre a natureza do conhecimento científico, principalmente no sentido de problematizar o indutivismo ingênuo que ocupa a mente de grande parte dos estudantes e da população leiga em ciência.


“Não é necessário crer, e sim ver”


O livro Cartas a um Jovem Cientista (Gleiser, 2007) possui oito capítulos, abrangendo os mais diversos assuntos relacionados à ciência e ao fazer científico. O autor optou por redigir as cartas a ele mesmo décadas atrás.

Com isso, seu objetivo é narrar suas próprias experiências na juventude, especialmente aquelas que tiveram relação com sua opção pela carreira científica. Nesse aspecto, o relato é interessante e informal, o que favorece a identificação dos potenciais futuros cientistas – a quem as cartas são efetivamente direcionadas – com os assuntos discutidos.

No entanto, em alguns trechos, o autor expõe concepções inadequadas sobre o processo de construção do conhecimento científico e o trabalho dos cientistas, especialmente sobre o método científico e a forma de obtenção de conhecimento sobre o mundo, tomando como referência as visões distorcidas discutidas por Gil-Pérez e colaboradores (2001). Em algumas outras partes, também há informações superficiais sobre ciência – dividida entre “teórica” e “experimental” – e sobre o ensino universitário. Em um trecho, o autor chegou a afirmar que aqueles com o desejo de se dedicar à pesquisa talvez não devessem “passar um número excessivo de horas preparando e repreparando aulas com imensos detalhes. Uma boa ideia é tentar lecionar os mesmos cursos durante os primeiros anos de carreira” (Gleiser, 2007: 118). Embora essas partes das Cartas sejam igualmente contraexemplos interessantes, restringirei a discussão a alguns de seus comentários sobre o trabalho científico.

A ciência e a natureza da ciência são temas debatidos nos capítulos 2 (Vida de cientista) e 6 (Trabalho). No capítulo 2, especificamente, o autor explicou a seu eu mais jovem como é o trabalho de um cientista. Um dos trechos deste capítulo chama atenção, pois nele está presente uma concepção muito comum de ciência e método científico.


Você me pergunta, ansioso, como é a vida de um cientista. Essa pergunta tem muitas respostas! Depende de vários fatores, começando pelo tipo de ciência. Vamos, então, fazer uma primeira distinção, entre ciência teórica e experimental. (Espero que você não se incomode se eu, às vezes, usar “nós” quando me referir a mim mesmo e a você. Afinal, mesmo que sejamos a mesma pessoa, existimos em tempos diferentes, formando, portanto, um grupo de dois elementos: eu, que fui você, e você, que virá a ser eu.) Você leu em minha carta anterior sobre as dificuldades que tivemos no laboratório de química inorgânica, como o que nos salvou foi a parte teórica do curso. Bem, ciência, seja ela qual for, se baseia no método empírico: informação sobre o mundo natural deve ser obtida por meio de observações de fenômenos e, quando possível, de sua repetição em laboratório. (Gleiser, 2007: 25, grifo nosso)

Pelas palavras do autor, qualquer tipo de ciência se fundamenta no método empírico, ou seja, está calcada na observação e na experimentação. Alguns educadores em ciência e cientistas se espantariam com essa definição superficial, embora esta ainda seja a concepção de senso comum sobre ciência da maior parte da população leiga. Nos trechos seguintes, o autor ofereceu um exemplo que confirmaria essa afirmação.


Examinemos um exemplo. Considere a seguinte afirmação: todos os objetos com massa, seja uma pena de galinha ou uma bala de canhão, são atraídos igualmente pela gravidade da Terra. Essa afirmação é falsa ou verdadeira? À primeira vista parece falsa: afinal, basta deixarmos uma pena de galinha e uma bala de canhão cair da mesma altura para verificarmos que a bala cai muito mais depressa. Isso é o que diz nossa experiência cotidiana. O problema é que, em ciência, essa experiência nem sempre ajuda. Em geral, atrapalha! Leia, novamente, a afirmação: todos os objetos, com massa, seja uma pena de galinha ou uma bala de canhão, são atraídos igualmente pela gravidade da Terra. Ela não se refere ao tempo de queda, mas à atração exercida pela gravidade terrestre sobre objetos com massa. Como podemos testá-la? Um físico experimental demonstra, após vários testes (bem óbvios...), que o tempo de queda dos objetos depende da resistência do ar. Portanto, temos de eliminar o ar para testar se, de fato, todos os objetos são atraídos da mesma forma pela Terra. Se forem, uma vez eliminado o ar, cairão ao mesmo tempo. O físico repete a experiência num cilindro vedado, praticamente sem ar. Isso pode ser feito usando uma “bomba de vácuo”, uma máquina que suga o ar de um volume fechado. Dito e feito, sem ar no cilindro, a pena e a bala caem exatamente ao mesmo tempo! Fica demonstrada a afirmação que tanto contraria nossa intuição. Você não acredita? Repita a experiência e certifique-se de que é verdade. Essa é a beleza da ciência: não é necessário crer, e sim ver. (Gleiser, 2007: 26-7, itálicos do autor, grifo nosso)


Na argumentação do autor, podemos confirmar a existência de uma força gravitacional entre a Terra e os objetos pela simples observação de uma pena e uma bala de canhão soltos a partir do repouso e caindo livremente em direção ao chão. Para nos certificarmos, devemos repetir um bom número de vezes a experiência em laboratório (não é dito quanto). Este seria um exemplo do método científico.

Segundo ele, “apenas quando fazemos a experiência de modo correto, eliminando possíveis fontes de erro [...] é que podemos de fato testar a veracidade de uma hipótese” (Gleiser, 2007: 27). A ciência para o autor é

fundamentada na observação pura do mundo natural. Nesse viés, não há papel para especulações, afinal “não é necessário crer”. O cientista trabalha com dados objetivos e conclusões irrefutáveis, realizando experimentos para confirmar as hipóteses e elaborar suas teorias sobre os fenômenos naturais.

Há uma relevante incoerência neste pensamento, particularmente em relação ao método pelo qual a teoria foi supostamente comprovada. Neste ponto está o principal aspecto problemático da argumentação sobre o método científico apresentada neste trecho, o qual analisarei na seção seguinte.


Uma análise da visão distorcida da ciência e do trabalho científico


As afirmações do autor nos trechos acima revelam concepções distorcidas sobre a ciência e sobre o fazer científico bem próximas às identificadas por Gil- Pérez e colaboradores (2001). Ele parece acreditar em uma ciência puramente experimental, livre de especulações, erros e incompletudes. Todas as teorias e ideias científicas são, segundo seu argumento, construídas somente a partir da observação simples de fenômenos e de sua repetição em laboratório. Os procedimentos são rigorosos, pragmáticos e objetivos, resumindo-se ao cumprimento de etapas. Este é um pressuposto muito superficial sobre a ciência, pois nem todas as áreas baseiam-se na experimentação ou em um método empírico. A própria física teórica, citada por ele em várias partes do livro, não se fundamenta na experimentação, se adotarmos como referência seu método.

Atualmente, essa visão de ciência como uma construção exclusivamente experimental é considerada não só inadequada, como prejudicial à educação científica, conforme salienta Gil-Perez e colaboradores (2001). Como colocamos acima, os autores comentam que essas concepções esquecem “o papel essencial das hipóteses como orientadoras da investigação, assim como dos corpos coerentes de conhecimentos (teorias) disponíveis, que orientam todo o processo” (Gil-Perez et. al., 2001: 129). A constatação de que este tipo de interpretação é inadequada remonta à década de 1980, como mostram os autores. Na realidade, qualquer pesquisa séria sobre ensino de ciências no Brasil

e no mundo atualmente leva em conta que não se pode assumir a ciência como uma construção somente observacional ou experimental.

Na literatura, podemos encontrar alguns autores que criticam essa visão de método científico. Chalmers (1993), por exemplo, a classifica como um “indutivismo ingênuo”. Segundo ele, essa visão está enraizada na cultura da sociedade moderna, que considera a ciência como um conjunto de verdades indubitáveis sobre o mundo.


Conhecimento científico é conhecimento provado. As teorias científicas são derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência adquiridos por observação e experimento. A ciência é baseada no que podemos ver, ouvir, tocar etc. Opiniões ou preferências pessoais e suposições especulativas não têm lugar na ciência. A ciência é objetiva. O conhecimento científico é conhecimento confiável porque é conhecimento provado objetivamente. (Chalmers, 1993: 23)


Chalmers (1993) desconstrói este pressuposto, apontando para o papel das expectativas prévias dos cientistas na realização de uma observação ou experimento. Nenhum cientista pode ser isolado em uma redoma de inteligência e neutralidade. Todos eles estão inseridos em contextos sociais, culturais, políticos, religiosos peculiares e são constantemente influenciados por eles. As diferenças nas expectativas prévias dos cientistas exercem papéis importantes no ato de observar ou teorizar.


O que um observador vê, isto é, a experiência visual que um observador tem ao ver um objeto, depende em parte de sua experiência passada, de seu conhecimento e de suas expectativas. (Chalmers, 1993: 49)


Dessa forma, não se pode esperar que um cientista seja neutro em sua observação. Qualquer que seja a situação, ele carregará consigo uma bagagem ideológica, teórica e sensorial que exerce influências determinantes sobre o que esta pesquisando.

Fourez (1995) também apresenta alguns argumentos contra essa visão puramente empírica da ciência. Segundo ele, “as proposições empíricas não são ‘opostas’ às proposições teóricas; elas já são teóricas” (Fourez, 1995: 45). O cientista está envolvido em uma rede singular de conhecimentos, em um

universo cultural que tem bases, preceitos, ideias compartilhadas entre todos. Dessa forma, é impossível uma observação neutra.


Não posso descrever o mundo apenas com minha subjetividade; preciso inserir- me em algo mais vasto, uma instituição social, ou seja, uma visão organizada admitida comunitariamente. (Fourez, 1995: 49)


Uma crítica ainda mais rigorosa a esse método científico empírico pode ser vista no texto de Feyerabend (2007). Em linhas gerais, o autor contrapõe a ideia de um racionalismo para descrever o processo de construção do conhecimento científico, afirmando que a ciência é um empreendimento essencialmente anárquico. Para ele, na ciência “tudo vale” (Feyerabend, 2007: 43).

Por meio dessa ideia, Feyerabend (2007) busca dizer que todas as metodologias têm falhas, ou seja, nenhum método científico é perfeito. Nesse sentido, para ele, os cientistas deveriam ter uma visão pluralista da ciência, a fim de compreender seus aspectos mais profundos.


Um cientista interessado em obter o máximo conteúdo empírico, que seja compreender tantos aspectos de sua teoria quanto possível, adotará uma metodologia pluralista, comparará teorias com outras teorias, em vez de com “experiência”, “dados” ou “fatos”, e tentará aperfeiçoar, e não descartar, as concepções que aparentem estar sendo vivenciadas na competição. (Feyerabend, 2007: 63)


Dessa forma, o método descrito nos trechos citados acima é baseado em uma noção de senso comum sobre ciência, em que um simples procedimento de observação e repetição em laboratório de um fenômeno particular poderia provar uma teoria. Um leitor leigo em ciência e em epistemologia da ciência – como é o caso da maioria dos jovens brasileiros – provavelmente será ludibriado por uma descrição como essa, sendo levado a acreditar que a ciência realmente é fundamentada somente no uso de um método empírico.

Em relação à “prova” na ciência, a descrição do autor parece dizer que o método empírico utilizado para analisar a queda dos corpos poderia mostrar de forma irrefutável a existência de uma força gravitacional atuando sobre eles. Sobre isso, Fourez (1995) faz uma leitura interessante:

Trata-se geralmente de releituras do mundo através da teoria, que tendem a torná-la crível. Assim, se eu quiser “provar” que vejo verdadeiramente uma lâmpada sobre a minha mesa, só conseguirei redizer todos os elementos de interpretação que me levaram a falar de uma lâmpada. Efetuo apenas uma releitura de minha visão do mundo. Do mesmo modo, se quiser “provar” a minha teoria do elétron não farei mais do que reler o mundo por meio dessa teoria. (Fourez, 1995: 58)


As palavras de Fourez (1995) implicam que o processo de provar algo é cíclico, ou seja, a prova é fundamentada em uma leitura especial de mundo. Examinemos novamente a afirmação colocada no segundo trecho descrito acima: “todos os objetos com massa, seja uma pena de galinha ou uma bala de canhão, são atraídos igualmente pela gravidade da Terra” (Gleiser, 2007: 26). Qual é o problema nessa sentença?

O problema está em considerar de antemão o modelo como verdadeiro. Percebam que no trecho em questão, o autor já afirmou que os corpos são atraídos pela gravidade da Terra, ou seja, ele já considerou essa explicação como verdadeira. Sendo assim, qualquer tentativa de “prová-la” será bem sucedida, uma vez que a explicação faz parte implicitamente desse processo. Dessa forma, torna-se realmente muito fácil e objetivo fazer ciência. Se eu assumo os modelos como verdadeiros, qualquer observação feita com base neles os comprovarão. O olhar enviesado certamente dará o resultado desejado na observação. Nesse caso, com efeito, na ciência não é necessário crer, somente ver. Não é percebido, contudo, que a crença está implícita. Acredita-se na gravitação universal antes da observação ser feita.

Mas o que podemos obter a partir da observação, nesse caso? Para responder essa questão, suponhamos que não temos nenhuma concepção antecedente. Pela observação, notamos que a bala de canhão cai quando a soltamos; a pena de galinha levita por um tempo antes de chegar ao chão; os dois objetos chegam ao chão ao mesmo tempo quando estão em um ambiente evacuado. Isso é o que vemos pela observação. Ela não nos mostra uma força agindo sobre estes objetos, pois esta é uma inferência nossa, construída a partir de nossas concepções, expectativas, conhecimentos e contextos específicos. Dessa forma, de nada adianta repetir inúmeras vezes a experiência. Continuaríamos a ver exatamente o mesmo. Poderíamos mudar as condições da

experiência e notar outros acontecimentos, mas nenhum deles poderia comprovar de forma irrefutável a teoria da gravitação universal.

Em trecho posterior do livro, o autor afirmou que o trabalho científico é “desvendar a Natureza [...] sem se deixar levar pelas aparências ou por falsas intuições” (Gleiser, 2007: 27). É muito difícil saber o que o autor entende por falsas intuições, mas de qualquer forma, como podemos ter certeza de que na ciência não estamos sendo guiados por concepções errôneas ou inadequadas? Ele aparenta acreditar que a ciência é objetiva o bastante para fazer com que os cientistas não sejam iludidos pela intuição, porém não parece notar que toda sua argumentação anterior fora construída a partir de um conhecimento implícito. Isso revela que o processo de construção do conhecimento científico é muito mais complexo que o colocado nos trechos de seu livro.


Conclusão


No livro Cartas a um jovem cientista (Gleiser, 2007), o autor pretende apresentar questões gerais da ciência e da prática científica, no intuito de motivar possíveis aspirantes à carreira científica que raramente são incentivados ao longo de sua formação educacional básica. Embora os relatos e histórias do autor em várias partes do livro sejam interessantes e relevantes para esse propósito, alguns trechos apresentam concepções distorcidas da ciência e do trabalho científico. A reflexão trazida neste texto buscou problematizar algumas delas.

Pode-se pensar que a crítica apresentada acima seja rigorosa demais para um texto que não pretende ser essencialmente formativo. Nenhum leitor das Cartas obterá todos os subsídios para ingressar em uma carreira científica. Contudo, a qualidade de materiais de divulgação e promoção científica deve, a meu ver, ser pressuposto básico quando pensamos em uma boa formação cultural e científica da população em geral. Isso envolve não reforçar as visões de senso comum e distorcidas sobre a ciência que as pessoas frequentemente possuem e que os educadores têm buscado há anos combater (Lederman, 1992; Allchin, 2004; Silva & Moura, 2008; Forato et. al. 2011).

A reflexão crítica sobre os trechos das Cartas buscou apresentar elementos para que os contraexemplos também sejam trabalhados em situações de sala de aula. Portanto, considero importante não somente ressaltar uma visão adequada da ciência, mas também apontar as inadequadas e, principalmente, problematizá-las.

Concluo esta reflexão contrapondo o argumento do autor no final do segundo trecho citado acima. Para ele, na ciência não é necessário crer, somente ver. Entretanto, afirmo que acreditar no conhecimento científico também oferece sustentação ao que vemos. Uma observação neutra, puramente cética, nos fornece uma visão muito limitada do mundo. Se não acreditássemos nos modelos, pressupostos, teorias, leis e conhecimentos científicos, utilizar a ciência para compreender o mundo não faria sentido. Se você não crê que algo consiga explicar um fenômeno qualquer, por que o aceitaria? A partir do momento em que acreditamos ou criamos expectativas é que podemos efetivamente criar, especular, teorizar o mundo observável a partir de concepções científicas. Por isso, a frase do autor carece de uma modificação, de tal modo a dizer: na ciência, não é necessário só ver, e sim também crer.



Bibliografia


ALLCHIN, D. (2004). “Pseudo-history and pseudo-science”: Science & Education, v. 13, p. 179-95.


CHALMERS, A.F. (1993). O que é ciência, afinal? São Paulo: Brasiliense. 225p.


FEYERABEND, P.K. (2007). Contra o método. São Paulo: Editora Unesp. 374p.


FORATO, T.C.; MARTINS, R.A.; PIETROCOLA, M. (2011). Historiografia e natureza da ciência em sala de aula. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 28, n. 1, p. 27-59.

FOUREZ, G. (1995). A construção das ciências: introdução à filosofia e à ética das ciências. São Paulo: Editora Unesp. 319p.


GIL-PEREZ, D. et. al. (2001). Para uma imagem não deformada no trabalho científico.

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LEDERMAN, N.G. (1992). “Student’s and teacher’s conceptions of the nature of science: a review of the research”: Journal of Research in Science Teaching, v. 29, n. 4, p. 331-59.


SILVA, C.C.; MOURA, B.A. (2008). “A natureza da ciência por meio de episódios históricos: o caso da popularização da óptica newtoniana”: Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 30, n. 1, 1602.