https://doi.org/10.34024/prometeica.2024.29.15280


O DESENVOLVIMENTO REGIONAL COMO EIXO ESTRUTURANTE DOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA


REGIONAL DEVELOPMENT AS A STRUCTURING AXIS OF THE FEDERAL INSTITUTES OF EDUCATION, SCIENCE, AND TECHNOLOGY


EL DESARROLLO REGIONAL COMO EJE ESTRUCTURAL DE LOS INSTITUTOS FEDERALES DE EDUCACIÓN, CIENCIA Y TECNOLOGÍA


Márcio Rogério Olivato Pozzer

(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil)

márcio.pozzer@osorio.ifrs.edu.br


Roberta dos Reis Neuhold

(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil)

roberta.neuhold@alumni.usp.br

Recibido: 30/06/2023

Aprobado: 23/11/2023


RESUMO

Este trabalho discute o projeto de desenvolvimento presente na política federal de educação profissional e tecnológica brasileira, inscrito na lei de criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia de 2008. Parte da hipótese de que o desenvolvimento regional se tornou a coluna vertebral dessa política pública, que destacou a importância dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais no processo de expansão e interiorização da educação profissional. A partir de pesquisa documental sobre os processos legislativos, o estudo mapeia a construção do projeto de desenvolvimento durante a formulação, a tomada de decisão e a implementação da política pública. Com o uso de técnicas associadas à análise de conteúdo e o cruzamento de dados referentes à população dos municípios-sede dos novos campi, confirma a hipótese inicial ao reunir evidências sobre o enfoque comunitário e sustentável alinhado ao desenvolvimento regional endógeno inerente ao projeto que deu origem aos Institutos Federais. Conclui que, por um lado, a intersetorialidade da política driblou a cultura bacharelesca e o desprestígio que a educação profissional ocupa no país. Também ampliou a capilaridade para os pequenos municípios, sendo que 58,8% dos 483 novos campi foram instalados em localidades com menos de 100 mil habitantes. Por outro lado, a cultura organizacional preexistente e a carência de espaços institucionais de governança resultaram em baixa interação dos campi com o território, estabelecendo um frágil e descontínuo elo com o desenvolvimento regional.

Palavras-chave: desenvolvimento regional. desenvolvimento sustentável. pequenas cidades. educação profissional e tecnológica. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia.


ABSTRACT

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This article discusses the development project present in the federal policy for professional and technological education in Brazil, inscribed in the law creating the Federal Institutes.

The central hypothesis was that regional development became the backbone of that public policy, which highlighted the importance of local productive, social, and cultural arrangements in the process of expansion and internalization of professional education. It concluded that, on the one hand, the intersectionality of the policy circumvented the baccalaureate culture and the discredit that professional education occupies in the country. It also expanded its reach to small municipalities, with 58.8% of the 483 new campi being installed in locations with less than 100,000 inhabitants. On the other hand, the pre-existing organizational culture and the lack of institutional spaces for governance resulted in low interaction between the campi and the territory, still establishing a fragile and discontinuous link with regional development.

Keywords: regional development. sustainable development. small cities. vocational education and training. Federal Institute of Education, Science and Technology.


RESUMEM

Este artículo discute el proyecto de desarrollo presente en la constitución de la política federal para la educación profesional y tecnológica en Brasil, inscrita en la ley de creación de los Institutos Federais. La hipótesis central fue que el desarrollo regional se convirtió en la columna vertebral de esa política pública, que destacó la importancia de los arreglos productivos, sociales y culturales locales en el proceso de expansión e interiorización de la formación profesional. Concluyó que, por un lado, la interseccionalidad de la política soslayó la cultura del bachillerato y el desprestigio que ocupa la formación profesional en el país. También amplió su alcance a municipios pequeños, instalándose el 58,8% de los 483 nuevos campi en localidades de menos de 100.000 habitantes. Por otro lado, la cultura organizacional preexistente y la falta de espacios institucionales de gobernabilidad resultaron en una baja interacción entre los campi y el territorio, estableciéndose aún un vínculo frágil y discontinuo con el desarrollo regional.

Palabras clave: desarrollo regional. desarrollo sostenible. educación y formación técnica y profesional. ciudades pequeñas. Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología.


Introdução

Em 2008, a Lei nº 11.892 instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e, atrelados a ela, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Aquele marco legal constituiu uma política intersetorial complexa, engendrando uma expansão e interiorização da educação profissional e tecnológica brasileira inédita até então: se em quase um século de história a educação profissional federal havia se estruturado em 140 unidades (Exposição de Motivo Interministerial nº 00118/2008/MP/MEC, 2008), em 2020 já ultrapassava 654 campi (Plataforma Nilo Peçanha, 2021), além de ter diversificado a oferta educativa (abarcando cursos técnicos de nível médio, tecnológicos, bacharelados, licenciaturas e pós-graduações) e ampliado suas finalidades e objetivos (articulando ensino, pesquisa e extensão ao desenvolvimento regional).

Qual era o projeto inscrito naquela política de educação profissional que arquitetou uma ambiciosa expansão e interiorização? Esta é a questão central que permeia o presente trabalho e que se articula a um conjunto de quatro perguntas auxiliares com suas respectivas hipóteses enunciadas a seguir.

A primeira pergunta diz respeito ao caráter inovador da política pública, com atenção especial direcionada, neste artigo, aos Institutos Federais. O que estava em curso com o processo de expansão? Trabalhou-se com a hipótese de que o caráter inovador dos Institutos Federais se assentou na centralidade do desenvolvimento regional perpassando suas finalidades e objetivos. Daqui se desdobrou a segunda pergunta: qual foi o projeto de desenvolvimento regional inscrito no processo de criação dos

Institutos Federais? A hipótese era que o processo que deu origem aos Institutos Federais representou a mudança de perspectiva da educação profissional brasileira, pautada historicamente por demandas de mercado (Santos et al., 2020), para uma concepção centrada no desenvolvimento regional endógeno.

Em terceiro lugar, questionava-se qual foi o perfil de cidades atendidas na expansão da Rede Federal. Cabe esclarecer que as unidades da rede federal1 de educação profissional instaladas no Brasil entre 1909 e 2002 atendiam, predominantemente, duas configurações territoriais: de um lado, centros urbanos constituídos por capitais (centros administrativos) e/ou polos industriais ou econômicos de grande porte, sendo que essas duas características coincidiam na maior parte dos casos; de outro lado, áreas rurais, em pequenos municípios, berço das escolas técnicas agrícolas instaladas em fazendas-modelo, incorporadas à rede de escolas profissionais federais a partir de maio de 1967 (Decreto nº 60.731, 1967). Houve, portanto, ao longo da história da educação profissional brasileira, uma cisão entre campo e cidade, sendo essa última associada a regiões metropolitanas de perfil industrial. Formulou-se a hipótese de que o projeto, gestado a partir de 2003, inaugurou uma política de educação profissional que passou a contemplar pequenos e médios municípios sem, necessariamente, perfil industrial.

Por fim, indagava-se em que medida a proposta inscrita na lei de criação dos Institutos Federais vem se traduzindo em ações e resultados. A hipótese era a de que, a despeito do novo desenho institucional, os Institutos Federais tenham sido estruturados, na fase de implementação, nas bases de instituições preexistentes, seguindo atrelados, quase que exclusivamente, à cultura de uma escola técnica.

O artigo inicia com uma breve introdução aos termos e metodologias de análise para, então, sintetizar o referencial teórico empregado. Na seção seguinte, apresenta e discute os resultados, contemplando desde a formulação da política pública e a lei de criação dos Institutos Federais até a implementação da política. Nesse último caso, aborda o alcance dos Institutos Federais nas pequenas cidades, bem como suas dificuldades e potencialidades. Finalmente, nas considerações finais, elenca algumas alternativas com potencial de transformar as intenções gerais inscritas na arquitetura dos Institutos Federais em ações e resultados.


Termos e metodologias de análise

Os paradigmas do desenvolvimento endógeno e exógeno e a noção de ciclo deliberativo das políticas públicas compuseram o roteiro analítico deste estudo. No primeiro caso, foram reunidas referências que permitiram associar a proposta inscrita na lei de criação dos Institutos Federais a um projeto de desenvolvimento regional ou local endógeno. Quanto ao ciclo deliberativo das políticas públicas, orientou a delimitação do escopo de análise aos quatro estágios iniciais, percorrendo a formação da agenda, a identificação e a avaliação de alternativas, a tomada de decisão e a implementação.

A pesquisa de caráter documental possibilitou a ampliação do entendimento das questões de formulação, tomada de decisão e implementação dos Institutos Federais. Remetendo às três variáveis da pesquisa documental identificadas por Marconi e Lakatos (2015), fez-se uso de fontes primárias (documentos oficiais), escritas (na forma de leis, decretos, portarias, planos, anais de conferências e dados estatísticos) e contemporâneas (convergindo para a primeira década dos anos 2000). Os documentos foram recolhidos em acervos públicos digitais, com destaque para a página eletrônica da Presidência da República (que reúne a legislação brasileira), para a Plataforma Nilo Peçanha (ambiente virtual com estatísticas oficiais da Rede Federal) e para os sítios eletrônicos de cada um dos Institutos Federais.

Atenção especial foi direcionada à lei de criação dos Institutos Federais com vistas a extrair a concepção de desenvolvimento regional nela presente e sua recorrência. Para tanto, destacaram-se dois trechos da Lei nº 11.892/2008, que versam diretamente sobre as finalidades e características (Art. 6º) e os objetivos


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1 Neste trabalho, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia são nomeados, abreviadamente, como “Institutos Federais”. No mesmo sentido, refere-se à Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica como “Rede Federal”. Cabe esclarecer que, antes de 2008, já havia um conjunto de instituições federais de educação profissional, ao qual se faz alusão eventualmente com o termo “rede federal”, em letras minúsculas.

(Art. 7º). Para constituir uma matriz analítica, procedeu-se com o uso de técnicas associadas à análise de conteúdo (Bardin, 2022): a pré-análise permitiu estabelecer categorias associadas ao desenvolvimento regional e formular as hipóteses iniciais; a fase de exploração do material possibilitou a identificação de unidades de análise e o seu agrupamento em categorias específicas associadas tanto com o desenvolvimento regional quanto com o tripé do ensino, da pesquisa e da extensão; já a fase de tratamento e interpretação envolveu a formulação de sínteses (algumas na forma de quadros e figuras2) e a própria apresentação e discussão dos resultados em seções específicas deste artigo. Cabe ainda mencionar que essa última fase recorreu à contextualização histórica e sociocultural para elucidar as concepções de desenvolvimento impressas na arquitetura da referida política pública.

Por fim, procedeu-se com o levantamento de dados históricos sobre a origem de todos os campi dos Institutos Federais. Partiu-se de uma listagem organizada pelo Ministério da Educação (MEC), consultada em abril de 2023, distribuindo os 38 Institutos Federais por estados e inventariando cada um dos seus campi. A lista foi atualizada tendo como base os dados da Plataforma Nilo Peçanha (2021), computando ao final 589 campi3. Dali se produziu um banco de dados com todos os Institutos Federais e seus respectivos campi, especificando ano de inauguração e cidade-sede. Com relação a essa última variável, procedeu-se com o cruzamento de dados oriundos da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essencialmente no que diz respeito à população de cada município-sede dos campi dos Institutos Federais. Para os fins deste estudo, os municípios foram classificados a partir da população, sendo divididos entre pequenos (com até 100 mil habitantes), médios (entre 100 e 500 mil habitantes) e grandes (com mais de 500 mil habitantes).


Referencial teórico

As teorias do desenvolvimento regional exógeno marcaram as políticas públicas keynesianas do pós- Segunda Guerra Mundial. Trouxeram como prerrogativa a potencialidade exógena de uma ou mais atividade econômica principal a ser instalada em determinada região e com capacidade de difundir certo dinamismo para outros setores da economia, engendrando o crescimento socioeconômico. Abordadas a partir de diferentes modelos, aquelas teorias associaram as atividades exportadoras de uma região à produtividade e aos níveis de emprego regional (North, 1977). Também redirecionaram o desenvolvimento à presença de uma indústria motriz que dinamiza certa região e atrai outras atividades econômicas (Boudeville, 1973; Perroux, 1978), à capacidade de investimento e à cultura empreendedora (Hirschman, 1984) ou à existência de processos circulares e cumulativos resultantes de ciclos virtuosos (Myrdal, 1968).

Aqueles diferentes modelos das teorias do desenvolvimento exógeno dividiram atenção, a partir dos anos 1980, com o paradigma do desenvolvimento endógeno. Para esse, o desenvolvimento não seria determinado pelo funcionamento das livres forças do mercado ou, exclusivamente, pelas políticas de planejamento territorial oriundas do poder central. Antes, aspectos intrínsecos ao território ou à capacidade de fazer uso de suas potencialidades para inseri-lo em uma dinâmica econômica mais global criariam condições para a implementação de políticas ativas de desenvolvimento (Amaral, 2001), provenientes de diferentes estratégias.

Entre as variadas abordagens (Krugman, 1992; Piore & Sabel, 1990; Maillat, 1995; Perroux, 1978; Porter, 1993), interessa recuperar a contribuição de Putnam (2006) ao sublinhar aspectos políticos, sociais e culturais envolvidos na formação de comunidades cívicas. Para ele, tais comunidades seriam o próprio substrato para o desenvolvimento regional na medida em que assegurariam a existência de valores éticos, de capacidade de associação, de grau de confiança e de consciência cívica dos indivíduos para com os problemas comunitários. Quanto às teorias dos campos de Pierre Bourdieu (1983, 2004) que identificaram as forças divergentes que disputam a imposição de visões de mundo em variados


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2 Ver Quadro 1 e Figura 2, que registram o esforço de síntese a partir da matriz analítica.

3 Excluiu-se da contagem os dez centros de referência listados como campi do Instituto Federal do Amapá (IFAP), Baiano (IF Baiano), do Espírito Santo (IFES), do Maranhão (IFMA), do Norte de Minas Gerais (IFNMG), do Sul de Minas Gerais (IF Sul de Minas), Fluminense (IFF), Sul Rio-Grandense (IFSul), de Santa Catarina (IFSC) e de Tocantins (IFTO).

campos de ação (como o cultural, o científico, o econômico, o social, o político etc.), elas inspiraram abordagens como a de Fligstein (2001), que atribuiu protagonismo à natureza da cooperação dos coletivos sociais no território.

Merece ainda ser ressaltada a perspectiva do desenvolvimento sustentável que ganhou destaque a partir do final do século XX. Ao inserir a preocupação em não comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades, Ignacy Sachs (1993) adotou um paradigma holístico dos problemas da sociedade, sem focar apenas na gestão dos recursos naturais. Para ele, o alcance da sustentabilidade pressupunha o protagonismo do território, exigindo o desenvolvimento de novas institucionalidades que contemplassem cinco dimensões do desenvolvimento sustentável: ambiental, cultural, econômica, social e territorial.

No caso brasileiro, o processo de redemocratização – que culminou na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 –, o avanço na estabilidade macroeconômica na década de 1990 e, sobretudo, a intensificação do protagonismo estatal nas políticas sociais a partir dos anos 2000 encontraram nas teorias do desenvolvimento endógeno as bases conceituais para a formulação e a implementação de políticas públicas que objetivam o desenvolvimento regional.

Abramovay (2011) localizou, no início da década de 1980, a proeminência, no Brasil, das perspectivas endógenas, nomeadas pelo autor como “abordagem territorial do processo de desenvolvimento”. Segundo o autor, a natureza da cooperação entre os diferentes atores sociais de um determinado território e o seu vínculo com os sistemas produtivos passaram à época a importar na compreensão da dinâmica de desenvolvimento regional. Ainda sob o olhar de Abramovay (2011), convém pontuar algumas virtudes do uso da noção de território, a começar por extrapolar a análise puramente setorial (por exemplo, estudar as regiões rurais exclusivamente a partir da agricultura e dos agricultores) e, consequentemente, redefinir as dimensões do território (compreendendo-o pelas interações sociais e não pelos limites físicos). Outra vantagem reside em considerar a multidimensionalidade dos fenômenos e evitar o reducionismo do processo de desenvolvimento ao crescimento econômico (Webster, 2004). O uso da noção de território permite, ainda, o estudo empírico dos diversos atores (dada a variedade cultural, política, social e econômica) e dos próprios mecanismos de governança pública estruturados, por exemplo, em conselhos de desenvolvimento.

Com relação aos mecanismos de governança, Abramovay (2011, p. 2) indaga se são “[...] capazes de oferecer oportunidades de inovação organizacional que estimule o empreendedorismo privado, público e associativo em suas regiões respectivas”. Para ele, se aliados à noção de território, tais mecanismos possibilitam interpretar a relação entre sistemas sociais e ecológicos como potencial lócus de cooperação entre Ciências Sociais e Naturais (Abramovay, 2011), introduzindo novas estruturas e novos processos de gestão, a partir de uma democracia mais inclusiva (Nabatchi, Sancino & Sicilia, 2017).

Essas concepções de governança territorial interessam particularmente a este trabalho. Associadas a mudanças nas dimensões sociopolítica, econômico-financeira e institucional-administrativa, elas facilitam a promoção de processos democráticos, articulando Estado, iniciativa privada e sociedade civil na coprodução e cogestão de soluções e no incremento de espaços públicos de participação e controle social (Dagnino, Olivera & Panfichi, 2006). É, portanto, a elas e ao paradigma endógeno de desenvolvimento que o presente estudo se remete para discutir concepções de desenvolvimento e de governança territorial inscritas no processo de fundação e interiorização dos Institutos Federais.


Resultados e discussão

A criação de uma rede de escolas técnicas no Brasil em 1909 (Santos, 2016; Cunha, 2005; Pozzer & Neuhold, 2019) esteve predominantemente vinculada a centros urbanos ou administrativos, no geral (potenciais) núcleos da atividade industrial. Não à toa, as escolas foram distribuídas pelos 19 estados então existentes, mais especificamente pelas 18 capitais, tendo ainda uma unidade na cidade fluminense de Campos, no Rio de Janeiro. Aquela iniciativa alinhava-se à expectativa de industrializar e urbanizar

o país, ainda predominantemente agrário. Daí os esforços para educar a população residente nas capitais, mais restritamente a massa de homens brancos e pobres, à qual foi direcionada à educação profissional (Santos, 2016; Cunha, 2005).

Quase 60 anos depois, o Decreto nº 60.731 transferiu para o Ministério da Educação os órgãos de ensino profissional agrícola do Ministério da Agricultura, integrando-os ao conjunto de instituições voltadas à educação profissional formadas, até então, por escolas técnicas industriais. A rede de escolas federais passou a totalizar 60 das unidades que iriam, mais tarde, fazer parte dos Institutos Federais. É necessário pontuar que aquele lento processo de expansão das unidades foi interrompido pela promulgação da Lei nº 8.948, de 1994, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira), quando a União foi proibida de criar novas instituições de educação profissional, a não ser que houvesse parceria com outras instituições (Lei nº 8.948, 1994).

No início dos anos 2000, a política implementada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores) representou um divisor de águas na história da educação profissional. Além de ter revertido o papel da União no que diz respeito à oferta da educação profissional (ao dar nova redação ao Art. 3 da Lei nº 8.948/1994, e admitir o protagonismo do Governo Federal na criação de novas unidades), também implementou um processo amplo de expansão e de interiorização por meio dos Institutos Federais. Outro aspecto a ressaltar diz respeito à ruptura com a dualidade urbano rural que fizera parte da estruturação da rede desde a década de 1970: de um lado, escolas técnicas industriais nos grandes centros urbanos; de outro, as escolas técnicas agrícolas no campo. Ao se expandirem para pequenos e médios municípios, incluindo zonas urbanas sem perfil industrial, os Institutos Federais romperam com a dualidade “urbano ou rural”.

Convém pontuar que a construção dos Institutos Federais se deu em um contexto de disputas em torno da hegemonia do campo da educação profissional e tecnológica (Frigotto, Ciavatta & Ramos, 2005). Não é pretensão deste trabalho esmiuçar tais disputas, mas interessa particularmente mapear as perspectivas ao redor do desenvolvimento regional que permearam o debate público e impactaram a formulação das propostas e a tomada de decisão por parte de gestores e legisladores.


A formulação da política pública

A centralidade do desenvolvimento regional endógeno na arquitetura legislativa dos Institutos Federais pode ser recuperada em um conjunto de documentos produzidos a partir de 2004 que culminaram na Lei nº 11.892, de 2008. Esses documentos são sintetizados na Figura 1 e detalhados ao longo desta seção.

Figura 1: Principais documentos que inseriram a preocupação com o desenvolvimento regional endógeno na política federal de educação profissional e tecnológica – Brasil, 2004 a 2008


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Fonte: Elaborado pelos autores.


A Portaria Interministerial nº 200, de agosto de 2004, criou o Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais (APL), cuja atribuição era “[...] elaborar e propor diretrizes gerais para a atuação coordenada do governo no apoio a arranjos produtivos locais em todo o território nacional” (Portaria Interministerial nº 200, 2004). Aquele grupo contou desde o início com a participação do Ministério da Educação.

No ano seguinte, o Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica (Fase 1) manifestava a preocupação com a formação integral dos estudantes. Apontava, timidamente, para uma perspectiva de redução das desigualdades, desenvolvimento sustentável, certo comprometimento com os arranjos produtivos locais e integração com outras políticas voltadas para o desenvolvimento do país. Todavia, o documento deixa explícito que o seu objetivo específico era “[...] implantar Escolas Federais de Formação Profissional e Tecnológica [...] cujos cursos estejam articulados com as potencialidades locais de mercado de trabalho” (Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica, 2005), o que transparece que a perspectiva do desenvolvimento endógeno ainda estava sendo gestada.

A incorporação da pauta do desenvolvimento regional ganhou relevo a partir da realização da Segunda Conferência Brasileira de APLs, ocorrida no segundo semestre de 2005. Organizada pelo Grupo de Trabalho Permanente para APLs, o objetivo principal da conferência era aprimorar as políticas públicas e estimular o desenvolvimento local, definindo como dois de seus eixos estruturantes as questões envolvidas na formação e capacitação dos trabalhadores e na geração de tecnologias e inovações (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia [Inmetro], 2023).

Os primeiros registros da convergência entre a expansão da educação profissional e a perspectiva do desenvolvimento regional remetem à Primeira Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica (realizada em novembro de 2006, em Brasília), precedida pelas Conferências Estaduais (nos 26 estados e no Distrito Federal, entre os meses de maio e junho de 2006). À época, a Primeira Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica contou com a participação de mais de dez mil pessoas, representando redes de ensino (estaduais, municipais, federais e privadas), sindicatos, educadores e estudantes (Ministério da Educação [MEC], 2007). Cerca de 900 delegados participaram da Conferência Nacional, cujo tema geral foi “Educação profissional como estratégia para o desenvolvimento e a inclusão social”. Um dos objetivos definidos pelo regimento da conferência era

“[...] discutir o papel da Educação Profissional e Tecnológica no desenvolvimento nacional e nas políticas de inclusão social, observando as realidades regionais” (MEC, 2007).

A centralidade do desenvolvimento regional na política de educação profissional e tecnológica começou a ganhar institucionalidade com o Decreto nº 6.095, de 24 de abril de 2007, que objetivava estabelecer diretrizes para o processo de integração de instituições federais de educação tecnológica, para fins de constituição dos Institutos Federais. No primeiro parágrafo do Art. 4º, o referido decreto determinou a vocação das novas instituições e o que deveria estar contemplado no Plano de Desenvolvimento Institucional. Dos sete incisos, cinco contemplam tais termos:

  1. ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades, formando e qualificando profissionais para os diversos setores da economia, em estreita articulação com os setores produtivos e a sociedade;


  2. desenvolver a educação profissional e tecnológica, como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais;


  3. orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico no âmbito de atuação do IFET [Instituto Federal];


  4. constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica;


  5. qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino;


  6. oferecer programas de extensão, dando prioridade à divulgação científica; e


  7. estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico (Decreto nº 6.095/2007, grifo nosso).


A Chamada Pública de Propostas para Apoio ao Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica (Fase 2) já incorporou e deu projeção à perspectiva do desenvolvimento regional endógeno. Definiu que um dos critérios para a instalação das novas unidades seria a proximidade aos arranjos produtivos locais instalados e em desenvolvimento. Caberia a elas dar “[...] suporte ao desenvolvimento da atividade produtiva, oportunidades de geração e disseminação de conhecimentos científicos e tecnológicos e estímulo ao desenvolvimento socioeconômico em níveis local e regional” (Chamada pública MEC/SETEC nº 001, 2007, p. 1). O objetivo específico da política pública seria a “[...] conjugação de esforços no sentido de promover o desenvolvimento regional, os arranjos produtivos locais, a responsabilidade social e a interação com os setores produtivos do país” (Chamada pública MEC/SETEC nº 001, 2007, p. 2). Havia ainda toda a preocupação em reduzir as desigualdades regionais, prevendo a “[...] distribuição territorial equilibrada das novas unidades de ensino” e a “[...] cobertura do maior número possível de mesorregiões em cada Unidade da Federação” (Chamada pública MEC/SETEC nº 001, 2007, p. 1).

O compromisso dos Institutos Federais com o desenvolvimento regional fica mais evidente na Exposição de Motivo nº 00118/2008/MP/MEC, encaminhada em 19 de junho de 2008 ao presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Nele, os signatários – o ministro da Educação, Fernando Haddad, e do Planejamento, Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo – submeteram o projeto de lei acerca da criação dos Institutos Federais à apreciação do presidente. O texto justifica a importância das novas instituições a partir do compromisso político assumido pelo chefe do Executivo de implantar escolas técnicas em cidades-polos do país vinculadas às estratégias de desenvolvimento socioeconômico sustentável:

[...] Ao inaugurar seu segundo mandato, Vossa Excelência [presidente da República] assume publicamente o compromisso de implantar uma escola técnica em cada cidade pólo do país, vinculando a oferta pública de educação profissional às estratégias de desenvolvimento socioeconômico sustentável. Neste contexto,

se propõe a implantação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Exposição de Motivo Interministerial nº 00118/2008/MP/MEC, 2008).


O documento do MEC e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão atribuiu um papel estratégico a ser cumprido pelos Institutos Federais em um projeto de desenvolvimento que estaria em curso. Poderiam “[...] dotar o país das condições estruturais necessárias a um desenvolvimento socioeconômico com justiça social, equidade, competitividade econômica e geração de novas tecnologias” (Exposição de Motivo Interministerial nº 00118/2008/MP/MEC, 2008).

Vale apontar que a concepção presente no documento não compreende o desenvolvimento regional como a consequência indireta de uma política educacional a ser implementada pelos Institutos Federais, mas sim como resultado de esforços institucionalizados e conjugados coordenados pelas novas instituições e em consonância com os arranjos produtivos locais:

[...] A conjugação de esforços e de capacidades institucionais propiciará as condições para a consecução dos objetivos traçados para o novo ente, em cuja missão estão destacadas as seguintes ações: ofertar educação profissional e tecnológica, como processo educativo e investigativo, em todos os seus níveis e modalidades, sobretudo de nível médio; orientar a oferta de cursos em sintonia com a consolidação e o fortalecimento dos arranjos produtivos locais; estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo e o cooperativismo (Exposição de Motivo Interministerial nº 00118/2008/MP/MEC, 2008).


A ideia de conjugar esforços e capacidades institucionais visava enfrentar problemas políticos, econômicos, sociais e culturais complexos, que iam muito além do já difícil objetivo do crescimento econômico. É verdade que tal política se inseria em uma dinâmica político-governamental que não se propunha a enfrentar o conflito capital/trabalho, ou seja, não priorizava ações que compreendessem os problemas de desenvolvimento como produtos de processos que se desenrolam, objetivamente, a partir das relações de produção capitalista. Veio do entendimento das questões do desenvolvimento a partir da expansão de liberdades substantivas (Sen, 2010). Assim, a concepção de desenvolvimento que permeou o processo de criação dos Institutos Federais integrou questões políticas, sociais e culturais às econômicas, estabelecidas na perspectiva de remover fontes de privação de liberdade, como a pobreza, a carência de oportunidades econômicas e a negligência dos serviços públicos, mas não a de mudar as relações de produção.


A lei de criação dos Institutos Federais

As preocupações com o desenvolvimento regional foram impressas na Lei nº 11.892/2008 e constam de maneira explícita nas duas seções que abordam, primeiramente, as finalidades e as características e, em seguida, os objetivos dos Institutos Federais. O Art. 6º detalhou em nove incisos tais finalidades e características. Desses, seis mencionam diretamente aspectos que incidem sobre o desenvolvimento regional atrelado ao tripé do ensino, da pesquisa e/ou da extensão (Figura 2).

Figura 2: Recorrência de termos associados ao desenvolvimento regional presentes nas finalidades e características dos Institutos Federais


Tabela  Descrição gerada automaticamente


Fonte: Elaborado pelos autores a partir da Lei nº 11.892/2008.


Com relação ao ensino, o desenvolvimento regional vincula-se, na lei de criação dos Institutos Federais, à atuação profissional (inciso I), à geração e à adaptação de soluções técnicas e tecnológicas (inciso II), aos eixos tecnológicos convergentes com a realidade local (inciso IV) e à formação de professores (inciso VI). Já a transferência de tecnologia (inciso VI), a capacitação pedagógica (inciso VI), o estímulo ao cooperativismo, ao empreendedorismo e à produção cultural (inciso VIII) relacionam a extensão ao desenvolvimento regional. Por fim, a pesquisa denota processos de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas (inciso II), pesquisa aplicada (inciso VIII), de desenvolvimento científico e tecnológico (inciso VIII) e de desenvolvimento de tecnologias sociais (inciso IX).

A perspectiva de desenvolvimento impressa na lei de criação dos Institutos Federais também pode ser lida na chave da abordagem do desenvolvimento sustentável de Sachs (1993), conforme sistematizado no Quadro 1.

Quadro 1: Desenvolvimento regional segundo as dimensões do desenvolvimento sustentável de Ignacy Sachs (e os termos presentes na lei de criação dos Institutos Federais)

 

Dimensão do desenvolvimento sustentável (Sachs, 1993)

Lei nº 11.892/2008 (Brasil)

Inciso

Termos presentes no detalhamento dos objetivos dos Institutos Federais (Art. 6º)

Ambiental

IX

Preservação do meio ambiente

Cultural

VI

Arranjos culturais locais

Desenvolvimento cultural


Econômica

I

Setores da economia

I e IV

Socioeconômico

IV

Arranjos produtivos

VIII

Empreendedorismo

Cooperativismo


Social

II

Demandas sociais

IV

Arranjos sociais locais

I e IV

Socioeconômico

IX

Transferência de tecnologias sociais


Territorial

I

Desenvolvimento [...] local, regional e nacional

II

Peculiaridades regionais

IV

Arranjos [...] locais

 

Fonte: Elaborado pelos autores.


Quanto aos objetivos dos Institutos Federais inscritos em seis incisos do Art. 7º da Lei nº 11.892/2008, três abordam questões relacionadas ao desenvolvimento regional. Remetem à realização de pesquisas aplicadas com seus resultados se estendendo à comunidade (inciso III), ao estímulo a processos que levem à geração de trabalho e renda com vistas a alcançar o desenvolvimento local e regional (inciso V), além da formação de profissionais para atuarem em diferentes setores da economia, na educação básica e/ou no desenvolvimento científico e tecnológico (inciso VI).

Aqui é possível responder algumas das perguntas que orientaram o presente estudo. Qual foi o caráter inovador da política pública, em especial no que se refere aos Institutos Federais? O que estava em curso com o processo de expansão? Nota-se que, com suas variações e peculiaridades, a educação profissional e tecnológica comumente é associada a aspectos como a diminuição do desemprego entre a população jovem, a redução da pobreza, a qualificação de trabalhadores de determinados setores e o crescimento econômico (Wiriadidjaja, Andriasanti & Jane, 2019; Stockmann, 2019). Já a concepção e o desenho institucional dos Institutos Federais avançaram para além dessas questões que tradicionalmente orbitam a educação profissional e tecnológica. Isso porque propôs-se a dar respostas a múltiplas demandas sociais presentes na agenda brasileira, tais como a ampliação da qualidade e da escolaridade média da população (Frigotto, Ciavatta & Ramos, 2005), a redução de desigualdades de gênero e étnico-raciais (Nascimento, Cavalcanti & Ostermann, 2020), o incremento da empregabilidade de jovens e adultos, a formação de professores, a dinamização da produção, da circulação e da fruição de bens e serviços artísticos e culturais, a promoção do cooperativismo e a preservação do meio ambiente (Lei nº 11.892, 2008). Tais questões giraram em torno do que, neste artigo, vem sendo considerado como um dos eixos estruturantes dos Institutos Federais: o desenvolvimento regional.

Neste ponto responde-se à segunda indagação sobre o projeto de desenvolvimento em curso. Considerando que são variados os paradigmas de desenvolvimento regional, cabe sublinhar que a política que deu origem aos Institutos Federais esteve atrelada ao desenvolvimento regional endógeno. Ao privilegiar um enfoque comunitário e sustentável que se organiza, recuperando os termos de Sachs (1993), em torno da dimensão social, cultural, ambiental, territorial e econômica, transcendeu a visão mercadocêntrica de crescimento econômico. Respaldou-se, também, em relações democráticas entre forças de variados campos de ação que, mesmo divergentes, atuam no território: agentes sociais, agentes públicos e agentes econômicos (Fligstein, 2001).


A implementação

Com a promulgação da Lei nº 11.892, em dezembro de 2008, a educação profissional e tecnológica federal ganhou uma estrutura institucional, alcance e capilaridade sem precedentes, além de qualificação técnica e científica para oferecer cursos (técnicos, tecnológicos, de bacharelado e de licenciatura etc.) e desenvolver pesquisas com relevância e aplicabilidade nas comunidades.

Vale enfatizar o destaque dado, no inciso IV do Art. 6º, à finalidade atribuída às novas instituições de consolidar e fortalecer os arranjos produtivos, sociais e culturais locais, “[...] identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do Instituto Federal” (Lei nº 11.892, 2008). Na etapa de criação dos novos campi, o vínculo dos Institutos Federais com os territórios em que se instalaram estabeleceu-se por meio de diálogos institucionais com as organizações locais, fazendo uso, sobretudo, de audiências públicas. Daqueles processos participativos, complementados por pesquisas de diagnóstico, foram elencadas demandas e prioridades

regionais. Tal metodologia articulou os eixos tecnológicos4 prioritários de cada campus com o desenvolvimento regional a partir da interação do ensino, da pesquisa e da extensão com os arranjos produtivos locais (APLs), os arranjos culturais e os demais arranjos sociais, dentre eles os educacionais, nos termos da Lei nº 11.892/2008 (Figura 3).

Figura 3: Fluxo da política pública de criação de um campus do Instituto Federal


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Fonte: Elaborado pelos autores.


Em um arranjo produtivo local, um conjunto de organizações compartilha e desenvolve vantagens coletivas, em decorrência da presença de instituições de apoio (como de educação e inovação), das políticas regionais e setoriais, da estrutura produtiva e da infraestrutura local especializada (Buitelaar, 2000). No caso dos Institutos Federais, é possível inferir que os cursos e os estudantes egressos tivessem aderência às necessidades políticas, econômicas e sociais locais; que as pesquisas (coordenadas por docentes com mestrado e doutorado) fossem aplicadas, prioritariamente, às demandas daquelas comunidades; e que as ações extensionistas democratizassem e popularizassem as tecnologias e os conhecimentos produzidos.

A implementação dessa nova institucionalidade encontrou sustentação política no processo de expansão de novos campi dos Institutos Federais, priorizando, além da articulação com os arranjos produtivos, sociais e culturais locais, a sua interiorização e, consequentemente, a chegada às pequenas e médias cidades brasileiras.

Respondendo por 91,7% das 654 unidades da Rede Federal existentes até 2020, e por 92,9% de

1.507.476 milhão de matrículas (Plataforma Nilo Peçanha, 2021), os Institutos Federais foram desenhados como uma estrutura multicampi, tendo uma reitoria sintetizando a identidade organizacional e uma série de unidades descentralizadas com gestão administrativa e acadêmica próprias, efetivadas por meio de autarquias federais vinculadas ao Ministério da Educação (Neuhold & Pozzer, 2023). Parte dos Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefet) existentes antes do plano de expansão de 2005,


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4 Segundo o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos do Ministério da Educação (n.d.), o eixo tecnológico facilita a organização curricular da educação profissional e tecnológica ao agrupar vários cursos, de acordo com suas características científicas e tecnológicas. Nos Institutos Federais, orienta a oferta de cursos nos diferentes níveis (médio e superior) em cada campus, possibilitando a verticalização. Por exemplo, um campus estruturado sob o eixo tecnológico de Gestão e Negócios pode ofertar um curso técnico integrado com o ensino médio de Administração, um curso tecnológico de nível superior de Processos Gerenciais e uma pós-graduação em Gestão e Negócios. Essa estrutura possibilita que tanto o corpo docente atue em diferentes níveis de ensino quanto os estudantes prossigam seus estudos até a pós-graduação, sem necessidade de migrarem do território.

a maioria localizada nas capitais dos estados brasileiros, transformou-se na sede administrativa dos Institutos Federais. Ao mesmo tempo, foram construídas novas unidades, prioritariamente em cidades do interior ou em regiões periféricas de grandes centros urbanos. Essa, aliás, foi uma das novidades da expansão da Rede Federal: levar a educação profissional e tecnológica para áreas com escassa e/ou precária oferta educativa e interiorizá-la, distribuindo-a de forma relativamente equitativa pelo território (Neuhold & Pozzer, 2023).

Os investimentos na Rede Federal passaram de cerca de dois bilhões de reais, em 2003, para mais de nove bilhões, uma década depois. A partir de 2007, já no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2007 a 2010), a educação profissional e tecnológica se articulou com o projeto desenvolvimentista evidenciado no Plano Plurianual (2007 a 2010), dirigindo a expansão dos novos campi dos Institutos Federais para o interior do país e buscando a redução das desigualdades regionais (Santos, 2015).

Segundo os dados do censo de 2010, os municípios brasileiros com menos de 100 mil habitantes representavam 94,91% da totalidade, absorvendo 86,3 milhões de habitantes em um país com população de cerca de 190 milhões de pessoas. Isso quer dizer que 45,25% da população vivia em municípios de pequeno porte. Em 2002, ano anterior ao início do processo de reorganização da educação profissional e tecnológica federal, os municípios com até 100 mil habitantes possuíam 40,57% das unidades do que se tornaria o Instituto Federal. Já em 2020, após o processo de expansão e interiorização, os pequenos municípios contavam com mais de 55% dos campi, como se pode verificar na Tabela 1.


Tabela 1: Perfil dos municípios (por habitantes) que contavam com campus dos Institutos Federais (2020) e/ou de seus antecessores – Brasil, 2002

Perfil dos municípios

2002


2020



Quantidade

Percentual

Quantidade

Percentual

Até 100 mil habitantes

43

40,57%

327

55,52%

100 a 500 mil habitantes

39

36,79%

199

33,79%

Mais de 500 mil habitantes

24

22,64%

63

10,70%

Fonte: Elaborado pelos autores.


Ao se observar a distribuição territorial dos Institutos Federais fica mais evidente a mudança de prioridade da política de educação profissional e tecnológica a partir de 2003: dos 483 novos campi, mais da metade foi instalada em municípios com menos de 100 mil habitantes, frente a 8% em municípios com mais de 500 mil.


Tabela 2: Criação de novos campi dos Institutos Federais de acordo com o tamanho dos municípios a partir de 2003

Perfil dos municípios

Campi criados a partir de 2003

Até 100 mil

284

58,80%

100 a 500 mil

160

33,13%

Mais de 500 mil

39

8,07%

Total

483

100,00%

Fonte: Elaborado pelos autores.


A mudança no perfil dos municípios atendidos pelos Institutos Federais resultou de uma política governamental concertada e estruturada sob a égide do desenvolvimento regional endógeno. Acenou com a possibilidade de reverter uma lógica histórica em que “[...] os papéis econômicos das pequenas cidades não dizem respeito estritamente aos interesses de seus habitantes. Ao contrário, são espaços capturados, em vários aspectos, por interesses que lhes são alheios” (Endlich, 2009, p. 286). Ou seja, a partir dos arranjos produtivos, sociais e culturais de pequenas localidades, as novas institucionalidades

teriam condições de “[...] extrair e problematizar o conhecido, investigar o não conhecido para poder compreendê-lo e influenciar a trajetória dos destinos de seu lócus” (Pacheco, 2011, p. 21).

Assim, a partir do reconhecimento do potencial desses pequenos municípios e da instalação dos campi dos Institutos Federais constitui-se um novo incentivo para o fortalecimento dos vínculos entre o espaço e seus cidadãos. As novas institucionalidades atuariam para modificar as forças socioeconômicas e político-culturais, revertendo processos que tendem a transformar tais localidades em espaços transitórios. Favoreceriam, dessa maneira, o que Pacheco (2011, p. 21) nomeia como a “[...] sedimentação do sentimento de pertencimento territorial”, subvertendo a “[...] submissão de identidades locais a uma global” e estruturando alternativas para que os egressos dos Institutos Federais, sobretudo os jovens estudantes, não sejam forçados a migrar.

Cabe destacar que, historicamente, o desenvolvimento de inovações técnicas e tecnológicas esteve centrado nas universidades que, por sua vez, também se localizam, no geral, em regiões metropolitanas (Souza, 2019). O olhar para o local, especialmente para os problemas locais, era dificultado pelo próprio distanciamento geográfico em relação aos centros de produção de conhecimento. A capilaridade dos Institutos Federais, em tese, enfrentaria esse desafio. Enquanto instituição erguida sobre o tripé do ensino, da pesquisa e da extensão, focada (como o seu próprio nome indica) na articulação entre a educação, a ciência e a tecnologia, os Institutos Federais teriam a potencialidade de formar profissionais, de diagnosticar problemas e desenvolver inovações científicas, técnicas e tecnológicas capazes de fortalecer arranjos produtivos locais, gerar riqueza e renda (Souza, 2019). Não seriam, portanto, como anteriormente, apenas escolas técnicas federais.

A proeminência política desse projeto foi validada, em 2014, após aprovação da Lei nº 13.005, que instituiu o Plano Nacional de Educação (2014-2024): em sua 11ª meta vislumbrava triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, tendo como primeira estratégia a interiorização dos campi. Tal estratégia reconheceu, ainda, a responsabilidade dos Institutos Federais na ordenação territorial e a importância de suas vinculações com os arranjos produtivos, sociais e culturais locais e regionais. Assim, o Plano Nacional de Educação (2014-2024) explicitou a percepção de que os Institutos Federais deveriam ocupar um papel estratégico em suas regiões: o de terem responsabilidade na ordenação territorial.

Em 2002, o Brasil contava com 5.329 municípios com até 100 mil habitantes. Daqueles municípios, apenas 43 (ou 0,8% do total) possuíam unidades da rede de escolas profissionais federais. Vale enfatizar que muitas daquelas 43 unidades eram escolas agrícolas. Já em 2020, o Brasil computava 5.244 municípios com até 100 mil habitantes, dos quais 327 (6,24% do total) com campi dos Institutos Federais.

No mais, como destaca Souza (2019), a expansão dos Institutos Federais também reforçou a atuação da União no sistema educativo, para além das competências comuns entre os entes federados. Se outrora a educação federal estava presente em algumas escolas técnicas e universidades federais, conheceu grande expansão, tanto por meio dos Institutos Federais quanto por intermédio das próprias universidades, que também vivenciaram, no mesmo período, um processo de interiorização.

Em suma, respondendo à terceira pergunta orientadora deste estudo sobre o perfil de cidades atendidas na expansão da Rede Federal, confirmou-se a hipótese de que se projetou o papel dos Institutos Federais enquanto centralidade potencializadora do desenvolvimento regional de pequenos e médios municípios. Tais municípios, incluindo aqueles sem perfil industrial, foram reconhecidos como espaços com múltiplas realidades que congregam sistemas socioecológicos e tecnológicos em escala, responsáveis pela governança dos diversos estoques de recursos, fluxos e serviços ecossistêmicos nos quais as variadas questões públicas, privadas e comunitárias podem ser resolvidas ou potencializadas (Wolfram & Frantzeskaki, 2016).


Dificuldades e potencialidades

A produção legislativa brasileira sofre, em geral, com carências que resultam em legislação com reduzida qualidade e eficácia, dando respostas, por vezes, inadequadas às demandas que legitimaram o seu surgimento (Urbano, 2014). Usualmente, deixa-se uma série de lacunas para disposições infralegais, assegurando maior flexibilidade e autonomia para as tomadas de decisão dos gestores. Contudo, a Lei nº 11.892/2008 contrariou tal prática e detalhou as diversas vertentes que a política buscou incidir. Essa característica da lei permite uma avaliação pormenorizada dos resultados alcançados, na medida em que estabelece, de antemão, dois parâmetros analíticos para o monitoramento da política pública: as finalidades e características (definida no Art. 6º) e os objetivos (fixados no Art. 7º) dos Institutos Federais.

Por um lado, a intersetorialidade da política driblou a cultura bacharelesca e o desprestígio que, em geral, a educação profissional ocupa no país. Também superou a falsa dicotomia entre educação básica e educação técnica, não se pautando por necessidades imediatas do mercado. No mais, ampliou a capilaridade para os pequenos municípios, sendo que 58,80% dos novos campi foram instalados em localidades com menos de 100 mil habitantes. Por outro lado, houve dificuldades na implementação da política, entre as quais a disparidade entre a situação legal e a situação real oriunda de lacunas no processo de constituição dos Institutos Federais. Sem sustentação real para embasar a prática efetiva dos campi, os Institutos Federais passaram a atuar de forma distorcida (Costa & Marinho, 2018) ou aquém de suas potencialidades, realizando parcialmente seus objetivos.

Convém sublinhar que, apesar de os Institutos Federais serem uma instituição relativamente nova, fundada em dezembro de 2008, está atrelada a uma série de organizações preexistentes, em alguns casos instituições centenárias. Se esse desenho organizacional deu agilidade à implementação da política, reduziu custos e aproveitou certo prestígio e legitimidade de antigas instituições perante suas comunidades. Também submeteu-a a certa resistência, o que dificultou a criação e o desenvolvimento de uma cultura organizacional comprometida, desde o início, com os ideais e os valores planejados. Esse problema foi reforçado pelo fato de as antigas estruturas terem sido transformadas nos órgãos centrais de gestão, principalmente suas reitorias (Frigotto, 2018).

Em estudo sobre a perspectiva de gestores de unidades do Instituto Federal do Rio de Janeiro a respeito do compromisso da instituição com o desenvolvimento regional, Souza (2019) entrevistou, em 2016, 11 gestores (diretores gerais e, na ausência deles, diretores de ensino de cada campus). Conforme sugerido pelo autor, os diretores gerais possuem papel de destaque, visto que “[...] são a interface mais importante entre a realidade e as demandas localmente existentes e o conjunto da instituição, em especial em relação ao alto escalão representado pela reitoria e os grupos de decisão da instituição” (Souza, 2019, p. 3). O estudo apontou que havia unanimidade, entre os gestores, quanto à relevância do campus para o desenvolvimento local. Porém, a leitura dos fragmentos selecionados pelo autor para traduzir essa percepção evidenciam que a visão sobre o desenvolvimento regional praticamente restringia-se à oferta formativa associada às demandas do território: oito anos depois de criados os Institutos Federais não havia, ainda, uma reflexão aprofundada sobre a relevância da instituição no desenvolvimento de inovações científicas, técnicas e tecnológicas em consonância com os desafios locais e regionais, mesmo por parte dos diretores gerais. Nesse sentido, a pesquisa e a extensão ocupariam posição marginal, sendo vistas, no máximo, como um desdobramento e não como atividades acadêmico-científicas que reconhecessem seu papel enquanto vetor de desenvolvimento regional.

Tais dificuldades culturais não se restringem à herança das antigas instituições. Perpassam outras duas questões, talvez ainda mais arraigadas, que se relacionam com a cultura escolar-acadêmica dos professores e demais servidores públicos envolvidos na implementação da política. A primeira reporta à centralidade do ensino médio integrado aos cursos técnicos: quando praticada de maneira apartada dos campos de força apontados por Bourdieu (Fligstein, 2001) e, portanto, da preocupação com o desenvolvimento regional, limita a percepção acerca das novas instituições a escolas de ensino médio de excelente qualidade, que reconhecem no ingresso dos seus estudantes em outras instituições de ensino superior, geralmente localizadas nos grandes centros urbanos (ou até mesmo em outros países), o alcance de seus objetivos institucionais. Abrem mão, assim, de refletir acerca do papel da educação profissional

e tecnológica ofertada nos Institutos Federais no fortalecimento do vínculo dos egressos com o território e de seu protagonismo nos processos que levam ao desenvolvimento regional.

A segunda questão está relacionada às práticas extensionistas e às pesquisas: para avançarem no cumprimento da função social dos Institutos Federais, requerem comprometimento com as demandas comunitárias, o que não ocorre, efetivamente, em ações voluntaristas, dispersas, descontinuadas ou departamentalizadas. O que se tem observado é uma baixa relação entre os arranjos produtivos, sociais e culturais locais e os projetos de pesquisa e extensão, bem como com os poderes públicos locais, parceiros, em geral, de ações pontuais (Marinho & Costa, 2013).

Convém, aqui, recuperar mais uma das perguntas orientadoras deste estudo: em que medida a proposta inscrita na lei de criação dos Institutos Federais traduziu-se em ações e resultados? Apesar das centenas de novas unidades, os órgãos centrais de gestão, ou seja, as reitorias, ficaram atrelados àquelas antigas instituições que construíram sua história como escolas técnicas industriais ou agrícolas. Seguiram, portanto, focados no projeto de outrora, incorporando, timidamente, a missão de articular educação, ciência e tecnologia ao desenvolvimento regional. Os esforços institucionais mantiveram-se canalizados na formação, prioritariamente, de estudantes do ensino médio integrado com o técnico. Ao mesmo tempo, relegaram os demais níveis de ensino, a formação de professores, a pesquisa e a extensão, bem como o envolvimento com o território a iniciativas marginais.

Nesse sentido, retoma-se a necessidade de constituição de novas estruturas (Nabatchi, Sancino & Sicilia, 2017), introduzindo novos processos de gestão respaldados em uma governança democrática. Recuperando a análise de Abramovay (2011) sobre a criação de conselhos de desenvolvimento, cabe avaliar a relevância de diferentes atores políticos, econômicos e sociais do território estarem representados e interagirem institucional e democraticamente com os campi. Constituiriam, assim, espaços orgânicos e de governança que auxiliariam no desenvolvimento de diagnósticos, na definição de estratégias e de prioridades para fomentar o desenvolvimento regional e o efetivo controle social.

Nota-se que o êxito institucional costuma estar associado, primordialmente, a padrões e sistemas dinâmicos de engajamento cívico, com cidadãos atuantes e orientados pelo espírito público, mantendo relações políticas igualitárias e estruturas sociais firmadas em relações de confiança e colaboração (Putnam, 2006). Esses espaços de governança também constituem ambientes educadores, nos quais os participantes se formam, desenvolvendo suas naturezas cívicas e seu senso de pertencimento àquela comunidade. Portanto, nada têm a ver com estruturas pautadas por relações políticas verticalmente estruturadas, dinâmicas sociais fragmentadas e caracterizadas pelo isolamento. Tais espaços de governança poderiam assumir o espírito do que Eliezer Pacheco (2011, p. 14) denominou “[...] observatórios de políticas públicas, tornando-as objeto de sua intervenção através das ações de ensino, pesquisa e extensão articuladas com as forças sociais da região”.

Por fim, outro aspecto central para a implementação dos Institutos Federais diz respeito à realização de diagnósticos fidedignos da região em que os campi estão instalados. Esse quesito relaciona-se diretamente com a contratação dos professores: atrelada aos eixos tecnológicos e às licenciaturas ofertadas em cada campus, a formação do quadro de servidores que irá atuar não apenas no ensino, mas também na pesquisa e na extensão, demanda consonância entre os recursos humanos e as demandas comunitárias efetivas. Pacheco (2011) denominou tal perspectiva como um dos “fundamentos da proposta político pedagógica dos Institutos Federais”, conforme transcrito a seguir:

[...] A estrutura multicampi e a clara definição do território de abrangência das ações dos Institutos Federais afirmam, na missão dessas instituições, o compromisso de intervenção em suas respectivas regiões, identificando problemas e criando soluções técnicas e tecnológicas para o desenvolvimento sustentável com inclusão social. Na busca de sintonia com as potencialidades de desenvolvimento regional, os cursos nas novas unidades deverão ser definidos por meio de audiências públicas e da escuta às representações da sociedade (Pacheco, 2011, p. 14).


Vale apontar que a realização desses diagnósticos não se restringe ao momento de implantação de um

campus. Uma vez que a vida comunitária é dinâmica, a configuração da região tende a mudar com o

passar do tempo, inclusive pela própria atuação dos Institutos Federais, que auxiliam na resolução dos problemas. Assim, tais análises territoriais não se encerram no momento de instalação de um campus: “[...] o monitoramento permanente do perfil socioeconômico-político-cultural de sua região de abrangência é de suma importância” (Pacheco, 2011, p. 22) e poderia ser coordenado pelos espaços de governança institucionalizados, em que diferentes setores da comunidade estejam representados.

Sem uma análise rigorosa e participativa que considere os arranjos produtivos, sociais e culturais locais, os diversos atores políticos, sociais e econômicos que atuam na região, a presença dos ativos regionais e as instituições e institucionalidades que compõem o território, incorre-se no risco de contratar servidores públicos sem a formação demandada. Por exemplo, realiza-se um concurso público para contratar professores de Engenharia Civil e, no momento da implementação do campus, o eixo tecnológico de infraestrutura não se concretiza ou rapidamente se torna obsoleto; os professores seguirão atrelados ao campus sem haver espaço para sua atuação.


Considerações finais

A formulação e a implementação da política pública que deu origem aos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia ancoraram-se no paradigma do desenvolvimento regional endógeno. A partir desse prisma, o território e suas potencialidades originais foram compreendidos como ativos catalisadores de processos que gerariam desenvolvimento por meio do protagonismo de atores políticos, econômicos e sociais locais. Caberia aos campi dos Institutos Federais o papel de agentes dinamizadores dos processos, por meio de vivências orgânicas junto às comunidades. Com isso, a busca pelo desenvolvimento deixaria de se dar apenas pela capacidade do território em atrair atividades econômicas dinâmicas e exógenas, como tradicionalmente se pensou o desenvolvimento. Também se concretizaria por meio da educação profissional entendida de forma alargada e vinculada ao desenvolvimento de inovações científicas, técnicas e tecnológicas.

Essa perspectiva, a partir da interiorização dos novos campi dos Institutos Federais, representou uma alteração histórica na política federal de educação profissional e tecnológica, centrada por décadas nas grandes cidades (predominantemente na forma do ensino técnico industrial) ou no campo (na modalidade do ensino técnico agrícola). A partir de 2003, o Governo Federal passou a reconhecer e a priorizar as dinâmicas socioespaciais das pequenas cidades e o potencial em se estabelecerem como vetores do desenvolvimento regional, por meio dos cursos ofertados e das atividades de pesquisa e de extensão. Por isso, as novas unidades dos Institutos Federais deixaram de estar localizadas, prioritariamente, em grandes e médias cidades, figurando, em sua maioria, nos municípios com menos de 100 mil habitantes.

Não é exagero afirmar que os Institutos Federais representam uma política educacional complexa e sofisticada. O seu potencial de impactar positivamente o desenvolvimento regional é incontestável, uma vez que parte significativa das condições para tanto estão estabelecidas. Exemplo disso reside: na existência de uma legislação robusta, com finalidades e objetivos transparentes; em um corpo de servidores públicos altamente qualificado, atuando como docentes ou técnicos; e infraestrutura que, embora careça de ajustes e/ou ampliações, possui consistência e capilaridade territorial.

No entanto, os desafios postos foram ambiciosos e sujeitos a fragilidades, como são os casos da ausência de uma cultura organizacional que compreenda e esteja comprometida com as finalidades e os objetivos dos Institutos Federais; da precariedade dos diagnósticos e análises das regiões em que os campi estão inseridos; e da carência de espaços institucionalizados efetivos em que a interação social do campus com o restante da comunidade ocorra de forma reflexiva para pautar suas práticas pelos interesses públicos e não sirva para tratar exclusivamente de questões administrativas da instituição.

Assim, para equacionar as discrepâncias entre os aspectos reais e os aspectos legais e constituir uma nova cultura organizacional, os campi dos Institutos Federais precisam avançar na integração com os territórios, passando a fazer parte, efetivamente, de seus tecidos orgânicos. Dessa forma, as atividades

acadêmico-científicas estariam mais abertas a serem influenciadas e a influenciarem, de maneira dialética, as dimensões políticas, econômicas, culturais, sociais e ambientais de suas regiões.


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