https://doi.org/10.34024/prometeica.2022.Especial.13471


ENTRELAÇANDO DESIGN E FICÇÃO CIENTÍFICA1

O CASO DE DALEKO


RE-ENTANGLING DESIGN AND SCIENCE FICTION

The case of Daleko


ENTRELAZANDO DISEÑO Y CIENCIA FICCIÓN

El caso de Daleko


Eduardo Harry Luersen2

(Universidade do Vale do Rio dos Sinos)

edluersen@gmail.com


Recibido: 03/02/2022

Aprobado: 20/07/2022


RESUMO

O artigo discute como o chamado design especulativo pode ser vinculado à extrapolação tecnocientífica, uma importante característica do gênero da ficção científica, para cotejar e prototipar cenários potenciais e modelos imaginados, porém viáveis, de futuro. O trabalho sublinha importantes nuances entre diferentes abordagens ao design especulativo, considerando a especificidade de seus pressupostos epistemológicos. A discussão é entremeada por um estudo de caso: Daleko (2020), um projeto desenvolvido no programa Terraforming, do Strelka Institute. Este projeto consiste em um conjunto de nove fábulas de ficção científica aproximando os temas da gestão de resíduos, infraestrutura tecnológica e governança ambiental. Os contos discutem a concepção problemática do lixo como uma forma de exterioridade, ao mesmo tempo em que imaginam possíveis alternativas futuras para a gestão de resíduos a partir de uma perspectiva tecnopolítica mais abrangente. Após analisar a abordagem de Daleko, o artigo discute as implicações do design especulativo em contextos educacionais, como um modo de estimular designers em formação e pesquisadores oriundos de outras disciplinas a questionar como as práticas de suas áreas podem ser relacionadas ao impacto antropogênico no ambiente, de modo mais abrangente, e qual o seu


1 Artigo publicado originalmente em inglês na edição IJFMA vol. 6 Nº 1(2021) The Fiction that Exploded: Speculative ways of digging into Design: https://revistas.ulusofona.pt/index.php/ijfma/article/view/7387. A Revista Prometeica publica a versão em português com autorização da equipe editorial do International Journal Film and Media Arts. A IJFMA é uma revista de acesso aberto financiada pelo Departamento de cinema e Artes dos Media da Universidade Lusófona (Portugal). A revista está indexada na base de dados da Scopus desde 2020.

2 Pesquisador, designer e músico. Pesquisador membro do Zukunftskolleg, Universidade de Konstanz, afiliado ao Departamento de Literatura, Arte e Mídias da mesma instituição. Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e bacharel em Design Gráfico pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Bolsista CNPq e Capes/DAAD. https://orcid.org/0000-0002- 8517-0206. Financiado pelo Ministério Federal de Educação e Pesquisa (BMBF) e pelo Ministério da Ciência de Baden-Württemberg como parte da Estratégia de Excelência dos Governos Federal e Estaduais alemães.

papel no planejamento de infraestruturas tecnológicas mais viáveis para o ambiente natural e a biodiversidade atual.

Palavras-chave: design especulativo. ficção científica. gestão de resíduos. impacto antropogênico. ensino de design. design e geografia política.


ABSTRACT

The present article discusses how speculative design relates to technoscientific extrapolation, an important science fiction feature, to plan for potential scenarios and prototype viable models of futurity. Through it, the paper outlines some important nuances between different approaches concerning speculative design’s role, considering their particular epistemological assumptions. A specific case is presented and discussed: Daleko (2020), a project developed for the Strelka Institute’s Terraforming program. This project consists of nine science fiction pieces that entangle issues of waste management, technical infrastructure, and climate politics, discussing the problematic conception of waste as a form of externality and imagining future scenarios for managing it through a more holistic perspective. By analysing Daleko’s approach to speculative design, in its final section the article suggests further developing speculative projects in contexts of design education. This would serve towards stimulating designers and researchers from other fields to ponder how their craft relates to anthropogenic impact and how they can play a decisive role in prospecting more viable infrastructures for future scenarios.


Keywords: speculative design. science fiction. waste management. anthropogenic climate change. design education; design and political geography.


RESUMEN

El artículo analiza cómo el llamado diseño especulativo puede vincularse a la extrapolación tecnocientífica, una característica importante del género de la ciencia ficción, para cotejar y prototipar posibles escenarios y modelos imaginados pero factibles del futuro. El ensayo destaca importantes matices entre los distintos enfoques del diseño especulativo, teniendo en cuenta la especificidad de sus premisas epistemológicas. El debate se intercala con un estudio de caso: Daleko (2020), un proyecto desarrollado dentro del programa Terraformación del Instituto Strelka. Este proyecto consiste en un conjunto de nueve fábulas de ciencia ficción que reúnen los temas de la gestión de residuos, la infraestructura tecnológica y la gobernanza medioambiental. Los cuentos discuten la concepción problemática de la basura como una forma de externalidad, al tiempo que imaginan posibles alternativas futuras para la gestión de los residuos desde una perspectiva tecnopolítica más amplia. Tras el análisis de Daleko, el artículo discute las implicaciones del diseño especulativo en contextos educativos, como forma de estimular a los diseñadores en formación a cuestionar cómo las prácticas del campo pueden relacionarse con el impacto antropogénico en el medioambiente de forma más amplia, y cuál es su papel en el diseño de infraestructuras tecnológicas más viables para el medioambiente y la biodiversidad actuales.


Palabras clave: diseño especulativo. la ciencia ficción. gestión de residuos. impacto antropogénico. educación para el diseño. diseño y geografía política.


Introdução


De acordo com Isabelle Stengers (2014), as obras de ficção científica podem ser definidas como mitologias contemporâneas. Além de serem catalisadores para a imaginação de milhares de leitores, as

fábulas de ficção científica são também experimentos mentais inventivos e que se debruçam sobre as práticas, demandando a imaginação de cenários vindouros como resultados potenciais de uma dada hipótese.


A ficção científica sempre tratou ciência e tecnologia como matéria-prima para a fabulação (Shaw, 2008), aspecto que é particularmente significativo na ficção contemporânea quando pensamos na crescente penetração das técnicas de simulação e modelagem computacional na sociedade ao longo das últimas décadas (Pias, 2011). Ao mesmo tempo, a ciência de dados, a modelagem estatística em tempo real e a previsão de cenários também permitem que estabeleçamos modelos de conhecimento sobre o porvir a partir de fenômenos e estados em evolução, que podem ajudar na avaliação e prevenção de problemas cotidianos, sobretudo se houver articulação, coordenação e organização política. É o caso de projetos da chamada Ciência do Sistema Terra e das projeções epidemiológicas que nos mostram a evolução de diferentes cenários ligados, respectivamente, às mudanças climáticas e à Covid-19 – ainda que, infelizmente, salte aos olhos o enorme descompasso entre o que indicam os modelos e as tomadas de decisões políticas em boa parte do planeta. Sob circunstâncias tão sombrias, entretanto, a ficção científica encontra um renovado entusiasmo pelas projeções e extrapolações de grandes proporções.


Neste sentido, o design especulativo (Dunne e Raby, 2013) também pode ter um papel importante a desempenhar. Enquanto um método do design para sondar as possibilidades virtuais, dormentes ou inexploradas da ciência e tecnologia contemporâneas, o design especulativo opera sob a linha tênue entre o possível e o improvável, o aceitável e o incomensurável, o curto e o longo prazo – tal como a ficção científica. Além disso, assim como os contos sci-fi mais convincentes, os projetos de design especulativo tendem a ser mais vibrantes quando seus programas consideram em profundidade os contextos políticos, econômicos e sociais (Peloušková, 2020).


Neste artigo, exploro as interseções e disjunções entre design especulativo, ficção e ciência e tecnologia a partir da análise de um projeto de design específico desenvolvido no programa Terraforming do Instituto Strelka de Arquitetura, Mídias e Design. Daleko (2020) é um projeto que repensa o conceito de lixo, demandando modos alternativos e viáveis para lidar com a gestão de resíduos. Daleko questiona a narrativa habitual que perpetua o lixo enquanto uma forma de externalidade, reconsiderando sua inevitável duração nos tempos profundos do metabolismo planetário. O projeto compreende nove contos curtos de ficção científica, situados tanto em contextos rurais quanto urbanos, interligados em termos de enredo em função de sua futuridade partilhada.


Descrevendo Daleko, é difícil não se lembrar de trechos do livro Fragmento de História Futura (2013), escrito em 1896 por Gabriel Tarde, em que a ficção científica se enreda com o ensaio filosófico- antropológico no olhar de um observador do futuro que descreve a Terra em retrospecto diante da extinção do Sol. Operando em um campo distinto, contudo, o design especulativo não deve se ocupar somente de imaginar as condições futuras da sociedade e da vida humana, mas também o próprio campo do design e as suas potencialidades à luz das implicações geológicas e geopolíticas das mudanças climáticas e do Antropoceno. Em razão disso, no final do artigo descrevo como o design especulativo pode ter um importante papel em contextos educacionais. Argumento que ele pode ser uma ferramenta pedagógica significativa para encorajar estudantes de design e pesquisadores de outras áreas a posicionarem as implicações e os objetivos de seus projetos na perspectiva e escala de um tempo mais profundo (Parreno, 2020), em sintonia com algumas das crises mais urgentes de nosso tempo, de caráter ambiental.


Formas especulativas de pensar o design

Ainda que este artigo não ambicione prover uma descrição exaustiva das diversas abordagens ao design especulativo e ao design fiction , é importante iniciar apresentando algumas linhas gerais de diferentes perspectivas sobre estes conceitos, para compreender melhor de que forma elas se relacionam com aspirações da ficção científica.

O rápido crescimento da literatura sobre design fiction dá mostras das diferentes interpretações, ideologias e objetivos que cercam o conceito (Markussen e Knutz, 2013). A definição seminal de Bruce Sterling (2012, s.p.) descreve design fiction como “o uso deliberado de protótipos diegéticos para suspender a descrença sobre a transformação” (Sterling, 2012: s.p.), definição amplamente repetida e que é capaz de abrigar satisfatoriamente diferentes vertentes conceituais. As linhas que se seguem a esta definição principal, entretanto, são objeto de maior controvérsia entre diferentes abordagens ao design especulativo. De acordo com Sterling, o uso de protótipos diegéticos implica em “pensar muito seriamente sobre os objetos e serviços em potencial, e focar neles em vez de pensar em mundos inteiros, tendências políticas ou estratégias geopolíticas. Não é um tipo de ficção, mas de design. Eles devem narrar mundos em vez de histórias” (Sterling, 2012: s.p.).


Ainda que seja ponto pacífico que a prototipagem de objetos e serviços diegéticos ocupe boa parte das iniciativas voltadas a ficcionalizar o design, o desenvolvimento de histórias de fundo – mesmo (e, talvez, especialmente) quando se tratam de contextos e situação controversas e radicalmente não-familiares – pode prover insights significativos para a concepção e materialidade dos projetos ficcionais. Na medida em que produtos e serviços são alvos fáceis para a fetichização, a imaginação de contextos e narrativas substanciais de fundo tendem a adensar as potenciais implicações dos projetos, mesmo quando a ficcionalização se volta a um produto ou serviço.


Além disso, há correntes do design fiction que buscam fundir design e técnicas narrativas voluntariamente, investindo no potencial fabulador dos protótipos diegéticos através de produção audiovisual, por exemplo. O designer Julian Bleecker (2009) tem defendido esta perspectiva há anos. Para ele, o desenvolvimento de protótipos diegéticos pressupõe converter as criações especulativas em experiências tangíveis, e o audiovisual permite imaginar situações particulares e valores sociopolíticos associados ao entorno dos artefatos e dispositivos, além de prover-lhes com uma imagem própria. Neste sentido, a interseção entre design fiction e dramaturgia é interessante por promover a imaginação de situações mundanas e cotidianas, para além dos fins mais imediatos associados ao protótipo.


Excetuando a escolha mais óbvia pela realização audiovisual, Bleecker (2017) também sugere realizar os protótipos diegéticos em outros suportes, tais como manuais de montagem, guias instrucionais, ou catálogos de produtos. Poderíamos ainda adicionar modelos de gamificação, patentes de produtos, ou documentários falsos a esta lista. Há também protótipos no formato de “ficções acidentais” (Dunne e Raby, 2013: 89), tais como invenções defeituosas ou rejeitadas. É válido lembrar aqui, por exemplo, do artigo que Thomas Edison (1878) escreveu para a North American Review um ano após registrar a patente do fonógrafo. Nele, Edison sugere uma série de usos futuros para o aparato, tais como exercícios de ditar, a audiodescrição de cartas, a preservação de idiomas, além da elaboração de produtos derivados como relógios sonoros, livros fonográficos e brinquedos musicais (Luersen, 2014). Além da reprodução fonomecânica ter atingido a larga-escala durante século XX, enquanto um meio para entretenimento doméstico, outras aplicações imaginadas por Edison na época hoje se fundem com tecnologias contemporâneas.


No contexto cotidiano por vir, os produtos e serviços e especulativos naturalmente podem não funcionar efetivamente da maneira como foram imaginados quando prototipados pelos designers. Pensando nisso, alguns designers procuram incorporar erros e problemas de funcionamento como parte integral dos projetos de design fiction. Neste caso, não se trata apenas de tornar o projeto mais tangível diegeticamente, mas também de explorar aspectos e funções não diegéticas dos projetos. Este tipo de experiência comparece, por exemplo, em projetos como o curta-metragem A Digital Tomorrow (2012), do Near Future Laboratory, em que uma interface de reconhecimento facial falha quando o usuário passa a utilizar uma maquiagem menos usual.


O potencial para produzir implementações práticas a partir destes projetos é outro motivo de controvérsia entre as diferentes abordagens ao design especulativo, que operam com intenções ora mais idealistas, ora mais pragmáticas. De acordo com o programa de Anthony Dunne e Fiona Raby (2013) para o design especulativo, os projetos não devem necessariamente se preocupar em prover soluções realizáveis. Em

vez disso, devem preocupar-se em sondar novas perspectivas, correspondentes a diferentes valores, crenças, desejos e ideais individuais ou sociais. Em seu entendimento, as formas especulativas de projetar devem “enfatizar a imaginação acima da praticidade, e realizar perguntas em vez de prover respostas. O valor do projeto não está naquilo que ele alcança ou realiza, mas no que ele é e em como é capaz de mobilizar os sentimentos dos indivíduos (Dunne e Raby, 2013: 189). Tal descrição subscreve a ênfase nas dimensões emocionais e afetivas do design, sobretudo na concepção de artefatos para exposições (o que também é possível de perceber pelo uso frequente dos termos “espectador” e “audiência” em sua abordagem). Os objetos, preparados para a sua apresentação em galerias, escolas e museus, devem primeiramente estimular a imaginação do público, inspirando os sujeitos a criarem os seus próprios modelos de realidades alternativas. Ao afirmarem que os projetos de design especulativo não precisam se comprometer com soluções ou “melhorias”, e que os designers deveriam suspender estes juízos temporariamente porque “o público é capaz de decidir por conta própria” (Dunne e Raby, 2013: 189), os autores se alinham perfeitamente a um paradigma da arte conceitual contemporânea. Dunne e Raby argumentam a favor da elaboração de modelos críticos a serem experimentados pelo público, entendido aqui enquanto partícipe que interpreta abertamente o sentido da obra idealizada.


Ainda que esta abertura em relação ao significado dos projetos, assim como o estímulo a avaliar mais criticamente o design cotidiano, sejam sem dúvida importantes ao aprendizado, à imaginação e à reflexão sobre o design, é importante também observarmos como esta perspectiva se relaciona e se difere de outras abordagens ao design especulativo. Se acreditarmos que “as propostas do design especulativo não se referem ao real”, pois “tratam-se de ficções físicas, pontos de partida para imaginações sofisticadas que nunca ambicionam ao “real”, nem buscam refletir a realidade” (Dunne e Raby, 2013: 92), então a possibilidade de que os projetos especulativos incorporem e proponham intervenções materiais mais duráveis se torna radicalmente diminuta. Ainda que valorize o modo como a experiência estética estimula a consciência crítica e o questionamento de nossas relações cotidianas com o design, entendo que os projetos de design especulativo, por outro lado, não devem se ocupar necessariamente apenas com a produção de experiências e representações idealizadas que visem a conscientização individual. Neste sentido, é importante também ressaltar aquilo que os projetos podem alcançar quando abertamente comprometidos com a tarefa de ultrapassar esta divisão através da adoção de uma imaginação científica, política e técnica mais rigorosa em seus briefings. Com isso, não estou propondo que se dê vazão a um realismo ingênuo, mas que se considere mais atentamente como os modelos que criamos enquanto designers se entrelaçam com um aspecto material mais complexo. Ao imaginar as questões epistêmicas que constituem uma dada realidade prospectiva – com o conjunto heterogêneo de pressupostos, regulações, saberes científicos, valores morais, práticas organizacionais e discursos que a constituem – um designer pode nutrir seus projetos com planos não só imaginativos, como também mais viáveis. Por esta via, a prospecção especulativa pode ter um papel muito importante, que vai além da experiência fenomenológica de um sujeito com novos protótipos ideais. Os modelos imaginativos também podem basear-se na expectativa de realidades vindouras, ainda que consideremos seu caráter incondicionalmente aberto, como procuro demonstrar mais adiante a partir do projeto Daleko.


Novamente, isto não significa imbuir o modelo especulativo em um sentido ingênuo de realismo. Por isso mesmo, é importante assinalar que há perspectivas sobre o design especulativo que não se contentariam com a experiência e a celebração de projetos com apenas “um desejo brando de se realizarem” (Dunne e Raby, 2013: 89). Abordagens complexas do design especulativo também não se norteariam pela noção mais ingênua (e apelativa) de “previsão futura”, bastante recorrente no senso comum quando se fala em ficções científicas. Este seria um objetivo muito restritivo para os projetos de design especulativo, com a proposição de relações muito lineares de causa e efeito ao imaginar o espaço entre o agora e o provir. Em vez disso tudo, meu argumento a favor de um engajamento do design especulativo com algum grau de pragmatismo aponta para um movimento no sentido oposto: imaginar os parâmetros de realidades potenciais em seu futuro fatalmente abstrato, de modo a prover projetos eficientes, que possam ser trabalhados desde lá, do futuro imaginado, até as condições materiais do presente. Isso, por si só, sugere um método capaz de envolver os designers com o desenvolvimento de práticas de design mais duráveis, sustentáveis, substanciais, e ainda assim imaginativas.

Uma abordagem decididamente imbuída em certo grau de pragmatismo favorece a sondagem de cenários de articulação conjectural entre o design e políticas, padrões, regulações, dentre outras forças organizacionais da sociedade, em formatos atuais e potenciais, sem abrir mão de operar especulativamente – produzindo assim um modelo hipotético, mas ainda à parte do senso comum. Ainda que esta afirmação seja controversa, entendo que tal perspectiva pode ser particularmente promissora para o design especulativo, sobretudo considerando as questões e dilemas que envolvem os processos antrópicos no atual estágio da vida biogeoquímica na Terra. A definição do Antropoceno enquanto uma nova era geológica se relaciona diretamente com o impacto da espécie humana e de nossa capacidade industrial no planeta, incluindo aí as “diversas violações da vida ambiental e humana a partir de práticas corporativas e da cultura tecnológica, que ameaçam as próprias condições de existência humana no porvir” (Parikka, 2014: 6). O impacto antropogênico dos últimos séculos culminou na alteração do ciclo dos períodos interglaciais e das eras do gelo, algo que imaginava-se ser possível apenas com a mudança do eixo de rotação da Terra3 (Archer, 2009). Para conceber um fenômeno desta dimensão, em que escalas temporais e espaciais excedem em muito a nossa percepção subjetiva, uma abordagem ao design especulativo que seja capaz de equilibrar abstração tecnocientífica radical e imaginação de conformações materiais vindouras é muito bem-vinda, senão necessária.


Uma iniciativa proeminente que procura entrelaçar a produção de conhecimento tecnocientífico e questões relativas ao Antropoceno com o design especulativo, construindo a sua própria perspectiva sobre o tema, é o programa Terraforming, do Instituto Strelka4. Terraformação é um termo usado mais frequentemente em histórias de ficção científica e em contextos de comunicação científica, que se refere ao processo hipotético de modificação da topografia e das condições atmosféricas de outros planetas e corpos celestiais para tornar seus ecossistemas habitáveis para as formas de vida terrestres. O programa do Instituto Strelka, porém, refere-se à ideia de terraformação do próprio planeta Terra. Refletindo a perspectiva do coordenador do programa, Banjamin Bratton (2019), alude-se tanto à terraformação que ocorreu na Terra ao longo do último milênio, quanto à terraformação que deve ser planejada de agora em diante, como uma iniciativa planetária de design para prevenir desastres vindouros de larga-escala. Tal programa enfatiza que um plano para atenuar os efeitos da mudança climática de origem antropogênica deve se ocupar de uma resposta decididamente antropogênica, reconciliando a ação humana com a artificialidade através de análises e intervenções projetuais. Portanto, não é uma questão de se agir contra o Antropoceno, na medida em que trata-se da mais atual era geológica na história do planeta, mas de planejar a infraestrutura necessária para viver diante de tal realidade.


Se, durante a maior parte do século XX, “o futuro” tomou a forma de uma inspiração, algo a ser alcançado, agora que a computação em escala planetária provê cenários tecnicamente mensuráveis e prevê catástrofes climáticas globais mais recorrentes a partir deste século, o futuro se torna algo a ser prevenido, senão evitado. Neste sentido, a principal tarefa que o programa Terraforming designa ao design especulativo é planejar como um futuro previsto pode ser evitado, para que, com sorte, um futuro diferente possa surgir: que seja alcançado em função daquilo que foi evitado (Bratton, 2019: 38). Sob este conjunto de princípios, a pesquisa em design conduzida no instituto investe muita energia em imaginar infraestruturas de governança que sejam capazes de operar em escalas temporais muito mais profundas do que aquelas que motivam nossos impulsos e necessidades cotidianas mais subjetivas.


3 A espécie humana tem interagido artificialmente com o meio ambiente desde o surgimento do sapiens, há cerca de 300.000 anos. Porém, antes do fim da última era glacial, há 12.000 anos, as populações humanas eram comparativamente muito menores, tendo estado próximas da extinção por diversas vezes (Veiga, 2014). A espécie só se estabilizou com o assentamento dos povos nômades, quando a agricultura foi inventada. Embora haja muito debate a respeito do início exato da era do Antropoceno, para o propósito deste ensaio considero o período mais recente de aumento significativo do impacto antropogênico sobre os ecossistemas terrestres, a partir de meados do século XX. Este período corresponde ao ritmo acelerado do consumo de energia e das emissões de gases de efeito estufa, e às demandas de recursos necessárias para manter a infraestrutura e as operações logísticas predominantes diante da globalização. Sem desmerecer sua evidente dimensão moral (Chakrabarty, 2018), o Antropoceno se estende para além de suas dimensões históricas e filosóficas, como uma mudança de paradigma definida cronostratigraficamente, uma mudança demarcada no registro geológico da Terra. Diante disso, abordar o assunto em sua dimensão geológica é decisivo, e é importante considerar o quadro geral fornecido pela Ciência do Sistema Terra para promover um modo de pensar mais abrangente e efetivamente planetário.

4 Diante da trágica e mais recente invasão russa à Ucrânia, e das conseqüentes implicações desta ação sobre programas e projetos de cooperação internacional realizados em Moscou, o instituto suspendeu suas atividades a partir de fevereiro de 2022.

Tal abordagem catalisa as perspectivas previamente articuladas por Bratton sobre o design especulativo:


Em vez de concluir que o futuro (e o futurismo per se) está perdido, devemos mobilizar a modelagem de infraestruturas para propósitos melhores e mais vibrantes. Para isso, é preciso que o propósito dos modelos especulativos seja redirecionado: que se dediquem menos a prever o que provavelmente irá ocorrer (como no caso da previsão de determinados cenários avançados) e se voltem, em vez disso, à pesquisa do espaço de possibilidade real (mesmo e, sobretudo, além daquilo que qualquer um de nós poderia conceber de outra forma). Isto é, modelos preditivos são adaptativos porque eles se baseiam em uma descrição. Já para a especulação os modelos devem ser prescritivos, pois é necessário que eles se tornem normativos (Bratton, 2016: s.p.).


Esta visada exerce importante influência sobre as premissas epistemológicas a partir das quais os projetos especulativos do programa irão se desenvolver, fundindo teoria do design e prototipação programaticamente a partir da especulação. Em contraste com perspectivas que procuram imaginar destinos de apelo mais descritivo, tal proposta favorece uma imaginação mais ambígua (e também “vibrante”), que remete à condição infraestrutural do design – uma fissura nas condições atuais normais, das quais emergem normalizações em potencial. Esta é precisamente a razão pela qual os trabalhos de ficção científica que exploram a verdadeira ambiguidade dos cenários futuros conseguem prover insights mais significativos sobre seus futuros imaginados. Quando desalinhada de condições estruturais mais profundas, a especulação corre o risco de se tornar pouco mais do que um fetiche de ideais amplamente difundidos no cotidiano, ou, pior ainda, apenas uma justificativa para manter as coisas como elas estão.


Como coloca Klára Peloušková (2020), a notável abstração do projeto de Bratton pode colocar certo grau de suspeição sob as suas ambições. Porém, também deixa claro como tal perspectiva tem pouco a ver como formas mais espetaculares (e também menos imaginativas) de design especulativo, cujo interesse principal se volta à produção de representações alegóricas. A perspectiva esquematizada pelo programa Terraforming compreende uma obsessão com o materialismo científico e filosófico, e especula sobre a organização e normalização de novas megaestruturas, sem deixar de considerar seu grau de ambiguidade e incerteza. A sugestão de normas e valores emergentes, contíguos a tais estruturas, faz parte dos cenários especulativos, e permite que a extrapolação tecnocientífica permaneça entrelaçada com uma análise crítica das conjunturas políticas.


Proponho aqui mostrar como tal perspectiva opera, com a descrição e análise de um dos projetos desenvolvidos no programa de design Terraforming. Esta análise também permite lançar um olhar mais preciso sobre como tal projeto entrelaça aspectos específicos da ficção científica e do design especulativo.


Daleko: entranhando design e ficção científica


Daleko é um dos projetos de conclusão do primeiro ano do programa Terraforming, e foi desenvolvido por Eleanor Peres, Anastasia Sinitsyna, Tigran Kostandyan e Tim Nosov. Eles propõem nove histórias ilustradas de ficção científica ambientadas em territórios urbanos e rurais do chamado “espaço pós- soviético”, e centram-se em locais historicamente ligados ao depósito de resíduos sólidos de diferentes origens. Os contos são narrados através de fragmentos textuais ilustrados e animados com a estética de cartoons soviéticos tardios. As ilustrações exploram um rico conjunto de motivos bioquímicos, cartográficos, cosmológicos e tecnocientíficos. O tom anacronístico dos grafismos se ajusta ao propósito de entrelaçar diferentes temporalidades dos contos, e a percepção de uma cronologia mais estendida ressoa com a ideia de problematizar, ao longo do projeto, a temporalidade cíclica do lixo, da poluição e da sucata.


Integrado à perspectiva de Bratton quanto ao design especulativo, Daleko sugere que a situação climática vindoura do planeta exige projetos de larguíssima escala e de longa duração. Assim, são necessárias alternativas às soluções em voga, tais como a economia circular, para lidar com os ciclos de descarte de grandes proporções. O projeto reconhece primeiramente a necessidade de revisitar o próprio conceito de lixo, com o entendimento de que as noções de senso comum compreendem o lixo enquanto uma forma

de exterioridade, o que é profundamente enganoso: trata-se de uma perspectiva problemática, que implica diretamente no imaginário de que há um “espaço exterior” para onde toda a matéria desperdiçada deve ir. O entendimento habitual de que os materiais descartados eventualmente irão desaparecer em um depósito qualquer (se tornando lixo) está claramente associado ao seu deslocamento geográfico. Não surpreende que esta exterioridade imaginada se defina em parte por acordos geopolíticos e financeiros, tal como o bem documentado fluxo transfronteiriço de lixo eletrônico, que normalmente deixa os país desenvolvidos em direção aos países em desenvolvimento (Gabrys, 2011; Parikka, 2015). Como coloca Ioana Jucan, “o [objeto] obsoleto não desaparece – ele se desloca” (Jucan, 2019: 12). Ainda assim, a perspectiva deslindada em Daleko leva este argumento adiante, ao explorar as condições geoquímicas do descarte e da poluição. Neste sentido, interiorização e externalização passam a ser entendidas como expressões de uma divisão anterior entre natureza e cultura. A designação normativa de aterros, ferros- velhos e depósitos de lixo enquanto locais cultivados para o descarte provém uma imagem-testemunho da perspectiva de curta duração a partir da qual compreendemos o processamento geoquímico da matéria. A organização geotécnica destes lugares contribui na formatação da duradoura imaginação do lixo como algo externo. Assim, na longa duração é necessário que sejam projetadas outras formas de coletar e acomodar o excedente material. É por isso que em Daleko a questão dos resíduos enquanto formas de exterioridade é reimaginada a partir de uma compreensão mais abrangente. Em vez de restos e sobras, emerge o entendimento de um metabolismo planetário, da matéria que se dobra sobre a matéria a partir de seu processamento físico-químico indelével. Os ciclos metabólicos orgânicos da Terra se entranham com a dinâmica da matéria artificial, produzida por processos técnicos antrópicos. Sob esta abordagem materialista, megaprojetos ambiciosos e abrangentes de infraestrutura devem se enredar programaticamente com agendas atentas à escala dilatada do tempo geológico.


Nas páginas a seguir, sintetizo os nove contos que compõem o projeto Daleko, destacando a relação entre os cenários ficcionais imaginados e as alternativas de extrapolação tecnocientífica exploradas. A extrapolação de padrões e modelos tecnológicos é uma característica importante da ficção científica, e por isso me dedico mais detidamente sobre esta especificidade. Por priorizar a observação do projeto como um todo, de forma mais ampla, as análises não procuram esgotar nenhuma das histórias5. Uma noção mais generalista destas narrativas permite perceber mais claramente aquilo que as une, favorecendo a observação de como a pesquisa envolvendo o design especulativo pode ser articulada com o conhecimento tecnocientífico de modo mais geral, e com as extrapolações que motivam a ficção científica, mais especificamente.


O conto Moscow Garbage Ring se volta ao imaginário de periferia, mostrando como nossas práticas de descarte estão emaranhadas com esta noção e como o trabalho informal domina atualmente a gestão e o fluxo transfronteiriço de resíduos. Os aterros sanitários na Rússia ocupam uma área do tamanho da

Holanda. Cerca de 80% dos resíduos domésticos são enviados para estas áreas de despejo, e o que sobra normalmente é incinerado. Este conto imagina a revitalização experimental da cidade de Pushchino, um importante centro científico ao sul de Moscou, que recebe boa parte dos afluxos de lixo da cidade. No futuro, o “Ministério de Tecnoestética” aprova um programa piloto que define que todos os resíduos devem ser devidamente reutilizados como matéria- prima de segunda mão ou fertilizantes, reduzindo em 70% o desperdício na cidade. As calhas e canaletas de lixo, além de alguns tipos específicos de embalagens, passam a ser proibidas na cidade, levando as empresas a desenvolver tecnologias para reprocessar os materiais. Esta norma hipotética é inspirada em um movimento ecológico dos anos 1960, liderado por


5 É claro, é recomendável que o leitor interessado acesse o projeto Daleko completo, disponível em: <https://daleko.space/>. Acesso: 31 jan. 2022.

cientistas de Pushchino. A localidade é referência científica nacional, por apresentar uma confluência entre iniciativas de sustentabilidade e pesquisas em química e biologia molecular. Na história, o circuito do lixo de Moscou é transformado em um parque seminatural, conhecido por suas paisagens híbridas, que combinam os biomas recém-nascidos com uma arquitetura conservada de séculos anteriores. A região adota um ethos eco-agrícola que inclui abordagens bem conhecidas, tais como a permacultura, sistemas aquapônicos, slow food, além de inovações derivadas do reprocessamento de commodities petroculturais.

 


Ilustração do conto Moscow Garbage Ring. Fonte: Daleko.space


Outra história, Flight Path Zapovednik, explora como o conceito de externalização dos resíduos pode afetar biomas e populações locais muito específicas, especialmente quando alinhado a uma visão torpe sobre o desenvolvimento. A narrativa descreve o caso das estepes cazaques enquanto uma “zona de sacrifício”, que viu toda a sua biodiversidade diminuir drasticamente em poucas décadas. A instalação do Cosmódromo de Baikonur, nos anos 1950, transformou a área no maior porto espacial do mundo, além de um espaço para a testagem de mísseis balísticos. Em apenas alguns anos, o combustível altamente tóxico usado nos lançamentos de foguetes degradou claramente a vida selvagem, o gado, e as comunidades locais ao longo da trajetória de lançamento. O conto explora este caso, elaborando um projeto que entrelaça práticas de cuidado ecológico e tecnocientífico, controle ambiental e relações internacionais com uma abordagem nomotética. O projeto traça um plano alternativo de remodelagem da região, vislumbrando um acordo para a construção de uma reserva natural nos próximos anos: após décadas de poluição causada pelos detritos de armas nas estepes cazaques, renegocia-se uma dívida da antiga URSS entre Rússia e Cazaquistão através de um novo pacto para “fitorremediar” a área no entorno da rota dos voos. O acelerado aumento da temperatura na Rússia pressiona o governo a investir no financiamento deste projeto, que opera através de informações de “cuidadores nativos pagos, imagens de satélite, mapas de calor, e centros de dados distribuídos" (Peres et al., 2019). Com este arranjo, a área se torna a primeira paisagem protegida no planeta a combinar tecnologias contemporâneas de sensoriamento remoto com práticas indígenas de manejo de terra, por meio de um projeto de cooperação transnacional.


A história seguinte, Rebirth Orbit, aborda o chamado "espaço sideral", o limite mais extremo de exterioridade imaginada. O conto conecta a especulação com experiências de gestão de lixo espacial em desenvolvimento no presente. A história informa que atualmente 90% dos objetos na órbita da Terra são resíduos sólidos, conseqüência de décadas de abandono e descarte não regulamentado de naves espaciais e satélites. O conto, portanto, imagina um programa espacial que não apenas leva astronautas e novos equipamentos para fora do planeta, mas que também recolhe lixo espacial, descartando-o em áreas explosivas da atmosfera solar. Esta ideia é abertamente baseada em iniciativas como o RemoveDEBRIS6, e em projetos de reciclagem de detritos espaciais desenvolvidos pelo Laboratório de Resíduos Espaciais do Studio Roosegaarde, que pretende transformar os detritos em estrelas cadentes, ou ainda usá-los como matéria-prima para construções na lua impressas em 3D. A faxina cósmica realizada por meio de foguetes recolhedores de lixo, como proposto em Rebirth Orbit, não extrapola as tecnologias a serem utilizadas, já em desenvolvimento nos laboratórios espaciais atuais, tanto quanto extrapola as atuais estruturas de governança: no conto, o controle de reentrada, o descarte de naves e a coleta de detritos espaciais são todos regulados por novos acordos internacionais e serviços transnacionais dedicados ao problema compartilhado do lixo espacial.


O conto Deep Sekretiki lida com o problema da poluição em relação ao extrativismo e à infraestrutura colossal desenvolvida para fornecer petróleo em escala planetária. Esta história é particularmente interessante porque pressupõe a compreensão da Terra como um sistema metabólico, onde órgãos sensoriais (monitores) orientam e regulam a relação entre digestão e excreção. Ela imagina o redesenho


6 RemoveDEBRIS é um projeto de pesquisa que busca construir e testar tecnologias de remoção de detritos espaciais em potencial. Este objetivo envolve a demonstração de diversas tecnologias de remoção ativa de detritos aplicadas a alvos-teste localizados em órbita baixa. A estrutura da plataforma experimental está equipada com redes, arpões, altímetros a laser e microssatélites.

de duas infraestruturas gigantescas e complementares já existentes: a primeira é a estrutura de controle via satélite utilizada por operadores comerciais e militares, reimaginada como um artefato para monitorar horizontalmente as emissões de carbono e os vazamentos de metano, informando agências reguladoras; a segunda é a ampla rede de oleodutos de extração de petróleo, reformada e retroprojetada para realizar captura e armazenamento de carbono. Tais infraestruturas têm décadas de existência, possuem notória baixa eficiência energética e, enquanto estruturas subterrâneas, são invisíveis a olho nu. Neste projeto, a especulação envolve tornar as estruturas subterrâneas profundas de extração de petróleo visíveis e mensuráveis, fornecendo um parâmetro para manter os níveis de vazamento e emissão dentro dos limites estabelecidos pelas agências reguladoras. Novamente, isto envolve um cenário organizacional mais amplo, que no conto se materializa com a fundação de uma futura Unidade de Sensoriamento das Emissões Planetárias (PESU), responsável não apenas pelo monitoramento, como também pela divulgação do maior conjunto de dados globais sobre os efeitos contínuos de tal infraestrutura em relação à mudança climática. A PESU apresenta ao governo russo as estatísticas comprometedoras, porém cotidianas, sobre sérias violações ambientais envolvendo vazamentos de petróleo, e a indústria de combustíveis fósseis é legalmente forçada a atingir os padrões internacionais conforme o sensoriamento, mantendo as emissões anuais abaixo do limite estabelecido de 20%. Esta história é especialmente interessante por entrelaçar ciências de dados, jornalismo climático e geoengenharia em um mesmo projeto multi-institucional imaginário.

 



Ilustração do conto Deep Sekretiki. Fonte: Daleko.space


A trama da história seguinte, Nuclear Ikea, é narrada por um sistema de inteligência artificial responsável pelo monitoramento, gerenciamento e regulação de combustível nuclear usado, que fica depositado em um Repositório Geológico Profundo7, no subsolo (5 km de profundidade) de uma cadeia montanhosa em Nizhnekamsk, na Rússia. Esta história imagina uma época em que o combustível fóssil não é mais a fonte de energia global dominante. O desenvolvimento de uma nova geração de reatores de nêutrons modulares e acessíveis permite a propagação planetária de reatores de energia nuclear, bem como a reutilização em larga escala de combustível nuclear usado. Computação, automação, logística e geoengenharia operam em conjunto, na forma de um serviço de armazenamento e gerenciamento do combustível nuclear usado, que passa a ser movimentado para dentro e para fora do território nacional. Embora não entre em detalhes, o projeto parece explorar duas importantes precondições subjacentes a esta situação hipotética: o desenvolvimento de uma rede transcontinental para o transporte e gerenciamento logístico dos resíduos nucleares; e a reestruturação da mão-de-obra conduzida em


7 Um repositório geológico profundo é uma instalação composta por uma rede de túneis subterrâneos e salas de armazenamento planejados para a deposição de resíduos das usinas nucleares. Dispostos estrategicamente em uma camada geológica estável no subsolo, os rejeitos radioativos de alta periculosidade devem ser armazenados e isolados por um período de milhares de anos.

condições de trabalho perigosas, que passa a ser desempenhada por agentes não-humanos, computacionais8.

River in Death Valley trata do caso de Khalmer-Yu, um antigo assentamento urbano estabelecido para mineração de carvão desde os anos 1940 até 1990. Nas últimas décadas, a área foi transformada em um campo militar para testagem de bombas e outras armas. Em Daleko, esta região deixa de funciona como um local de testes armamentistas. Em vez disso, o local é revertido em um espaço para experiências científicas relacionadas à mitigação das mudanças climáticas, gerando demanda de mão-de-obra para trabalhadores locais e visitantes. O aeroporto militar torna-se a área laboratorial de onde partem aeronaves para realizar a injeção de aerossóis na estratosfera. As unidades de sensoriamento são utilizadas para medir a temperatura, a composição do ar e a reflexão solar. Ao mesmo tempo, o conhecimento dos cidadãos locais é utilizado para compreender os resultados do impacto antropogênico na terra, na flora e na fauna. Efetivamente, a ideia central deste conto é a reformulação do conceito de campo de testes: a conversão de um local de testagem de armas, ambientalmente e geopoliticamente problemático, em um laboratório de geoengenharia voltado a problemas de pesquisa sobre o clima sugere uma experiência localizada a ser amplificada, de modo a melhor compreender e mitigar os efeitos regionais do aquecimento global.


Um dos grandes desafios na compreensão cotidiana acerca do lixo está no modo como concebemos a questão do descarte como um problema de ação individual. Este raciocínio é contraproducente, uma vez que a responsabilidade individual representa apenas uma pequena parte do problema, diante da complexidade e da escala industrial da produção de resíduos. Para poder dar conta da dimensão mais ampla deste assunto, é necessária, dentre outras coisas, uma forma mais eficaz de rastrear o fluxo transcontinental de resíduos sólidos. Como apontado em um estudo anterior (Luersen & Fuchs, 2021), organizações ambientais como a Basel Action Network chegam a inventar estratégias de monitoramento bastante idiossincráticas para tentar dar conta do problema9. No entanto, com a persistência de descargas irregulares, mas também de incêndios e desmatamento, precisamos fazer uso das potenciais ferramentas e redes de monitoramento de ponta que já temos disponíveis. O conto Black Sky Coordinates explora esta situação delicada, sugerindo uma aproximação entre modelos de redes neurais, unidades de prevenção de crimes ambientais e nossos telefones pessoais, propondo a construção de um instrumento público de monitoramento, capaz de identificar e informar abertamente os níveis de poluição do ar de uma determinada região, por exemplo. Ao explorar o interesse público, pelo fornecimento de instrumentos adequados para que os cidadãos monitorem os índices de poluição local, o projeto também especula sobre medidas nomotéticas, na medida em que tanto o direito ao ar puro como o direito ao acesso de informações atualizadas e confiáveis sobre a poluição local passam a ser assegurados pela constituição federal.


8 Essa história demonstra como é oportuna a observação de Julian Bleecker, de que possíveis erros e acidentes também devem ser imaginados e incorporados aos projetos especulativos. Embora o debate público a respeito de temas como a gestão de resíduos radioativos gere normalmente muita animosidade, os projetos especulativos não devem evitar estas questões, na medida em que elas também podem nos lembrar que em projetos tecnológicos de grande escala, as contingências devem ser consideradas nas mesmas proporções.

9 Estas estratégias incluem, por exemplo, a instalação de equipamentos rastreadores e câmeras escondidas em contêineres de lixo para monitorar o descarte ilegal e o tráfico de sucata em portos, alfândegas e outras zonas fronteiriças (Hopson & Puckett, 2016; Baldé et al., 2017).


Ilustração do conto Black Sky Coordinates. Fonte: Daleko.space


A narrativa de Oceanic Swarm começa com uma declaração familiar sobre nosso ainda muito limitado conhecimento sobre as profundezas do mar. O projeto retoma o farol abandonado Aniva, uma torre (outrora utilizada para auxiliar na navegação de navios) que se tornou obsoleta com o desenvolvimento das tecnologias de GPS. Na história, o farol é recondicionado e passa a integrar a Estação Aniva: um alojamento que recebe informações acústicas coletadas por enxames de Veículos Subaquáticos Autônomos e as retransmite para um conjunto de satélites interconectados. Esta estação é imaginada como um nó essencial para a futura integração das comunicações entre a biosfera, a hidrosfera e a tecnosfera, em um sistema cibernético viável, que retroalimenta informações para um banco de dados de longo prazo. Os sinais sonoros capturados pelos enxames fornecem informações atualizadas sobre condições do mar (sua temperatura, salinidade, densidade e grau de poluição) a uma ampla rede de institutos de oceanografia e biologia marinha envolvidos na observação climática global. Além disso, o projeto também sugere uma relação entre tal tarefa de monitorando oceânico e a gamificação, descrevendo o analista destes dados como uma espécie de "personagem de um videogame sobre o mundo marinho, que procura por sinais de potenciais ameaças ambientais" (Peres et al, 2020: s.p.), ao mesmo tempo em que explora as regiões ainda desconhecidas do fundo do mar.


Enquanto a história anterior se aproxima com curiosidade do substancialmente desconhecido espaço oceânico, o conto Copernican Dive se volta à quantidade de matéria que é sabidamente despejada nos oceanos, rotineiramente. O projeto informa que a Rússia despeja anualmente cerca de 13.000 toneladas de resíduos plásticos no mar. Para se ter uma ideia, estudos da paleobiologia asseguram que a quantia acumulada de plástico produzido até 2015 já era suficiente para embrulhar o mundo inteiro em filme plástico (Zalasiewicz et al., 2015). Ao passo em que discussões sobre um chamado “Plasticeno” se desenvolvem (Haram et al., 2020), as políticas e leis de reciclagem em voga provam não ser suficientes para evitar que grande parte da matéria plástica consumida acabe dentro do oceano. O projeto especulado em Copernican Dive considera a dimensão ecológica, evidentemente, mas também as implicações técnicas, jurídicas, geopolíticas e econômicas envolvidas no problema do descarte de plásticos. O conto prevê que, em um futuro próximo, o problema do despejo de plástico no mar receberá tanta cobertura e atenção da mídia quanto a queda de detritos da Estação Espacial MIR no Oceano Pacífico recebeu em 2001. O projeto infere que a gestão de resíduos passará em breve a ser considerada um tema de bem comum planetário, efetivamente, sendo sujeita ao escrutínio da comunidade internacional. Em face das catástrofes climáticas presentes e vindouras, a economia global deve reestruturar-se em torno de problemas ambientais, com a modelagem dos efeitos biogeoquímicos do lixo e a simulação de cenários futuros delegando um peso mais importante para funções de monitoramento. Com a possibilidade de parametrização e avaliação estrita dos danos ambientais provocados por diferentes desastres em escala planetária, as partes responsáveis devem passar a ser legalmente responsabilizadas perante a comunidade internacional, tornando o despejo de lixo nos oceanos algo economicamente custoso para os envolvidos.

Ilustrações do conto Copernican Dive. Fonte: Daleko.space


Um dos aspectos decisivos das histórias apresentadas em Daleko é que as formas de extrapolação tecnológica parecem encaminhar, num plano de fundo, questões de economia e geopolítica multipolares. Apesar do alto grau de incerteza que permeia as relações exteriores no momento atual, os recentes acontecimentos na política global sinalizam uma crescente percepção sobre a necessidade de mitigar os efeitos da mudança climática. Com o aparente alinhamento de China, União Européia e (muito recentemente) os Estados Unidos com o Acordo de Paris, e com mercados inclinados para iniciativas verdes, é provável que a agenda da governança ambiental passe a penetrar mais diretamente nas relações internacionais, através de tratados e acordos comerciais multilaterais, como sugerido pelo historiador econômico Adam Tooze (2020). Para Tooze, mesmo que os novos regimes de poder ligados à gestão do clima não resultem em percepções consensuais entre os estados soberanos, é possível que empresas e corporações que representem uma ameaça à estabilidade ambiental passem a correr um maior risco de perder sua licença para operar. Neste cenário, é mais provável que aconteçam intervenções políticas, articuladas com leis, normas e regulamentos mais estritos relacionados à questão climática:


Na semana anterior ao discurso de Xi Jinping na ONU, o Climate Action 100 Plus, um grupo de lobistas que representam investidores globais com um patrimônio acumulado de US$ 47 trilhões, anunciou que passou a avaliar 161 das maiores empresas, coletivamente responsáveis por até 80% dos gases de efeito estufa industriais globais, pelo seu avanço para zerar as emissões líquidas de carbono até 2050. É óbvio que há um componente de greenwashing corporativo em qualquer declaração desse tipo. Mas também se trata de um voto da parte dos maiores gestores de ativos, como BlackRock e Pimco, contra o negacionismo. Assim como Pequim, eles entendem que o status quo e a acumulação de capital no futuro também dependem da manutenção de uma situação ambiental estável (Tooze, 2020: 7).


Os projetos de design de Daleko estão todos entrelaçados com implicações jurisdicionais e geopolíticas, mesmo que a dimensão diminuta dos contos não proporcione espaço suficiente para um desenvolvimento mais aprofundado. Ainda que muitos designers possivelmente não compartilhem um interesse profundo por economia, direito ou política internacional, explorar estes aspectos através de projetos de design especulativo representa uma oportunidade significativa para inserir a agenda sobre o Antropoceno na pesquisa e no ensino do design. Investigar as implicações políticas, geográficas e econômicas do Antropoceno possibilita construir um terreno robusto (e muito urgente) para questões abrangentes de design especulativo.


Também é neste sentido que o design especulativo pode extrair insumos da ficção científica. Especular sobre realidades vindouras exige imaginar diferentes pressupostos estruturais, a partir dos quais sociedades e culturas explicam suas condições de vida. O design especulativo pode imaginar os hábitos, gestos, pontos pacíficos e problemas que a interação com tecnologias emergentes pode estimular ou restringir, levando à reflexão sobre projetos em desenvolvimento e sondando procedimentos alternativos para potencial implementação. É também neste sentido que outras disciplinas e áreas do conhecimento podem recorrer às inspirações mais especulativas do design, na medida em que tais projetos permitem que as incursões teóricas de cada campo epistemológico sejam atualizadas e imbuídas de nova energia

– especialmente se pensarmos nos desafios e tensões particulares que a questão do Antropoceno traz para as mais diversas disciplinas.

Daleko também demonstra que o entranhamento contemporâneo entre design e ficção científica pode evitar repetir tendências de senso comum sobre o pensamento tecnológico. Pelo contrário, os modelos mais experimentais alimentam-se de um compromisso intenso com os desenvolvimentos científicos mais avançados. Isto não é tão diferente do que a chamada "ficção científica dura" sempre fez, o que, neste caso, exige dos designers uma constante atualização em relação aos diversos desenvolvimentos dos empreendimentos científicos contemporâneos. Por exemplo, para tratar da questão do lixo e dos resíduos sólidos na era do Antropoceno, os autores de Daleko mergulharam em pesquisas recentes das áreas de Geologia, Bioquímica, Astronomia, Biologia Marinha, Robótica, Ciências da Computação, Geoengenharia, Ecologia e Engenharia Agrícola. Esta é também uma possibilidade de desenvolver na prática, em torno do design especulativo, as ambições (muitas vezes mais discutidas do que implementadas) de projetos multi e transdisciplinares.


Algumas objeções poderiam ser feitas no sentido de que as histórias de ficção científica propostas por Daleko apresentam uma visão teleológica sobre a ciência e o progresso tecnológico. Em nosso entendimento, porém, o projeto sugere o oposto: que a tecnologia não se desenvolve em uma linha reta e, à luz do impacto antropogênico sobre a Terra, também é tarefa para os designers abraçar a artificialidade, com a longa duração das conformações geotécnicas, mas também a transitoriedade dos arranjos tecnopolíticos em mente. Como diria Bernard Stiegler (in Dunker, 2021), parafraseando uma velha fórmula filosófica, as tecnologias são, potencialmente, veneno e cura. Para torná-las curativas, seus usos e aplicações práticas devem ser administrados com cuidado. Durante muito tempo, o poder regulador dos Estados soberanos foi responsável pelo gerenciamento e pela moderação dos empreendimentos tecnológicos. No entanto, parece a cada dia mais claro que se os Estados continuarem a perder poder decisório nos desafios econômicos e culturais globais, será necessário descobrir ou inventar nos próximos anos diferentes formas de gerir eficazmente a tecnologia e seus efeitos. Com a crescente demanda por alimentos e diferentes tipos de produtos, a extração, o consumo e o descarte não tendem a diminuir, naturalmente. Engajar-se seriamente com novas formas de artificialidade parece necessário para a sustentação de formas viáveis e organizadas de coexistência. A extrapolação tecnológica pode depender, portanto, não apenas do design de tecnologias em si, mas também de como seus modelos são organizados e normalizados. O entrelaçamento entre design especulativo e ficção científica em Daleko opera em um ciclo retroalimentado, e sua concepção de planejamento repousa precisamente sobre estas duas instâncias: normalização das extrapolações, e extrapolação de normalizações.


Pode ser tentador relacionar o futuro imaginado em Daleko com a estética solarpunk (Schuller, 2019; Springett, 2017), movimento literário e artístico que tenta contrapor as visões sombrias sobre o desenvolvimento tecnológico a partir da proposição de cenários alternativos sustentáveis. A ficção científica solarpunk se opõe, propositadamente, aos fundamentos sombrios da estética steampunk e ao defasado cyberpunk, tentando produzir ficções científicas “mais otimistas”. Críticas pertinentes têm sido feitas ao entusiasmo em torno do solarpunk (Raven, 2020; Zuin, 2020), sobretudo em relação a uma notável "falta de crítica" na avaliação das práticas científicas, uma conformidade passiva em relação à inovação, ou pela simplificação dos problemas das utopias tecnológicas. Os cenários futuros de Daleko certamente podem ser relacionados ao imaginário solarpunk, mas isso não impede que o projeto explore arranjos mais complexos e pragmáticos situados entre regulação tecnocientífica, formulação de políticas e plataformas governamentais. A maioria dos contos correspondem a cenários onde o meio científico se enreda com agentes de governança bastante familiares – precisamente porque os projetos parecem incorporar, como um subtexto, as crises atuais de nossas instituições políticas consolidadas. As histórias procuram antever possibilidades para um contexto diferente, mesmo que mais intricado, em vez de apostar nos destinos utópicos e distópicos mais comumente imaginados (isto é, nem uma completa acomodação ideal, nem uma total ruptura em relação às atuais condições de coexistência).

Tal perspectiva apresenta-se como uma alternativa à tendência habitual de ficcionalizar o futuro dicotomicamente, recaindo em fetichismos ou catastrofismos tecnológicos. Em vez disso, o trabalho explora as sutis ambigüidades e os hábitos que caracterizam nossa relação cotidiana com infraestruturas tecnológicas. Os nove fragmentos de Daleko parecem todos mais próximos de estéticas solarpunk do que das projeções apocalípticas; porém, devido ao compromisso do projeto com a perspectiva sobre o design especulativo descrita na seção anterior deste artigo, seria enganoso pensar nestes contos apenas como projeções otimistas. É importante considerar, portanto, como as nove histórias tensionam diversas brechas e limitações tecnológicas e jurisdicionais. Isto é importante pois através deste tensionamento os cenários imaginados são enquadrados como questões em aberto, cujo resultado depende não apenas do design, mas de arranjos contextuais mais amplos a serem decididos.


Desta forma, Daleko explora como o design especulativo pode se voltar para a construção de modelos de futuro imaginativos, mas ainda assim profundamente materialistas. Ao contrário do que se poderia pensar em um primeiro momento (e os contos nos ajudam a superar este impasse), isto não significa desapegar-se de um olhar criterioso sobre as normas e regulações cotidianas, mas, pelo contrário, mergulhar com um comprometimento efetivamente racional sobre a articulação tecnológica e política destas normatividades. Isto leva o projeto a especular sobre cenários de normatização bastante inventivos, por vezes repletos de ambiguidades. Trata-se de uma tendência que reflete a abordagem particular do programa Terraforming ao design especulativo, enquanto um método que deve apelar à necessidade. Um método que não tenha receio de tocar em questões sensíveis, mas que sobretudo seja pragmático no sentido de "identificar os parâmetros daquilo que é necessário, operando a partir desta projeção até a realidade presente, da forma mais aberta possível em relação aos meios que seriam necessários para alcançar os objetivos traçados" (Bratton, 2021: s.p.). Enquanto extrapola programaticamente as situações cotidianas de impasse em relação a tecnologia e governança, Daleko imagina as infraestruturas futuras com este grau importante de pragmatismo, considerando que o design é capaz de desencadear uma série de extrapolações adicionais nos ambientes rurais e urbanos. O projeto fornece imagens alternativas que permitem discutir o papel do design nestes contextos, mais especificamente em relação a questões de gestão de resíduos e mitigação da mudança climática. Isto, por si só, já é motivo suficiente para fazer avançar esta agenda de pesquisa, sobretudo tendo em vista que já há dados, imagens, estimativas e projeções suficientes de futuros em que os efeitos adversos do Antropoceno não são radicalmente confrontados, tecnológica e politicamente. Além disso, o projeto cumpre ainda um importante papel epistemológico, ao estimular os designers a imaginar não apenas cenários futuros abstratos, mas também as possibilidades efetivamente materiais de nosso atual aparato tecnológico – dois aspectos fundamentais para a teoria e a prática do design contemporâneo (Luersen, 2020). Por todas as razões elencadas acima, entendo que abordagens ao design especulativo como esta podem ter um papel muito importante em contextos de ensino do design, um argumento que procuro expandir na seção seguinte.


O design especulativo em contextos educacionais

A extrapolação simultânea de aspectos tecnológicos e jurisdicionais através da ficção científica contribui, portanto, para o exercício substancial de especular sobre futuros evitáveis ou realizáveis. Com isso, os projetos de design especulativo também estimulam imaginar qual será o papel do design em tais horizontes. Trata-se, portanto, de um ponto de entrada para entender o design não apenas como um ofício especializado, mas também em seu aspecto epistemológico mais amplo, com ramificações substanciais nas práticas organizacionais, na gestão pública, e mesmo em questões de soberania e governança ambiental. Neste sentido, como Dunne & Raby ressaltam, "[um] projeto de design especulativo também pode servir para "sondar" os limites legais e éticos dos sistemas existentes" (2013: 57). Trata-se, portanto, de uma forma fascinante de discutir qual o papel exercido pelo design nestes limites, como também em sistemas alternativos, com suas próprias limitações em potencial. Realçar todas estas questões é particularmente desejável em contextos de educação em design. Em termos de questionar a utilidade do design em relação aos problemas multidimensionais de um mundo complexo (Cardoso, 2016), em que problemas de escala local e global muitas vezes se sobrepõem, o design especulativo se

torna um método interessante para o aprofundamento teórico de disciplinas de projetos aplicados. Quando adotada na produção de briefings e protótipos, ele pode amplificar questionamentos sobre a variedade de papeis desempenhados pelo design em relação a problemas contextuais.


Diante da necessidade de agir coletivamente em questões urgentes relacionadas ao Antropoceno, como a mudança climática, não basta que o campo do design produza discussões teóricas sem imaginar iniciativas de ação programática – assim como também não basta, nesta delicada conjuntura, agir sem a orientação de fundamentos conceituais. Como coloca Anders Dunker (2021: 4), é preferível seguir o velho conselho pedagógico de “aprender a aprender”, efetivamente, mas isto deve ser complementado substancialmente. As iniciativas políticas sérias devem enfrentar os verdadeiros obstáculos endógenos e exógenos às ameaças climáticas. Afinal, se as ciências naturais nos informam sobre os fatores decisivos da crise ambiental e, com isso, permitem estimar cenários futuros por meio de diversas projeções científicas, também é verdade que, na prática, a mitigação dos efeitos da mudança climática global só pode ocorrer a partir da normalização de outras práticas antropotécnicas. Se é de fato correto afirmar que precisamos descobrir ou inventar formas adequadas de convivência com outras espécies (Haraway, 2016) nos ambientes destruídos ou arruinados de nosso planeta (Tsing, 2015), as alternativas especulativas devem ultrapassar a esfera retórica dos discursos morais e materializar-se gradualmente na prática cotidiana enquanto formas de conhecimento técnico aplicado – isto é, dentre outras coisas, no design. Estas questões já se manifestam publicamente, mas isto por si só não é suficiente. Para permear adequadamente a vida prática, eles devem ultrapassar a camada discursiva, penetrando nas disciplinas estabelecidas. Em termos do ensino de design, isso significa incorporar conhecimentos das ciências da Terra e do Espaço sobre questões ambientais nos projetos que empreendemos, por exemplo, envolvendo o pensar projetual com a dinâmica metabólica das manifestações geomórficas. Para aceitar este desafio como projetistas devemos fazer o que fazemos – articular artificialmente materiais e modelos – combinando as práticas técnicas e teóricas. A oportunidade para efetivamente incorporar este conhecimento em hábitos continuados de design (culturas de design) parte da sua integração no planejamento e na prototipagem desde as práticas pedagógicas, inicialmente. Quer seja aplicado posteriormente a atividades do setor público ou privado, esta é uma forma de problematizar desde o princípio as concepções do design enquanto uma atividade de curto prazo, com preocupações e motivações mais imediatas, para reconsiderá-lo mais adequadamente em relação à camada artificial do planeta pela qual ele é em boa medida responsável. Como coloca Cristina Parreño (2020), esta compreensão superficial (mas amplamente compartilhada) do tempo, que desconsidera os efeitos de longa duração de nossas atividades, também afasta as práticas correntes de uma avaliação mais séria dos efeitos profundos da ação antropogênica na Terra. O que está em jogo ao projetar produtos industriais, escolher um conjunto de materiais, desenvolver sistemas e técnicas, ou planejar novas infraestruturas rurais e urbanas, pode se manifestar visivelmente no curto prazo, mas irremediavelmente se estende para além dele. Acreditar no oposto seria o mesmo que esquecer a história antropotécnica de nossa espécie.


Portanto, em paralelo à aprendizagem sobre como planejar e modelar sistemas, serviços e produtos, a adoção do design especulativo como método no ensino do design oferece uma oportunidade para avaliar criticamente as potenciais responsabilidades de longo prazo, de nosso campo. Um ensino do design voltado a projetos de longo prazo deve necessariamente enquadrar as competências teóricas e profissionais do design em relação a diferentes matrizes científicas e contextos sociopolíticas. A abordagem ao design especulativo discutida e descrita aqui através do caso Daleko é particularmente significativa quanto a estes aspectos, devido tanto à sua aproximação de preocupações da ciência contemporânea quanto por sua percepção dos efeitos catalíticos do design na sociedade. O engajamento mútuo com estas perspectivas ajuda a compreender a ampla gama de materiais e meios técnicos à disposição para que designers se envolvam em projetos de infraestruturas sustentáveis, o que também requer considerar como tais projetos podem auxiliar, desestimular, adaptar ou reorganizar hábitos, regulações e modos de vida. As tecnologias de sensoriamento de ecossistemas, monitoramento de emissões, rotação de culturas, reutilização de materiais, energias renováveis, restauração de biomas etc., todas têm um papel a desempenhar na orientação de formas de vida viáveis e interdependentes em sociedade. Entretanto, embora parte destas práticas não sejam novas, elas ainda se encontram pouco conectadas a aspectos regulatórios e normativos de interesse comum. Da automação industrial e

aprendizagem computacional à engenharia genética, da inteligência artificial geral aos sistemas de sensoriamento remoto em rede e à manufatura em nuvem, as diferentes disciplinas do design podem encontrar uma gama variada de materiais distintos para pensar infraestruturas contemporâneas sustentáveis. A fim de transformar tais contribuições em algo que seja coletivamente benéfico e eficaz a longo prazo, os designers não devem abster-se de explorar a potencial fusão dos projetos com iniciativas mais duradouras da sociedade, tais como instituições políticas, órgãos públicos, plataformas de governança, organizações da sociedade civil, e assim por diante. Isto é relevante em contextos de ensino pois estimula os designers a serem um pouco menos autorreferentes, a fim de entrelaçar as possibilidades materiais e os desafios socioambientais da atualidade com uma imaginação extrapolativa, mas que ainda assim assegure um comprometimento pragmático com consequências de longo prazo.


Com isto em mente, pode-se concluir que a implementação de projetos especulativos como Daleko em contextos de ensino de design contribuem para atualizar e reformular questões urgentes relativas aos processos decisórios do design e suas consequências programáticas, em cenários inicialmente experimentais e hipotéticos. Enfatizo aqui o termo “experimental” porque o planejamento de tais infraestruturas extrapolativas oferece a oportunidade de enfrentar questões particularmente difíceis, incomuns, ambíguas ou até controversas, que de outra forma seriam dificilmente colocadas. Neste aspecto, os projetos especulativos não devem ser travados pelos nossos dilemas morais cotidianos, pois tais impasses podem ser particularmente benéficos para a discussão dos modelos. Quanto mais um projeto permitir explorar as franjas e os limites éticos, legais e práticos dos programas, serviços, sistemas e objetos projetados, mais adequado ele é para explorar junto com estudantes e pesquisadores os papéis reais e potenciais do design, bem como as suas limitações. Em Daleko, isto é mais claramente ilustrado pela história Nuclear Ikea, uma vez que a ideia de investir na tecnologia nuclear como fonte de energia renovável ainda é algo controverso entre diversas correntes políticas e ambientalistas, e mesmo no senso comum. Como os designers devem se engajar nestas discussões? O que poderíamos aprender para nossa prática a partir do estudo científico da energia nuclear como matriz energética? Quais são os aspectos técnicos e não técnicos que devem ser levados em conta em sistemas energéticos envolvendo reatores nucleares? Quais são as implicações do uso da energia nuclear para a eficiência energética, e quais poderiam ser suas consequências ambientais e políticas colaterais? Como tais implicações, subjacentes a acordos multilaterais, se relacionam com aspectos do design? Como as infraestruturas de gestão energética podem ser projetadas não apenas em acordo com normas e regulamentos internacionais atuais, mas também com outras regulações técnicas e políticas potenciais? A complexidade das questões tende a aumentar em paralelo com o processo de desenvolvimento dos projetos especulativos.


O design especulativo pode ser evocado como um método em diferentes graus de ensino do design, uma vez que a sondagem de cenários imaginativos favorece a ponderação de importantes questões transversais desde estágios iniciais do projeto, como o briefing, até a pós-vida do protótipo, estimulando o aprofundamento dos modelos hipotéticos ao longo do percurso.


Considerações finais

Enquanto alguns autores argumentam que o design especulativo deveria permitir aos designers ultrapassar as habituais restrições que demarcam os processos normativos do design (Auger, 2016), argumentei aqui que, em vez disso, os exercícios ficcionais do design podem enriquecer-se ao compreenderem tais restrições, imaginando como os projetos especulativos poderiam explorá-las (como uma alternativa para perscrutar, inclusive, seus potenciais efeitos colaterais não controlados e acidentais). Afinal, o próprio desenvolvimento, e as consequências dos processos antropogênicos subsequentes, deve acarretar no surgimento de novos processos normativos, sejam eles intencionais ou involuntários. Independentemente de nossos sentimentos em relação a elas, as dimensões normativas são intrínsecas ao design (sejam elas promissoras ou contestáveis) e, portanto, devemos explorar abertamente esta condição em contextos educacionais, enquanto uma oportunidade pedagógica enriquecedora.

Efetivamente, há abordagens muito diferentes entre si quanto ao design especulativo. Algumas delas tendem a refutar tal dimensão normativa e, portanto, se abstém de discuti-la em seu mérito. É também por isso que perspectivas como a de Daleko são importantes para a ensino e a pesquisa em design. Os problemas endêmicos que envolvem as economias neoliberais, a soberania dos Estados-Nações e as crises ambientais contemporâneas não serão atenuados naturalmente, com o agravante de que os três se sobrepõem, em um amontoado de prioridades conflitantes e temporalidades processuais distintas. Nos próximos anos, as disciplinas compositivas, o aparato normativo e as iniciativas civis terão que dedicar muita energia a questões de restauração, reforma, regeneração e engenharia reversa. Sob esta circunstância, desenvolver a capacidade de realizar projetos levando em conta cronologias mais largas e compreensões materialistas mais rigorosas deve ser importante até mesmo para as práticas especulativas, se desejarmos que as infraestruturas, regulações e demais intervenções futuras sejam de fato resilientes.


Não se trata, portanto, de mobilizar-se em oposição ao antropoceno. O reconhecimento da época em que a agência da espécie humana exerce um impacto geológico sobre a Terra é apenas um primeiro passo10, ainda que tardio, para que saibamos melhor ponderar e desenvolver, também enquanto espécie, modos de viver que sejam mais inteligentes e sensíveis em relação à manutenção nossa e de outros seres que compartilham conosco um minúsculo recorte espaço-temporal na história do planeta. Neste sentido, trata-se menos de enfatizar a excepcionalidade da agência humana em relação à mais larga temporalidade das épocas geológicas do que de reconhecer a inequiparável velocidade das transformações derivadas da ação antrópica no século mais recente. Cabe lembrar que, não por acaso, a institucionalização do design enquanto atividade industrial desemboca no período da Grande Aceleração do Pós-Guerra (McNeill & Engelke, 2016), em que materiais como o petróleo e o concreto cumpriram um papel fundamental no desenvolvimento da infraestrutura das sociedades humanas contemporâneas (sobretudo a partir da produção e distribuição em massa de produtos plásticos, do projeto de meios de transporte e de formas de habitação baseadas em modelos com alta demanda material e energética). É também por isso que é tão importante que a capacidade fictiva do design especulativo se mescle com outras disciplinas. Isto não precisa necessariamente ocorrer pela absorção de outras áreas por parte do design, como argumentado ao longo deste trabalho, mas também no sentido oposto: seria de grande aproveitamento para outras disciplinas, das ciências naturais às humanas, da biologia à economia, da astronomia ao direito, que pudessem aproveitar de tal capacidade imaginativa para repensar como seus princípios podem se orientar às necessidades dos diversos ambientes humanos e não-humanos no antropoceno.


Se há muito se argumenta pela interdisciplinaridade como um princípio epistemológico necessário para o desenvolvimento de conhecimentos complexos (Morin, 2001), é também nos espaços não preenchidos e nos projetos não implementados à luz destas necessidades, que a ficção e o trabalho com imagens, projetos e modelos, podem encontrar um ambiente fértil. A ficção pode agir como um catalisador na elaboração de modelos, imagens e projeções, ancorada na própria especulação, quando as necessidades mais específicas e prosaicas de cada disciplina não deixarem espaço à atividade fictional e seu potencial transfigurativo.


Neste mesmo sentido, os contos ficcionais de Daleko permitem ver que só é possível produzir modelos e protótipos diferentes se, em vez de conceituarmos os resíduos sólidos como uma forma de externalidade, sua durabilidade profunda for reimaginada, epistemologicamente, enquanto parte integral do metabolismo planetário. Sob uma abordagem biogeoquímica ao problema da gestão do lixo, os projetos, leis, tratados e intervenções técnicas devem ser corresponsáveis pela condução de formas viáveis de gerenciar os resíduos, não mais como recursos a serem consumidos e descartados indefinidamente.



10 Cabe sempre lembrar que, historicamente, o humano é apenas um entre tantos outros agentes capazes de gerar alterações tão substanciais. Um exemplo recorrente, mas ainda bastante ilustrativo, é o da superpopulação de cianobactérias que desencadearam o fenômeno chamado de Grande Evento de Oxigenação (GEO), durante o período paleoproterozoico, quando se extinguiu quase toda a vida na Terra e, ao mesmo tempo, gerou-se também a possibilidade do desenvolvimento de organismos multicelulares.

Resumidamente, entrelaçar especulativamente design e ficção pode fortalecer as possibilidades de problematização das condições materiais reais a partir de imagens e modelos alternativos, sobretudo no que refere ao desenvolvimento tecnológico e sua interface com normas e regulações de governança. Assim como a ficção científica, projetos de design especulativo intrigantes produzem suas extrapolações a partir de conceitos e teorias científicas, para fabular desde os futuros imaginados em direção ao presente, sem se abster de explorar a incerteza, testar limites e levantar questões notavelmente complicadas.


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